top of page

  Homilia  

340449479_1921557791525442_2170559069877286962_n.jpg
Fidelidade ao amor de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Domingo de Ramos - Semana Santa (Ano A) – 02.04.23 – missa às 09h30

Deus é humildade e promove a vida

Deus não faz as coisas como nós esperamos. O povo esperava um messias e os reis entravam nas cidades de forma triunfante, com exércitos, bandeiras, bandas e trombetas. Deus tinha anunciado “o messias vai entrar nessa cidade sentado em um filho de jumenta”, sinal de humildade e mansidão. Esperavam um grande general, mas Deus pensa diferente e Jesus entra na cidade no meio de uma festa popular, cumprindo o que o profeta tinha dito. Quem tinha olhos, viu, e quem tinha fé, entendeu. Deus está no meio do seu povo, não acima dele, e veio para servir o seu povo na paz, na mansidão. É isso que temos que aprender de Jesus: o verdadeiro rei de Israel, o salvador é o rei da paz, é o rei da vida e que promove a vida, a alegria do povo, para que o povo tenha vida em abundância, como disse São João.

Homilia Externa– Missa Domingo de Ramos – 10h – Pe. João Aroldo Campanha

Fidelidade ao amor de Deus

Mais uma vez iniciamos a Semana Santa, nos preparamos 40 dias para nos deparar novamente com o mistério da morte e ressureição de Jesus. Na Primeira Leitura do profeta Isaias [Is 50, 4-7], ele fala da fidelidade de Deus, que Deus é fiel e espera do seu servo fidelidade, aconteça o que acontecer. O servo coloca toda sua esperança em Deus, é ofendido, lhe batem, humilham, cospem, matam, e ele continua fiel a Deus. O pecado que nós cometemos no Eden, a desobediência e infidelidade cometidos no Eden, Jesus anula com a sua fidelidade. Ele é o verdadeiro homem, não Adão, é ele que nos dá a salvação, que é a imagem do Deus vivo e fiel, porque foi fiel até o fim.

Deus é humildade, serviço e entrega, e esse é o único modo para que se cumpra o que Ele quer, que é que todos tenham vida e que todos se salvem. Essa é a fidelidade de Deus, e Ele fará o que promete. Ele nos dá a salvação em Jesus, nos dá a salvação naquele em que os nossos pecados pessoais e sociais matamos. Na cruz de Jesus, aparece a iniquidade do mundo, a nossa pessoal e a do mundo. O mundo que procura só os próprios interesses, que hoje está isolando as pessoas no individualismo doentio, que prega sucesso a qualquer preço, que se tenta montar sobre a meritocracia.

Essas ideias criam em nós o sentido de autossuficiência: “se eu me basto a mim mesmo, se eu, com meu esforço, consigo tudo, eu não preciso de nada, de ninguém e nem de Deus”, os outros e Deus se tornam instrumentos para os meus fins. Essa é uma tentação diabólica do nosso tempo, nós somos salvos por graça, nós sozinhos não temos como nos dar salvação. É Deus, na Sua bondade infinita porque nos ama que nos salva, e nos salva no seu filho Jesus, que não teve medo e vergonha de se aproximar de nós, se fazer um de nós, de estar com pecadores, prostitutas, pessoas jogadas fora da sociedade. Não teve vergonha, sentava-se com eles, comia com eles, fez deles seus discípulos. Se Jesus não se envergonhou deles, não se envergonha de nós, e a salvação que deu a eles, dá a nós porque ele é bom e quer que sejamos salvos.

Nesse mundo, a salvação que Deus nos dá se traduz em promoção da vida, no combate à fome, à ignorância, à violência, na não violência ativa, em ter casa para as pessoas, ter trabalho, ter dignidade, superar os racismos de todos os níveis. Isso nós podemos criar nesse mundo porque nós cremos que Deus quer que todos se salvem, e todos significa todos, não os grandes, não os santos, não os bonzinhos, todos!

Deus não exclui, Ele acolhe, perdoa, mostra caminhos. Ele acolhe o pouco que podemos dar, e esse pouco, transforma em salvação para todos. É muito importante termos isso muito claro, porque o nosso tempo prega a autossuficiência, e isso não é cristão, é uma heresia. No passado, ela se chamava agnosticismo, hoje ela se chama individualismo. “Eu posso, eu consigo”, e isso entra na nossa cabeça e vai tirando dela o lugar de Deus, isso é um ídolo, o ídolo da morte, pois, muitas vezes, quem coloca o “eu posso, eu consigo, com as minhas forças”, começa a tirar as pessoas da frente, jogá-las fora e matá-las.

Temos que aprender de Jesus. Ele, que morre para dar a vida, não mata. Quando Pedro tinha a espada e corta a orelha do servo do sumo sacerdote, Jesus manda ele colocar de volta na bainha pois “quem com ferro fere, com ferro será ferido”. A violência cria violência, a morte grita por morte. A vida é o que nós queremos, é o que Deus quer para nós, e foi o que Jesus nos deu. A celebração que faremos no próximo domingo com o Sábado de Aleluia mostra que essa fidelidade de Jesus é a fidelidade de Deus, que dá a vida. A nossa história é esse processo no qual vamos passando, e Deus nos dá vida eterna, essa é a Sua justiça, é a vitória da cruz, da fidelidade.

Vamos procurar em todos os modos que podemos, em casa, no trabalho, na comunidade, na vizinhança, nas atividades, em todos os níveis, promover a verdade, a justiça, a honestidade, o diálogo, solidariedade. Vamos aprender a perdoar os outros, o que não significa renunciar à justiça do estado, que precisa que ser melhorada, mas precisa também ser aplicada porque isso também é o bem. Vamos entregar toda a nossa vida nas mãos de Deus, pedir para sermos fieis ao evangelho porque seguimos o crucificado que entrega a vida para que todos tenham vida.

338690601_921460535844439_6649860586837066573_n.jpg
Esperança e vida

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 5º Domingo da Quaresma  (Ano A) – 26.03.23 – missa às 10h

Muito bem, hoje nós vamos ter a instituição de coroinhas e pré-cerimoniários, então nós temos muitas crianças aqui!

Vamos falar um pouquinho da Primeira leitura [Ez 37, 12-14], lá do profeta Ezequiel, é sequência de uma imagem tremenda. O profeta está falando do seu povo que está sem esperança, perdido, parece um monte de ossos secos e, então, ele ouve a voz de Deus: “manda que esses ossos se unam”, e ele escuta um estrondo terrível e esses ossos todos se unindo. “Manda que se formem nervos, se forme carne, se cubram de pele”, mas, ainda eram mortos. Deus fala para ele: “profetiza aos quatro ventos que o Espírito venha e dê vida a esses corpos.” O profeta profetiza e o Espírito de Deus dá vida para aqueles corpos.

Isso, naquele momento, era para dizer para o povo que não perdesse a esperança daqueles que pareciam perdidos, Deus iria devolver lá para a terra de Israel e eles iriam reconstruir o templo e a nação toda. Porém, quando o profeta faz uma profecia, ele olha um momento atual em que ele está agindo, está falando, os problemas do povo, mas, na verdade a profecia manda lá para frente. É como se ele estivesse vendo uma montanha e, lá atrás, houvesse outra muito maior, apenas desenhada no horizonte.

Essa profecia manda para aquilo que é a ressurreição dos mortos, e é muito interessante a fala que nós ouvimos na primeira leitura “meu povo, quando eu tirar vocês dos vossos túmulos, vocês saberão que eu sou o Deus fiel, digo e faço.” É a palavra de Deus, é Deus que é fiel, nós é que nos perdemos em dúvidas, falta de esperança, desespero. Deus, não, Ele é fiel sempre! E, quando nós lemos o livro do Apocalipse, nós vemos que a última palavra sobre a história, sobre a vida, sobre o universo, será de Jesus, e a palavra dele é misericórdia e vida.

Então, temos essa situação no Evangelho de João [Jo 11, 1-45], em que temos sete sinais de Jesus. O primeiro é a transformação da água em vinho, lá no comecinho do Evangelho, capítulo 2, quando a mãe de Jesus está lá, ele transforma a água em vinho, é o primeiro sinal, e lá diz “os seus discípulos creram nele.” Esse de hoje, a ressurreição de Lázaro, é o sétimo sinal, é o último sinal. Jesus vai para Jerusalém, alguns dias depois ele será crucificado, e é muito interessante ouvir o fim do Evangelho: “muito judeus creram nele”, e, exatamente por causa da ressurreição de Lázaro, e porque muitos judeus estavam indo atrás de Jesus e iam ver Lázaro e começavam a crer em Jesus, os chefes decidiram matar Jesus.

Jesus está fora da Judeia porque já tinham tentado matá-lo e ele saiu do templo, fugiu, foi para Galileia. Quando Marta e Maria mandam avisar que Lázaro está muito doente, ele espera dois dias, e, naquele tempo, você vai a pé, então mais dois dias talvez para chegar, de modo que, quando ele chegar lá, já são quatro dias que está enterrado, morreu. O que quer dizer para eles quatro dias? Significa o fim de toda a esperança. Lá, nós estamos na região desértica, quatro

dias o corpo começa a apodrecer. Aqui demora mais porque aqui é mais frio, então a morte é “acabou, vai chorar no túmulo o teu desespero”.

Nós vemos Maria lá sentada, chorando, ela é o próprio desespero, e há outras pessoas que estão lá chorando com ela. É muito interessante ver que Marta apenas ouve dizer que Jesus está vindo e corre, não vai para o túmulo, que nem Maria depois, ela não vai para o túmulo, ela vai para Jesus. Mas, elas vão com a mentalidade velha, que é uma ideia de que vai ter uma ressurreição no fim dos tempos, e ideias nos consolam muito pouco.

O desafio que Jesus faz para Marta é muito grande: “eu sou a ressurreição e a vida.” Nós, cristãos, não acreditamos em ideias. Jesus não é uma ideia, é uma pessoa, e é nele que nós acreditamos, pois ele é aquele que nos dá vida eterna, que nos garante a vida depois da morte. É isso que Jesus diz para Marta, e ela vai fazer uma profissão de fé idêntica à de Pedro: “creio que você é o Messias, Filho de Deus, que deveria vir a este mundo.” Olha que interessante, toda vez que Jesus se encontra com uma mulher no evangelho acontece alguma coisa muito interessante, e aqui é uma profissão de fé, feita por uma mulher que não é do círculo dos doze e que tem a mesma intensidade daquela de Pedro, que é o chefe dos doze.

Eles vão até o túmulo e a coisa interessante é que Jesus se comove. Deus, no antigo testamento, muitas vezes diz “eu tenho amor pelo meu povo que nem uma mãe, as minhas entranhas tremem de amor pelos meus filhos, pelo seu povo.” As mulheres sabem o que é isso, que o útero treme. Deus fala que o amor dele é assim. Então, quando nós vemos Jesus, que se comove, chora, ele está nos revelando que Deus Pai é assim, ele que é Deus é assim. Deus se comove com os nossos sofrimentos, Deus se comove com as nossas dores, Deus se comove com as nossas amarras de morte e Ele nos dá a única coisa que Ele pode dar sobre as nossas mortes, Ele dá vida.

Deus só pode dar vida e vida eterna. É por isso que a ressurreição de Lázaro é um sinal, pois diante desse fato, daquele acontecimento, ou você crê em Jesus, e muitos creram nele, ou você abraça a morte, nega Jesus e o mata. Olha lá, quem matou Jesus? Fanáticos. Fanáticos religiosos, que, em nome da sua religião, que deveria ser uma religião de vida, matam. Esses são os fanáticos de ontem, de hoje, pessoas cegas, que não pensam, não são capazes de confronto, de diálogo, de rever as próprias posições, matam. Não interessa o que você apresente, elas matam, e foi isso que fizeram com Jesus e planejavam fazer com Lázaro.

Depois, Jesus diz, quando Lázaro ressuscita: “desamarrem, soltem as amarras.” O corpo era preparado que nem uma múmia, todo enrolado, depois todo amarrado, e, por isso, Jesus fala “desamarrem, tirem as amarras”, para que ele pudesse andar, sair de dentro daquela caverna. Essas amarras também são as nossas amarras da morte, situações da nossa vida pessoal, da nossa vida comunitária e da vida social que são amarras de morte.

Uma amarra de morte que nós muitas vezes carregamos e muita gente hoje está dentro dessa situação é depressão, em que você não vê nenhuma luz, e é uma situação tremenda. Pessoas precisam de ajuda e o caminho é difícil, essas são

amarras de morte pessoais. Nós temos amarras de morte, às vezes, na própria comunidade cristã, na própria comunidade Católica.

A Comunidade Católica agora está sofrendo ataques da extrema direita católica, desautorizando os bispos, a CNBB, o Papa, padres para criar medo, divisão, destruir. Essa gente que já deixou de ser católico há muito tempo continua dentro da igreja fazendo desastres. Temos as amarras sociais, esse ano nós falamos sobre a fome, 33 milhões de brasileiros na fome, mas, nós temos também todas as questões ligadas à educação. Já viram esses professores que estão fazendo uma série de manifestações contra a nova lei do ensino médio? Pois isso destrói a educação e é necessário que seja feita alguma coisa.

São amarras sociais que Jesus diz para os seus discípulos “desamarrem” para que as pessoas tenham vida, não é para outra coisa, é para que as pessoas tenham vida, tenham comida, tenham saúde, tenham uma educação boa. Isso é vida, vida que já começa aqui, vida que vai ser plena na presença de Deus. Jesus é a ressurreição, ele, a pessoa dele, e não uma ideia.

Vamos alguns instantes refletir, pedindo a Deus que Ele nos ajude a desamarrar esses ligames de morte que nós temos em nós, que, muitas vezes, é o pecado. Livre a nossa comunidade das suas amarras de morte, mas também nos ajude a livrar a nossa sociedade das amarras de morte que ainda estão nelas 

m tochas em todo o perímetro do templo de modo que se iluminava a cidade com a luz do templo, então era a festa da iluminação.

O que nós temos aqui? Nós temos Jesus que vê esse cego de nascença e faz uma coisa muito interessante, cospe no chão, faz barro, meleca de barro e passa no olho desse homem. Antes disso, os apóstolos tinham perguntado para Jesus: “mas, afinal de contas, quem pecou, ele ou os pais dele?” E por qual motivo? Os judeus achavam que doenças vinham como consequência do pecado, ou era a pessoa ou eram os pais, e chegaram ao absurdo de dizer que o feto, na barriga da mãe, podia cometer pecado contra a lei, isso tudo para justificar que a pessoa era doente.

Então, Jesus fala: “nem uma coisa, nem outra”, e faz barro e passa nos olhos do cego. Onde é que nós ouvimos falar de barro na sagrada escritura, vocês lembram? Gênesis. Na criação de quem? De Adão. Deus faz um boneco de barro e sopra vida. Então, o que Jesus faz? Ele pensa “nesse homem a criação não terminou, faltou barro”, e passa o barro, faz o gesto do Deus criador, mostra que é criador como Pai. Manda o homem se lavar, não na fonte do sumo sacerdote, lá na fonte de Giom, não, Siloé, lá no outro canto. O que Jesus está dizendo com isso? Sumo Sacerdote, a fonte, a lei antiga, tudo isso aqui acabou, não é aquela água que purifica, não é essa lei que dá vida. Quem purifica é Jesus, quem cria em nós o homem novo, a mulher nova é Jesus. Jesus é aquele que lava a nossa vida para que nós possamos ser seus discípulos, e o homem começa a ver. Jesus se encontrou com ele aqui, mandou ele lá, lavou os olhos.

Jesus sai da cena, não aparece mais, vai aparecer só lá no fim, e aí nós encontramos um momento muito complicado, a cegueira. Jesus curou o cego de nascença, mas as pessoas, muitas vezes, estão afundadas em uma cegueira muito pior. Esse homem começa a conversar com as pessoas porque as pessoas estranham “ué, mas cego de nascença pedir esmola e agora está aqui vendo? O que aconteceu?”, e ele contou. Isso chega no ouvido dos fariseus, que eram bons religiosos, observantes da lei, e Jesus tinha feito isso num sábado, dia sagrado. Aí os fariseus disseram “opa, pera aí! Como é que é essa história? Fez barro? Ou seja, trabalho. Mandou você se lavar, que conversa é essa? Não pode fazer isso no sábado. Esse homem não é de Deus, não obedece a lei.”

Então, o rapaz começa todo esse discurso: “como é possível que ele não seja de Deus se ele fez o bem?”, e esse pessoal vai enrolando cada vez mais, chega uma hora que eles não acreditam “mas não é possível, alguma coisa aqui está errada.” Quando você não quer ver a realidade, você começa a inventar mil e um argumentos! “Chama os pais dele, ele foi sempre cego ou não foi? Quem curou ele?” Os pais ficam com medo, e falam o que? “Ele se vira”, jogam o filho no fogo, estão nem aí, lavam as mãos. O rapaz continua insistindo: “mas vocês não sabem que só um homem de Deus pode fazer uma coisa dessa?” Nunca se ouviu falar que o cego de nascença tenha sido curado, mas existia a profecia de que o Messias abriria os olhos aos cegos, e aqueles fariseus sabiam muito bem dessa profecia. Eles não querem ver que Jesus é o Messias, não querem, e vão fazer de tudo, vão primeiro dizer que Jesus é um pecador, depois vão atrás dos pais do moço para dizer que o moço está mentindo, depois vão insultar o moço e, finalmente, assim, se afundam cada vez mais na própria cegueira.

Quando, no ano 72, as regiões comandadas pelo General Tito destruíram o Templo de Jerusalém, mataram as famílias sacerdotais, não tinha mais nem o templo, nem o culto. Os chefes dos hebreus que sobraram, que, em sua maioria, eram fariseus, se reuniram em um Concílio chamado Concílio de Jamnia, entre o ano 79 e 80 da nossa era, 50 anos depois da morte e ressurreição de Jesus. Nesse Concílio, eles refundaram o judaísmo, que é o judaísmo que nós conhecemos hoje, não tem nem sacrifício, nem sacerdote. Então, o judaísmo que nós conhecemos não é o judaísmo que Jesus conheceu, pois aquele judaísmo acabou no ano 72. Nesse Concílio de Jamnia, eles decidiram expulsar das sinagogas aqueles judeus que acreditavam que Jesus é o messias, então, lembrando desse fato lá de Jesus, o evangelista coloca aqui como modelo daquilo que pode acontecer com os cristãos, o julgamento que pode levar até à expulsão da comunidade.

 

Hoje, nós também podemos ser cegos, e há muitos modos de fazer com que as pessoas sejam cegas. Um modo terrível de hoje é a fake news, o outro é o individualismo, as pessoas se fecham nelas mesmas, não têm mais ligação com família, com amigos, são as redes sociais, o mundo virtual. Então, você não tem mais relacionamentos, tudo é para você. Casamento é você, é para você, trabalho é o seu interesse, comunidade para o seu interesse, Deus para o seu interesse, saiu disso, você simplesmente descarta, é o mundo descartável.

Há uma outra cegueira que é a indiferença. Você não se incomoda mais com o sofrimento dos outros. “Ah, deixa apodrecer. Mata, deixa matar. Está passando fome? Ah, que se dane.” Esse é o indiferentismo, são cegueiras do nosso tempo.

Outra cegueira é querer a todo custo que as pessoas sejam iguais a você, então você começa a apontar os defeitos dos outros como se você fosse o bom. Nós somos todos miséria, e nós temos que cuidar porque, muitas vezes, nós mesmos caímos na situação desses fariseus que não só são cegos, mas defendem a sua cegueira a ferro e fogo até matar as pessoas. Primeiro ofendem, depois expulsam, depois matam. Jesus chamou isso de pecado contra o Espírito, não querer ver a verdade. Eles sabiam que um dos sinais do Messias era a recuperação da vista aos cegos de nascença, eles sabiam, não quiseram ver, pelo contrário, penduraram Jesus, o mataram na cruz para não ver. A cegueira deles foi tanta que 40 anos depois veio o império romano e acabou com tudo, tal a cegueira dessa gente.

Vamos pedir ao Senhor que Ele abra os nossos olhos para que nós possamos dizer que morte é morte, sofrimento é sofrimento, injustiça é injustiça, busca de reconstrução é busca de reconstrução, busca de dar saúde é busca de dar saúde, busca da vida, melhorar a vida das pessoas é melhorar a vida. Que o Senhor nos faça ver.

338029938_171202962443583_3649782262068828848_n.jpg
Abrir os olhos para o amor de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 4º Domingo da Quaresma  (Ano A) – 19.03.23 – missa às 10h

No Ano A, em que nós lemos o Evangelho de São Mateus, as leituras da quaresma são compridas, não é?! Semana passada a samaritana, hoje, o cego de nascença. Nós temos que pensar algumas coisas, Jesus fez esse sinal entre duas grandes festas: a festa das tendas e a festa da Dedicação do Templo. A festa das tendas comemorava o povo de Israel que foi para o deserto e era uma festa de luz e purificação. O sumo sacerdote, nessa festa, pegava água de uma fonte que se chamava Giom e purificava o altar, e, à noite, colocavam tochas em todo o perímetro do templo de modo que se iluminava a cidade com a luz do templo, então era a festa da iluminação.

O que nós temos aqui? Nós temos Jesus que vê esse cego de nascença e faz uma coisa muito interessante, cospe no chão, faz barro, meleca de barro e passa no olho desse homem. Antes disso, os apóstolos tinham perguntado para Jesus: “mas, afinal de contas, quem pecou, ele ou os pais dele?” E por qual motivo? Os judeus achavam que doenças vinham como consequência do pecado, ou era a pessoa ou eram os pais, e chegaram ao absurdo de dizer que o feto, na barriga da mãe, podia cometer pecado contra a lei, isso tudo para justificar que a pessoa era doente.

Então, Jesus fala: “nem uma coisa, nem outra”, e faz barro e passa nos olhos do cego. Onde é que nós ouvimos falar de barro na sagrada escritura, vocês lembram? Gênesis. Na criação de quem? De Adão. Deus faz um boneco de barro e sopra vida. Então, o que Jesus faz? Ele pensa “nesse homem a criação não terminou, faltou barro”, e passa o barro, faz o gesto do Deus criador, mostra que é criador como Pai. Manda o homem se lavar, não na fonte do sumo sacerdote, lá na fonte de Giom, não, Siloé, lá no outro canto. O que Jesus está dizendo com isso? Sumo Sacerdote, a fonte, a lei antiga, tudo isso aqui acabou, não é aquela água que purifica, não é essa lei que dá vida. Quem purifica é Jesus, quem cria em nós o homem novo, a mulher nova é Jesus. Jesus é aquele que lava a nossa vida para que nós possamos ser seus discípulos, e o homem começa a ver. Jesus se encontrou com ele aqui, mandou ele lá, lavou os olhos.

Jesus sai da cena, não aparece mais, vai aparecer só lá no fim, e aí nós encontramos um momento muito complicado, a cegueira. Jesus curou o cego de nascença, mas as pessoas, muitas vezes, estão afundadas em uma cegueira muito pior. Esse homem começa a conversar com as pessoas porque as pessoas estranham “ué, mas cego de nascença pedir esmola e agora está aqui vendo? O que aconteceu?”, e ele contou. Isso chega no ouvido dos fariseus, que eram bons religiosos, observantes da lei, e Jesus tinha feito isso num sábado, dia sagrado. Aí os fariseus disseram “opa, pera aí! Como é que é essa história? Fez barro? Ou seja, trabalho. Mandou você se lavar, que conversa é essa? Não pode fazer isso no sábado. Esse homem não é de Deus, não obedece a lei.”

Então, o rapaz começa todo esse discurso: “como é possível que ele não seja de Deus se ele fez o bem?”, e esse pessoal vai enrolando cada vez mais, chega uma hora que eles não acreditam “mas não é possível, alguma coisa aqui está errada.” Quando você não quer ver a realidade, você começa a inventar mil e um argumentos! “Chama os pais dele, ele foi sempre cego ou não foi? Quem curou ele?” Os pais ficam com medo, e falam o que? “Ele se vira”, jogam o filho no fogo, estão nem aí, lavam as mãos. O rapaz continua insistindo: “mas vocês não sabem que só um homem de Deus pode fazer uma coisa dessa?” Nunca se ouviu falar que o cego de nascença tenha sido curado, mas existia a profecia de que o Messias abriria os olhos aos cegos, e aqueles fariseus sabiam muito bem dessa profecia. Eles não querem ver que Jesus é o Messias, não querem, e vão fazer de tudo, vão primeiro dizer que Jesus é um pecador, depois vão atrás dos pais do moço para dizer que o moço está mentindo, depois vão insultar o moço e, finalmente, assim, se afundam cada vez mais na própria cegueira.

Quando, no ano 72, as regiões comandadas pelo General Tito destruíram o Templo de Jerusalém, mataram as famílias sacerdotais, não tinha mais nem o templo, nem o culto. Os chefes dos hebreus que sobraram, que, em sua maioria, eram fariseus, se reuniram em um Concílio chamado Concílio de Jamnia, entre o ano 79 e 80 da nossa era, 50 anos depois da morte e ressurreição de Jesus. Nesse Concílio, eles refundaram o judaísmo, que é o judaísmo que nós conhecemos hoje, não tem nem sacrifício, nem sacerdote. Então, o judaísmo que nós conhecemos não é o judaísmo que Jesus conheceu, pois aquele judaísmo acabou no ano 72. Nesse Concílio de Jamnia, eles decidiram expulsar das sinagogas aqueles judeus que acreditavam que Jesus é o messias, então, lembrando desse fato lá de Jesus, o evangelista coloca aqui como modelo daquilo que pode acontecer com os cristãos, o julgamento que pode levar até à expulsão da comunidade.

 

Hoje, nós também podemos ser cegos, e há muitos modos de fazer com que as pessoas sejam cegas. Um modo terrível de hoje é a fake news, o outro é o individualismo, as pessoas se fecham nelas mesmas, não têm mais ligação com família, com amigos, são as redes sociais, o mundo virtual. Então, você não tem mais relacionamentos, tudo é para você. Casamento é você, é para você, trabalho é o seu interesse, comunidade para o seu interesse, Deus para o seu interesse, saiu disso, você simplesmente descarta, é o mundo descartável.

Há uma outra cegueira que é a indiferença. Você não se incomoda mais com o sofrimento dos outros. “Ah, deixa apodrecer. Mata, deixa matar. Está passando fome? Ah, que se dane.” Esse é o indiferentismo, são cegueiras do nosso tempo.

Outra cegueira é querer a todo custo que as pessoas sejam iguais a você, então você começa a apontar os defeitos dos outros como se você fosse o bom. Nós somos todos miséria, e nós temos que cuidar porque, muitas vezes, nós mesmos caímos na situação desses fariseus que não só são cegos, mas defendem a sua cegueira a ferro e fogo até matar as pessoas. Primeiro ofendem, depois expulsam, depois matam. Jesus chamou isso de pecado contra o Espírito, não querer ver a verdade. Eles sabiam que um dos sinais do Messias era a recuperação da vista aos cegos de nascença, eles sabiam, não quiseram ver, pelo contrário, penduraram Jesus, o mataram na cruz para não ver. A cegueira deles foi tanta que 40 anos depois veio o império romano e acabou com tudo, tal a cegueira dessa gente.

Vamos pedir ao Senhor que Ele abra os nossos olhos para que nós possamos dizer que morte é morte, sofrimento é sofrimento, injustiça é injustiça, busca de reconstrução é busca de reconstrução, busca de dar saúde é busca de dar saúde, busca da vida, melhorar a vida das pessoas é melhorar a vida. Que o Senhor nos faça ver.

337108152_506697628344373_4981392355460332575_n (1).jpg
Abraçar a mensagem que Jesus nos trouxe

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 3º Domingo da Quaresma  (Ano A) – 12.03.23 – missa às 10h

Evangelho comprido, cheio de símbolos. Nós temos primeiro esse poço, mas, antes ainda, vamos falar da Samaria. A Samaria era parte do grande reino do norte quando se separaram do reino do sul, que era Judá, e, no ano 722 antes de Cristo, foram invadidos pelos assírios, que pegaram todos os líderes do povo, o rei, a corte, os artesãos, o sacerdote, levaram todos exilados para a Assíria e colocaram outros assírios no lugar dos que estavam antes. Mas nessas, eles colocaram também os seus deuses, então o povo da Samaria, que era essa região do Norte, ficou com uma religião toda meio misturada, adoravam vários deuses e adoravam o Deus de Israel também, uma bagunça total.

Então, o povo lembrava desse poço que era um lugar importante para ele porque ali Abraão tinha encontrado Rebeca, que foi a esposa de Isaac. Perto daquele poço, Jacó se encontrou com Raquel, que também foi sua esposa e, séculos depois, Moisés se encontrou com uma das filhas de Jetro, Séfora, que foi também sua esposa. Aquele poço, então, era o poço do esposo, e o povo pensava “o esposo desse povo”, e Deus é o esposo do povo. Ali nós temos essa mulher, e temos uma situação aqui de três preconceitos: preconceito de gênero, preconceito nacional e preconceito de religião.

As mulheres, na antiguidade, eram sempre vistas como segunda classe. No povo de Israel, as mulheres todos os meses, por uma semana, ficavam impuras por causa da menstruação. Ficavam impuras quando davam à luz, 40 dias se fosse um menino e 90 dias se fosse uma menina. Só que os judeus mais fanáticos diziam que as mulheres samaritanas eram sempre impuras, então você não podia se aproximar de jeito nenhum de uma mulher samaritana.

Nós temos aqui essa mulher samaritana que não tem nome, ela é sim uma mulher, mas está também representando toda a humanidade que tem sede de Deus. Nem a Lei de Moisés conseguiu matar a sede do povo, a sede de Deus, e nem os deuses pagãos que estavam ali na Samaria matavam a sede de Deus do povo.

Essa mulher que se encontra com Jesus é a humanidade sedenta, e que horas as pessoas iam buscar água? No fim da tarde, quando estava mais fresco, mas a sede dessa mulher é tão desesperada que ela vai ao meio-dia, na hora mais quente do dia porque a sede é desesperada, e quem no meio do desespero ela encontra? Jesus, o Deus fiel.

Jesus vai conversar com essa mulher e é muito interessante ver como ela reage à atitude de Jesus. Eu falei que há três preconceitos, e um preconceito é o preconceito de gênero! Jesus sempre trata as mulheres como iguais num tempo em que a mulher era considerada menos, incapaz, Jesus as trata como iguais, não tem diferença. Por isso, ele fala com a mulher, se ele fosse um hebreu fanático, ele nem entraria no território da Samaria, muito menos falaria com uma mulher, mas ele conversa com ela, fala, explica, e ela manifesta a sede de Deus que tem.

Jesus vai dizer “eu sou aquele que vocês esperam”, e essa mulher começa a falar da sua vida que vamos chamar de secreta: “eu tive cinco maridos e o que eu tenho não é meu.” Esses cinco maridos são os vários deuses que a Samaria teve, e o marido que não é dela é o Deus de Israel. Reconhecer e querer caminhar os passos de Jesus faz com que nós reconheçamos a nossa situação de miséria e de necessidade. Nós sozinhos não nos damos salvação, ou Deus nos salva, ou nós estamos fritos.

São Paulo vai dizer isso na segunda carta: “o amor de Deus por nós é tão grande que, quando nós somos pecadores ainda, Deus já nos salva”. Deus nos salvou e nós somos pecadores, na cruz Jesus nos salvou porque Deus é bom. Então, essa mulher abre o coração para Jesus e, com isso, se desperta a fé no seu coração. Qual é a fonte de água viva que mata nossa sede de Deus? É o Espírito Santo que vai nos levar cada dia, cada vez, de novo, a seguir os passos de Jesus para criar um mundo novo, um mundo de respeito, o mundo de igualdade, mundo de fraternidade, em que as pessoas não sejam tratadas com diferença, entenderam?

E a coisa engraçada é que com a fé que nasceu do coração dessa mulher por ter acreditado na palavra de Jesus, ela, que estava ao meio-dia, morrendo de sede, e foi lá desesperada para pegar água numa hora que ninguém ia, largou o cântaro, que é um tipo de balde de barro, e foi para vila, para a cidadezinha, anunciar Jesus: “eu encontrei esse homem que disse tudo que eu fiz, será que ele é o messias?” A sede de Deus dessa mulher tinha acabado, mas ela se tornou água viva para anunciar o evangelho para os outros e as pessoas acreditaram nela e tiveram água viva no coração deles por causa da fé.

Nós temos outros dois preconceitos: samaritanos. Os Samaritanos eram odiados pelos hebreus exatamente por causa da bagunça de religião que eles tinham. Jesus, quando conversava com essa mulher, disse: “a verdade está com os judeus, porém, nem lá nem aqui se adora Deus, de agora em diante se adora em espírito e verdade.” Ou nós temos a fé no nosso coração e adoramos Deus no nosso coração e nas nossas ações de caridade, de fraternidade, ou nós não temos a fonte da vida dentro de nós. Então, o que interessa é ter no coração a fonte da vida que só Jesus pode nos dar, que é o Espírito Santo, e isso nos faz pessoas não que têm mais sede, mas que passam a dar a água da vida para os outros, anunciar o evangelho.

E, depois, nós temos preconceito nacional. Aqui no Brasil, nós conhecemos pouco esse sentimento, o máximo que pode acontecer é ficarmos com alguma piadinha com os argentinos quando o Brasil joga contra a Argentina, e a gente perde o jogo, mas é só isso. Há situações absurdas como essas que vimos lá no Rio Grande do Sul agora com o pessoal lá da Bahia, que é um absurdo, mas isso não acontece todos os dias. Porém, nós até fazemos piada, mas nós não odiamos os outros de outro estado, não odiamos, isso nós percebemos muito nas pessoas da Europa e da Ásia. O nacionalismo gera na pessoa ódio pelo outro, pela outra nação, você quer que as pessoas sofram, que as pessoas morram, é uma coisa horrível, um sentimento assustador. Felizmente, aqui no Brasil, nós não temos isso.

Então, os apóstolos quando chegam e veem Jesus lá, conversando com essa mulher, ali na beirada do poço, e vocês viram que eu troquei a palavra, pois não se admiraram coisa nenhuma, se escandalizaram. “O que o Senhor está falando com essa mulher samaritana? Está louco?” Ou seja, os discípulos de Jesus, que o seguiam, continuavam com a mentalidade velha. Aquela pobre mulher ouviu o anúncio de Jesus e abriu o coração para acolher a Boa Nova, ela, não os discípulos, se tornou mensageira, anunciadora do Evangelho, olha que interessante! Qual outra mulher que é assim nas escrituras, vocês lembram, no Evangelho? Maria Madalena. Ela que foi anunciar aos apóstolos “Jesus ressuscitou!”, uma mulher. Essa mulher acolheu o evangelho, se tornou mensageira, não teve mais sede de Deus porque Ele agora estava no coração dela. Os discípulos vão levar tempo, esperar a ressurreição, e ainda, depois, lá na ascensão, vai ter quem duvida, ô tristeza.

O problema é nós nos perguntarmos também: sou verdadeiro, verdadeira diante de Deus? Eu estou disposto, disposta a jogar as minhas ideias velhas de preconceitos, de mentiras? Eu estou disposto a jogar isso fora para abraçar a mensagem de fraternidade que Jesus nos trouxe? Eu aceito as pessoas por aquilo que elas são, sabendo que todas amadas por Deus do mesmo jeito que eu? Nós temos que fazer essas perguntas para que o Espírito Santo, que nós recebemos no batismo, possa realmente ser na nossa vida uma fonte de vida eterna que jorra para os outros.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a ser verdadeiros conosco, ver onde estão nossos preconceitos e abraçar de verdade a fé que nós já recebemos no batismo, para sermos anunciadores do Evangelho com a nossa vida, como foi aquela mulher.

335625783_1418410628564198_3310775306928192925_n (1).jpg
Contemplar o mundo de Deus em nossa vida diária

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 2º Domingo da Quaresma  (Ano A) – 05.03.23 – missa às 10h

Por que que o Padre começou o Evangelho [Mt 17,1-9] com “seis dias antes”? Porque é assim que começa esse trecho, e isso tem um sentido. Onde na Bíblia se fala do sexto dia? No livro da Gênesis, no primeiro capítulo: “no sexto dia, Deus criou o ser humano”. Por que que São Mateus coloca aqui “depois de seis dias”? Ele está nos dizendo que o verdadeiro homem é Jesus e não Adão. Jesus é o verdadeiro homem. Pilatos, quando condenou e mandou flagelar Jesus, ele disse: “Eis o homem”. Ali estava Deus. Jesus glorificado, isso é o que Deus quis para nós. Jesus é o nosso modelo, não Adão, Jesus.

E é interessante ver que Jesus sobe a montanha com esses três apóstolos que ele sempre chamava junto de si quando tinha alguma situação particular. Essa montanha nos lembra qual montanha? Lá no Êxodo, o Monte Horebe, quando, 1.200 anos antes de Jesus, Moisés subiu no Monte Horebe para receber as Tábuas da Lei. E Moisés pediu para Deus: “permita que eu veja o teu rosto”, e Deus respondeu: “ninguém pode ver o meu rosto e permanecer vivo. Você vai se esconder na caverna, eu vou pôr a minha mão na frente da caverna e vou passar diante de ti com toda a minha glória, mas você só pode me ver pelas costas, porque ninguém pode ver o meu rosto e continuar vivo”.

Depois, mais ou menos 500 anos depois, Elias fugindo da rainha Jezabel, que era uma pagã, mulher do Rei Acabe, que estava perseguindo os judeus e matou muitos profetas. Ela queria matar Elias, mas Elias foge para o deserto, caminha 40 dias no deserto e chega também ao Monte Horebe, onde ele vai ouvir o terremoto, o furacão, a erupção vulcânica, e viu que Deus não estava ali. Aí ele ouviu o silêncio de uma brisa leve. O que ele fez? Ele estava dentro de uma caverna e cobriu o rosto, porque ninguém pode olhar o rosto de Deus e saiu fora da caverna e conversou com Deus com o rosto velado.

Quem nós encontramos neste trecho do Evangelho de hoje? Jesus, Elias e Moisés que falam com ele. Não é a alma de Moisés, não é a alma de Elias. Elias e Moisés. Nós não somos pedaços de coisa que depois que morre fica voando por aí. Nós somos sempre pessoas. Elias e Moisés conversam olhando o rosto glorioso de Jesus. Jesus é quem olha o rosto do pai. Só Deus pode ver o rosto de Deus e permanecer. Moisés e Elias olham o rosto de Jesus transfigurado. Pedro, Tiago e João veem Jesus transfigurado, Moisés e Elias. E eles falam com Jesus sobre os acontecimentos de Jerusalém. É o pré-anúncio da Paixão. E esses acontecimentos nos lembram também, por exemplo, do que se passa com Maria Madalena quando vê Jesus ressuscitado. Pedro começa a falar umas coisas que não tem pé nem cabeça: “ah é tão bom ficar aqui. Vamos construir uma tenda para você, para Elias, para Moisés”. Onde que vai ser? Cadê o pano para construir a tenda? Estava delirando, porque ver o mundo de Deus é algo grande demais para nós, e nós não temos palavras para falar, para explicar o que é isso. Maria Madalena, quando vê Jesus, quer se jogar nos braços dele, porque é bom estar no céu, é bom ver o céu. São Paulo vai falar “eu fui levado ao céu, ouvi coisas que ouvido não ouve, vi coisas que não se vê”. É algo muito grande, e a nuvem cobre todos eles, essa é a presença do Pai. A nuvem cobria a montanha quando Moisés recebeu as tábuas da lei, o Anjo Gabriel diz a Maria que “o Espírito do Senhor virá sobre ti, o poder do Altíssimo te cobrirá com a sua sombra” – isso é poder de Deus, é o Espírito Santo. E o Pai diz aos discípulos: “Esse é o meu filho amado, escutai-o”.

As pessoas, os três que estavam ali caem por terra com essa presença do Pai, depois abrem os olhos e só tem Jesus. Jesus manda que eles se levantem. “Não tenham medo”. Deus não quer que nós tenhamos medo dele. Deus quer estar conosco, caminhar nas nossas estradas, viver a nossa vida, falar nossa língua, sentir o nosso coração. Nós podemos ver Jesus, e Jesus é o rosto do Pai, e é aquele Jesus que caminhou pelas nossas estradas, aquele Jesus que nos ensinou, Jesus que chorou no túmulo de Lázaro, Jesus que se alegrou quando os apóstolos voltam contando que a missão foi boa, Jesus que segue para Jerusalém, Jesus morto e desfigurado na cruz, esse é o rosto de Deus.
De Deus não temos que ter medo. Jesus nós podemos seguir, Jesus nos ensina que, através do nosso caminho, da nossa vida comum, é possível segui-lo e aí nós podemos, através da morte, chegar à glória da Ressurreição.

A glória que eles viram ela nos é dada, porque Deus quer aquilo para nós. Adão era só uma figura, o que Deus quer para nós é a glória de Jesus, é isso que ele tem preparado para nós, mas essa glória passa pela dor, pelo sofrimento, pela labuta do nosso dia a dia, pela nossa vida, passando pela cruz e pela morte... Por isso, Jesus diz “vamos descer a montanha”, vamos anunciar o Evangelho, vamos viver o Evangelho, esse é o caminho de Jesus. É isso que nos ensina a Transfiguração: seguir Jesus, os passos de Jesus nesta vida, suas dores, suas lutas, seus sofrimentos, suas vitórias e a morte para chegar à glória da Ressurreição.

334246098_145359558425264_488832869098319068_n.jpg
Fé e confiança no caminho de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 1º Domingo da Quaresma  (Ano A) – 26.02.23 – missa às 10h

O livro da Gênesis, capítulos 2 e 3, quantas lições nós podemos tomar desse texto! Deus quer que o ser humano cresça, se multiplique, domine o mundo. Essa é a parte da criação que Deus deu para o ser humano, só que, para crescer, se desenvolver, não podemos ser soltos, abestados no meio do mundo. Hoje, qual é um dos grandes dramas na educação dos filhos? Não colocar limites e não dizer não.

O livro da Gênese já nos ensina que sem limites e não, você não desenvolve bem o teu caráter. Deus deu todo o paraíso para Adão e Eva e disse: “dessa árvore vocês não vão comer.” Limite. Todo o resto, tudo, e o jardim era imenso, era deles, mas, para crescer, você precisa de um limite e confiar que nesse está uma lição de Deus.

Adão e Eva eram crianças, nós temos que pensar nos dois como menininhos, crianças. Eva está lá, passeando no jardim, por um acaso passou ali perto da tal árvore, e, então, o maligno chama. Primeiro erro é dar ouvido a esse chamado, e o segundo é dialogar com o mal. Isso porque o maligno começa a enrolar Eva, embrulha, exatamente como uma serpente que vai enrolando em torno da pessoa.

“É verdade que Deus proibiu vocês de comer das árvores?” Eva começa quase preocupada: “não, Deus não falou isso. Deus disse isso, isso e isso”, e já nessa resposta ela se embanana porque começou a dialogar com o mal. E aí vem a desgraça do inimigo: “Deus está enganando vocês, porque Ele sabe muito bem que no dia em que vocês comerem dessa fruta, vocês serão como Ele, senhores do bem e do mal, capazes de dar vida e morte.”

O erro de Eva foi ter escutado o inimigo, e o inimigo destilou no coração de Eva, que somos todos nós, assim como Adão, o seu veneno: a desconfiança contra Deus. “Deus não está dizendo a verdade, Deus está te enganando, Ele não quer que você seja como Ele”, e aí já aparece também a grande tentação de querer ser deuses, a grande desgraça da vida humana.

O medo é o resultado desse diálogo. Adão e Eva pouco depois vão ouvir os passos de Deus, que todo dia vinha passear com eles, e vão se esconder. Deus pergunta: “o que você está fazendo aí escondido?” “Eu ouvi os passos teus no jardim e tive medo e me escondi.” Então, Deus pergunta na lata: “Ah, você comeu a fruta que eu proibi?” E aí começam a passar o barril um para o outro: “Não, a culpa é da mulher, você que botou ela aqui do meu lado!” Culpa Deus e a mulher. A mulher, porém, mesmo descarregando o barril, diz a verdade: “a serpente me enganou.” Esse é o nosso drama, desconfiar de Deus, desconfiar do próximo, desconfiar de nós mesmos.

Jesus, em sua vida, nos mostrou que a fraternidade é a cura para a desconfiança, a solidariedade. Jesus nos mostrou que Deus é fiel e o é até a morte, não guarda nada para Ele, pode confiar de olho fechado em Deus. Olhe lá [na cruz], Jesus mostra como nós devemos confiar em Deus, porque Ele é fiel. Nem a morte pode destruir a fidelidade de Deus. A resposta de Deus é a vida eterna! A morte não tem força diante de Deus. O livro do Apocalipse mostra Jesus a chaves do inferno e da morte, quer dizer que Ele é patrão, é dono, está acima dessas realidades, Ele é a vida.

Depois, nós temos o evangelho [Mt 4, 1-11] que fala desse momento inicial da vida pública de Jesus: recebeu o batismo, o Espírito Santo desceu sobre Jesus e o conduziu para o deserto por 40 dias, que lembram os 40 anos no deserto onde o povo foi provado, e, muitas vezes, mostrou a sua infidelidade. Jesus é o novo Adão, é o homem verdadeiro, é o caminho do Pai.

O maligno se apresenta com três tentações perigosíssimas que tocam a chamada messianidade de Jesus. Primeiramente o toque fácil, resolver todos os problemas assim [num estalar de dedos]. Deus disse “crescei, multiplicai-vos, dominai a terra”, é um processo longo, um caminho, seja para nós pessoalmente, seja para a sociedade, para o mundo. O caminho de crescimento é longo, e qual é a grande tentação? Que aconteça tudo no instante, que não precise suar para comer o pão, que este seja dado pronto, e Jesus teve que fugir dessa tentação.

Lá no Evangelho de São João, depois que Jesus multiplicou os pães, teve um grupo de pessoas que queriam proclamá-lo rei. O sujeito está sem pão, e Jesus reza e tem pão para todo mundo, quem é que não quer um homem desse como rei? Jesus foge, vai para montanha, pois não é esse o caminho de Deus. Depois, o maligno leva a Jesus para o pináculo do templo, que era um ângulo que tinha 70 metros de altura, uma coisa fabulosa se pensarmos naquele tempo com os meios de construção que aquele povo tinha. Jogue-te daqui para baixo, faça um espetáculo religioso, use a religião para que as pessoas te admirem, para que as pessoas te adorem, para que as pessoas façam tudo que você quer.

A manipulação religiosa é mais perversa que existe, e quando você mistura política, e, no discurso político, coloca religião, dá curto-circuito, e nós vimos isso aqui no Brasil alguns meses atrás. Jesus se nega a fazer isso. Ser filho de Deus é seguir na humildade o caminho do amor, sem espetáculo, na humildade. Desconfie da religião espetacular, de milagres fáceis, nem Jesus fez isso, é blasfêmia, Jesus não está nesse caminho.

Depois, a tentação do poder. Levou Jesus para o alto de uma montanha e mostrou todos os reinos do mundo, “se você me adorar eu vou te dar tudo isso.” Um só é Deus, a um só se adora. Mas os homens, muitas vezes, querem ser adorados, querem que as suas ideias sejam adoradas, porém, Deus é um só, todos os outros são ídolos, matam, nenhum ídolo salva, todos os ídolos matam e, por trás do ídolo,

está o vazio do inimigo, vazio e pó, nada, porque o pecado é o nada. Só o amor é capaz de construir, amor vivido todos os dias, sempre perseverante, acreditando que todo gesto de amor vai nos reconduzir a Jesus Cristo, sua cruz e sua ressurreição. O caminho é longo.

Jesus saiu do deserto depois de jogar fora essas tentações e teve que fazer um longo caminho, que foi duro e ele acabou na cruz porque por ter fidelidade e absoluta confiança na fidelidade do Pai, Jesus não teme abraçar a cruz. O Pai é fiel, é vida, como é vida para nós!

A resposta do nosso jogar fora as tentações e buscar o caminho de Jesus, é vida eterna. Jesus repete muitas vezes “não tenham medo, Deus dará vida eterna”, todo o resto é mentira, todo o resto é dar ouvidos a esse veneno que o inimigo destilou no coração de Adão e Eva, que somos todos nós.

É a fé em Jesus que nos livra do poder do inimigo. Vamos pedir ao Senhor que nos dê confiança, que não tenhamos medo nem de Deus, nem do outro, nem de nós mesmos.

334330429_915937609458471_2649797545028702370_n.jpg
A perseverança no caminho da assistência

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Quarta-feira de Cinzas (Ano A) – 22.02.23 – missa às 10h

Mais uma vez, Deus nos dá a graça de celebrar a Quaresma, que é tempo de conversão, tempo de acertar o passo com Jesus, e os exercícios propostos para a gente são: jejum, esmola e oração.
É interessante prestar atenção nessa situação que Jesus nos mostra. A conversão é algo que nasce de dentro do coração e muda a tua vida, coloca Deus como centro da tua vida e não mais a opinião dos outros. “Não interessa a opinião dos outros, interessa cumprir a vontade do Pai, interessa seguir Jesus.”
Jesus nos dá o exemplo dos fariseus, que eram grandes religiosos, pessoas respeitadíssimas no tempo de Jesus. Faziam parte do sinédrio, muitos deles eram doutores da lei, mas havia um defeito: eles acreditavam que o reino de Deus viria quando todas as pessoas observassem a lei que nem eles. Porém, há um problema: as pessoas não observam a lei como eles e, então, eles começama excluir essas pessoas, dizer que são pecadores e a se mostrar como modelo.
Por isso davam esmola, iam lá no cofre do templo, jogavam as moedas, tocavam a campainha para que as pessoas vissem o bom judeu, o bom religioso, e aprendessem. Ou, então, nas esquinas das praças, nas sinagogas, queriam estar sempre nos primeiros lugares, sempre com roupas todas diferentes. Colocavam pedaços da escriturana cabeça e no braço e rezavam em voz alta para que todos vissem o bom judeu rezando.
Quando faziam jejum, se cobriam de saco de estopa, bagunçavam os cabelos e jogavam cinzas por cima. Então, se desfiguravam e com isso, diziam“eis aqui o bom judeu que faz jejum, vocês não fazem, aprendam a fazer para serem vistos pelos homens”
Jesus diz: “já receberam a miserável recompensa que buscavam” porque procuraram aparecer para os outros. Jesus fala “faça escondido”, ninguém tem que saber que você deu esmola. Reze lá no teu quarto, ninguém tem que saber que você está rezando. Faça jejum de forma discreta, ninguém tem que saber. Quem tem que saber? O Pai. A recompensa é Ele quem vai dar, é Ele quem vê, é por causa dele que se faz isso, por isso a Quaresma é para nós tempo de conversão, ver o que é que Deus quer, o que é que Jesus quer de nós.
A igreja esse ano nos propõe a Campanha da Fraternidade como meditação sobre a situação do Brasil, situação da fome. A Campanha da Fraternidade existe já há quase 60 anos, é uma iniciativa que acontece na igreja do Brasil e os Papas, desde Papa Paulo VI, sempre abençoaram as campanhas da Fraternidadeporque elas tocam ou questões da vida interna da igreja, ou sacramentos, ou questões da vida social e, às vezes, política, que tocam o evangelho.
A questão da fome, que já não é a primeira vez que tratamos na Campanha da Fraternidade, quer nos conscientizar de novo sobre essa grave situação que existe no Brasil. São milhões de irmãos nossos que passam fome e nós não podemos dizer que são vagabundos ou querem ficar desse jeito. Quem é que quer ficar desse jeito? Quem é que quer ficar na rua desse jeito?
Entre as pessoas que vieram hoje na missa às três da tarde, tinha um rapaz que é conhecido aqui no bairro, sofredor de rua. Quem queruma situação daquela? Se você perguntar para ele, se ele estiver lúcido, porque a esse ponto que chegou nem bom da cabeça está mais, “você gosta de ficar assim?” Ninguém gosta de ficar daquele jeito, ninguém gosta de passar fome e não é possível que o Brasil, primeiro exportador em certos tipos de alimentos, segundo em outros, alimente um bilhão de pessoas e aqui tenha famintos.
Nós temos que nos perguntar“mas essa comida está alimentando quem?” Alimentando gente lá fora, mas enchendo o bolso de pouca gente aqui no Brasil. Isso se chama injustiça social. Não basta, e já énecessário que se dê o pão para quem precisa.
A nossa comunidade nisso é modelo! Durante a pandemia, não faltaram as cestas básicas para os nossos pobres e eles quase triplicaram. Nós continuamos dando 1.200 marmitas todos os meses para os sofredores de rua, como? Com a vossa ajuda. A comunidade tem consciência disso e é necessário fazer isso, mas é também necessário nos perguntar “porque tanto sofrimento? De onde vem tanto sofrimento? Será que todo mundo quer ficar debaixo da ponte sem água, sem comida, sem casa, sem saúde, para ganhar uma marmita?”
É muito sofrimento, então a Campanha da Fraternidade quer nos ajudar a refletir sobre essa situação e, no nosso caso, perseverar no caminho de assistência e crescer no caminho da consciência social.
A Campanha da Fraternidadenos últimos anos vem sofrendo muitas críticas de certos grupos de tradicionalistas que, na verdade, nem católicos são mais. Quando você faz guerra contra os bispos, uma assembleia de bispos, que somos mais de 400 no Brasil, ou quando você faz guerra contra o Papa, você deixou de ser católico mesmo que venha na igreja, você não é mais católico.
Nós temos um ponto de unidade que é o Papa Pedro, que hoje, para nós, é Francisco, temos o colégio dos Apóstolos, que no Brasil é a CNBB, e temos o apóstolo dessa diocese que agora é Dom Pedro. Ao redor dessas pessoas se forma a igreja, então, eu tenho que concordar com tudo? Muito simples: você concorda com tudo que teu pai fala? Tudo, tudo em absoluto? Não. Mas eu continuo a amar e respeitar meu pai, eu não quero quebrar minha família.
Essa gente quer acabar com a unidade da igreja e, quando você atenta contra a unidade da igreja, você não é mais católico.
Então, vamos ficar muito atentos a essas pessoas, esses grupos que criticam os bispos da CNBB, o Papa e a Campanha da Fraternidade, essa gente não é mais católica.
Vamos pedir ao Senhorque Ele nos ajude a seguir os passos de Jesus, que quer e é todinho do Pai. Que nós aprendamos também a ser todinhos de Deus, sendo todinho para os irmãos e irmãs.

333035438_3562472437319795_1164701588530161320_n.jpg
O novo caminho de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 7º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 19.02.23 – missa às 10h

Quando nós vamos lá no livro da Gênesis, um dos filhos de Caim se chamava Lameque diz: “por um esbarrão, matei uma pessoa; por uma ferida, matei sete”. Essa é a total desproporção da vingança, isso cria uma roda de morte, uma espiral de morte que nunca acaba. Nós temos povos no mundo que vivem em guerras milenares e, a esse ponto, não sabem mais nem porque estão matando, porque estão guerreando, mas isso é porque entraram no espiral da vingança.

Para controlar a vingança, nós tivemos o chamado Código de Hamurabi, um dos maiores ensinamentos jurídicos da história, que é a Lei do Talião: olho por olho, dente por dente. Essa lei controla a vingança, porque você não pode cortar a cabeça de uma pessoa se ela arrancou um dente de você, o que você pode é arrancar um dente dela. Se essa pessoa te deu sei lá, uma paulada e teu olho pulou fora, o que você pode dar uma paulada nela para arrancar o olho, mas não para arrancar a cabeça. Proporção. Isso já é um passo muito grande e a coisa interessante é que, muitas vezes, nem nisso nós chegamos. Nós temos uma concepção jurídica vingativa e não reeducativa em vista do reinserimento do delinquente na vida social, não é? A gente bota a pessoa às vezes numa situação 10 vezes mais desumana do que ele criou e quando ele termina o tempo dele na cadeia, ele sai 10 vezes pior de quando entrou, não é? Isso é sistema carcerário que não serve para coisa nenhuma.

Jesus nos ensina a romper a roda da vingança, enfiar um bastão no meio da roda e a roda quebra. De que jeito? Jesus ensina a superação, nós temos que pensar nesses exemplos... Quando uma pessoa te dá um tapa na cara, qual é a reação imediata que vem na nossa cabeça? Parte para cima, com o mínimo dar outra tapa, essa é vingança. Jesus fala: quebre a roda da vingança, oferece a outra face. É muito esquisito, mas é o único jeito de quebrar a roda da vingança. Os soldados romanos, quando estavam caminhando, seguindo a estrada deles, mas ele está carregando mochila, está carregando outra coisa pesada, então eles paravam no meio da estrada alguma pessoa que estava ali para ajudar e diziam: carrega isso aqui 500 metros para mim, porque eu estou cansado. Não dá, isso era um abuso. O que é que vem na tua cabeça? Jesus disse supere a vingança, se pedirem um quilômetro, faça dois de boa vontade. O sujeito te pede o manto ou a túnica, dá o outro também, traga tudo, acabe com a mentalidade da vingança.

Depois nós temos esse outro dito que é genial e só pode ter saído da boca de Jesus, porque coloca juntos em uma frase mínima e direta dois termos contraditórios: amor e inimigo. Amai o inimigo. Isso é um absurdo, juntar em um trecho tão curto esses dois elementos. Muitos escritores, filósofos da antiguidade, que falam do amor ao inimigo, falam do amor ao seu conacional. Os hebreus tinham isso também, ama o teu conacional, ama outro hebreu, mas odiava os outros. E Jesus vai dizer exatamente isso, que vantagem tem se vocês cristãos fazem igualzinho esses outros, vocês não são melhores se fizerem a mesma coisa, vocês não são melhores que eles. Ah eu só comprimento quem eu conheço, eu só cumprimento quem é do meu partido, eu só me dou bem com quem é católico, eu só quero saber de gente da minha cor, isso é tudo modo de exclusão, porque você coloca o outro como menos, como objeto de ódio. Jesus nos diz abre, alarga o coração, porque assim é o coração do Pai, Ele faz chover sobre justos e injustos e manda o sol sobre bons e maus. Deus não manda chuva na colheita lá na plantação do sujeito bom honesto e sei lá mais o quê e manda a seca para o outro. Deus não faz isso. E até pelo contrário, não é? Deus mandou o terremoto sobre bons e maus, entenderam? São os dramas da vida.

Deus dá tudo em abundância para todos, não faz distinção. Jesus mostra o sol e a chuva. A chuva ela é muito boa, mas ela pode ser desastrosa. O sol é muito bom, mas ele pode também ser desastroso, tudo dado com abundância, sem distinção. Ser irmãos uns dos outros, querer o bem das pessoas, perdoar para romper a roda da vingança. Nós, cristãos, nós católicos temos que estar constantemente atentos a isso, constantemente, especialmente nesse nosso tempo onde tem tanta informação truncada, tanta coisa que engana, temos que cuidar para não entrar na roda da vingança. Isso não significa não buscar por justiça, viu gente! Buscar a justiça é uma coisa, querer vingança é outra. Nós temos que aprender com Jesus: Amai os vossos inimigos, orai por aqueles que vos perseguem. Não é fácil não, mas é nessa hora que a gente vê quanto custa rezar. Temos que lembrar que Jesus na cruz pediu ao Pai perdão pelos seus cínicos assassinos. Olha a grandeza do amor de Jesus, que se expressa na cruz: “Pai, perdoai-os, não sabe o que fazem”. Essas pessoas horrorosas, comidas pelo medo, pela ganância, pela incapacidade do novo. Perdoa. Esse é o caminho de Jesus, esse é o caminho da vida eterna, esse caminho de Jesus dá vida, esse caminho destrói a morte.

330762700_520482496822195_4750054788024165964_n.jpg
Ter a lei do evangelho no coração

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 6º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 12.02.23 – missa às 10h

Continuamos no capítulo 5 do evangelho de Mateus, e ele está falando aos seus discípulos e discípulas, está falando para nós. E, aqui, Jesus nos chama a atenção para não ficar na exterioridade da lei, ou seja, não deixar a lei de Deus entrar no nosso coração.

Vamos pegar essa primeira fala: “Não matarás! Quem matar será condenado pelo tribunal. Eu, porém, vos digo: todo aquele que se encoleriza com seu irmão será réu

em juízo; quem disser ao seu irmão: 'patife!' será condenado pelo tribunal; quem chamar o irmão de 'tolo' será condenado ao fogo do inferno”. Aqui, na expressão hebraica, ‘tolo’ é herege, contra a fé.

Se você fica na exterioridade da lei, você começa a ver essa como simples limite que permite que você faça um monte de outros pecados e outros delitos. Você pode bater, você pode torturar, você pode difamar, você pode fazer um monte de coisa, e dizer “não matei”.

Jesus mostra que vocês precisam ir para o coração da lei, coloque a lei no teu coração, porque quando você odeia o teu irmão, você já o matou no teu coração. Então, você começa a dizer que ele não vale nada até chegar ao ponto de dizer que ele é um herege, ele não acredita em Deus, ele blasfema Deus. Isso para nós hoje é coisa que quase não faz sentido, mas, naquele tempo, era pena de morte. Jesus, pelo sinédrio, foi considerado herege, e ele não estava mentindo, esse é o problema. Precisamos colocar a lei no nosso coração.

“Não cometerás adultério. Eu, porém, vos digo: Todo aquele que olhar para uma mulher, com o desejo de possuí-la, já cometeu adultério com ela no seu coração”. Nós temos duas falas que envolvem a mulher, essa e, depois, a fala do divórcio. Nós temos que ver que, naquele tempo, no tempo de Jesus, a mulher era vista como propriedade do marido, então, o marido podia fazer dela o que quer. Se a outra pessoa é propriedade minha, essa pessoa é menos do que eu. Quem vale mais, eu, ou cavalo que eu tenho? Eu, pois sou o dono do cavalo, posso vender o cavalo, posso matar o cavalo.

A própria lei mantinha a diferença entre homem e mulher. Jesus supera a lei, homem e mulher são iguais, homem e mulher dialogam, homem e mulher são queridos juntos por Deus desde a criação. Essas leis, se ficam na superficialidade, na época, estavam usando a mulher, e Jesus é absolutamente contrário a isso.

Finalmente, “não jureis, não façais juramento”. Como é engraçado, quantas coisas a gente jura? Jesus, porém, nos diz que “o vosso sim, seja sim; o vosso não, seja não”. Sejam pessoas autênticas, pessoas verdadeiras, pessoas honestas, transparentes. São os trambiqueiros que ficam aí enrolando, procurando um buraco na lei para enrolar os outros, inventam leis para enrolar e roubar as pessoas, esses aí não são de Deus.

“O vosso sim seja sim, o vosso não seja não”. Clareza, e não ter que apelar para uma autoridade superior! Ou você tem a verdade, você fala a verdade, ou você simplesmente está na mentira, na falsidade. Jesus quer que nós sejamos pessoas

autênticas e verdadeiras, aprendamos a nos relacionar como irmãos. Dentro do relacionamento, homem e mulher com igualdade, no casamento e no mundo externo também. Igualdade porque nós, diante de Deus, somos todos iguais.

O evangelho nos chama, interpela, e Jesus vai dizer essa outra frase: “se a tua mão é motivo de pecado, corta. Se o teu pé é motivo de pecado, corta”. Uma outra passagem vai dizer “se o teu olho é motivo de pecado, arranca”. O que isso quer dizer? Nós vamos ter que ser todos aleijados? Não, Jesus não está dizendo isso. As mãos simbolizam as nossas obras, o que eu faço.

Se as coisas que eu faço não são honestas, não são de Deus, eu tenho que parar com isso, eu tenho que voltar para o caminho de Deus. Se eu caminho por caminhos que não são da verdade, da justiça, da honestidade, e, por isso, o pé, eu tenho que cortar isso aí. Eu tenho que caminhar de um modo honesto. E o olho, se as minhas ideias, o meu modo de pensar, não são segundo o evangelho, eu tenho que jogar esse jeito de pensar fora e abraçar aquele do evangelho.

Por isso, o evangelho nos convida sempre de novo e de novo a nos aprofundar, converter e, se a gente realmente fica preocupado em olhar para o evangelho, nós nos surpreendemos a cada momento com o quanto nós temos ainda que nos converter, como nós estamos enfiados numa mentalidade, uma prática que não vê os outros como irmãos, que não olha o mundo conforme o evangelho.

Vamos pedir a Jesus que ele mande para nós o Espírito Santo para que nós possamos realmente colocar a lei da vida, a lei do evangelho no fundo do nosso coração, para curar os nossos pecados, os nossos preconceitos, as nossas fraquezas, curar tudo isso desde a raiz. 

janeiro.jpg
O amor de Deus em nossas vocações

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 3º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 22.01.23 – missa às 10h

No ano 700 a.C, Assíria, um grande imperio que tinha nascido no norte da Mesopotania invade o Reino de Israel, chamamo o Reino do Norte e dai em diante, Israel nunca mais vai ser livre, mas o profeta Isaias acende a esperança deste povo dizendo que mesmo eles se sentindo abandonados no meio das trevas e no meio da morte, eles vão ter uma luz.

A Galileia era um lugar de travessia, de comércio de exércitos. Do leste ao oeste, as grandes caravanas de comércio, do norte para o sul, era o caminho para o Egito, outro grande centro, outro grande império e ali passavam os exércitos também, era uma encruzilhada, era um lugar de muitas ideias, muitas religiões, muita confusão. Por isso, o pessoal da Galileia era visto com certo desprezo pelos hebreus do reino de Judá, de Jerusalém. E é muito interessante, que o Filho de Deus vá nascer exatamente na Galileia.

Deus ele tem uns jeitos muito esquisito, o Filho dele não nasce no grande centro religioso, que é Jerusalém. Não nasce filho de sumo sacerdote ou filho do rei de Israel, nasce numa periferia do rei de Israel, quase margem do reino, umas montanhas, umas colinas perdidas no meio do nada.

Jesus, ele se encontra com João Batista, recebe o batismo e dali, vai para o deserto, e ali nós temos a narração das tentações. De algum modo, chega a notícia, talvez depois de ter voltado à Nazaré, chega a notícia de que João Batista foi preso. Nós temos neste tempo o rei Herodes Antipas, filho de Herodes que matou os inocentes, e ele não era muito melhor que o pai não, mas ele queria estar sempre bem com Roma, então o que ele fazia? Tinha um grupinho ali, o pessoal de Israel sempre foi bagunceiro, sempre gostava de uma guerrinha, isso a gente vê desde que nascemos, tem sempre uma guerrinha naquele lugar, então, sempre gostaram de uma revolta, os grupinhos meio bandoleiros. O que Herodes fazia pra não ter bagunça em lugar nenhum? Ele ia e pegava o chefe e mandava cortar a cabeça e dispersava seus seguidores. E fez isso com João Batista exatamente a mesma coisa, ele estava preso para ser decapitado, a Herodíades só apressou o negócio, mas ele ia ser decapitado de qualquer jeito. Jesus ouve esta notícia, chega aos ouvidos dele e ele sai de Nazaré, esse povo perdido no meio do nada, e vai pra Cafarnaum, que era um grande centro às margens do lago e ali tinha pescadores que viviam da pesca. É muito comum naquele tempo peixe seco, fazia parte da alimentação do povo. Em Roma a farinha de peixe seco, era muito comum, esse povo comia muito peixe. Então é um grande centro comercial, de produção e tal e Jesus vai anunciar ali o evangelho. Com qual diferença? Existe uma diferença entre João Batista e Jesus. João Batista fecha o Antigo Testamento e ao mesmo tempo aponta para o novo e Jesus é o Novo Testamento. Se João Batista ficava esperando o povo ir até ele, muita gente foi até ele para ser batizado, Jesus que revela o Pai, ele não fica esperando o povo ir até ele. Jesus vai. Esta é a grande diferença entre Jesus e João Batista. Jesus vai até as pessoas porque Deus se importa com as pessoas e Ele nos procura, Deus não nos deixa abandonados. Por isso que o evangelista lembra aquela passagem de Isaías: vocês, o mundo que estava nas trevas a luz veio até vocês. A luz Deus vem até vem, Ele não fica esperando a gente em algum lugar, Ele vem até nós. E muito interessante que Jesus ao anunciar o reino diz que está próximo, mas quem é o reino? É o próprio Jesus. Ele se aproxima de nós, Ele se faz próximo de nós e o reino cresce no nosso meio quando nós praticamos as mesmas ações de Jesus, pensamos do mesmo jeito de Jesus, sentimos como Jesus sentiu, porque Deus se fez humano como nós, para que nós pudéssemos o imitar, seguir… E o reino funda novo tipo de fraternidade. É engraçado que Jesus chame dois irmãos e logo depois dois irmãos, irmãos de sangue, pra fazer parte do reino pra ir anunciar o reino, mas o reino não é mais fraternidade de sangue. A fraternidade de sangue, ela nos manda para nossos pais, a fraternidade do reino nos manda para Jesus, então nós somos irmãos e irmãs quando nós seguimos o evangelho, seguimos o ensinamento de Jesus, esse é o sangue novo que passa dentro da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. É interessante ver que Deus, Jesus, passa curando as enfermidades do povo. Deus se compadece de nós, ele conhece nossos defeitos, nossos limites, nossos pecados, nossas traições, nossas falsidades, Deus conhece tudo e ele quer nos curar destas situações, ele quer que nós tenhamos vida e quer que nós façamos de modo que outros também tenham vida, porque nós somos discípulos e discípulas de Jesus e Deus é Deus da vida, Jesus é o Deus da vida, então, dar a vida, fazer com que o outro tenha mais vida, mais dignidade, mais respeito, mais acolhida, perdão, esse é o caminho do reino. O reino de Deus está próximo. Está próximo de nós, está em nós quando nós praticamos essa nova fraternidade.

Comentário sobre a carta de São Paulo, porque é um comentário sempre atual na igreja. Qual é o centro da nossa vida cristã? O centro da nossa vida cristã é Jesus. Jesus dos evangelhos. Qual é o grande problema de todos os tempos, não só do nosso, de todos os tempos, ah, mas eu sou desse grupo, ah, mas sou daquele outro. Ah, mas esse grupo não concorda com aquele. Ah, mas eu gostava do Papa Bento. Ah, mas eu gosto do Papa Francisco. Mas eu gosto desse bispo. Eu não gostava daquele padre… O mesmo problema daquela comunidade de Corinto. O que São Paulo diz? Por um acaso foi esse padre que morreu por você lá na cruz? Por acaso foi esse papa que morreu por você na cruz? Por acaso foi o chefe desse movimento que morreu por você na cruz? Quem morreu por você na cruz foi Jesus. Jesus do evangelho. Então o que tem que fazer? Seguir Jesus e não seguir modinhas, Jesus crucificado, que da a vida, que não mata, que não quer a morte de ninguém, quer vida e é ali onde a vida foi tirada, que ela seja restituída. Nós estamos vendo os horrores dos Yanomamis, onde a vida foi retirada, que ela seja recuperada, e quem provocou aquilo seja punido justamente, porque a vida é sacra e a vida dos mais fracos, mais sacra ainda.

Hoje nós estamos comemorando dois anos da nossa pastoral Escolhidos de São Sebastião, que faz o quê? Cuida dos sofredores de rua, leva comida, marmita, roupa… mas mais que isso, encontra as pessoas, fala com as pessoas, muitas vezes escutam os problemas das pessoas, se devolve por um instante dignidade pra essas pessoas. Essas são sementes do reino. Nós plantamos, são pequenas, são poucas. Mas o que era o carpinteiro daquela vilazinha perdida no meio do nada? Era o salvador do mundo. Deus faz as coisas na humildade, acreditando no pequeno, é por aí que Deus nos dá a vida e é por aí que vai o evangelho de Jesus.

Vamos pedir a Jesus que ele nos dê ouvidos para ouvir sua palavra, olhos para ver o mundo que nos circunda, ver os sofrimentos do mundo e guiados por Jesus, curar as dores e sofrimentos do mundo.

(Homilia 3º Domingo do Tempo Comum - Ano A)

No ano 700 a.C, Assíria, um grande imperio que tinha nascido no norte da Mesopotania invade o Reino de Israel, chamamo o Reino do Norte e dai em diante, Israel nunca mais vai ser livre, mas o profeta Isaias acende a esperança deste povo dizendo que mesmo eles se sentindo abandonados no meio das trevas e no meio da morte, eles vão ter uma luz.

A Galileia era um lugar de travessia, de comércio de exércitos. Do leste ao oeste, as grandes caravanas de comércio, do norte para o sul, era o caminho para o Egito, outro grande centro, outro grande império e ali passavam os exércitos também, era uma encruzilhada, era um lugar de muitas ideias, muitas religiões, muita confusão. Por isso, o pessoal da Galileia era visto com certo desprezo pelos hebreus do reino de Judá, de Jerusalém. E é muito interessante, que o Filho de Deus vá nascer exatamente na Galileia.

Deus ele tem uns jeitos muito esquisito, o Filho dele não nasce no grande centro religioso, que é Jerusalém. Não nasce filho de sumo sacerdote ou filho do rei de Israel, nasce numa periferia do rei de Israel, quase margem do reino, umas montanhas, umas colinas perdidas no meio do nada.

Jesus, ele se encontra com João Batista, recebe o batismo e dali, vai para o deserto, e ali nós temos a narração das tentações. De algum modo, chega a notícia, talvez depois de ter voltado à Nazaré, chega a notícia de que João Batista foi preso. Nós temos neste tempo o rei Herodes Antipas, filho de Herodes que matou os inocentes, e ele não era muito melhor que o pai não, mas ele queria estar sempre bem com Roma, então o que ele fazia? Tinha um grupinho ali, o pessoal de Israel sempre foi bagunceiro, sempre gostava de uma guerrinha, isso a gente vê desde que nascemos, tem sempre uma guerrinha naquele lugar, então, sempre gostaram de uma revolta, os grupinhos meio bandoleiros. O que Herodes fazia pra não ter bagunça em lugar nenhum? Ele ia e pegava o chefe e mandava cortar a cabeça e dispersava seus seguidores. E fez isso com João Batista exatamente a mesma coisa, ele estava preso para ser decapitado, a Herodíades só apressou o negócio, mas ele ia ser decapitado de qualquer jeito. Jesus ouve esta notícia, chega aos ouvidos dele e ele sai de Nazaré, esse povo perdido no meio do nada, e vai pra Cafarnaum, que era um grande centro às margens do lago e ali tinha pescadores que viviam da pesca. É muito comum naquele tempo peixe seco, fazia parte da alimentação do povo. Em Roma a farinha de peixe seco, era muito comum, esse povo comia muito peixe. Então é um grande centro comercial, de produção e tal e Jesus vai anunciar ali o evangelho. Com qual diferença? Existe uma diferença entre João Batista e Jesus. João Batista fecha o Antigo Testamento e ao mesmo tempo aponta para o novo e Jesus é o Novo Testamento. Se João Batista ficava esperando o povo ir até ele, muita gente foi até ele para ser batizado, Jesus que revela o Pai, ele não fica esperando o povo ir até ele. Jesus vai. Esta é a grande diferença entre Jesus e João Batista. Jesus vai até as pessoas porque Deus se importa com as pessoas e Ele nos procura, Deus não nos deixa abandonados. Por isso que o evangelista lembra aquela passagem de Isaías: vocês, o mundo que estava nas trevas a luz veio até vocês. A luz Deus vem até vem, Ele não fica esperando a gente em algum lugar, Ele vem até nós. E muito interessante que Jesus ao anunciar o reino diz que está próximo, mas quem é o reino? É o próprio Jesus. Ele se aproxima de nós, Ele se faz próximo de nós e o reino cresce no nosso meio quando nós praticamos as mesmas ações de Jesus, pensamos do mesmo jeito de Jesus, sentimos como Jesus sentiu, porque Deus se fez humano como nós, para que nós pudéssemos o imitar, seguir… E o reino funda novo tipo de fraternidade. É engraçado que Jesus chame dois irmãos e logo depois dois irmãos, irmãos de sangue, pra fazer parte do reino pra ir anunciar o reino, mas o reino não é mais fraternidade de sangue. A fraternidade de sangue, ela nos manda para nossos pais, a fraternidade do reino nos manda para Jesus, então nós somos irmãos e irmãs quando nós seguimos o evangelho, seguimos o ensinamento de Jesus, esse é o sangue novo que passa dentro da comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus. É interessante ver que Deus, Jesus, passa curando as enfermidades do povo. Deus se compadece de nós, ele conhece nossos defeitos, nossos limites, nossos pecados, nossas traições, nossas falsidades, Deus conhece tudo e ele quer nos curar destas situações, ele quer que nós tenhamos vida e quer que nós façamos de modo que outros também tenham vida, porque nós somos discípulos e discípulas de Jesus e Deus é Deus da vida, Jesus é o Deus da vida, então, dar a vida, fazer com que o outro tenha mais vida, mais dignidade, mais respeito, mais acolhida, perdão, esse é o caminho do reino. O reino de Deus está próximo. Está próximo de nós, está em nós quando nós praticamos essa nova fraternidade.

Comentário sobre a carta de São Paulo, porque é um comentário sempre atual na igreja. Qual é o centro da nossa vida cristã? O centro da nossa vida cristã é Jesus. Jesus dos evangelhos. Qual é o grande problema de todos os tempos, não só do nosso, de todos os tempos, ah, mas eu sou desse grupo, ah, mas sou daquele outro. Ah, mas esse grupo não concorda com aquele. Ah, mas eu gostava do Papa Bento. Ah, mas eu gosto do Papa Francisco. Mas eu gosto desse bispo. Eu não gostava daquele padre… O mesmo problema daquela comunidade de Corinto. O que São Paulo diz? Por um acaso foi esse padre que morreu por você lá na cruz? Por acaso foi esse papa que morreu por você na cruz? Por acaso foi o chefe desse movimento que morreu por você na cruz? Quem morreu por você na cruz foi Jesus. Jesus do evangelho. Então o que tem que fazer? Seguir Jesus e não seguir modinhas, Jesus crucificado, que da a vida, que não mata, que não quer a morte de ninguém, quer vida e é ali onde a vida foi tirada, que ela seja restituída. Nós estamos vendo os horrores dos Yanomamis, onde a vida foi retirada, que ela seja recuperada, e quem provocou aquilo seja punido justamente, porque a vida é sacra e a vida dos mais fracos, mais sacra ainda.

Hoje nós estamos comemorando dois anos da nossa pastoral Escolhidos de São Sebastião, que faz o quê? Cuida dos sofredores de rua, leva comida, marmita, roupa… mas mais que isso, encontra as pessoas, fala com as pessoas, muitas vezes escutam os problemas das pessoas, se devolve por um instante dignidade pra essas pessoas. Essas são sementes do reino. Nós plantamos, são pequenas, são poucas. Mas o que era o carpinteiro daquela vilazinha perdida no meio do nada? Era o salvador do mundo. Deus faz as coisas na humildade, acreditando no pequeno, é por aí que Deus nos dá a vida e é por aí que vai o evangelho de Jesus.

Vamos pedir a Jesus que ele nos dê ouvidos para ouvir sua palavra, olhos para ver o mundo que nos circunda, ver os sofrimentos do mundo e guiados por Jesus, curar as dores e sofrimentos do mundo.
 

325747865_1299851684196919_5182207613692812980_n.jpg
O amor de Deus em nossas vocações

Homilia: Pe. Oberdan Santana da Silva - 2º Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 15.01.23 – missa às 10h

A liturgia desse domingo convida a uma reflexão sobre o tema da vocação. Na primeira leitura [Is 49, 3.5-6] temos a vocação do servo do Senhor, na segunda leitura [1Cor 1,1-3], a vocação do apóstolo São Paulo, e, no evangelho [Jo 1, 29-34], a missão de Jesus. A primeira coisa que devemos entender é que nós todos somos vocacionados, pois somos chamados de diversas formas para alguma missão. O Senhor nos escolhe, nos chama e envia a todos nós.

Quando falamos em vocação, imediatamente pensamos em algumas pessoas em particular, padres, freiras, monges, sim, esses foram chamados por Deus. São belas vocações e muito importantes no coração da igreja, mas, não são as únicas! Ser pai, ser mãe, ter uma família, cuidar dos filhos também é uma vocação, é um chamado que vem de Deus. Ser um agente de pastoral bem engajado na comunidade, colocando os dons a serviço de Deus e dos irmãos é uma vocação, exercer uma profissão com amor, pensando não somente na remuneração financeira, mas também em como ajudar as pessoas, em como fazer a diferença, isso também é uma vocação. O que caracteriza a vocação é fazer a vontade de Deus, e Deus sempre nos pede que façamos as coisas não somente em nosso benefício, mas também em benefício dos outros, daqueles a quem somos enviados. Vocação tem tudo a ver com missão e serviço.

Na primeira leitura, o profeta Isaías apresenta o servo do Senhor, e nesse servo podemos enxergar os elementos importantes da vocação. Na sua declaração, em primeiro lugar, o servo manifesta a consciência do chamado divino, ele reconhece e entende que foi preparado por Deus desde o nascimento para uma grande missão. Isso me faz lembrar de uma coisa, todas as vezes que vou celebrar um casamento eu pergunto aos noivos como começou a história de amor deles. Eles ficam um pouco desconcertados, se olham, e acho que ficam tentando lembrar de quando se conheceram, de quando trocaram olhares pela primeira vez, e imediatamente eu digo: “a história de amor de vocês começou muito antes do que vocês imaginam, começou no pensamento e no coração de Deus que sempre teve um plano para vocês dois, que os trouxe a esse mundo para se unirem e serem felizes juntos”.

A vocação, antes de ser uma escolha da nossa parte, é uma escolha da parte de Deus. Ele nos escolheu primeiro, a nossa vida não é fruto do acaso. Se estamos aqui, é porque o Senhor nos chamou à vida e nos chamou a uma missão, a uma vocação, e devemos descobrir qual é para sermos pessoas felizes, para sermos pessoas realizadas. Esse discernimento sobre a vocação só é possível na proximidade, na comunhão, na intimidade com Deus. Toda vocação tem sua origem em Deus e é alimentada por Ele. Se Ele nos chama a algo e nos confia uma missão, então Ele mesmo nos dá a força para cumprirmos essa missão.

Se queremos viver bem a nossa vocação, busquemos a intimidade com o Senhor. É caminhando com Deus, escutando Sua palavra, abrindo o coração aos Seus apelos que, pouco a pouco, as coisas vão ficando mais claras e vamos entendendo qual é a nossa missão aqui. Vejam que o servo, escutando a palavra do Senhor, entendeu qual era a sua missão, a sua vocação: ele deveria ser luz das nações e levar a salvação de Deus até os confins da Terra. Eu diria que está aqui um modelo de vocação pois todos nós naquilo que fazemos somos chamados a espalhar a luz de Deus.

Um padre bem realizado na sua vocação que entendeu a que foi chamado torna-se uma luz para todos os fiéis. Um pai, uma mãe que entendem bem sua vocação são luzes para seus filhos. Podemos pensar em um professor, em um médico, se entenderam bem sua vocação, sua missão, tornam-se luz para os alunos, para os pacientes, para as pessoas a quem vão ajudar. Assim, conseguimos perceber com muita facilidade quando uma pessoa entendeu sua vocação. Às vezes, vamos ao médico e ele nem nos olha direito, escreve qualquer coisa de cabeça baixa e nos manda sair logo da sala, mas há médicos que são diferentes, que escutam, que aconselham, e você percebe que aquele médico está mesmo preocupado com a sua situação. Esse médico não está simplesmente exercendo uma profissão, ele entendeu sua vocação, entendeu a que foi chamado por Deus.

Então, esse texto que nos é colocado no início do ano litúrgico, é para que pensemos se estamos vivendo bem nossa vocação. Nós entendemos a que Deus nos chama? E, se entendemos, estamos cumprindo bem essa missão? Podemos dizer que hoje somos uma luz para aquelas pessoas a quem somos enviados? Fazendo o que eu faço aqui na comunidade, eu espalho a luz de Deus? Lá na minha família, eu espalho a luz de Deus? Lá no meu trabalho, eu espalho a luz de Deus? Essa é a nossa vocação: sermos luz. Iluminados por Deus, então, nos tornamos uma luz para os nossos irmãos.

Na segunda leitura, temos o testemunho vocacional de São Paulo que reconhece como o servo da primeira leitura que foi chamado por Deus. Aliás, é assim que ele se apresenta à comunidade de Coríntios: “Paulo, chamado a ser apóstolo de Jesus Cristo por vontade de Deus”. São Paulo tem consciência da sua vocação, foi chamado a ser apóstolo e a pregar a boa nova a todos os irmãos, especificamente para isso. Cada um de nós também tem o chamado particular. Se você pega um peixe e coloca em uma árvore, esse peixe consegue subir? Claro que não, pois não é a vocação, ele não foi feito para isso, por mais que queira, não vai conseguir.

Cada um de nós tem que descobrir qual a nossa vocação particular. Na comunidade, há várias pastorais, vários movimentos, coisa para fazer não falta, mas você tem que descobrir a que Deus te chama. Olhe para os dons que você tem e você vai conseguir enxergar onde se encaixa, onde vai ser útil, onde vai fazer uma coisa boa. Então, a vocação tem esse lado particular, cada um é chamado a uma coisa e, naquilo que faz, é importante e colabora com a obra de Deus.

Porém, São Paulo fala também de uma vocação comum depois de se apresentar como apostolo de Jesus Cristo. Ele diz aos coríntios que todos na igreja são chamados à santidade, e está aí a nossa vocação comum. Nessa família em que nos reunimos em nome de Cristo, que é a igreja, cada um de nós é chamado à santidade. Santidade não significa ser perfeito, essa santidade como perfeição vamos alcançar um dia, hoje estamos na caminhada. Ser santo hoje significa fazer a opção pelo evangelho, pela vontade de Deus. O santo podemos dizer que é o separado no sentido de que escolhe seguir o caminho de Deus e se separa de tudo aquilo que não é conforme a vontade Dele. Por exemplo, há uma coisa que certamente já escutamos de nossas mães quando éramos pequenos: “você não é todo mundo”. O filho vem com o discurso preparado “olha, todo mundo vai para tal lugar fazer tal coisa, posso também?” e a mãe diz “não, porque você não é todo mundo”.

São Paulo está dizendo isso aos coríntios: “vocês não são todo mundo, vocês são chamados à santidade, vocês foram santificados por Cristo, agora é uma vida nova”. Isso São Paulo diz a nós também hoje, somos chamados à santidade e não poderemos ser verdadeiramente santos, não poderemos ser cristãos verdadeiramente fazendo o que todo mundo faz, sendo desonestos, sendo malvados, sendo egoístas como todo mundo. Deus não nos chamou a isso, Ele nos chamou à santidade. Deus nos chamou a viver e a caminhar na Sua luz.

Estamos no início do ano e a palavra nos faz esse apelo: diante de tudo aquilo que temos a fazer, o mais importante é que deixemo-nos guiar pela luz do Senhor que nos chama à santidade. Deixemos de lado as trevas, vivamos bem a nossa vocação. Por meio de nossas vidas, demos glória ao Senhor que nos chamou à vida e nos cumulou de tantos dons.

No evangelho, para encerrar, temos uma missão muito importante que é a missão de Jesus Cristo. São João Batista dá testemunho de Jesus dizendo: “eis o cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Essas palavras são conhecidas, todas as vezes que nós participamos da missa escutamos essas palavras, o padre as diz enquanto apresenta Jesus na eucaristia. E por que falamos de Jesus sempre como cordeiro? A imagem do cordeiro diz bem qual a missão de Jesus: o cordeiro é puro, é manso, e assim é o senhor. Jesus é aquele que, sendo inocente, assume o nosso pecado e elimina o pecado na cruz na força do seu amor. O cordeiro manso que não foge do sacrifício, mas é verdadeiramente forte porque tira o pecado do mundo, porque nos ama até o fim.

Essa é a missão de Jesus: vir nos resgatar e tirar do nosso meio o que nos impede de ter uma vida plena. João Batista continua no seu testemunho “eu vi o Espírito descer como uma pomba do céu e permanecer sobre ele, e, depois, este é quem batiza com o Espírito Santo”. O Espírito vem sobre Jesus e permanece porque Jesus é o filho de Deus, é aquele que tem a plenitude do Espírito, a plenitude do amor, e ele nos oferece esse Espírito

para termos uma vida nova e vivermos a nossa vocação de santidade, de filhos e filhas de Deus.

Esta vida nova é possível porque o Espírito de Jesus Cristo nos fecunda! Sem o Espírito de Deus, nada poderíamos fazer, a santidade seria impossível, não poderíamos viver a nossa vocação. Então, vejam bem, Jesus tira o pecado e dá o Espírito, a vida nova, abre um novo caminho na perspectiva da eternidade, da vida plena. Essa é a missão de Jesus que se sacrifica e se oferece para que tenhamos vida.

Que nós possamos então, diante de tudo aquilo que vamos fazer durante o ano, não perder isso de vista. Caminhemos com Jesus, peçamos constantemente a força do seu Espírito. Se caminharmos unidos a Ele, poderemos viver a nossa vocação, enfrentar o mal, e fazer a luz de Deus brilhar em nossa vida, em nossa vocação.

Que o Espírito dado por Jesus Cristo nos ilumine e nos acompanhe a cada dia desse novo ano.

323586643_1234710147078967_4851287216384474774_n.jpg
​Ser pequeno, acolher e perdoar

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Natal do Senhor - Missa do Dia  (Ano A) – 25.12.22 – missa às 10h

Vocês viram que eu pulei uns pedaços do evangelho de hoje [Jo 1, 1-18], que eram os que falavam de João Batista. O autor do evangelho tinha esse hino, que é um hino cristológico de Jesus, do jeito que eu li, mas também tinha conflitos com as comunidades de João Batista. Até por volta dos anos 120, algumas pessoas ainda acreditavam que João Batista era o messias, por isso o último evangelista, o que terminou o evangelho, colocou essas frases sobre João Batista para testemunhar que João Batista próprio disse que era menor que Jesus. Jesus é o messias, não João Batista.
Depois do ano 120, os discípulos de João Batista ou se tornaram cristãos ou caíram na heresia. Na mesma comunidade de São João, a comunidade de onde saiu esse evangelho, uma parte se manteve unida à comunidade de Jerusalém cristã, e a outra parte caiu toda na heresia que conhecemos como gnosticismo, é um negócio complicado. Mas não é sobre esse fato do evangelho de João que temos que falar hoje!
Vejam que linda essa primeira frase da primeira leitura [Is 52, 7-10]: “como são belos, andando sobre os montes, os pés daquela que anuncia e prega a paz, que anuncia o bem, prega a salvação e diz a Sião ‘reina o teu Deus’”. A leitura não diz a mensageira, mas o texto original diz. Esse texto nos manda imediatamente para uma imagem de uma mensageira que caminha sobre as colinas em direção a Sião, que é Jerusalém, e diz “reina o teu Deus”. É impossível não pensar em Maria que, logo depois da anunciação, vai depressa sobre as colinas da Galileia, depois da Judeia, até chegar na casa de Isabel, perto de Jerusalém, carregando Deus no seu ventre.
“Reina o teu Deus”. O povo de Israel esperava o messias, e quando eles pensavam em messias, pensavam numa figura gloriosa, poderosa, mas vemos que a profecia se cumpre do modo mais comum que possa existir. Uma moça que vai junto de uma caravana, já que não se viajava sozinho naquele tempo de jeito nenhum por ser um perigo, como tantas outras moças, como infinitas caravanas que desciam da galileia até Jerusalém e depois seguiam para o Egito. Milhares de caravanas passaram naquelas colinas, naquelas estradas, e, por ali, passou a mãe de Deus cumprindo essa profecia “reina o teu Deus”.
Assim como a entrada de Jesus em Jerusalém, no monte das Oliveiras, que vemos no Domingo de Ramos, muitas festas populares aconteciam em Jerusalém, e muita gente entrou pelas portas da cidade através dessas festas populares. Jesus também entrou em Jerusalém no meio de uma festa popular, e o que se esperava? Se esperava um rei triunfante, um messias que vai chegar em Jerusalém e mudar tudo, fazer tudo esplendoroso. Entrou ali pelo caminho comum do povo, do jeito que tantas outras pessoas entraram porque Deus passa pelos nossos caminhos humanos e não pelas nossas ideias de Deus. Deus se fez carne.
Vocês se lembram qual livro da Bíblia que começa exatamente com essas palavras: “no princípio”? Gênesis, isso mesmo, que quer dizer justamente “no princípio”. São João olha para Jesus ressuscitado e nos diz “o princípio é ele, ele está antes da criação do mundo, para ele Deus criou tudo, ele e o Pai são uma coisa só porque um olha para o rosto do outro”. Só Deus pode fazer isso! Depois que Moisés pediu para Deus “mostra-me o teu rosto”, Ele disse “não, nenhum ser vivente pode olhar para o meu rosto e continuar vivo, esconde-te na caverna, eu porei a minha mão ali e passarei diante de ti com toda a minha glória, e você me verá pelas costas porque ninguém pode ver o meu rosto e continuar vivo”. O único que pode ver o rosto do Pai é Jesus, o verbo eterno, só ele. Por isso, é Jesus quem nos revela Deus, todo o resto que a nossa filosofia, conhecimentos etc. falam de Deus é pura invenção humana.
Nós colocamos um espelho diante de nós, um espelho gigantesco. Já viram aqueles espelhos que são meio curvos, e você se vê pequenininho diante dele, mas nele você fica gigante? É isso que fazemos, nos colocamos diante do nosso espelho e construímos um Deus à nossa imagem e semelhança. A mitologia mais famosa que conhecemos, ao menos aqui no Ocidente, é a mitologia grega. Mas, se observarmos, os deuses gregos não são nada mais que as nossas paixões, nossos ódios, nossas invejas, nossa preguiça, nossos medos, todos agigantados, e nós adoramos isso como Deus, mas não é Deus.
Deus é só aquele que Jesus revela e, cuidado, às vezes até os padres pregam um Deus que não é o de Jesus. Quando um padre fica colocando medo no povo, dizendo que vai tudo para o inferno se não fizer isso, se não fizer aquilo, está pregando um Deus que não é de Jesus, entenderam? O Deus de Jesus, o Deus verdadeiro, é aquele que Jesus revelou com as suas palavras e as suas ações, por isso São João vai falar que ele, que olha para o rosto do Pai, se esvazia de si mesmo e se torna um de nós no seio da Virgem Maria.
É necessária uma mãe que o nutra no ventre, que lhe dê de mamar, que limpe, e precisa de um pai que dê amparo, proteção, especialmente num tempo em que uma mulher sozinha não valia nada. Sem um marido ao lado, a mulher não valia nada! Fazer essa criança crescer, educar, transmitir para ela a cultura, a religião da época, o judaísmo vivido ali, na Galileia, nas montanhas, uma religião dura, fechada. Ensinar a Jesus um trabalho. Como ele aprendeu a ser carpinteiro? Trabalhando com José na oficina dele, vendo José cortar, vendo José botar o tijolo, aprendeu dele. Precisou de uma mãe que tivesse todos os cuidados domésticos porque, naquele tempo, mulher não trabalhava fora, apenas em casa, e era pesado o trabalho da mulher em casa. Basta pensar nas horas e horas que a mulher precisava ficar no moinho, moendo trigo. Já pensaram o que é isso? Quem ainda tinha um pouco de dinheiro podia ter um jumento que rodasse a roda, mas, se não tinha, era no braço mesmo, e quem empurrava era a mulher. Era complicado, o trabalho era pesado, fazer os fios de lã, tecer, essas coisas não eram fáceis, a mulher se levantava antes de todo mundo e ia dormir depois de todo mundo. Essas coisas não são faladas. Todo mundo fala de Napoleão, mas ninguém fala das mulheres que cozinhavam para ele, ou que lavavam as roupas dele, e sem elas, ninguém seria o que foi.
Essa é a vida de Jesus, com sua mãe e aquele que se acreditava ser seu pai. A nossa vida ele viveu, as nossas dores ele sofreu, pelas nossas estradas ele andou. Falou uma língua que as pessoas podiam entender, e não falava coisas lá do alto, dizia coisas que as pessoas entendem! Reino de Deus é igual a grão de trigo, que cai na terra e morre. Todo mundo via e sabia o que era o plantio do trigo, como era a colheita da uva, como era fazer o pão, varrer o chão de terra da casa. A mulher varria com cuidado para ver onde caiu a moeda nas casas de chão de barro, que têm um monte de rachaduras pequenas no chão. Não era tudo com cerâmica ou outras coisas, era chão rachado, e ela procurava devagarzinho a moeda que podia ter caído ali. É a vida, e Jesus fala da vida que as pessoas entendem, ele mostra Deus de uma maneira que nós podemos entender, e nos mostra que Deus é fiel até a morte, lá na cruz.
Vocês já perceberam que a cruz e o presépio são muito parecidos? Ali existe pobreza, Maria teve que colocar esse menino em um cocho, não tinha lugar para eles na cidade, ela teve que ir para um lugar em que cuidavam de bois e ovelhas. Deu à luz ali, no estábulo, colocou a criança dentro de um cocho, isso é muita pobreza. E que nós encontramos lá? Um homem pendurado em uma cruz, espoliado de tudo, sem roupas, sem ninguém, com o nome amaldiçoado como herege pelos judeus e como criminoso pelo império romano. Tiraram de Jesus tudo, toda a dignidade que podiam tirar, tiraram. Morre de um jeito que dizia “você não é digno nem de morrer, dar o último suspiro pisando no nosso chão”, por isso era pendurado, os pés dele não tocam o chão.
O que nós temos no presépio? Uma mulher muito nova, com 13 anos talvez, aquele que acreditava e era realmente o marido dela, com não mais de 16 ou 17 anos, e um grupo de bandidos. Os pastores eram pessoas muito malvistas naquele tempo, eram homens muito rudes, muitos deles eram ladrões, assassinos, era uma situação horrorosa a dessa gente, e eles foram lá. Eu imagino a cara de Nossa Senhora quando vê esses bandidos chegando! Só que Jesus terminou a vida também ao lado de bandidos. Lá, ao lado da cruz, estavam dois assassinos, ou envolvidos com assassinato, não eram ladrões, pois ladrões não morriam daquele jeito, eram assassinos.
Porém, para essas duas situações há um anúncio estranho. Quando os anjos aparecem para aqueles pastores, se dizia que, quando Deus aparecesse, só com o olhar Ele iria transformá-los em cinzas, pó, de tão amaldiçoados que eram. Os anjos aparecem e falam “não tenham medo”, ou seja, “vocês não vão virar pó não, isso é mentira. Eu tenho um anúncio grande para vocês, bandidos, escória do mundo. Nasceu para vocês um salvador”. Será que esses homens poderiam ter ido ao palácio de Herodes ver seu filho? Ou no palácio de César ver seu filho? Não, esses homens só podiam ir em uma choupana no meio do campo, e Deus foi lá para que eles pudessem entrar em Sua casa, em Sua presença e ver Sua salvação. Ou seja, vocês não serão pulverizados, vocês serão salvos.
Na cruz, vemos a mesma coisa, para um deles Jesus diz “hoje você vai estar comigo no paraíso, você vai ver a salvação de Deus hoje”. Deus salva descendo na nossa miséria, indo ao encontro da nossa miséria, esse é o nosso Deus, essa é a mensagem de Natal. Feliz de quem se coloca naquele caminho junto àqueles pastores, quem não se considera melhor que os outros, superior ao outro porque tem mais estudo, porque é branco, porque é heterossexual, não, esses não encontram o caminho.
Para encontrar o caminho, temos que nos abaixar que nem aqueles homens, ser solidários com todos os que sofrem. Aí nós vamos encontrar Jesus, aí poderemos entrar em sua casa. Vamos pedir a José e Maria que rezem por nós para que possamos também nós nos abaixando, acolhendo aos outros, perdoando os outros, nos colocar nesse caminho para chegar até o presépio onde vamos encontrar a salvação de Deus.

322536395_629309632285447_2285412383684781830_n.jpg
Natal, tempo de esperança acesa em nossos corações

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Natal do Senhor - Missa da Noite  (Ano A) – 24.12.22 – missa às 19h

ais uma vez é Natal, e mais uma vez se acende uma esperança, a esperança humana que não morre. É muito bonito escutar na primeira leitura [Is 9, 1-6] a fala do profeta que nos diz que as botas e as roupas as roupas ensanguentadas dos exércitos serão queimadas. Em outro lugar ainda se diz que o luto, a mortalha que cobria as nações será tirada, serão enxugadas as lágrimas de todos os olhos, não haverá mais sofrimento nem morte.

Essa é a grande notícia de Deus: a esperança! Por pior que estejam as situações humanas, por pior que esteja a situação econômica, política, social, brigas, ódios, nós, cristãos, esperamos sempre o dia de Deus. Não nos deixamos nos abater por essas situações, mas nos empenhamos para superá-las porque Deus quer, já nesse mundo, a paz.

O profeta diz que sobre este menino é colocado o julgo do poder, da autoridade, e ele será chamado de Príncipe da Paz, que todos nós buscamos e que, muitas vezes, não encontramos e temos que lutar mais. Jesus, Deus feito homem, nascido numa manjedoura. Manjedoura é cocho, viu, gente? Cocho de vaca, uma criança nascida ali, Jesus.

Toda mulher grávida carrega consigo uma esperança, e é muito difícil não se alegrar com o nascimento de uma criança porque a criança é vida, é uma vida que vai prosseguir, é uma vida que irá adiante, é mais um sonho, é mais um desejo. Como se dizia quando vieram batizar São João Batista: “o que será esse menino? o que virá a ser esse menino?”. Todos nós vivemos dessa esperança com um novo nascimento porque nós acreditamos na vida e não na morte.

Jesus nos revelou que a morte é só um momento, passagem, a nossa esperança está em Deus, então a nossa esperança humana se abre para o eterno. E por que se abre para o eterno? A nossa fé nos sustenta neste mundo, nos mantém mesmo nas dificuldades, nas dores, nas doenças e na morte. Nada nos separa do amor de Deus, mas temos que manter viva essa fé.

Se nós simplesmente nunca nos confrontamos com Jesus, nunca nos colocamos aqui aos pés do presépio ou aos pés da cruz, nós não alimentamos a fé, nós perdemos a esperança e afundamos em tantos medos, angústias, depressões, essa palavra que está virando uma chaga no meio do povo e do mundo por causa do isolamento da pandemia. Muitos de nós ficaram doentes, mas, para muitos, nós temos que perguntar: “a sua fé em Jesus segurou você nessa hora? Você aprendeu ao longo da tua vida a estar constantemente na frente de Deus?”

Aqueles pastores eram verdadeiros bandidos, muitos deles assassinos, quando viram os anjos seguramente pensaram que era o fim de tudo, e o anjo diz "nasceu para vocês", para aqueles bandidos, para eles, o Salvador. Se é Salvador de bandidos assassinos, é salvador de todos, um Deus assim não coloca medo em ninguém. Um Deus que nasce pequeno, necessitando dos cuidados da mãe, da proteção de alguém que lhe servia como pai, dos cuidados de outras pessoas, um Deus assim não assusta.

Existe um diálogo muito forte entre o presépio e a cruz, porque o menino do presépio, o menino da nossa esperança é o mesmo que está na cruz. Fidelidade, Jesus se esvazia de si e nasce como um de nós, se esvazia da sua divindade e se torna um de nós, caminha nossos caminhos por fidelidade ao Pai. Faz suas lutas, brigas, confrontos, milagres, vai ao encontro dos que sofrem, dos doentes, dos pobres, das prostitutas, por fidelidade. São esses que o mundo chama de malditos, para eles, começando deles, Deus salva a todos, começando deles. E, para ser fiel a isso até o fim, Jesus aceita livremente ser crucificado e ali, mais uma vez, o espelho do Natal, o espelho do presépio, o espelho da esperança para um assassino, Jesus diz "hoje, você estará comigo no paraíso". Hoje, um hoje de Deus que é a esperança eterna, não há o que possa nos separar de Deus, São Paulo vai dizer isso com muita força.

Nós precisamos cultivar essa esperança, um dom de Deus que nós recebemos no batismo, mas também somos responsáveis por ela. Nós entregamos, no dia do batismo, uma vela para o pai da criança, mas se esquecerem e colocarem em uma gaveta, nunca mais acende a fé. Muitas vezes, nós vamos até algumas vezes na missa, fazemos até alguma coisa boa, e nos contentamos com pouco.

Deus é bom, Deus quer a vida para todos, e Ele quer que estejamos sempre mais dentro desse grande movimento, que todos tenham vida, que todos tenham esperança, que todos possam ver dias melhores. Essa é a esperança que nasceu em Belém, essa é a realidade que Jesus nos deu na cruz, a vida de Deus, fraternidade com Jesus e com os sofredores, a vida de comunhão com a Santíssima Trindade.

Vamos louvar a Deus pela esperança que sempre acende em nosso coração. Às vezes, pessoas criticam que é só no Natal, mas vamos manter viva essa esperança, pois Natal é a esperança de um mundo melhor.

Mantenhamos viva essa esperança, caminhemos a nossa estrada com Jesus na esperança, abracemos Jesus no caminho do calvário, vivamos na alegria da ressureição anunciando o evangelho que o Espírito Santo nos manda. Esperança, não dar ouvido ao desespero, ao medo. Jesus menino desfaz o medo, e também para nós os anjos dizem: "não tenham medo, porque para vocês nasceu hoje o Salvador".

Nele coloquemos a nossa esperança e façamos da nossa vida caminho de seguimento de Jesus. A todos vocês, que a esperança do Natal crie um incêndio em vossos corações, que nós tenhamos dias melhores, que as guerras do mundo acabem, que a fome do mundo diminua, que nós possamos ter paz. Feliz Natal para todos!

320557639_2324293314415328_7395700827817592700_n.jpg
Confiar em Deus como José

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo do Advento  (Ano A) – 18.12.22 – missa às 10h

O Evangelho desse domingo pode ser chamado de Evangelho da confiança. Vamos começar olhando o Antigo Testamento, estamos no ano 732 a.C. e o rei da Assíria tinha invadido o reino do norte de Israel e depois ele fez o cerco em Judá e entrincheirou a cidade de Jerusalém. O rei era Acás, casado com uma pagã e ela tinha o culto ao deus Baal e muito provavelmente eles sacrificaram o primogênito para Baal. A estátua do deus era feita em bronze, eles esquentavam com fogo, o braço ficava incandescente e ali jogavam a criança viva – era o sacrifício a Baal, terrível, então provavelmente aconteceu isso. Agora um reino sem herdeiro e um reino cercado e entrincheirado, o rei ficou doido chegou a mandar embaixadas para consultar o rei da Assíria e ver o que fazer para não invadir a cidade e o que acontece? O profeta Isaías vai até o rei e diz para ele “confie em Deus, essa cidade não vai cair nas mãos dos assírios”. Mas o rei estava duvidoso, era medroso e covarde já tinha mandado essas embaixadas secretas falar com outro rei e Isaías ficou sabendo e, possesso de raiva, foi lá com a palavra do Senhor: “o Senhor te diz pede um sinal do céu ou sinal do fundo do inferno para que você confie acredite” aí o sujeito, além de covarde, ainda dá uma de falso piedoso, dizendo “eu não vou tentar o Senhor”. E o profeta ficou mais bravo ainda e falou “não basta você irritar a mim que sou o profeta, vai irritar a Deus também? Pois eu vou te dar um sinal”. A jovem era rainha vai dar à luz a um filho e essa criança vai ser a prova de que Deus está conosco, Emanuel. Qual o problema dessa profecia? É que no máximo em 9 meses se verifica ou não. A rainha realmente estava grávida, teve o bebê enquanto a cidade estava entrincheirada e até hoje os historiadores não sabem o que aconteceu, o fato é que no meio da noite o exército assírio levantou acampamento, foi embora e não voltou mais. Então a profecia de Isaías que era quase uma bronca, uma maldição para o rei, apareceu aos olhos dos discípulos de Isaías como uma bênção, pois se se verificou tudo aquilo que ele tinha falado: o rei da Assíria não entrou na cidade, a rainha teve um filho e o trono de Judá permaneceu firme. 200 anos depois mais ou menos Judá vai cair nas mãos do rei da Babilônia e aí acaba o reino de Judá também.

Essa promessa de um filho ficou na memória de um povo e, nas palavras de Isaías, alimentou a esperança de um Messias e aí temos que ir 700 anos depois, lá na cidade perdida da Galileia chamada Nazaré, uma cidade pequeninha com 50 metros de comprimento só, perdida nas colinas. Maria estava grávida e gravidez até se consegue esconder por um tempo, mas depois não dá mais. Naquele tempo, o casamento era o que hoje chamamos de noivado. Os esposos se casavam, mas, depois da cerimônia, cada um voltava para a casa dos pais e um ano depois a esposa era levada para a casa do marido. Só aí eles iam viver como marido e esposa. Qual era o problema? Se durante esse ano houvesse infidelidade da mulher, ela deveria ser apedrejada em praça pública até a morte – só a mulher que se prejudicava naquele tempo. José então percebe que Maria estava grávida, mas ele não sabe o que aconteceu, ele pensa “eu não quero que ela morra, então vou dar uma carta de divórcio, assim ela pode ficar livre e se casar com quem quiser”. Enquanto ele estava pensando essas coisas, o anjo de Deus fala com ele em sonhos: “José, não tenha medo, a criança é obra de Deus e essa criança vai salvar o povo de Deus dos seus pecados, o nome da criança deve ser Jesus” então José crê na palavra do anjo, recebe sua esposa. E depois a vida dele começa a virar uma doidice: vem o decreto do governador para ir fazer o recenseamento e vai pra Belém, chega em Belém e fica lá algum

tempo e vem o perigo da perseguição, foge para Gaza, no Egito fica lá 2 ou 3 anos depois volta para Nazaré. É uma vida corrida. José educa essa criança como filho seu, faz dele um hebreu, uma pessoa da cultura do tempo e lhe ensina um trabalho. A coisa mais interessante na figura de José é que ele morreu antes do início do ministério público de Jesus, então tudo que o anjo falou para ele em sonho, ele não viu realizado. Maria viu o ministério de Jesus, os confrontos com autoridade, a morte e ressurreição de Jesus, a vinda do Espírito Santo e o começo da vida das comunidades. Maria viu tudo isso, José não. José é aquele homem que, nas palavras que São Paulo depois vai dizer, um semeia, o outro faz crescer, outro colhe e outro ainda vai comer. Se o meu trabalho é colocar a semente, é isso que tenho que fazer, disso tenho que cuidar. “Ah, mas eu queria logo comer o pão”. Deus pediu para você plantar a semente, comer o pão é problema de Deus no tempo Dele. Nós estamos em um tempo em que tudo é para ontem, Deus não é assim então José cumpre a missão dele mesmo sem ver o fruto final, isso só faz quem confia em Deus, quem tem fé. Quem não tem fé quer as coisas prontas logo para ver igual São Tomé tem que colocar o dedo no buraco do prego, isso é falta de fé. Se Deus pediu para eu plantar, eu planto. Deus pediu para eu colher, eu colho. Deus pediu para eu preparar o pão e pode acontecer de eu nem poder comer e sim outro comer. Eu tenho que fazer o que Deus me pediu, nesse tempo, nesse lugar. Fidelidade ao Evangelho é acreditar sempre em Deus, essa é a imagem e modelo de fé que encontramos em São José, esse homem que o evangelho chamou de justo um homem de crê para lá da lei. A lei é pouco, a fé dele é muito maior do que a lei.

Vamos pedir a São José que nos ilumine nos ajude a viver bem esse nosso tempo naquela que é a ordem e a vontade de Deus para o nosso tempo, para que outros possam no seu tempo dar prosseguimento a nossa obra.

320028831_1300840184100890_5842360625499585412_n.jpg
O Messias vem para todos

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo do Advento  (Ano A) – 11.12.22 – missa às 10h

No ano 732 antes de Cristo, o Rei da Síria, Degrate Falazar Terceiro, invadiu o Reino do Norte: Israel. Israel e Judá já tinham brigado, então, eram dois reinos separados e a Síria invadiu o reino do norte e a partir daí nunca mais o reino do norte foi livre, sempre ficou debaixo da mão de alguém, de um outro império. Judá caiu na mesma situação, 150 anos depois, quando o rei da Pérsia manda voltarem para a terra de Israel os descendentes daqueles que tinham sido levados exilados para Babilônia. Um discípulo de Isaías escreve esse trecho que nós ouvimos: “Não percam a esperança, o nosso Deus vem. Ele vai nos dar liberdade, Ele vai nos colocar na nossa terra”, e a parte importante é essa “Os cegos verão, os surdos ouvirão, os aleijados, os coxos pularão de alegria”.

Quando João Batista estava preso, pouco antes de ser morto, ele viu como era a atividade de Jesus e ficou com uma pulga atrás da orelha. Mas o Messias não deveria ser um grande juiz? Ele não era para ser um grande chefe militar? O que é isso que está acontecendo? Mas não era só João Batista que pensava assim, até os discípulos de Jesus pensavam assim e Jesus vai dizer para ele, para os seus enviados: “vão dizer para João o que vocês veem e ouvem. Os cegos veem, os surdos ouvem, os mortos são ressuscitados, os coxos andam e aos pobres é anunciada a boa notícia”.

Nós não sabemos se essa mensagem chegou a João Batista e, se chegou, qual foi a sua reação. Fato está que Jesus começa a falar de João Batista e diz dele: “ele não é um caniço agitado pelo vento”. Caniço agitado pelo vento são aquelas pessoas que dançam conforme a música: se o lado A está ganhando, ele é do lado A; se o lado B está ganhando, ele muda para o lado B. Isso é ser balançado como um caniço ao vento, você não pode confiar naquela pessoa de jeito nenhum. Ou, outra imagem são aqueles que vestem roupas finas que estão nos Palácios dos Reis. Para essas pessoas, seja para esses do caniço, seja os de pessoas finas que frequentam os Palácios, a notícia da chegada de Deus, do Messias com Jesus não agrada. Eles se escandalizam enquanto os pobres, os cegos, os coxos e os marginalizados fazem festa, porque eles são libertados do sofrimento e do desprezo. Eles se tornam o centro das preocupações de Deus.

Jesus faz isso muitas vezes, estava lá na Sinagoga, lá tinha um homem com a mão seca, o que Jesus faz? Simplesmente diz: “Ó meu filho, tua mão tá sarada”? Não, ele diz: “vem aqui para o meio, saia da margem, venha para o centro”. A mulher que sofria com o fluxo de sangue, hemorragia há 12 anos. Imagina a vida dessa mulher... Para as mulheres do tempo de Jesus, o tempo da menstruação era um tempo de impureza, ninguém podia tocar nessa mulher, ninguém podia se sentar no mesmo lugar que ela, era um desastre. Agora imagine ter derramamento de sangue, ter hemorragia 12 anos seguidos, essa mulher vivia no inferno. Então, ela mesma se sente culpada, pecadora, olha o que Deus fez comigo? Eu sou impureza em pessoa, mas ela vai sorrateira atrás de Jesus. Jesus está lá no meio da muvuca, e põe a mão na roupa dele e ela fez isso com fé. Na mesma hora, Jesus percebeu que tinha acontecido alguma coisa diferente. Jesus para e começa a olhar “Quem me tocou?”. Aí os discípulos ainda tiram barato da cara dele, né, “ô gostosão, tá todo mundo aí na muvuca te empurrando para lá e pra cá e você quer saber quem te tocou?”. Mas Jesus insiste em olhar e até que a mulher tem coragem e vem na frente de Jesus, ou seja, ela sai do meio, do escondido, da vergonha e se coloca no centro, porque é isso que Deus quer.

Deus não quer ninguém jogado para os cantos. Aí Jesus diz para essa mulher: “a tua fé te salvou”. Olha que interessante, Jesus não disse isso para ninguém que estava na muvuca, todos os fãs de Jesus, ai que maravilha. Não, foi para aquela mulher, para aquela mulher que teve a coragem de arriscar na misericórdia de Deus.

Deus quer que todos estejam junto Dele. Deus não quer ninguém nas margens, ninguém excluído. Ele quer que todos sejam centro, mas para fazer isso, a gente tem que mudar nossa mentalidade. O mundo pode melhorar, pode mesmo, tem tudo para melhorar. Nós temos que aprender a fazer como Jesus, colocar os nossos olhos naqueles que estão fora, naqueles que são jogados como lixo do mundo, porque nós somos todos irmãos. Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ilumine e nos faça também colocar no centro aqueles que são marginalizados, os pobres, os sofredores, aqueles que nós chamamos de pecadores.

318569741_2041411009389316_8323997151761475966_n.jpg
Chamado à conversão

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo do Advento  (Ano A) – 04.12.22 – missa às 10h

Em dois domingos do Advento, nós falamos de João Batista, essa figura que é muito importante para a passagem do Antigo para o Novo Testamento. Ele está exatamente no ponto central dessa passagem. João Batista se apresenta ao povo no deserto, com as vestes de um profeta, e grita chamando o povo à conversão, a mudar de vida, a tirar da vida aquilo que não é de Deus. E é muito interessante ver que as pessoas ao longo do rio Jordão, nas vilas e cidades, o pessoal da Judeia e até de Jerusalém, veem se batizar.

É interessante que seja a esse povo simples que João simplesmente chama à conversão, são pessoas que já vivem na pobreza, exploradas por um sistema absurdo que praticamente roubava tudo aquilo que as pessoas produziam. Era uma vida de muito sofrimento. Essa gente vem até João Batista porque eles também reconhecem que valham e esperam o dia do Senhor. Eles esperam a vinda do Reino, porque as soluções políticas e religiosas de Israel não deram bom fruto. O povo sai do deserto do Egito e entra na terra de Israel depois de 40 anos. Foram 40 anos de purificação, de experiências com Deus, de tentações. Então entram na terra de Israel e por 250 anos vivem numa sociedade bastante igualitária. É o tempo dos juízes. Depois eles querem um rei e, quando eles pedem um rei, aí entorta o caneco. Até que os reis desaparecem: no norte, no ano 700 a.C. e no sul, em Jerusalém, no ano 500 a.C. Daí para frente, Israel vai ser sempre colônia de outros reinos e o povo espera o Messias. O Messias que vá trazer tempos novos, libertar Israel dos opressores e fazer dela a maior nação do mundo, aquele que vai reformar a liturgia do templo. Esse povo deposita só em Deus a sua esperança por isso eles acolhem a João Batista, porque ele anuncia a vinda do Messias.

É interessante que existiam grupos políticos e religiosos que também esperavam o Messias. Os fariseus, muito religiosos e respeitados, observavam a lei com muito vigor e diziam que o dia em que todos os israelitas praticassem a lei, o reino iria chegar. Mas eles se fecham como se fossem um clubinho, desprezam, condenam e até matam os que não pensam e não agem como eles. Os saduceus eram o grupo dos latifundiários riquíssimos, as famílias dos sumos sacerdotes – engraçado porque não acreditavam na ressurreição, em anjos, na vida eterna, eram praticamente ateus vestidos de religiosos. Essa gente, os fariseus e os saduceus, elite política e religiosa de Israel vem para ser batizada junto com o resto do povo. Mas João Batista não se deixa enganar não, os chama de cobras venenosas. E o que a cobra faz? Mata. E ele fala: vocês pensam que enganam a Deus, vocês dizem nós somos filhos de Abraão, não somos filhos da prostituição. Pois é. A essa gente que tinha desprezo pelos outros, João Batista vai dizer que eles tem que dar provas de que eles se converteram, de que deixaram de pensar e agir do modo torto e errado que eles agiam. Ele diz: o machado já está no pé da árvore ou vocês mudam de vida ou vocês vão acabar no vinagre, pois, não mudaram de vida, 40 anos depois vieram os romanos e acabaram com tudo. Mas eles não se converteram, matavam as pessoas, mataram Jesus. Então o chamado de conversão para essas pessoas que se achavam os grandes da religião foi inútil. Deus chamou, mas eles não ouviram. E vão matar não só João Batista, mas o próprio Jesus.

O que nós esperamos? O reino de Deus, que já pode começar a lançar raízes aqui entre nós: tratando as pessoas com igualdade e não fazendo distinção entre pessoas, raças, estrangeiros. Somos todos irmãos, por isso devemos aprender a nos acolher entre nós e as outras pessoas. A comunidade é lugar de aprender a amar e conviver com as diferenças. Deus nos fez diferentes, porque Deus gosta disso, se não tinha feito tudo igual.

O profeta Isaías na Primeira Leitura vai trazer essa imagem muito bonita do leão e do urso que caminham juntos. E o leão vai comer palha, ele não amedronta mais os outros. A criança vai brincar com as cobras e as cobras não são mais uma ameaça. Vai ter paz, respeito uns pelos outros. Esse é o reino de Deus que já pode começar a ser plantado aqui quando nós levamos muito a sério ser irmãos e irmãs de todos. Esse é o chamado de João Batista. Essa é a preparação do nosso coração para acolher o Senhor que virá na pobreza e na humildade, o Senhor que virá na sua glória para julgar o que fizemos ou deixamos de fazer. Vamos pedir ao Senhor que estejamos sempre preparados trabalhando para ser aquilo que ele quer: discípulos.

316960840_2037460456451038_7279813511799160637_n.jpg
Advento: espera e vigia

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 1º Domingo do Advento  (Ano A) – 27.11.22 – missa às 10h

Começamos o novo ano litúrgico, no qual seremos guiados por São Mateus. O ciclo é trienal: ano A, São Mateus; ano B, São Marcos; e, ano C, São Lucas. O evangelho de João vai sendo lido durante os 3 anos nas grandes festas e solenidades e uma boa parte no ano de São Marcos, porque o evangelho de São Marcos é muito curto então colocamos partes do evangelho de São João no ano B. Entramos no tempo chamado de Advento e o padre usa roxo, que significa espera ou penitência – no tempo da quaresma ou dos mortos, nas missas dos mortos, também se usa o roxo. Durante o ano também usamos também o vermelho que lembra o fogo do Espírito Santo, mas também o sangue dos mártires e do próprio Jesus; usamos o verde, na maior parte do ano, no chamado Tempo Comum, em que vamos lendo devagarzinho, passo por passo do caminho de Jesus; e o branco ou dourado é usado nas festas e solenidades, no tempo de Natal, no tempo da Páscoa e em todas as grandes festas. A nossa atitude nesse período do Advento é parecida com aquela de quando uma mulher está grávida e está no seu último mês de gravidez, a nossa alegria é grande e estamos na expectativa porque às vezes nasce um dia antes, às vezes um dia depois... é essa a atitude do tempo do Advento: a expectativa não pelo nascimento de Jesus, não teria sentido Jesus já nasceu a 2 mil anos atrás, a expectativa é pela segunda vinda de Jesus. Nós celebramos o Natal de Jesus, ficamos esse último mês de Maria na expectativa e celebramos o Natal nos preparando para a segunda vinda de Cristo e Jesus nos fala no evangelho que não adianta ficar imaginando que será daqui 2 meses, daqui 2 anos, no ano 2.200, isso é problema de Deus.

O que Jesus nos pede? Vigilância. Se você soubesse que o ladrão viria na sua casa seguramente você colocaria trava na porta, avisaria a polícia, iria cuidar e ficar atento. Jesus nos diz a mesma coisa para a espera: devemos estar sempre atentos vivendo o evangelho na vida do dia a dia. Por isso, Jesus dá dois exemplos: tinham dois homens trabalhando no campo, um foi deixado e outro levado; tinham duas mulheres no mesmo moinho de trigo, uma foi deixada e outra foi levada. É no nosso dia a dia, na nossa vida comum, ali temos que viver o evangelho, ali temos que amar os outros e aprender a perdoar as pessoas e ajudar os que sofrem no nosso comum dia a dia. Se você olha que diferença tem as duas mulheres no mesmo moinho moendo? Uma vive sua vida segundo o evangelho a outra não e onde aparece isso? No dia a dia. Dois homens estão no campo fazendo a mesma coisa, mas um vive o evangelho segue o caminho de Jesus, o outro não. São nas nossas ações diárias que aparece se somos ou não de Jesus, se estamos ou não seguindo os seus passos e, por isso, precisamos sempre nos confrontar com Jesus e não é de ouvir falar não, temos que pegar o evangelho e ler. ‘’Jesus falou isso, mas estou colocando na minha vida? Mas eu penso tão diferente’’ tem que jogar fora o que penso de diferente e abraçar o que Jesus diz. Ele é a verdade e a vida. Na nossa convivência, vivemos ou não o evangelho e podemos perceber que estamos muito longe, que somos muito fracos e caímos sempre e Jesus diz: ‘’persevere, procure melhorar de novo, se levante mesmo se caiu 1 milhão de vezes’’. Acredite sempre na misericórdia de Deus. É mais fácil que nós nos cansemos de pedir perdão do que Deus se canse de perdoar, porque Ele perdoa sempre, então é sempre possível acertar o passo.

O tempo nosso cristão é de acertar o passo. Às vezes estamos com o passo torto, então vamos aprender. O lugar bom para a gente aprender é na vida de comunidade. Jesus salva todos nós, mas não cada um isolado, Jesus quer nos salvar como povo, como irmãos e irmãs, caminho de fraternidade. O mundo do Reino é mundo da fraternidade e isso nós precisamos construir aqui. Quando Deus vai nos dar a plenitude do seu Reino é problema Dele. Jesus manda a gente se empenhar e plantar aqui sementes do Reino, vigiando. Deus foi tão bom conosco e amou tanto essa sociedade louca que criamos que mandou Seu filho, Deus como Ele, para ser um de nós, para nós ensinar o caminho, nos dar esperança. O mundo é doido, mas tem jeito. Acredite nos gestos de amor, fraternidade e perdão, de justiça. Acredite! ‘’Ah, mas é pouco’’ mas é uma semente. Não deixe de plantar a semente. Deixe que a semente da palavra caia no seu coração, a deixe crescer, mas esparrame também sementes de amor e fraternidade com os outros. O mundo muda.

Maria recebeu em seu ventre aquele que o céu não é capaz de conter, Deus é muito maior que o céu. Isso é uma imagem hebraica, mas Deus encontrou um lugar em que ele cabia no seio da virgem Maria. Então nesses dias do Advento vamos sempre estar perto dela para que ela também faça crescer em nós a imagem de Jesus.

316676863_2032273900303027_9079829321724594879_n.jpg
Encontrar Jesus em todos os nossos irmãos e irmãs

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Cristo Rei (Ano C) – 20.11.22 – missa às 10h

Este domingo é o último domingo do ano litúrgico que termina próximo sábado ao meio-dia, já na missa da tarde nós vamos ter o início do novo ano litúrgico com o advento, preparação para o Natal. Neste ano, nós fomos acompanhados pelo evangelho de São Lucas, no próximo ano seremos acompanhados pelo evangelho de Mateus, no outro ano será pelo evangelho de Marcos, e São João vai entrando de modo que no final de 3 anos, nós teremos lido 4/5 dos evangelhos.

Os hebreus, os gregos, os romanos, todos os povos da antiguidade sempre viram Deus de uma maneira superelevada. Os hebreus consideravam Deus tão alto, tão longe, tão elevado em santidade, que a nossa vida era uma vida de impurezas, tínhamos de fazer uma série de rituais, a mulher especialmente por conta da menstruação e dos partos, vivia numa situação de impurezas, porque para eles Deus era muito alto, muito santo.

Para os romanos, gregos, persas, egípcios, os deuses eram sempre elevados, Zeus ou Jupiter eram deuses soberanos sobre o universo, imortais, não sofriam dores, era uma coisa de outro mundo, e nós temos na cabeça essa imagem de Deus. Depois, nós temos os reis que, naquele tempo, se consideravam deuses, o imperador romano era considerado um deus vivo, então, toda vez que falamos de reis, nós pensamos em pessoas de grande importância. Pense aí, poucos dias atrás vimos o funeral da Rainha Elizabeth, quantos protocolos, quantas procissões... quando morre um Papa, muita coisa se faz, nós sempre temos essa ideia de grandeza. Se morre um presidente da república também acontece um monte de coisa, e essas são as imagens que temos na cabeça, de grandeza. Quando se fala de Deus, quando se fala de reis, sempre grandeza.

Nós acreditamos que Jesus é a revelação do Pai, ele sendo o verbo eterno, é igual ao Pai, esvaziou-se de si mesmo e se tornou um de nós. Como é estranho dizer que Deus se fez humano! Nas mitologias antigas, nós temos os deuses que se travestiam de humanos, mas não era encarnação, por isso existem essas imagens geralmente para deixar os humanos confusos, pensar nas escapadas de Zeus com as mulheres humanas que só deram problemas.

Jesus assume Deus, assume a nossa vida humana e tudo o que comporta esta vida humana, menos o pecado. O ser humano não foi criado para pecar, mas tudo o que comporta nossa vida, geração, gestação, nascimento, crescimento, aprender as coisas de Deus, aprender uma profissão, conviver com as pessoas, trabalhar, rezar, ajudar em casa, a convivência, a vida comum nossa, se corta o dedo, sai sangue. Essa é a vida nossa, essa é a vida de Jesus, é a vida que Deus viveu conosco, falou uma língua nossa, caminhou pelas nossas estradas, comeu nossa comida.

Deus desce, Deus se abaixa. Deus não tem medo nem vergonha de se aproximar e se fazer um de nós, se tornar um de nós, e nos ensina que o que vale nesse mundo é o amor e o serviço. Se Deus tivesse encarnado como um rei nesse mundo, continuaria lá em cima. Os brasileiros viram a rainha Elizabeth uma vez, quantas vezes um Papa veio ao Brasil antes do João Paulo II? Nenhum.

Jesus se coloca no nosso meio e Deus se abaixa, pequeno, pobre, trabalhador, não era um homem estudado. Jesus não frequentou escolas do templo onde os doutores da lei se preparavam durante a vida inteira estudando a bíblia, e, aos 40 anos recebiam uma ordenação que fazia deles intérpretes infalíveis da palavra. Jesus nunca participou de uma escola dessas, tanto que os doutores da lei daquela época, se perguntavam de onde vinha tanto conhecimento de Jesus se nunca tinha estudado com eles, interpretando palavras.

Achavam um absurdo, como acham um absurdo que Jesus se aproxime dos pecadores, das prostitutas, de pessoas corruptas, de mulheres, pois ninguém se aproximava de mulheres, você não sabia se a mulher era impura ou não, era um horror. Jesus se aproxima de leprosos, que eram colocados longe porque eram tidos como amaldiçoados, que Deus tinha castigado e não se podia aproximar deles, e Jesus se aproxima. Jesus não foge, não tem medo dos amaldiçoados deste mundo, não tem medo daqueles que este mundo cria amaldiçoados, este mundo faz das pessoas amaldiçoadas. Deus não tem medo, e Deus não amaldiçoa. Deus vai ao encontro, Jesus vai ao encontro e não teme ter a morte que teve.

O pior tipo de morte sob tortura que existia naquele tempo era morrer com os pés fora do chão, pois era um modo de dizer que esse criminoso era tão grande que não podia dar o último suspiro pisando no chão daquele país ou daquele lugar porque não era digno. Deus viveu o preço da maldição que nós criamos no mundo, e se deixou crucificar no meio de dois amaldiçoados pelo Império Romano e pela religião hebraica.

Desse modo, Deus abraça todos. Nós pensamos que o abraço de Deus é de cima, Deus está acima de todos, mas não, Deus está abaixo de todos, para que, de baixo, ele possa abraçar toda a humanidade, e ninguém se sinta excluído diante dele, ninguém. E o Deus que se deixa crucificar desse jeito, não precisa ter medo. Deus que se deixa matar até a última gota de sangue, está dizendo o que para nós? “Confie, eu não escondo nada embaixo da manga, pode confiar, se entregue a esse caminho, esse é o caminho da vida, eu morro e dou a vida, não guardo nada para mim, confiem.” Esse é o nosso Deus, e Ele é rei desse jeito, na cruz.

Rei do serviço, que abraça todos, que vai atrás dos amaldiçoados da história, dos sofredores do mundo. Ele se faz um deles para que todos possam se aproximar dEle. Quem pode se aproximar do rei? Quem podia se aproximar da rainha Elizabeth? Quem pode se aproximar do Papa ou do Presidente da República? Mas nós podemos nos aproximar do Chorão, que é um dos rapazes que mora aqui em volta da igreja, que nós muitas vezes consideramos menos, dele todo mundo pode se aproximar. Deus se faz como um desses, para que até essas pessoas possam dizer “eu posso me aproximar de Deus”.

Todos nós podemos nos aproximar dEle, Deus do amor, da bondade, do perdão, Deus que é rei fazendo de nós irmãos e irmãs. Jesus fez com que nós, na nossa miséria, nos tornássemos irmãos e irmãs dele, irmãos e irmãs entre nós, fez do seu Pai, o nosso Pai, sem excluir ninguém, se aproximando de quem muitas vezes nós não aproximamos.

Deus não tem vergonha do ser humano, da miséria humana, Ele quer que nós nos empenhemos sempre para melhorar esse mundo, para que Ele possa reinar no nosso meio como Ele quer, servindo a todos.

Jesus fala em uma parábola que ele é como o dono da casa, um grande senhor, que chega e encontra os servos acordados e, ao invés de se sentar e comer, coloca os servos na mesa sentados e ele vai servir, que coisa diferente! Jesus é nosso Deus e nosso rei, vamos aprender dele a ser também servos e ir ao encontro daqueles que, muitas vezes, nós mesmos chamamos de amaldiçoados e pecadores.

315496165_2025575517639532_9074076183670161090_n.png
Como esperar pele vinda do Senhor?

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33º Domingo do Tempo Comum (Ano C) – 13.11.22 – missa às 10h

Nós estamos terminando o ano litúrgico. O próximo domingo é o último domingo deste ano litúrgico em que nós somos acompanhados, vamos dizer assim, guiados por São Lucas. Muito bem, dez capítulos de São Lucas, de 9 a 19, falam do grande Caminho de Jesus até Jerusalém. Domingo passado, esse domingo aqui Jesus já está em Jerusalém e começa a falar das últimas coisas, do tempo Novo de Deus. Os hebreus estavam num período em que se esperava a manifestação do Reino de Deus, mas através de uma luta política, uma revolução armada e muito se preparavam para essa grande revolução. Nós tínhamos os essênios de curran, nós tínhamos os elotas, nós tínhamos vários grupos que fizeram realmente uma revolução por volta do final dos anos 60 e em 72 – 40 anos depois da morte e ressurreição de Jesus –, vieram os romanos e acabaram com tudo.

Nós podemos dizer que aquilo foi um fim do mundo, pois, a partir daquele momento, os hebreus não tiveram mais templo, nem sacerdócio, porque mataram todas as famílias sacerdotais, e nem o sacrifício que se apresentava no templo. O hebraísmo ou judaísmo teve que se reinventar e uma das consequências dessa reinvenção foi a expulsão dos cristãos da Sinagoga – os judeus que acreditavam em Jesus, eles simplesmente botaram fora. Foi um momento muito importante também para a vida da igreja, porque nós nos demos conta de que o cristianismo, apesar das raízes hebraicas, é outra coisa.

Muito bem, os Evangelistas vão olhar para a destruição do Templo de Jerusalém e ver ali uma quase como uma antecipação, uma prefiguração daquilo que será o dia do juízo e é muito interessante ver que Jesus fala que muitos virão em seu nome: muitos virão dizendo ‘sou eu o Messias’ ou então ‘ah vai acabar daqui a pouco’. Jesus disse: ‘não creiam neles’. Em nenhum momento Jesus diz que o mundo vai acabar daqui dois dias. Em um dos Evangelhos, Jesus vai dizer que ninguém sabe aquele dia, só o Pai reservou para ele isso. Então, não tem especulação nenhuma para decidir, para dizer quando é o fim do mundo. Essa pedrinha rodando aqui no espaço, que nós chamamos de terra, mais dia ou menos dia vai para o beleléu, mas até lá, a humanidade não existe mais em cima dessa rocha rodando por aqui.

Jesus corta pelos pés essas nossas preocupações inúteis e nos alerta sobre a necessidade de perseverar no caminho, no caminho de Jesus, no caminho do Evangelho, no caminho do amor ao próximo, no caminho da justiça, no caminho da promoção da paz, mesmo quando nós somos perseguidos, mesmo quando alguns de nós são mortos. É isso que Jesus está nos falando, não interessa quando acaba, o que se espera, o que se ensina, o que Deus vem buscar é a perseverança, é não jogar fora o caminho de Jesus, é não deixar de acreditar em Jesus. Essa é a grande tentação que nós falamos todo dia no Pai Nosso: “não nos deixeis cair em tentação”. É a tentação de não seguir Jesus, de jogar para lá o caminho do Evangelho, de se vender para mentalidade de morte, de discriminação desse mundo. Quando nós lemos o momento em que Judas entrega a Jesus e o evangelista diz que ele saiu e era noite. É o discípulo que se entrega para as trevas. Caminhou três anos debaixo da Luz, vira as costas e se entrega para as trevas. Essa é a grande tentação.

Essa mesma tentação Jesus sofreu lá no Horto das Oliveiras. A possibilidade de fugir, a possibilidade de tentar outra coisa, e o Pai ficou silencioso. Deus é fiel, Deus não foge, Deus não engana, Deus não mente. É como se diz ou, ao menos se dizia alguns anos atrás, “Deus não foge da raia”. Pois é, foi essa a resposta silenciosa que Deus deu para Jesus. Jesus, que é a revelação do Pai, aceita permanecer na fidelidade nem que isso custe a morte. Jesus abraça o caminho da fidelidade, caminho que Ele viveu sempre e, na hora da grande tentação, Ele confirma o caminho que sempre fez e o Pai que é fiel ressuscita Jesus depois da morte. A morte não é páreo para Deus. Deus é o Senhor da Vida, por isso que, lá no Apocalipse, nós temos Jesus que tem nas mãos a chave da morte e do inferno. Na Antiguidade, você ter as chaves na mão, significa que você é dono. O dono é mais importante do que a propriedade, pois ele decide sobre a sua propriedade.

Falar do fim do mundo não deve ser para nós uma especulação, mas o empenho cada vez maior de seguir os valores do Reino, mudar o nosso coração, ouvir as palavras de Jesus – especialmente aquelas que mais nos cutucam, que mais nos deixam incomodados, porque são essas palavras começam a arrancar a máscara ou as máscaras que nós usamos diante de Deus, e Deus faz isso porque quer a nossa salvação.

Vamos pedir a Jesus poder ser perseverantes até o fim, dentro da situação que nos foi dada. Mesmo que venha a morte e a perseguição, Deus vai ter a última palavra sobre a nossa vida e sobre a história humana. Em alguns instantes de silêncio, vamos meditar essa palavra.

06.11.jpg
Abrir nossos corações para amar como Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Todos os Santos (Ano C) – 06.11.22 – missa às 10h

Hoje vamos nos concentrar na Primeira Leitura [Ap 7, 2-4.9-14], pois na boca de muitos irmãos separados, essa leitura tem uma interpretação bem diferente da nossa. Na antiguidade, os números eram considerados mágicos: número um é um ponto, número dois é uma linha, mas o número três mantém já um plano, você consegue apoiar uma mesa em cima de três pontos. Quatro pontos são os pontos cardeais, são chamados os quatro elementos, e isso sempre na mentalidade antiga que não tinha a ciência que temos hoje. O número três e o número quatro são chamados perfeitos, pois somados dão o número sete que é outro número perfeito. O seis, por exemplo, já é um número imperfeito.

A igreja também tinha a mentalidade do tempo, e isso durou até alguns séculos atrás. Nós também usávamos essas numerações, por exemplo, os sete sacramentos, as três virtudes teologais, as quatro virtudes cardeais, os dez mandamentos, os doze apóstolos. Então, a Bíblia, quando fala de números, está falando de forma simbólica. Temos um número que cria diversas interpretações, às vezes até sem fundamento: 144 mil, o que significa? Três multiplicado por quatro é doze, que multiplicado por doze é 144, número perfeito. 144 mil, número perfeito que significa totalidade. Porém, ali se fala nos filhos de Israel, 12 mil da tribo de Judá, 12 mil da tribo de Benjamin, 12 mil da tribo de Ascalon, 12 mil da tribo de Manassés, e assim por diante, doze, um número perfeito multiplicado por mil.

144 mil, a totalidade do povo de Israel, os hebreus, judeus. Deus prometeu a salvação para o seu povo antigo e Deus é fiel, o que Ele promete, Ele faz. Logo depois, temos uma outra visão, uma multidão que ninguém pode contar. Ninguém significa que só Deus sabe, ninguém mais. Essa imagem contrasta com o outro grupo que é um número, 144 mil, número simbólico que significa totalidade. Ali há número e aqui não há mais número. Lá é um povo, o povo hebreu, uma língua, o aramaico, uma nação, judia, uma raça, semita. Se nós olharmos para o segundo grupo, multidão que ninguém pode contar, de todas as raças, de todas as tribos, de todos os povos, de todas as nações. Quem são esses? O ancião vai dizer “lavaram suas vestes no sangue do cordeiro”, são todos os cristãos e os não cristãos que praticaram o bem e a justiça mesmo sem conhecer Jesus e fazem parte dessa multidão incontável.

Deus quer que todos sejam salvos, todos. Deus não faz distinção de pessoas. A mesma salvação que Ele dá para o seu povo por força da Sua promessa, é a mesma salvação que Ele dá para o resto da humanidade por força do sangue que Jesus derramou na cruz. Para Deus, não existem privilégios, não existem pessoas de primeira, segunda, terceira, quarta, quinta classe. Para Deus, todos e todas somos irmãos e irmãs, isso é igualdade radical que nós não conseguimos nesse mundo. Para Deus, é assim, todos. E Ele ama a todos e cada um e cada uma como filho e filha, preto, branco, amarelo, homens, mulheres, gays, todos, não tem diferença para Deus. Ou, na diferença de cada um, Ele ama como filho e filha únicos.

Deus quer a salvação de todos. Há muito dano no mundo por causa do pecado, muita gente morre, muita gente morreu, e muita gente ainda vai sofrer por causa dos nossos pecados individuais, por causa dos pecados coletivos. Mas Deus, Jesus, é aquele que vai dar a última palavra sobre a nossa história, e a última palavra de Jesus sobre a história é perdão porque Deus é misericórdia e não pode não ser. Deus dá vida, Deus não pode dar morte, Ele não é Deus do inferno, é o Deus da vida e quer que todos tenham vida. Vamos vivendo nessa sociedade que temos que ir aos poucos adaptando e ajustando, mas Deus quer a salvação de todos.

Vamos dar um outro passo, os santos. Quem são os santos? Gente como nós, cristãos como nós, que viveram o mandamento do amor. “Amai-vos uns aos outros como eu vos amei”! Eles abriram seus corações para deixar que o Evangelho os iluminasse. Muitos deles foram como pedra na qual a água vai batendo até que fura, os grandes convertidos na história. Talvez, o mais emblemático seja São Paulo, mas tivemos outros, como São Francisco de Sales, que era um homem rude, duro, tratava mal as pessoas, até o dia em que foi ao porão do palácio episcopal. Lá ele viu que havia vários barris de vinagre, mas também uma garrafa de mel que pingava e uma porção de abelhas que iam naquela gota de mel. Ele pensa “elas buscam essa gota de mel, e não esses barris de vinagre”, e isso o chocou tanto que ele começou a trabalhar sobre si mesmo, sendo chamado hoje o santo da doçura.

Deixar que o evangelho entre na nossa vida, temos que pedir isso de joelhos para Deus, pois isso é um dom, é uma graça, e nós podemos pedir pois somos todos batizados, Ele nos deu a fé de presente, Ele nos escuta. Esses homens e essas mulheres, alguns mártires, outros, não, entenderam isso.

E o que os santos fazem? Aquilo que Santa Teresinha disse sobre si mesma: “eu passarei o meu céu fazendo o bem sobre a terra”. Os santos são irmãos e irmãs nossos que cuidam, que rezam conosco, que nos ajudam porque o amor no céu não tem mais os nossos condicionamentos, isso queima tudo na hora da morte, que nós chamamos de purgatório, e eles nos entendem e estão perto de nós. E, conosco, rezam a Jesus Cristo porque ele é o único intercessor entre nós e o Pai. Os santos rezam conosco, como numa ciranda que pega o céu e a terra e chamamos uns aos outros para rezar. “Maria, reze conosco, reze comigo. Antônio, Teresa, Rita.”, e eles fazem coro com o nosso pedido, sempre voltados para Jesus.

Os santos não são intermediários pois não existem intermediários, entre nós e Jesus o contato é direto, mesmo quando rezamos a Virgem Maria, pois ela está nessa roda junto conosco. Ela, que está ali no pé da cruz, reza conosco ao seu filho, o único mediador entre nós e o Pai.

Essa grande ciranda que é a igreja triunfante e a igreja peregrina que somos nós. Esse é o caminho de Deus, essa é a festa que celebramos hoje. E qual é o grande pedido? É que Deus continue batendo na porta do nosso coração, que a água de Deus continue batendo nessa pedra e que fure essa pedra para que, ali, possa entrar vida, e, dali, possa jorrar uma fonte para a vida eterna

29.10.jpg
Assumir e viver a nossa Fé Católica

Homilia: Pe. Eduardo Calandro – 31º Domingo do Tempo Comum – Missa de Crisma (29/10/2022 - missa às 16h

Meus queridos irmãos e irmãs na fé, nós estamos antecipando nesta celebração o 31º domingo do tempo comum da nossa liturgia, e, de maneira muito carinhosa, muito especial, nesta celebração da crisma. A liturgia da palavra de hoje nos chama atenção sobre o quanto o amor de Deus nos alcança, o quanto Ele nos busca, o quanto esta força de Deus nos atrai.

A primeira leitura do Livro da Sabedoria faz uma alusão àquilo que é um povo que se desvia, que se perde, mas cuja grandeza e onipotência desse Deus são mais fortes para acolher aquilo que foi erro, aquilo que foi falha, aquilo que foi pecado dessa gente. Deus está sempre disposto a receber de novo, acolher de volta. Claro que isso exige uma disposição humana diante do erro, diante da falha, diante do afastamento de Deus. Temos que ter disposição para nos aproximar Dele, mas vale a pena olhar para o Evangelho [Lc 19, 1-10] para entender bem isso.

Nós temos aqui a descrição, está descrito aqui tudo aquilo que era a pessoa de Zaqueu. Um homem que roubava o povo, um homem que fez muito mal para muita gente. Era o chefe dos cobradores de impostos, alguém também excluído do grupo porque era um pecador público. Todo mundo sabia que ele, de fato, não era alguém tão honesto, isso está descrito no Evangelho. Só que ele teve uma disposição, ele queria ver Jesus, ele tinha esse desejo, e a pequenez, não só de estatura, mas de vida, na sua cabeça, o impedia de aproximar de Jesus.

E aí vem a beleza do Evangelho de Lucas, não foi ele que viu Jesus, foi o contrário, foi Jesus que olhou para ele e disse “quero ficar com você, hoje eu vou lá na sua casa”. Pense numa multidão em volta de Jesus, alguém que era um pecador público, que havia feito muitas coisas ruins, que havia tirado de muita gente dinheiro e Jesus dizer que vai na sua casa. As pessoas ficaram resmungando: “quem é esse Jesus que vai na casa de uma pessoa que não presta?” E Jesus cumpre de ir à casa, sentar-se à mesa. A gente convida para ir em nossa casa quem é muito íntimo, não é? E ainda mais para uma refeição, sentar-se à mesa conosco, só alguém que é muito próximo, que é muito amigo. E Jesus se senta à mesa, faz refeição com esse pecador público, e ali vem a beleza da sua mudança de vida.

Jesus não precisou pedir para ele mudar de vida, ele tomou consciência, se transformou e disse “eu roubei e vou devolver quatro vezes mais.” Atitude de mudança, atitude de conversão, atitude de quem recebeu uma nova chance e soube acolher esta nova chance.

Lucas tem sempre essa intenção no Evangelho, de mostrar que aquilo que estava perdido é possível ser recuperado. A nossa fé cristã sempre vai ser uma fé de dar uma nova chance, uma fé que perdoa, que acolhe e que dá um novo significado. Foi isso que Jesus fez na vida de Zaqueu, por isso ele disse “a salvação está aqui na sua casa”, porque ele mudou, porque ele se deixou transformar.

Cuidado para que a gente não se deixe levar por falsas ideias de Jesus. Já lá no tempo das primeiras comunidades isso estava acontecendo, e a segunda leitura, a Carta aos Tessalonicenses [Ts 1, 11-2,2] já era um convite para tomar cuidado com falsas ideias. Espalhou-se no meio dos primeiros cristãos que a vinda do Senhor estava próxima, então o povo começou a cruzar os braços. “Não preciso fazer nada porque a vinda do Senhor está próxima”, uma falsa ideia da vinda do Senhor. Cuidado com algumas falsas ideias que nos distanciam de nós mesmos e da nossa prática de fé, que nos distanciam deste modelo de Jesus que é acolhedor e perdoador, de um Jesus que quer sempre dar uma chance e essa tem que ser a nossa atitude de cristãos e cristãs. Temos que ser homens e mulheres que oferecem àquele que erra uma nova chance e temos que ter essa consciência também de que depende da minha disposição, porque eu também tenho uma nova chance.

Vocês hoje serão crismados. Para nós, na igreja, isso é motivo de alegria, porque é sinal de futuro para nós como Igreja Católica, como comunidade de fé, porque ser crismado é dizer assim “eu assumo a minha fé, eu assumo ser cristão, eu assumo a vida de comunidade”. Por isso, para nós hoje, este dia de confirmar, de receber esse Sacramento, dom do Espírito Santo, é a certeza que a nossa igreja tem futuro.

O mesmo Espírito Santo que esteve lá, no início da igreja, quando todos nós rezarmos aqui, vai estar aqui presente na vida de vocês que receberão este Sacramento. Por isso, as vossas vidas devem ser transformadas por aquilo que nós estamos rezando, porque, caso contrário, perde sentido. Vir aqui só para uma missa, para cumprir um preceito, porque chegou a idade, isso não faz sentido nenhum. Mas, vir aqui para dizer: eu quero ser católico e assumo esta fé católica, assumo aquilo que a igreja me ensina, e assumo na vida quando eu saio dessa porta, isso é ser cristão. Vocês hoje serão ungidos, serão cristos. Cristo significa ungido. Vocês são cristos e vão anunciar, viver, lá fora, tudo isso, onde vocês frequentam.

Nós, como igreja, rezamos por isso, mas também não podemos deixar de agradecer. Agradecer primeiro o empenho de cada um, de cada uma de vocês. Vocês fizeram itinerário de catequese para chegar até aqui, aprofundaram a fé, viveram momentos bonitos nesta caminhada e teve gente que ajudou vocês a fazerem isso, que são os catequistas. Eu queria convidá-los para que vocês venham aqui, pode vir aqui perto de mim mesmo, aqui em cima que é mais fácil de ver vocês, catequistas.

Em nome da nossa diocese, em nome da catequese diocesana, da qual eu faço parte, de fato sempre agradecemos muito a vida dos catequistas. Com certeza também é o desejo do Padre João, porque é com vocês que nós construímos comunidade, vocês de fato são a extensão do padre. Nos séculos 15 e 16, a missão da catequese era do padre, o direito canônico afirmava isso com todas as categorias: o padre tem que ensinar, tem que ser o catequista. Depois, a nossa igreja foi aprofundando e vimos que o padre não dá conta de tudo isso, então, vocês são essa extensão bonita da nossa vida eclesial.

Então, por isso, eu faço questão de chamá-los aqui e agradecer o tempo que vocês dedicam. O salário de vocês no final do mês é alto, não é não? Tem gente que pergunta ainda, não? Quanto que vocês ganham do padre para dar catequese? Aí vocês devem responder, claro. Vocês ganham para isso, porque as pessoas sempre pensam numa sociedade muito utilitarista, pensa que tudo que a gente faz é por causa de dinheiro, e vocês mostram que doam a vida semanalmente, preparam o encontro em casa para depois chegar junto com esses que aqui estão para fazer acontecer um itinerário de catequese.

Por isso, nós queremos agradecer a vida de vocês e, nesta missa, também pedir que este Espírito Santo confirme a vida de vocês neste caminho. Não desistam, não deixem se desanimar, às vezes, pelas dificuldades, por tudo aquilo que acontece no meio do caminho. Vocês são profetas e profetisas porque falam em nome de Deus, falam em nome da nossa igreja. Por isso, olhando para este povo que aqui está, eu queria que nós agradecêssemos, esses crismandos estão aqui hoje graças a esses homens e mulheres que fazem esse trabalho.

Dizemos juntos: louvado seja nosso senhor Jesus Cristo!

23.10.png
Deus salva a todos

Pe. João Aroldo Campanha –  30º Domingo do Tempo Comum (23/10/2022 – Ano C) – missa às 10h

Existe um princípio de direito que diz que a justiça é dar a cada um o que é seu. Esse é um princípio do mundo romano, porém, a Sagrada Escritura vê de outro jeito: fazer justiça é defender a causa do pobre. Olha que interessante, defender a causa do pobre, por quê? O rico não precisa que o defendam, ele tem dinheiro para pagar os advogados. O rico muitas vezes pode até comprar o juiz. Já o pobre depende do outro e, muitas vezes, nesse mundo, a justiça não pende para o pobre. Deus faz justiça para o pobre, Ele tem os olhos voltados para o pobre, para a viúva, para o órfão e para o estrangeiro. Está na Escritura, esse é Deus. Os Seus olhos estão lá, não estão nos vossos sacrifícios.

Esse critério é sempre o critério do avesso de Deus. Deus sempre olha o mundo pelo avesso. O que para nós são valores, para Deus são antivalores. O que para os olhos do mundo não vale, para Deus é o lugar onde ele começa a salvação de todos. Deus não começa a salvação pelo topo, Deus começa a salvação por baixo, por onde ninguém acha que tem valor e Deus não pensa como nós.

No Evangelho de Lucas, Jesus está subindo para Jerusalém e o que acontece? Jesus está falando para os seus discípulos, está falando para a multidão. Qual é o grande perigo? Que até os seguidores de Jesus possam se sentir justificados. Eu faço tudo que Deus manda, eu não cometo pecado como essas outras pessoas. Nós todos somos pecadores, nenhum de nós escapa da redenção de Jesus. Nenhum de nós se salva por conta própria, ou Deus na sua bondade nos salva ou nós não temos salvação. Aqui está, por exemplo, a grande diferença entre ressurreição e reencarnação. A reencarnação é a doutrina que prega a autorredenção. Eu vou me redimindo com as reencarnações. Isso não é cristão, isso não é judeu, isso não é islâmico, isso não pertence as religiões que nós chamamos abraâmicas. As religiões abraâmicas e o cristianismo, que é uma delas, não acreditam na reencarnação, acreditam na salvação que vem de Deus. Só Deus nos salva, é graça Dele e não mérito nosso. Aí você pode perguntar: ‘Mas, padre, então por que que eu faço o bem? Não é para ganhar o céu?’ Não. O céu já foi te dado de graça por Jesus na cruz. Fazemos o bem para viver na alegria dos filhos de Deus. Porque você sabe que essa vida se abre para a vida eterna. Então eu posso até gastar essa vida todinha fazendo bem pelos outros, porque eu sei que Deus me ama e me salva. Ele salva a mim e ao outro.

O que Jesus está condenando no fariseu é se colocar como senhor da salvação. Ele diz: ‘Eu não sou como esse homem, eu não sou como os outros homens’. No dizer de si, ele está condenando todos os outros, ele se coloca juiz das outras pessoas. Quando eu me coloco como juiz dos outros, eu mato, eu difamo, eu persigo, eu não respeito. Nós não somos donos da salvação. Deus nos salva. Nós somos todos irmãos, todos os pecadores, todos necessitados da graça de Deus, a graça que nos vem gratuita, por isso se chama graça, da cruz de Jesus. Por isso, nós não podemos ver ninguém e achar que é menos que nós. Mulher não é menos que homem, preto não é menos que branco, homoafetivo não é menos que é heteroafetivo, estrangeiro não é menos que um nacional… nós somos todos irmãos, todos necessitados da graça. Fazemos o bem para que todos possam viver na alegria da salvação.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a perceber que somos todos necessitados da sua graça e que nenhum de nós pode apontar o dedo para os outros.

16.10.jpg
Perseverança, o caminho de Deus

Pe. João Aroldo Campanha –  29º Domingo do Tempo Comum (16/10/2022 – Ano C) – missa às 10h

Eu, quando era jovem, participei de vários encontros de jovens, e o evangelho de hoje é uma mensagem muito interessante e veio calhar como uma luva para vocês que terminaram o encontro. Até os anos 800 da nossa era cristã, as pessoas rezavam em duas posições: de braços levantados, e até temos um testemunho famoso de uma pintura de uma catacumba que nós chamamos de o orante ou a orante, e essa pessoa é figurada com os braços louvando a Deus, e nós tínhamos outra posição, que era a prostração, em que você se joga por terra e reza a Deus. Nós vemos Jesus nessa posição no horto das oliveiras. Então, vocês me perguntam: e de joelhos? Rezar de joelhos é um gesto medieval que nasce dos ritos entre os senhores feudais e seus súditos, foi a partir da idade médio que nós começamos a rezar de joelhos, antes era ou em pé ou deitado.



Moisés está no alto da montanha, lá embaixo está o vale onde os amalecitas desafiaram os israelitas. Temos essa guerra e Moisés fica em cima da montanha com os braços erguidos, ou seja, fazendo oração, usando e segurando o bastão que ele tinha usado para abrir as águas do Mar Vermelho. Ele fica de braços erguidos por muito tempo, mas não há quem aguente ficar assim o dia inteiro, e chegou uma hora que não tinha mais forças, e, quando Moisés perde as forças de estar ali sozinho e rezando a Deus, o exército vai perdendo a batalha.



Ali nós temos essas duas figuras, Aarão, o primeiro sumo sacerdote e Hur, seu colaborador, que ajudam Moisés e o seguram, colocam primeiro uma pedra para ele se sentar e descansar e, depois, seguram os braços de Moisés em posição de oração até o fim do dia, e os israelitas vencem a guerra. Nós podemos ver aqui alguns elementos que servem de guia para nossa oração, nós cristãos temos que ser pessoas de oração, Jesus disse no evangelho: "Orai em todo tempo", Jesus nos ensinou a rezar, nos deu uma oração, o Pai Nosso, nós temos que rezar! Isso faz parte do nosso ser cristão, a oração individual e a comunitária que sustenta a oração e os pedidos de cada um.



Moisés reza só, mas também é ajudado por Aarão e Hur. Na oração comunitária que sobe a Deus com o grito e a necessidade de cada um, nós ajudamos uns aos outros nas orações diante de Deus. Depois, vamos para o evangelho, Jesus insiste com os discípulos que é preciso rezar sem desanimar. Quem escreveu este evangelho? São Lucas. E quando estava pronto este evangelho? No ano mais ou menos 90 da nossa era, ou seja, 60 anos depois da morte e ressureição de Jesus.



Nós já estamos no início da terceira geração cristã, São Lucas é da segunda geração cristã, e não conheceu Jesus. A mãe dele era cristã, e como ele escreveu o evangelho? Ele era cristão e era um homem muito inteligente e capacitado, era médico naquele tempo, e começou a procurar documentos. Existiam, na época, pergaminhos que os pregadores do evangelho usavam. Tinham listas de frases de Jesus, tinham coleções de milagres, os feitos de Jesus, tinha a parte mais antiga dos evangelhos que era a narração do processo, da prisão, morte e ressureição de Jesus. Já existia o evangelho de São Marcos que estava pronto 20 anos antes, e São Lucas vai compor seu evangelho respondendo às necessidades da sua comunidade naquele momento, e um dos problemas da comunidade dos cristãos é o desanimo.



Já na primeira geração de cristãos, os que viveram com Jesus, que conheceram Jesus, eles esperavam que o fim do mundo viesse ali, imediatamente, e começa a passar um ano, dois, três, vinte, São Paulo até descreve como vai ser o fim do mundo e o encontro com Jesus nos ares. São Paulo morre, Pedro morre, outros apóstolos morrem, e o fim do mundo não chega, Jesus não volta.



A segunda geração, que já não conheceu Jesus pessoalmente, começa a ser perseguida de forma muito dura, muitos cristãos da primeira geração já tinham sido mortos. Um dos motivos foi aquele que expliquei do Kyrie, confessavam Jesus como Deus e não como Imperador, e isso bateu um desanimo no povo. Então, São Lucas pega os documentos, essa parábola de Jesus, para animar as pessoas que estão desanimadas: "olhem bem, um juiz iniquo." O que é um juiz iniquo? É um juiz corrupto que só defende os ricos, que não está nem aí para os pobres. E, não por acaso, se coloca nessa parábola uma viúva que, nos tempos de Jesus e antes dele, simplesmente era jogada às traças.



A mulher era sempre propriedade do pai, depois do marido, e, se ficasse viúva, do filho homem mais velho, e, se não tivesse filhos homens, ela passava como propriedade do parente homem mais perto, mas se esse sujeito não quisesse saber dela, era largada às traças, então é um drama desses que nós temos aqui. E essa mulher não tem outra possibilidade se não atazanar a vida desse juiz, é o único juiz que pode fazer justiça por ela, não tem outro, e ela sabe que ele é corrupto, que só defende os ricos e não está nem aí para os pobres, ela sabe, mas é o único juiz que pode fazer algo para ela.



Ela insiste muito, a ponto desse homem iniquo dizer "não aguento mais esta mulher, eu vou fazer justiça e dar logo o que essa mulher quer e me livrar disso", e Jesus diz "vocês ouviram o que esse homem iniquo fez? Ele fez justiça para a mulher de tanto que ela insistiu, e vocês discípulos, cristãos, por um acaso não acham que Deus vai ouvir vocês? Deus é bom!" Insista, reze, peça. Não desanime! O tempo de Deus não é o nosso, é outro. O que Deus pede para nós é perseverança, não desanimar até a morte. O tempo é de Deus, não é nosso.

Por que eu disse que isso aqui ajuda vocês? Quando fazemos encontro, nós recebemos uma overdose de adrenalina, por dois ou três dias vai parecer que vocês estão andando nas nuvens, parece que você vai mudar o mundo, e é no começo da segunda semana depois do encontro que começa o encontro mesmo! É quando vocês vão ter que caminhar dia a dia atrás de Jesus, é aí que serve esse evangelho, não desanime, vá adiante, continue no grupo, continue a rezar, acredite! Esse é o caminho de Deus: perseverança.



Quando não tem adrenalina mais no sangue, quando não tem um monte de gente cantado em volta de nós, quando estamos sozinhos no quarto rezando, ali é o encontro, de agora para frente é ali. Semana que vem teremos o reencontro, e quando vocês se reencontrarem, alimentem sempre essa chama da fé e do seguimento de Jesus. Se nós deixamos para lá, vai tudo "para o brejo".



Jesus diz no evangelho “na perseverança vocês salvarão as vossas vidas”, perseverar no caminho de Jesus, e isso serve para todos nós, para mim como padre, para vocês que estão há tempo no caminho do evangelho, para os nossos jovens que também estão se preparando para a crisma, perseverar, não perder nunca a esperança.



Nós rezamos o Pai Nosso, e qual o último pedido do Pai Nosso no evangelho de São Lucas? Há duas versões, uma mais curta, que é do evangelho de São Lucas, e uma mais longa que é de São Mateus, que nós rezamos habitualmente. O último pedido em São Lucas está escrito assim "não nos deixeis cair em tentação", e qual tentação? “Ah, padre, eu não posso comer chocolate e comi chocolate, cai na tentação”, não é isso! A tentação é abandonar o caminho de Jesus, essa é a tentação terrível que nós pedimos que Deus não nos permita cair nela.



Deus pede para nós: persevere! “Ah, mas eu rezo e nunca consigo nada”, continue rezando, “ah, mas estou com dificuldade na vida”, continue rezando, “ah, está dando tudo certo na minha vida”, continue rezando, cristão reza sempre! Na alegria, na dor e na hora da morte, porque nós acreditamos na vida eterna, na vida que não acaba. É por isso que nós devemos gastar nossa vida fazendo o bem, porque nós sabemos que a vida continua, portanto perseverar no bem, na oração, na justiça, na promoção da paz, porque nós cremos em Jesus.

Ontem nós comemoramos o dia das professoras, falamos das professoras porque, dos educadores, 80% são mulheres, então falamos as professoras, e os professores se sentirem englobados nesse nome. Isso é uma armadilha do português, acho que foi o Paulo Freire que foi fazer uma palestra onde tinha um auditório, e ele falava o tempo todo "minhas senhoras", o tempo inteiro. No final, ele abriu para perguntas, e qual foi a primeira pergunta que fizeram a ele? “Mas professor, porque você falou só para as mulheres?” e ele falou "me mostre na língua portuguesa a lei que diz que onde existem 500 mulheres e 1 homem, eu tenho que dizer meus senhores?" Isso não é uma lei linguística, eu posso falar para uma assembleia que tem 500 mulheres e 1 homem e dizer “minhas senhoras”, e todos estão englobados. Então, posso dizer "professoras" e englobar também os professores homens.

Vamos pedir pelos nossos professores e professoras, em um tempo tão difícil. A educação no Brasil nos últimos 4 anos está sendo devastada, mas antes já existia certa dificuldade. Que a educação seja mais valorizada, que a função dos professores e professoras seja realmente incentivada e respeitada, que a qualidade de ensino no Brasil da escola pública seja de qualidade para todos, começando pelos mais pobres e pelas periferias. Que os nossos professores possam educar e ensinar em paz, para a justiça e cultura da paz, para a busca da verdade e da cidadania.



Vamos pedir a Deus que abençoe nossos educadores e que tenham a graça de não desanimar no caminho de Jesus, não desanimar na oração! 

09.10.jpg
A gratidão nos aproxima de Jesus

Pe. Oberdan Santana –  28º Domingo do Tempo Comum (09/10/2022 – Ano C) – missa às 10h

Nos textos deste 28° Domingo do Tempo Comum, nós vemos gratidão e ingratidão. Essa liturgia nos convida a reavaliarmos a nossa conduta e a sermos mais gratos, reconhecendo tudo aquilo que de Deus nós recebemos.

O primeiro exemplo que nós temos de gratidão é o de Naamã. Naamã foi curado da lepra e soube agradecer ao Senhor, mas, antes de olharmos a atitude de Naamã, vamos olhar a atitude de Deus. Naamã era sírio, ou seja, era alguém que não fazia parte do povo eleito, do povo de Deus, mas, ainda assim o Senhor o curou, revelando desse modo que o seu amor é universal, que chega a todos. O Senhor não nega a sua ajuda a quem quer que seja, desde que o procure de coração sincero. Depois, nós temos a atitude de Naamã. Naamã era um general do exército sírio, era um homem poderoso, respeitado pelo seu povo. Apesar disso, foi acometido por uma doença terrível: a lepra, uma doença que estava ameaçando a sua vida, que estava ameaçando o fazer perder tudo que ele tinha. Diante dessa situação trágica, uma das suas servas o disse que havia um profeta em Israel que poderia curá-lo desse mal e Naamã foi atrás desse profeta, desse homem de Deus. Esse profeta era Eliseu que mandou simplesmente que ele se banhasse, que ele mergulhasse sete vezes no Jordão, aqui começa o texto que nós escutamos hoje: Naamã fez o que o homem de Deus tinha mandado e, ao fazer isso, ele foi curado da lepra. Uma vez curado, ele soube voltar para agradecer, convertendo-se ao Deus verdadeiro, o Deus de Israel. É interessante nós observarmos que a cura de Naamã foi uma cura completa, o Senhor curou o corpo de Naamã que estava apodrecendo pela doença, mas também o curou da cegueira espiritual. Naamã se tornou um homem novo em todos os sentidos: na sua carne, que se tornou semelhante a de uma criancinha, e no seu espírito agora renovado, aberto para reconhecer e adorar o Deus único e verdadeiro.

Vamos pensar um pouquinho na nossa vida, na nossa caminhada, também nós precisamos ser curados de muitas doenças do corpo e da alma e somente o Senhor pode realizar esta cura completa. E para isso, então, devemos procurar o Senhor, devemos mergulhar na sua fonte de vida, na sua graça, como fez Naamã mergulhando no Jordão. A fonte da vida está aqui na Palavra que nós escutamos, na Eucaristia que nós vamos receber, no Espírito Santo que já habita no nosso peito. De muitas formas, o Senhor nos toca, nos renova, nos oferece a sua graça, mas cabe a nós aceitarmos esta graça e permitir que o Senhor nos transforme, que o Senhor nos cure, que o Senhor nos renove. E nós precisamos também ser gratos. O grande exemplo que Naamã nos dá é o da gratidão. Ele foi curado, reconheceu que isso era dom de Deus e voltou para agradecer. É interessante que, no primeiro momento, Naamã quis agradecer ao profeta Eliseu, lhe oferecendo um presente, mas depois ele se deu conta de que ele deveria ser grato a Deus e não simplesmente a um homem. Eliseu era um instrumento nas mãos de Deus. Deus é quem tinha realizado a cura, e quando se deu conta disso, Naamã, ao invés de oferecer um presente a Eliseu, ofereceu um presente a Deus. Qual foi o presente que Naamã ofereceu a Deus? A adoração. A gratidão de Naamã se transformou em adoração, em compromisso com Deus. Ele levou um pouco da Terra Santa, da Terra de Israel para Damasco, para a Síria, para adorar sobre essa Terra o Deus verdadeiro. A partir daquele momento, Naamã iria dirigir toda a sua vida ao Deus de Israel, ao Deus que o tinha libertado, essa seria a sua resposta de gratidão. E essa é a resposta que o Senhor espera também de nós, que nós sejamos mais gratos, que saibamos reconhecer que aquilo que temos vem de suas mãos generosas de suas mãos abertas e que saibamos voltar mais a nossa vida para Deus.

E nós temos ainda neste texto o exemplo de Eliseu. Este texto é realmente belo, traz muitos ensinamentos. Vejam que Eliseu não aceitou o presente de Naamã. Ele não cobrou pela cura, ele não aproveitou daquela cura em benefício pessoal, ao invés disso, ele fez com que Naamã voltasse o seu coração mais para Deus, a quem ele deveria ser grato de fato. Então, Eliseu nos ensina algo muito importante, que todos nós somos instrumentos nas mãos de Deus. O bem que nós fazemos só é possível porque o Senhor nos concede os seus dons, então, ao invés de nos colocar nos holofotes, nós devemos fazer o possível para que Deus seja mais louvado, para que Deus seja mais glorificado. Ao invés de que a gratidão seja dirigida a nós, aos homens, em primeiro lugar deve ser dirigida a Deus, porque se não fosse pelo Espírito de Deus, nós seríamos instrumentos sem vida e sem utilidade. É o Senhor que age em nós.

No Evangelho, por sua vez, nós temos aí a gratidão de outro pagão, um samaritano leproso que foi curado por Jesus e voltou até Jesus para dar glória a Deus. Mas, nós vemos aí também a ingratidão, porque esse que voltou não tinha sido curado sozinho, ele tinha sido curado com mais nove, que não voltaram para agradecer que foram curados e simplesmente seguiram o seu caminho. Da parte de Jesus, nós vemos um amor universal, um amor que se derrama sobre todos. Dez pediram a compaixão de Jesus e os dez foram atendidos, os dez foram curados. Jesus não fez nenhuma diferenciação, atendeu o pedido dos dez da mesma forma, mas a resposta foi diferente, somente um soube ser grato, somente um soube voltar a Jesus e ao voltar a Jesus, ele recebeu um dom ainda mais precioso: “levanta-te e vai, tua fé te salvou.”. Olha só, vejam como é interessante isso, dez foram curados da doença física, mas somente um foi salvo pela fé, somente um foi verdadeiramente transformado como Naamã, porque somente um soube acolher com humildade e gratidão a salvação oferecida por Jesus. Os outros nove seguiram seu caminho curados, mas não verdadeiramente salvos, porque a salvação só se alcança permanecendo com Jesus, voltando constantemente a Jesus. Quem quer caminhar sozinho, quem tem essa ilusão, não alcança a salvação. É preciso voltar-se para Jesus.

Então, meus irmãos e minhas irmãs, a palavra de Deus nos faz um apelo, estejamos atentos, saibamos reconhecer aquilo que Deus nos dá e sejamos gratos. É na gratidão que nós abrimos o coração para que o Senhor continue em nós a sua obra. Às vezes nós somos muito ingratos e, mesmo orgulhosos, recebemos uma graça, recebemos algo bom e seguimos o nosso caminho, ignorando que a fonte é Deus. Às vezes, nós nos iludimos, achamos que tudo aquilo que nós temos é fruto do nosso trabalho, é fruto do nosso esforço. Sim, nós nos esforçamos, nós trabalhamos, mas, em primeiro lugar, está aí a mão de Deus. Sem a força de Deus conosco nada seria possível. Então, tomemos cuidado para que o nosso coração não seja tomado pela cegueira, para que não deixemos de perceber esta presença de Deus que vela por cada um de nós. Quando não conseguimos enxergar a presença de Deus, nós deixamos de enxergar a vida como presente, como dom, como graça e uma vida que não é graça, torna-se desgraça, perde o sentido. Então, abramos o nosso coração a Deus pela gratidão.

É nesse sentido que São Paulo nos adverte na segunda leitura de hoje: “lembra-te de Jesus Cristo ressuscitado dentre os mortos”. Aí está o que nós devemos fazer, lembrar-nos de Jesus Cristo que morreu por nós na cruz. E quando nos lembramos de Jesus Cristo, o nosso coração se enche de gratidão e a nossa vida se abre mais para Deus que quer nos salvar. Até aqui o Senhor nos libertou, até aqui o Senhor nos curou, mas daqui em diante, o Senhor quer fazer mais, o Senhor quer nos salvar. Não basta uma graça ou outra graça, não basta uma cura ou outra cura. Nós precisamos ser salvos. E para isso devemos sempre nos lembrar de Jesus, caminhar com Jesus. Então, como São Paulo, também como esse leproso de que fala o evangelho, que foi curado e salvo, que nós não nos esqueçamos da presença de Jesus em nossa vida. Que nós nunca duvidemos da misericórdia de Deus que nos alcança no seu Filho muito amado. Este é o grande convite que a Palavra nos faz hoje, que seja maior a nossa gratidão. Então, ao escutarmos esta Palavra, ao recebermos a Eucaristia, que brote de nossos lábios, que brote de nosso coração, que bote da nossa vida o louvor santo que Deus merece.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo, para sempre seja louvado!

02.10.jpg
Privilégio é poder seguir o chamado de Deus 

Pe. João Aroldo Campanha –  27º Domingo do Tempo Comum (02/10/2022 – Ano C) – missa às 10h

São Lucas é um ótimo escritor e aqui ele tentou costurar duas falas de Jesus, mas a costura não ficou muito boa. Nós temos dois ditos de Jesus aqui. Temos que lembrar que Jesus está subindo, estão indo para Jerusalém, e os discípulos começam a ficar preocupados sobre o que vai acontecer lá. Então, eles pedem “aumenta a nossa fé porque a porca pode torcer o rabo”, e Jesus diz “olha, se vocês tivessem fé como semente de mostarda, vocês diriam a esta amoreira ‘joga-te no mar’ e ela obedeceria”.

Vamos entender bem essa coisa: primeiro, mostarda, sem entender isso começamos a fazer um monte de bagunça. Mostarda lá não é a mostarda daqui, entenderam? Lá, a mostarda é um tipo de cacto, você planta no teu jardim, no teu terreno, e a semente parece pó, é um tipo de cacto. Dá para entender bem com as nossas samambaias, não é? samambaia não tem aquele monte de pozinho? Aquilo é semente de samambaia, se achar um lugar propício, ela nasce. Mesma coisa a mostarda, só que tem uma coisa, a mostarda é um tipo de cacto e ela cresce, e é uma planta tão esquisita que as codornas fazem ninhos por baixo dela. Por isso, Jesus diz: “as aves do céu fazem nela seus ninhos”. A gente pensa numa árvore em que as codornas vão fazer ninho lá em cima, mas não é lá em cima, é por baixo, ela esparrama. É uma planta muito, muito, muito difícil de matar! Você corta, você arranca, mas nasce de novo, é um negócio fabuloso.

Fé aqui é perseverança. Como eu mostro que tenho fé? Mostro pelas minhas atitudes. Perseverar no bem, perseverar no amor, todo dia de novo, mesmo sendo perseguido, mesmo tendo dificuldades, perseverar no caminho de Jesus, isso é ter fé.

E essa amoreira? Sem fundamento essa amoreira no meio do nada. Essa amoreira significa Jerusalém, não a cidade santa, mas a cidade das trevas. Jerusalém é o lugar em que estão aqueles que vão destruir e matar Jesus, onde está concentrado um poder que não ajuda o povo a viver como irmãos, mas, o lugar que mata e exclui pessoas, isso tudo em nome de Deus. Então, o que Jesus fala? “Reze com fé que a amoreira vai se jogar no mar”, mas Jerusalém está tão longe do mar, que mar é esse? Vai lá no meio do Mediterrâneo? Não. O mar aqui significa o caos, a destruição, o mal. Quando nós vemos lá no livro do Apocalipse que existe diante do Trono de Deus o mar de fogo, é o mal para mostrar que Deus está acima disso, que isso para Deus não é um problema. Reze com fé e as forças do mal vão se destruir no caos, essa é a primeira parte da fala de Jesus.

Nós temos a mentalidade dos privilégios, e, na segunda parte, Jesus está falando para discípulos. Mais de uma vez esses discípulos vão perguntar “quem é o mais importante de nós?” Dois, inclusive, vão lá pedir a Jesus para se sentarem um à sua direita e outro à sua esquerda, ou seja, ser os dois ministros mais importantes do reino. Ou seja, não entenderam nada! Jesus dá rasteira, não é esse o caminho, e o fato de seguir Jesus não faz de ninguém melhor que os outros, cuidado! Jesus está falando para os discípulos e discípulas.

Nós não podemos chegar para Deus e exigir dele coisas porque nós fomos seus servos aqui neste mundo. Jesus vai dar essa imagem desse empregado que trabalha o dia inteiro, chega em casa, prepara a comida para o patrão, e, só depois que o patrão come, é que ele vai comer, mas esse é o dia a dia do empregado. O patrão vai agradecer “ah, muito obrigado por ter ido capinar”? Não! “Eu paguei, você foi. Tenho alguma obrigação? Nenhuma, eu não tenho que agradecer o empregado.” Lógico que temos que pensar que isso é a mentalidade de dois mil anos atrás! O empregado não pode exigir do patrão um elogio porque trabalhou o dia inteiro.

Jesus está dizendo exatamente a mesma coisa para nós, discípulos: vocês não são melhores que os outros, vocês não são privilegiados ou vão receber privilégios. O vosso empenho é um empenho de serviço, de caminho, de crescimento humano. Onde Jesus chega ao auge do seu crescimento humano? Lá na cruz. Esse é o serviço que Jesus prestou para a humanidade, no mais baixo que se podia descer.

Os discípulos têm que ser assim e nem por isso se achar melhor que os outros, porque quando você se acha melhor que os outros ou merecedor de algo a mais, você começa a fazer exatamente o que os fariseus faziam, excluir pessoas. “Ó, aqueles ali não prestam, aqueles ali vão para o inferno, aqueles ali estão fora do caminho.” Nós não podemos fazer isso, porque nós, diante de Deus, somos irmãos e irmãs. Não temos privilégios, não fizemos mais que nossa obrigação, ouvimos o chamado de Deus e seguimos esse chamado. Não somos melhores que os outros. O chamado de Deus é uma graça feita sem os nossos méritos, Deus o faz por pura bondade.

Vamos pedir ao Senhor que nós possamos corresponder sempre ao seu chamado, sempre, e nunca nos julgar melhores que os outros porque fizemos aquilo que o Senhor mandou.

01.10.jpg
Ser grande é ser pequeno

Pe. João Aroldo Campanha – Festa de Santa Teresinha (01/10/2022 – Ano C) – missa às 18h30

Esse evangelho pode parecer um pouco estranho. Os discípulos perguntam para Jesus: quem é o maior no Reino? Isso indica a nossa mentalidade. Nós vivemos vendo o mundo através das pessoas famosas, das pessoas ricas, das pessoas poderosas, de quem consegue privilégios, esses são os valores do mundo. E os apóstolos estão dentro dessa mentalidade. Quem é o maior? Lembram que eles estavam discutindo uma vez quem dentre eles era o maior? Mas Deus pensa do avesso. Então Jesus chama uma criança. A criança no tempo de Jesus não tem o Estatuto da Criança, ela é propriedade do pai, não tem direito nenhum, o pai pode inclusive vender a criança como escravo para pagar dívidas. Então o pai dispõe de vida e de morte – o pai e não a mãe, nós estamos no mundo patriarcal. É muito estranho que Jesus coloque exatamente uma criança como modelo do Reino. No Reino, não se reivindica direitos, não se procura quem é o melhor entre nós. No Reino de Deus, se serve. No Reino de Deus, não se procura privilégios, porque para Deus somos todos irmãos e irmãs.

Mas tem outro elemento que é a disponibilidade da criança a aprender. A criança não sabe, ela ainda não estudou. E nós temos que pensar em dois mil anos atrás, não tem internet, não tem celular, não tem escola pública – se bem que no mundo hebraico, os meninos estudavam alguns rudimentos de leitura com o rabino ao lado da sinagoga para mais tarde, quando fizessem 12 anos, eles iam poder ler na escritura, fazer a leitura no sábado. Só os meninos, mulheres não aprendiam a ler. Então a criança aprende, porque está com o coração vazio. E a criança aprende tudo de bom e de mau que os pais, os amigos e a sociedade transmitem para essa criança. Nós, adultos, pensamos ‘eu já sei’, ‘eu conheço’. Quando você às vezes vê uma coisa nova, logo diz ‘mas a minha avó dizia assim’, ‘eu aprendi assim’ e você nunca questiona se o que você aprendeu tem sentido. Às vezes não tem sentido, mas você repete e vai vomitando na sua vida ensinamentos que muitas vezes não tem pé nem cabeça. ‘Mas os antigos faziam assim’ e quem disse que estavam certos? ‘Ah, mas os profetas faziam assim’ e quem disse que estavam certos? ‘Mas o costume do povo é esse’ e quem disse que estava certo? Só quem tem a capacidade de se perguntar sobre esses valores que nos foram dados é capaz de começar a escutar Jesus. Porque é Jesus quem vai nos dizer e mostrar o que é certo, o caminho. Só Ele, porque Ele é a revelação do Pai com suas palavras e suas ações. Por isso, o discípulo e a discípula de Jesus têm que realmente se colocar numa atitude de criança, que aprende porque não sabe. Um dos grandes pensadores da antiguidade grega dizia “sei que não sei”, esse é o caminho da sabedoria. E Jesus nos ensina esse caminho, porque é Ele quem vai colocar os tijolos de uma mentalidade nova. Jesus vai quebrar os nossos preconceitos, os nossos ódios, as mentiras que nos ensinam e que nos ensinaram.

Teresinha entendeu isso muito bem e uma das coisas que ela aprendeu é que o caminho de Jesus se faz no dia a dia ordinário de nossa vida. Ela descobriu isso no dia a dia da vida do mosteiro com suas irmãs, com as outras monjas. É na vida do dia a dia. É na vida comum da mãe de família, na vida comum do pai, na vida comum dos trabalhadores e trabalhadoras, na vida comum do nosso dia a dia. Ali nós nos santificamos. Ali nós seguimos ou não Jesus. E muitas vezes esse caminho é um caminho que passa pelos outros quase despercebido, bem diferente da mentalidade do nosso tempo que todo mundo quer ter um milhão de likes no Facebook ou então fica fazendo um milhão de selfies para dizer que é bonito. Esses são antivalores. Teresa nos diz que o caminho é o serviço, o caminho é ser pequeno, o caminho é enfrentar a vida do jeito que ela vem: dor, sofrimento, morte, doença, alegrias, realizações, esperança, sonhos, trabalho. São nessas coisas. Enfrentar tudo isso olhando o caminho de Jesus: essa é a pequena via de Santa Teresinha.

É interessante ver que Teresinha lia – no mosteiro, geralmente, a gente estuda muita coisa – e ela dizia em seus escritos: ah quando eu começo ler esses santos muito grandes não entendo nada, me cansa, então eu vou para a escritura, a linguagem do povo de Deus, a palavra simples dita para nós. Então ela fala: aí sim, se ilumina tudo. Ela não está desprezando a ciência, mas ela está se colocando no caminho do dia a dia sem querer ser grande. A desgraça do nosso mundo é que todo mundo quer ser grande e isso não nos faz crescer, não nos faz humanos.

Vamos pedir a Santa Teresinha que reze por nós para que nós possamos realmente aprender que a santidade passa pelo nosso dia a dia e que nós temos que ser grandes aos olhos de Deus e não para os valores e antivalores deste mundo

30.10.jpg
Alcançar o verdadeiro amor a Jesus

Homilia: Pe. Rodolfo Cabrini (Paróquia Santa Ediwiges) -  3º  Dia do Tríduo de Santa Teresinha - 30/09/2022 - missa às 19h45) 

Vamos meditar as palavras do santo evangelho de hoje, a leitura que nós ouvimos, o salmo que meditamos, mas, também, hoje o dia de São Jerônimo e o dia da morte de Santa Teresinha e toda a nossa motivação para celebrar a padroeira. Deus sempre cuida de nós e Deus nunca nos abandona porque ele nos ama. Além disso, Ele também nos mostra Seu amor e mostra que cuida de nós e não nos abandona, são sinais de Deus que, às vezes, por causa das nossas preocupações, da nossa correria, deixamos de perceber. Quantas vezes Deus falou conosco mas não o escutamos? Quantas vezes Deus mostrou o Seu poder e Sua misericórdia, mas não enxergamos?
Exatamente isso que Jesus no evangelho de hoje [Lc 10, 13-16] está entristecido com Corazin, Betsaida, Cafarnaum. Que ele não se entristeça conosco, com aqueles a quem ele amou e realizou tantas graças e tantos milagres. Quando nós celebramos uma santa assim tão poderosa na intercessão como é Santa Teresinha, nós não podemos fechar os nossos olhos de ver quantas graças Deus já concedeu através dela desde quando ela esteve nesse mundo até hoje. Nós não podemos fechar os olhos e não ver essas graças de Deus que são derramadas na vida dos santos para o bem da humanidade. São muitas graças, são muitos milagres, e cada um de nós pelo menos um milagre já testemunhou, tenho certeza de que você já pôde ver com seus olhos, sentir a ação de Deus.
Quando recebemos um milagre de Deus, esse milagre não é só para nós, é para que, através de nós, outras pessoas se convertam, busquem e confiem em Deus. Desde o início as comunidades cristãs se testemunhavam nos milagres que as pessoas recebiam porque é através dos milagres que os corações das pessoas mudam, se transformam. Deus permite e quer que milagres aconteçam para que, através deles, as pessoas não desistam da difícil caminhada nessa terra.
Por isso Santa Teresinha tinha o grande desejo de passar o céu fazendo o bem sobre a Terra e fazer chover uma chuva de rosas, ou seja, de graças e mais graças recebidas por sua intercessão, já que ela também provou de tantas dificuldades. Nós ouvimos hoje um trecho do livro de Jó [Jó 38, 1.12-21; 40, 3-5] de um homem que experimentou o sofrimento, perdeu muita coisa, só que não perdeu sua fidelidade a Deus! Podemos perder tudo nessa vida, só não a fé.
Podemos passar por momentos muito difíceis, mas a nossa confiança em Deus nunca pode se abalar. Ou confiamos, ou desesperamos. As coisas não se combinam: ou você confia ou você desespera. Nós optamos por confiar e sabemos que Deus toma conta de tudo, Ele cuida de tudo e de cada detalhe da nossa vida, tudo está aos cuidados de Deus.
O que nós aprendemos, então, com Santa Teresinha? Pensei nessa reflexão para ajudar vocês a se prepararem para o dia de amanhã, tenho certeza de que todos vocês participarão da Festa de Santa Teresinha! Precisamos relembrar algumas coisas, e no que é que Santa Teresinha nos ajuda? Ela morreu com apenas 24 anos, teve uma grande influência em todos aqueles que a conheceram. O modo santo como a pequena flor, assim conhecida, levou a vida e a sua relação com a família, com os amigos, nos serve de inspiração. O modo de viver de Santa Teresinha é a nossa inspiração e, mais do que isso, o seu exemplo pode nos ajudar a enfrentar com sucesso algumas situações complicadas no dia a dia.
Em primeiro lugar, Santa Teresinha nos ensina a gerenciar as adversidades. Será que tudo acontece como nós planejamos, como queremos? Claro que não. Muitas coisas fogem do nosso controle, nos planejamos de um jeito, mas, depois, as coisas vão se enrolando e se complicando. E aí, o que eu faço quando as coisas não saem do meu jeito? Eu me entristeço, me ponho a murmurar, me revolto? Não! Santa Teresinha nos ensina a gerenciar.
O que um gerente de uma loja de móveis faz? Ele entende as situações ali vividas e encontra maneiras de fazer com que aquela loja tenha prosperidade. Ele vai ver se o movimento está fraco e fazer uma promoção, vai cuidar dos problemas entre os funcionários, vai ver o que precisa melhorar na estrutura daquela loja, e vai atrás disso e daquilo. Ele se desgasta para fazer o melhor e dar o melhor de si, então nós também precisamos aprender a gerenciar as nossas adversidades.
Se tudo não sai do jeito que queremos, como planejamos, como naquele momento queríamos, e ainda bem que não sai porque já planejamos tanta coisa que não presta, mas Deus nos ajuda a gerenciar. Há coisas que resolvemos com palavras, há coisas que resolvemos com o tempo. Nem tudo resolvemos no grito! Há coisas que precisamos simplesmente confiar e esperar.
Segundo, Santa Teresinha nos ensina a lidar com o aborrecimento. Acho que todo mundo aqui já ficou aborrecido com alguma coisa, com alguém ou consigo mesmo, é bastante normal. Santa Teresinha também nos ensina a lidar com aborrecimento, pois ela nem sempre foi muito paciente. Ela escreveu sobre uma freira que a irritava durante a oração da noite, no entanto, Santa Teresinha baseou-se na sua forte fé e nos sábios ensinamentos da Bíblia para reverter esse aborrecimento. Sempre haverá quem nos aborreça, mas precisamos aprender a lidar!
Depois, Santa Teresinha também fala de encontrar o amor nos outros, a terceira lição: encontrar o amor. Devemos amar o próximo, mas nem sempre isso é fácil. Santa Teresinha tinha a capacidade de sempre colocar os outros antes de si mesma, ela era capaz de mostrar o verdadeiro amor cristão. A nossa vida não pode ser apenas de conviver com pessoas do nosso interesse, só me aproximar de quem vai me trazer algo bom, só me aproximar de quem vai me fazer feliz, vai me fazer melhor.
Temos que aprender também a encontrar o amor naquelas pessoas que aparentemente não vão nos oferecer nada, mas ali eu encontro amor porque aquele outro é meu irmão, é filho de Deus, e Jesus morreu por aquela pessoa. Mesmo que aquela pessoa aos olhos dos outros não preste, Jesus morreu por ela, então eu preciso encontrar o amor de Jesus nas pessoas. Quando não gostarmos de alguém, pensemos nisso: Jesus morreu por essa pessoa. Se eu não consigo concordar com o que ela faz, que eu encontre o amor de Jesus nela.
Santa Teresinha também nos ensina a lidar com a doença. Na adolescência, Santa Teresinha teve que lidar com a gripe russa que se espalhou pela Europa e atingiu seu convento. Ela desempenhou um grande papel ajudando suas irmãs doentes, e teve que testemunhar a morte daquelas que amava e com quem orava. Mesmo no meio das tristezas, conseguiu encontrar paz. Realmente, ao longo da nossa vida, temos que nos despedir de pessoas que amamos e que jamais gostaríamos. Tenho certeza de que muitos de vocês já se despediram de algum familiar, amigo que hoje não está mais junto de você, e esse momento é de tristeza, mas para quem crê na ressurreição, na vida eterna, é preciso encontrar paz até mesmo na doença, até mesmo na morte.
Nós temos que aprender com Santa Teresinha a enfrentar o medo da morte. Ela mesma, em momentos da sua vida, falava sobre sua morte. A carmelita morreu de tuberculose aos 24 anos de idade no dia de hoje, dia 30 de setembro. Pode parecer triste ouvir sobre uma bela jovem que morreu tão cedo, no entanto, esperava pelo dia em que morreria. No fim de sua autobiografia estão algumas de suas declarações sobre a morte, então, até a morte de Santa Teresinha serviu de lição para todos nós, que saibamos também lidar com o momento da nossa partida.
Essas são algumas lições que Santa Teresinha nos ensina e nos prepara para celebrar sua Festa. Ela era uma pessoa humilde, e algumas de suas frases vão nos ajudar a entender a humildade. Eu trouxe algumas, dentre muitas, disse Santa Teresinha: “ficar pequeno é reconhecer o próprio nada, tudo esperar de Deus, não se afligir com as faltas, pois as criancinhas se caem muitas vezes; por serem pequeninas, pouco se machucam.” “Faço como as crianças que não sabem ler, digo a Deus simplesmente o que desejo dizer-lhe sem palavras bonitas, e Ele me compreende.” “Ocupemos o último lugar, ninguém brigará conosco por ele.” São frases que nos inspiram, também, a buscar a humildade, não precisamos nos sentir maiores do que ninguém.
Santa Teresinha também escreveu frases e pensamentos sobre a confiança, ela disse: “nunca é demais a confiança no bom Deus tão poderoso e tão misericordioso. Como é grande o poder da oração, poderíamos compará-la a uma rainha que tem sempre entrada franca junto ao rei e consegue tudo o que pede. Jesus não exige grandes obras, apenas confiança e gratidão.” Nós não precisamos nos preocupar em fazer grandes coisas pelas quais seríamos reconhecidos por todos, a importância de grandes coisas construídas com nossas mãos para Santa Teresinha diante de Jesus é que basta confiança e gratidão, essas são nossas maiores obras.
Santa Teresinha também escreveu sobre o abandono, ela disse: “eu sou a bolinha do menino Jesus, que ele faça de mim o que quiser, brinque à vontade com sua bolinha. Se quiser me atirar a um canto abandonado, serei feliz, contanto que ele queira. Não me amedronta ter que sofrer por vós, escolho tudo que vós quereis.”
E, por fim, algumas frases de Santa Teresinha sobre o amor a Jesus: “o Senhor não precisa de nossas obras, e sim do nosso amor.” “O sofrimento unido ao amor é a única coisa que me parece desejável neste vale de lágrimas.” “Amemos a Jesus a ponto de sofrermos tudo que ele quiser, mesmo a aridez e frieza. É sublime o amor de Jesus sem as alegrias da doçura desse amor. É um martírio, pois bem, morramos mártires! “Amar aos pés da cruz é mais belo e heróico do que amar nos esplendores do Tabor, é ali que se prova o verdadeiro amor.”
Que Santa Teresinha possa nos inspirar a viver a humildade, a confiança, o abandono para alcançarmos o verdadeiro amor a Jesus. Desejo de todo o meu coração que vocês possam viver o dia de amanhã com grande alegria, com muita fé, e que, pela intercessão dessa santa, todos vocês possam crescer espiritualmente, e crescer espiritualmente é crescer no amor a Jesus.
Hoje, inspirados por São Jerônimo que nos fala tanto da palavra de Deus como um verdadeiro tesouro, nós temos, além da palavra de Deus, os frutos dessa palavra que são as vidas dos santos. Eles são santos porque levaram a sério a palavra de Deus.
Sejamos como Santa Teresinha, levemos a sério também a palavra de Deus. Amém

29.09.jpg
Celebrar os Santos Anjos mensageiros de Deus

Homilia: Pe. Cleidson Pedroso (Paróquia Santa Maria Goretti) -  2º  Dia do Tríduo de Santa Teresinha - 29/09/2022 - missa às 19h45) 

Celebramos com toda a igreja a festa dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Por que 29 de setembro? Apenas uma curiosidade preliminar, uma vez que a data de comemoração litúrgica de um santo normalmente é ligada a algum aspecto de sua vida, seja nascimento, sua morte, sua conversão. No caso dos anjos, que não possuem nada disso, é justamente por causa da dedicação de uma basílica, cujo patrono é o São Miguel Arcanjo em Roma no século V, então, a partir dali, no martirológio, é colocada esta data e, desde o século V, a igreja celebra no dia 29 de setembro a festa dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael.

Como eu dizia inicialmente, são os únicos nomeados nas Sagradas Escrituras. Não há um número exato de quantos anjos existem, mas estes três são apresentados particularmente em algumas passagens, especialmente dos evangelhos, é claro, em alguns momentos do livro de Tobias, do Profeta Daniel e do Apocalipse de São João. São citações espalhadas ao longo tanto do Antigo quanto do Novo Testamento, mas se nós notarmos bem, os textos não são diretamente ligados às figuras dos anjos. Isso é interessante porque vai de encontro àquilo que é a vocação do serviço dos anjos na estrutura da criação daquela que é a proposta de Deus, porque os anjos são espíritos que manifestam as potências do próprio Deus, aquilo que Deus é.

Então, quando falamos de Rafael, Deus cura, a cura vem através de Rafael, mas é a ação de Deus que é a potência e a capacidade de Deus curar o ser humano, transformar a vida, devolver a saúde, livrar da doença. Assim, ao longo de toda a escritura, nós vamos encontrar justamente esta manifestação. E os anjos são sinais enviados aos homens, por isso a tradução da palavra é anjos, e significa justamente "mensageiro" porque ele traz uma mensagem de Deus a nós.

É importante saber de tudo isso porque é muito preocupante quando os anjos se tornam objetos de superstição, isso a gente vê à torto e à direito por aí. Lembro-me de quando eu era criança assistindo desenhos animados, e sempre passava no intervalo um comercial dizendo "você quer saber qual é a mensagem do seu anjo para você? Então ligue e o vidente vai passar a mensagem do seu anjo para você." Entrava mais ou menos na onda dos horóscopos da vida, não é? Isso preocupa porque tira da essência aquilo que é a verdadeira devoção aos anjos que a igreja proclama e promove, inclusive não só na festa de hoje, mas logo mais estaremos também celebrando a memória dos anjos da guarda.

A igreja fala da presença dos anjos porque a escritura demonstra em verdade de fé a existência dos anjos, mas nunca colocados num aspecto mágico, supersticioso. Eu tenho sempre alertado para tomarmos esse cuidado para que não entremos nessa lógica perigosa porque nós perderemos o essencial, pois os anjos por si não são nada, eles necessitam de Deus e à Deus eles sempre nos remetem, sempre nos levam a contemplar a face de Deus.

A primeira leitura que nós ouvimos, que fala dessa batalha de Miguel e dos anjos contra o dragão, o diabo, a antiga serpente nesta imagem do apocalipse de São João na verdade tem um destino, a batalha não é o foco, o mais importante é a proclamação da vitória de Deus e da vitória daqueles que são de Deus. Os anjos manifestam sempre isso, a ação de Deus e a transformação que Deus quer realizar na vida de cada um de nós, então recorremos aos anjos para serem verdadeiros condutores que nos levam a contemplar a graça de Deus, a contemplar a presença e a ação de Deus na vida de cada um de nós.

É importante manifestar isso para que, assim, não percamos o foco daquilo que é essencial. Na verdade, a própria devoção aos santos nos remete também a esta realidade, o Padre Marcelo Rossi costumava brincar certa vez dizendo que "os santos são como as setas, apontam o caminho que devemos seguir”. Você pega uma rua e não sabe para onde ela vai, tem sempre uma placa que mostra a velocidade, a direção, se pode parar ou não, se tem alguma obstrução, enfim, os santos e os anjos nos apontam sempre para Deus, e nós devemos buscar a Deus nessa manifestação da presença de Deus em nossa vida através dessa intercessão que se torna uma oração constante.

Os anjos velam a face de Deus, como o livro do profeta Daniel e o próprio Apocalipse de São João vão nos mostrar, os anjos estão ali diante de Deus, elevando a Ele os seus louvores e proclamando a grandeza do Senhor, justamente demonstrando aquele que é o foco para o qual os nossos olhos, nosso coração e nossa vida devem estar voltados. É Ele que é a fonte e princípio de todas as coisas, e os anjos manifestam justamente essa certeza, por isso Deus envia seus anjos, para conduzir seu povo ao encontro de suas promessas.

Miguel tem esse papel, por isso o profeta Daniel utiliza a expressão de que Miguel é o protetor do povo de Deus, justamente para nos ajudar nas batalhas que devemos vencer, e a vitória sempre nos é garantida por causa do amor d’Aquele que nos chamou. Então, Miguel vem como esse sinal da vitória de Deus presente em nós bastando abrir apenas o nosso coração para acolhermos essa certeza, porque Deus nunca está distante de nós, Ele não é alheio à nossa história e à nossa vida, e os anjos demonstram isso.

Quando lemos o livro de Tobias, que é um livro magnífico, texto maravilhoso, e se você não leu ainda, faça essa experiência, é bem curtinho, mas é uma história tão empolgante e encantadora, gosto sempre de indicar inclusive para as crianças, vamos que ali fala das peripécias das situações difíceis que Tobias e Tobit passam. Ali, nos momentos de indecisões e dificuldades, Deus envia Rafael para se tornar companheiro de viagem do filho de Tobias e curar depois o próprio Tobias daquela doença que ele tinha nos olhos.

Não é o poder do anjo, meramente, mas é a graça de Deus que enviou aquele mensageiro para demonstrar que Deus não ia deixar a Sarah, que depois se torna nora de Tobias, e o próprio Tobias entregues aos sofrimentos que eles carregavam. Deus não vai nos deixar entregues, e os seus anjos significam justamente isso, essa presença d’Aquele que cuida e zela por nós. Deus é o guarda do seu povo como canta o salmista em diversos lugares, e essa verdade é proclamada para demonstrar que é a Ele que nós devemos recorrer e, claro, Ele não vai nos desemparar.

Por isso elevamos a Deus o nosso coração e a nossa oração e pedimos a intercessão dos anjos, e a nós Ele fala. Então, aparece a figura de Gabriel, justamente para demonstrar a força de Deus que vai transformar nossa história, pois a palavra Gabriel significa força de Deus, justamente aquele que vai transformar. Nos anúncios que ele faz, primeiro antes de Zacarias e Maria, no livro do profeta Daniel, é Gabriel que proclama as coisas que vão acontecer. Não como uma previsão do futuro, isso não é mágico como falo, mas justamente para mostrar que Deus vai conduzir a história do seu povo, não o deixando se perder ao longo do caminho e a salvação acontecerá.

Por isso, no ápice da história, no momento certo, Deus envia Gabriel novamente para anunciar a Zacarias o nascimento de João Batista que será o precursor à aurora, como cantamos no Benedictus, o cântico de Zacarias. A aurora que precede o nascer do sol da justiça, que é o próprio Jesus, e é por isso que Gabriel vai a Maria também anunciar o nascimento do Messias, trazendo esta alegria a todos nós para mostrar, mais uma vez, que Deus não nos abandona e que a vitória é certa.

Irmãos e irmãs, celebrar Miguel, Gabriel e Rafael é justamente proclamar esta certeza, por isso que a igreja nos convida a cada ano, trazendo esta festa para nossa celebração, justamente esta recordação e memória que Deus está ao nosso lado, que Deus não nos abandona. Essa grande certeza nós somos convidados a acolher no coração, principalmente nos momentos difíceis que passarmos. Muitas vezes podemos estar passando esse momento difícil agora, nas dificuldades tantas que enfrentamos, desemprego, saúde, problemas nas nossas famílias, problemas em nossos relacionamentos, enfim, não importa a situação que seja se nós clamamos ao Senhor.

Voltando apenas nesse pequeno ponto da história de Tobias, quando Deus envia o anjo Rafael? Justamente quando a oração de Tobias e de Sarah chegam aos ouvidos de Deus. Então, naquele momento, os dois elevaram a Deus suas preces e, no mesmo instante, Deus enviou o seu anjo para libertá-los. Assim, a história continua, justamente para mostrar que basta elevar a Deus a nossa oração.

Não nos desesperamos, porque os anjos estão aí justamente para nos mostrar que a esperança é o sentimento que devemos trazer em nosso coração e sempre confiar a Deus a nossa vida, na certeza de que Ele vai nos libertar, de que Ele caminha conosco e de que Ele acompanha nossos passos.

Peçamos a intercessão de São Miguel, São Gabriel e São Rafael e de nossa querida Santa Teresinha que, como ouvimos, era devota quando criança, e toda criança tem esse carinho especial. Uma das primeiras orações que aprendemos quando criança inclusive é a oração dos anjos da guarda, não é? Antes mesmo até de conhecer o Pai Nosso em detalhes, de saber o Salve Rainha em todas as suas expressões, o "Santo Anjo do Senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou a piedade divina, sempre me rege, me guarda, me governa e me ilumina", nós trazemos no coração desde cedo, cultivando esse carinho, esse amor e essa certeza de que Deus nos envia os seus anjos!

28.09.jpg
Momento e compromisso com Deus

Homilia: Pe. Jadeilson da Silva (Paróquia Santo Antônio) -  1º  Dia do Tríduo de Santa Teresinha - 28/09/2022 - missa às 19h45) 

É graça de Deus o que ouvimos no Salmo hoje, e respondemos a liturgia com a resposta ao Salmo. Alguém lembra o que cantamos na resposta? “Chegue até vós, Senhor, nossa oração.” Que a nossa oração chegue a Deus. Por que respondemos isso? Por que estamos dizendo que a nossa oração precisa chegar a Deus? Porque na primeira leitura vemos que escutamos questionando Deus. Não fazemos isso? Às vezes acabamos cometendo o erro de questionar Deus, nos pegamos pensando ou dizendo “Senhor, por que comigo?”, “Senhor, só comigo?”, e começamos questionando a Deus “por que isso está acontecendo na minha vida?” ou “tira isso da minha vida que está de cabeça para baixo, por que Deus está fazendo isso comigo?”.

Alguém acha que Deus quer o nosso mal? Em momento nenhum, se Ele quisesse o nosso mal, Ele não teria mandado seu filho para o alto de uma cruz. É assim o amor de Deus por nós, um amor de cruz! Colocando seu próprio filho no alto de uma cruz porque muito nos amou. Então, Deus não nos quer mal, não nos quer sofrendo, não nos quer tristes. Por que acontece isso? Porque o mundo oferece, não é Deus. O mundo oferece tribulações, sofrimentos, e aí vem um detalhe: nós aceitamos! Assumimos para nós o que o mundo oferece e não temos forças para vencer.

Os problemas aparecem em nossas vidas todos os dias. Se formos olhar para as nossas vidas, todo dia há algo novo para reclamar, não é?! Mas se pararmos para ver, olhar no espelho mesmo e ver o que temos de bom em nossas vidas, veremos que o que reclamamos é tão pequeno. Olhe mais para a sua vida e agradeça mais porque esse Deus é maravilhoso demais conosco. A maior graça que Ele fez hoje na tua vida é você estar aqui, ou seja, você está vivo, está viva! Quantos se deitaram e não se levantaram mais? São muitos, então comece a agradecer mais a esse Deus, comece a reclamar menos das tribulações, enfrente-as!

Eu fiquei três meses com uma dor na perna, fui para a formação do clero em maio, cheguei na formação, fui me levantar, senti uma fisgada na coluna e, quando cheguei em casa, a perna já não funcionava mais. Era dor que eu nunca vi igual, e o médico falou: “só sabe o que é a dor de coluna quem passa por ela.” A minha tomou a perna esquerda inteira porque uma hérnia apareceu e ainda estourou, e estava afetando a minha medula que brinca com a gente, não é?! Só foi pegar as terminações nervosas e jogou para a perna e já era. É horrível, mas não fiquei sentado.

Houve dias em que eu peguei muleta para poder andar pois eu não suportava colocar o pé no chão, mas fui atrás, corri logo para o Bartira, do Bartira já me mandaram para outro médico que já mandou para outro, que já me mandou para esse que eu operei lá em São Paulo. Quando eu cheguei lá, ele falou assim: “olha, eu quero novos exames, pois, para mim, é cirurgia de emergência, senão você vai perder os movimentos da cintura para baixo, a sua medula está sendo afetada.” A partir daí foi correria porque já entra plano de saúde que liberava a cirurgia e não liberava a equipe, e, quando liberou a equipe, não liberou os insumos. Mas, graças a Deus, saiu, é só a gente não desanimar, a gente se apegar a esse Deus porque ele faz tudo acontecer na nossa vida, mas eu tenho que fazer minha parte!

Vejam o evangelho de hoje: pensamos, num primeiro momento, “nossa, como Deus é duro conosco”. Ele é duro sim porque ele está dizendo que não é fácil ser cristão autêntico, não é fácil seguir a Ele porque Sua vida não é uma vida fácil, e sabemos não foi. Se olharmos para a vida pública de Jesus, alguém aqui aguentaria, como ser humano, passar o que ele passou? Difícil, e ele aguentou.

Preciso fazer a vontade do Pai, e o Pai quer que eu entregue minha vida por amor à humanidade. Ele vai para a cruz, e, no alto, ele grita “Pai, por que me abandonaste?” Aí o padre pergunta: será que Deus abandonou Jesus? O que é o silêncio de Deus? É o silêncio de Maria no pé da cruz. Ela não abandonou, mas ela falou alguma coisa? Não! Essa mãe estava sofrendo, não tem nem como dizer o tamanho da dor daquela mãe, mas ela estava ali, em silêncio. Quando Jesus pergunta: “Pai, por que me abandonaste?”, o silêncio de Deus é a Sua dor. Ele é Deus, Ele podia impedir que Seu filho fosse para a cruz, ele podia dizer “não, não vá, desça desta cruz”, porque Jesus jogou para as mãos dele: “decida, Pai, eu vou até as últimas consequências, eu vou entregar minha vida! É isso mesmo? Decida.” E Deus fica em silêncio.

O silêncio de Deus é a sua dor. É o tamanho do amor dele por nós, ver seu próprio filho morrer no alto de uma cruz. Então, a vida pública de Jesus não foi uma vida fácil, mas fez com que ele desistisse de alguma coisa? Não, em momento nenhum. E, às vezes, queremos desistir de tudo e ainda culpamos Deus, ainda somos ousados, culpar a Deus.

Um jovem me procurou e disse: “Padre, eu vim aqui para o senhor abençoar minha carteira de trabalho”, e eu falei “abençoo!”. Só que ele teve sorte porque tinha acabado de sair um pessoal lá da igreja falando que se aparecesse currículo, que mandássemos para eles. Então, pedi ao jovem que deixasse um currículo comigo. “Não, não tenho currículo.” “Mas, em casa, você tem?” “Não, não tenho.” “Você já entregou currículo em algum lugar?” “Também não.” “Você sai de casa para procurar trabalho?” “Não.” “Quantos anos você tem?” “26.” Com 26 anos vindo aqui para abençoar a carteira de trabalho? Falei “desculpa, não vou abençoar, não.” No dia que você levantar do sofá e sair para a rua como todo mundo faz, volte aqui com a sua carteira de trabalho que eu vou abençoar, mas, enquanto você estiver lá sentado no seu sofá, não vai cair do céu, ajude Deus a te ajudar.”

Deus faz a graça acontecer em nossa vida, mas ele precisa de nós. Tem um velho ditado que todo mundo conhece: “Deus ajuda quem cedo madruga”, faz a tua parte que ele faz o resto. Não é fácil segui-lo, e Ele mesmo já fala isso na liturgia de hoje, mas ele pede para que possamos ajudá-lo. A graça Ele vai fazer acontecer, mas eu preciso estar aberto para essa graça.

Estamos aqui na casa da Padroeira das Missões! Vocês conhecem a história dela? Essa mulher saiu em missão alguma vez na vida? E é a Padroeira das Missões. A vida, o exemplo, o empenho dela, vida de oração. Precisa ter mais intimidade com Deus, precisamos rezar mais. “Ah, padre, eu já rezo meu Pai Nosso, minha Ave Maria todo santo dia.” É só isso que vocês sabem rezar, Pai Nosso e Ave Maria? Vocês decoraram mais alguma oração ou não? Alguém tem mais alguma oração decorada além de Pai Nosso e Ave Maria? Tem um monte, não é?! E por qual motivo decoramos oração? “Ah, eu decoro oração para ficar guardada aqui na minha cabeça!” Não! Quanto mais oração você decorar, mais compromisso com Deus você tem. Então, o problema é seu por ter decorado, agora reze! Você decorou, você tem um

compromisso de rezar essa oração decorada todo santo dia. Não é para ficar aqui (na cabeça) não, é para rezar e, além disso, ter o seu momento com Ele.

Sabemos do momento dela com Deus, quando ela chegava na frente do crucificado, quando ela se jogava aos pés da Cruz, ela conversava com Deus. Vocês conversam com Deus? “Ah, padre, se alguém me vir conversando vai dizer que eu estou ficando doido ou doida”. Mas, e daí? Você sabe que não está. Eu mesmo quando vou fazer meus momentos de orações além das orações decoradas, eu paro um pouquinho: “Senhor, olha, é isso, isso, isso que eu estou passando, é assim, me ajuda com isso aqui? Sozinho não está dando certo não, me ajuda”, converso mesmo.

No outro dia, tinha visita em casa. Estava lá o pessoal visitando e eu estava ainda deitado, e eu lá, conversando, batendo altos papos com Deus. Quando a pessoa entrou no quarto para me ver, perguntou: “mas está conversando com quem?” Eu falei: “com Deus! Eu converso com ele todo dia, toda hora e bato altos papos.” Depois, sim, faço minhas orações decoradas, mas eu preciso ter intimidade com Ele.

Se pegarmos a história de Santa Teresinha, vamos ver muito isso. História de uma alma, que espiritualidade, que doçura. Eu me apaixonei por Santa Teresinha porque foi o primeiro livro que eu li dela! Uma irmã chegou para mim e falou “quero te dar um presente, mas eu quero que você leia em um mês, no máximo.” Eu falei “tá bom, o que é?” e ela me entregou a história de uma alma. Eu me encantei tanto que em uma semana já tinha lido, não foi um mês, não. Depois eu voltei a ler de novo porque a gente lê corrido, depois voltamos parando, mas é gostoso ver a experiência dela com Deus.

Vocês estão dentro de uma casa dedicada a uma mulher que tinha experiência de Deus na sua vida, que tinha intimidade com Ele, e o que ela pede é que aqueles que frequentam esta casa dedicada a ela tenham também intimidade com Deus. Além das suas orações decoradas, comece a conversar com esse Deus como ela conversou em muitos momentos da sua vida. O título que ela carrega de ser Padroeira das Missões sem nunca ter ido numa missão é de intimidade com Deus. A oração tem poder, se soubéssemos o que temos em nossas mãos...

“Ah, padre, o problema é que eu peço para Deus e ele não resolve logo.” É porque nós somos do ontem, do já, quando vamos pedir alguma coisa é para acontecer hoje, agora. O nosso tempo é o tempo de Deus? Não. O nosso tempo não é o tempo de Deus. Quando o plano de saúde liberou minha cirurgia, era para ser na numa quarta-feira. Eu já estava no hospital, já tinha dado entrada na internação quando teve uma emergência lá no hospital e o único anestesista que tinha no hospital era que ia fazer a cirurgia comigo. Foi chamado às pressas, foi aquela correria, e o doutor Pedro perguntou se poderíamos transferir para o sábado. Eu falei que sim, poderíamos. E eu rezando a Santo Antônio, pedindo para ele “olha, eu estou na tua casa, para eu poder me dedicar melhor à tua casa me ajuda pois eu não estou conseguindo.

Era para ser quarta-feira, 7 horas da noite, fui transferido para o sábado dia 4, 13 horas. Dia 13 era dia de Santo Antônio. Quando o médico falou vai ser às 13 horas, eu falei foi Santo Antônio, não ia dar certo hoje, vou para casa, volto daqui a dois dias que é o dia que ele escolheu. Cheguei no hospital 10 horas da manhã, dei entrada na internação e uma hora da

tarde já fui para a mesa de cirurgia, 5 horas da tarde estava voltando da anestesia, 9 horas da noite o médico passou e falou que eu poderia ir para casa. Eu saí caminhando do hospital. Eu falei “doutor, o que o senhor fez aqui que eu não estou com dor?” E ele falou assim “foi a melhor cirurgia que eu já fiz, pode ir embora.”

É Deus, e eu tenho certeza de que essa hora 13 foi Santo Antônio, é o dia dele. Todo dia treze a gente reza, então foi ele porque eu estava lá. Então, confia no seu padroeiro, seja devoto devota do seu padroeiro porque está no mandamento da lei de Deus. Mandamento da lei de Deus, os três primeiros mandamentos alguém lembra quais são? Amar a Deus sobre todas as coisas, não tomar seu santo nome em vão e guardar os domingos e festas de guarda, alguém pode viver por você? Ninguém! Só você pode amar a Deus sobre todas as coisas, só você pode evitar de tomar Seu santo nome em vão, só você pode vir fazer a experiência dele dentro da santa missa no domingo e na festa de guarda. O que é festa de guarda? É festa do meu padroeiro. Outra pessoa não pode fazer por você.

Já pensou? “Eu estou indo operar, viu? Vai lá na missa por mim?” Não tem como ela ir à missa por mim, só eu posso viver e são três. Três representa Santíssima Trindade, sobram sete. O número sete na sagrada escritura significa perfeição. Você vive os três primeiros mandamentos, agora você quer ser perfeito? Viva os outros sete. Onde começa o quarto mandamento, ou seja, o primeiro dos sete? Onde começa? Qual é o quarto mandamento da lei de Deus? Honrar pai e mãe, ou seja, começa dentro de nossas casas.

Quer ser perfeito, quer ser perfeita? Comece valorizando aquele que está debaixo do mesmo teto que você, porque todos os outros mandamentos não se referem a você, é sempre ao outro. Então, valorize mais o teu irmão e comece a valorizar aquele que está debaixo do mesmo teto que você. O Padre encerra dizendo isso: cuide de sua casa, dê o seu melhor na sua casa hoje, não deixe para amanhã. Precisa perdoar alguém? Perdoe. Pedir perdão? Peça, mas hoje, amanhã pode ser tarde demais e esse tarde demais vem com a dor que não tem tamanho, a dor do remorso.

Eu presenciei uma cena de um filho com 10 anos de idade jogando na cara da mãe que ela tinha matado o pai. Eles estavam brigados, e marido e mulher tem uma coisa de brigar e ficar sem se falar, não é? Cuidado, se acontece o pior você não sabe o tamanho da dor. Estão brigados? Estão brigados, mas, quando forem se deitar, olhe e diga “boa noite, boa noite”, vire para o lado e durma, não tem problema, não. Quebre o gelo, não fique sem falar, não. Estavam há uma semana sem se falar, ela se levantou cedo, não queria fazer café para ele, não queria nada, foi fazer caminhada. Quando ela se levantou para fazer caminhada, ele levantou, foi fazer o café, fez o café, foi tomar um banho e, quando estava saindo do banheiro, teve um infarto fulminante. O filho com 10 anos de idade, sozinho, dentro de casa tentando socorrer o pai, não conseguia segurá-lo, entrou em pânico, os vizinhos entraram, chamaram o SAMU que chegou, mas não deu tempo. Ela chegou em casa, aquele monte de gente, ambulância, “o que está acontecendo?” O filho já foi saindo “se você estivesse em casa o pai não teria morrido, teria dado tempo de salvá-lo”. Essa mãe carrega uma dor que vocês não têm noção. Ela chegou para mim e falou “padre, pede 10 segundos para Deus para pedir perdão para o meu marido.” Não tem 10 segundos. Não deixe para amanhã o que você pode fazer hoje, porque depois você vai desejar 10 segundos e não terá.

A única coisa que sabemos que é nossa é a morte. Quando vai ser? Não sabemos, só esperamos que esteja bem longe de nós! Enquanto ela não chega, viva o hoje, por isso que o padre falou “dê o seu melhor hoje, dê o seu melhor em sua casa hoje, ame sem medo.” Amanhã podemos não ter tempo de fazer isso e pode ter certeza que quanto mais você amar, quanto mais você der o seu melhor, principalmente para a sua casa, você vai conseguir viver os outros 6 mandamentos, que é o número do ser humano. Você vai viver com tranquilidade porque você sabe honrar a sua a casa.

Então, o primeiro lugar que você precisa valorizar nos sete mandamentos restantes é a sua casa porque nós somos quem somos hoje por termos uma família, do jeito que ela é, cheia de altos e baixos, mas é essa a família que dá dignidade a cada um de nós, de sermos bons filhos, boas filhas, bons pais, boas mães, bom cidadão, boa cidadã, tudo aprendemos dentro de casa.

Louvado seja nosso Senhor Jesus Cristo!

25.09.jpg
O Evangelho precisa ser vivido em nossa realidade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  26º Domingo do Tempo Comum  – 25/09/2022 - missa às 10h) 

Os profetas eram bem ‘salgados’ – o profeta Amós, particularmente. Temos o reino de Israel do Norte que tem essa pequena elite que esbanja, vive uma vida de luxo, se dão aos prazeres e nós temos a grande massa do povo que vive numa miséria terrível, então o que acontece? Essas pessoas acabam vivendo em um mundo alienado, acham que está tudo uma maravilha, não tem fome, não tem pobre, não tem gente morrendo, nada. Mas essa não é a verdade. Eles não querem ver a verdade, pois se virem vão perceber que eles estão levando o povo para a miséria. Eles bebem o sangue do povo e o profeta diz: vocês que não cuidam do povo, sabe o que vai acontecer? Vão vir os inimigos do povo e vocês serão os primeiros a ser levados acorrentados para a Assíria, o império que conquistou, por volta dos anos 700 a.C, a região norte do reino de Israel. Isso é a alienação da realidade. Não podemos negar o que está diante do nosso nariz. Não podemos dizer que não tem pobres, olhe em volta, olhe nossas ruas... Não precisa ir do outro lado do mundo, olha quantas pessoas temos que atender todos os meses aqui na igreja. E como você fala que não tem fome e miséria? Não tem sofrimento? Veja como arrochou o salário do teu bolso! Temos que olhar, ver a realidade, porque é só assim que conseguimos mudar a realidade...

Muito bem, nós temos Jesus que está indo para Jerusalém e lá vai ser morto. Ele dá instruções para seus discípulos e, ao mesmo tempo, Ele bate boca com muita gente. Os fariseus eram gente religiosa, gente que se dizia os ‘grandes judeus’. Eles praticavam os mínimos detalhes da Lei, inclusive matavam pessoas que não observavam muito – olha que maravilha, é tão religioso que mata. Deus fala na Bíblia “não matarás”, mas eles matam quem não observava a lei. É para essa gente que Jesus está falando hoje. Temos que nos admirar com esse Evangelho, pois tem coisas muito estranhas nesse Evangelho. A coisa mais engraçada é que tem um homem rico, durante todo o Evangelho, e nós não vamos saber nunca o nome dele, ele não tem nome e dava banquetes todos os dias se vestia de roupas finas, mas nós não sabemos o nome dele. Olha que interessante, nós sabemos, porém, o nome do pobre. Será que sabemos o nome de algum pobre? Às vezes ajudamos pessoas anos inteiros e nunca perguntamos o nome da pessoa sabe por quê? Porque, para nós, são menos, valem menos. Para Deus, o pobre tem nome. Quando o Papa Francisco diz: quando você der uma esmola, toque no pobre, olha nos olhos dele, pergunta o seu nome – isso se chama ser humano. Nós vemos esse homem rico, sem nome que dá esses banquetes e claro que sempre cai alguma coisa da mesa e temos que fazer atenção para essa palavra: migalhas. Quem come as migalhas da mesa quando cai? Cachorro! O que Lázaro queria? As migalhas. Quem cuida o Lázaro? Os cachorros. Olha só que absurdo, são os cachorros que vão lamber as feridas desse homem, são os cachorros que vão dar assistência para esse homem, olha que coisa estranha. Do rico, Lázaro não recebe nada absolutamente nada.

Outra coisa engraçada é que quando Lázaro morre, é levado pelos anjos de Deus até o seio de Abraão, isso que dizer à presença de Deus. Mas morre o rico sem nome e é enterrado. Geralmente rico tem velório demorado, agora preste atenção: nós tendemos a falar que Deus mandou esse homem para o inferno. Mandou mesmo? Veja a atitude desse homem falando do fundo do inferno ao pai Abrão. Ele é religioso, é um bom judeu, sabe quem é Abraão e diz: ‘pai Abrão, manda o Lázaro molhar o dedo e aliviar a minha dor’. Vocês lembram das migalhas? Uma gota de água e as migalhas. Você nunca deu uma migalha para esse homem, você não dá migalhas para ninguém, agora não existem mais migalhas acabou não tem mais tempo para dar migalhas. E ele insiste: ‘pai Abraão, manda o Lázaro...’, notem que nunca em nenhum momento ele dirige a palavra a Lázaro – nem na porta da casa se preocupando com ele, nem depois da morte. Ele não está nem aí. Lázaro, para ele, não é uma pessoa igual. Com o pai Abrão ele fala, mas com Lázaro não. Pois bem, isso que chamamos de inferno é simplesmente o coração desse homem, que não tem nada e morre se achando, persevera na sua atitude de indiferença para com o sofredor. São questões muito sérias. Nós aparecemos diante de Deus como nós somos. Diante da morte, nós nos colocamos diante da transparência de Deus, da inocência do seu olhar e ali nós aparecemos finalmente na nossa verdade. A verdade desse homem rico é egoísmo, diferença entre pessoas e falsa preocupação. Ele diz ‘manda o Lázaro ir lá falar com meus irmãos’ e o que ele está pedindo é uma coisa especial porque ele não se vê como os outros; para ele, seus irmãos não são como Lázaro, então ‘manda ele lá, faça uma coisa especial para nós’. Abraão simplesmente vai responder com a lógica de Deus, dizendo que todos tem Moisés e os profetas, é o que basta para todos, porque se teus irmãos não escutam o que é de todos, nem uma coisa especial, eles vão ouvir. De fato, isso é uma alusão a futura ressurreição de Jesus que não converteu aqueles que o condenaram a morte.

Fechamento é a nossa realidade que aparece diante de Deus, ser o que somos, por isso Jesus com essa parábola está nos chamando a atenção. Vamos ouvir mesmo a Palavra de Deus, vamos deixar a Palavra de Deus tocar a nossa vida e não ser só conversa mole, não só conversa do padre na igreja. Outra coisa pior ainda é que se o padre traz a realidade para dentro da missa, diz que ‘não pode isso, tem que falar de Jesus’ para que a Igreja seja mais um momento de alienação, isso está errado. Deus nos chama a ser profetas igual o Amós, que enfia o dedo na ferida. A Palavra de Deus tem que tocar constantemente na nossa vida, porque se não toca é só um verniz que a gente usa. A Palavra tem que transformar nossos atos. A Palavra nos grita: veja o outro como irmão, não seja indiferente ao sofrimento do outro, o que você faz para o outro revela o que é o teu coração. Olha lá o rico egoísta se achava melhor que os outros aparece diante de Deus exatamente assim egoísta, se achando melhor que os outros. Vamos pedir a Deus que Ele nos dê a graça de olhar, por dentro dos nossos corações, para aprender a sair dos nossos isolamentos, olhar os sofrimentos dos outros, as dificuldades dos outros e ser realmente mão estendida, porque é isso que Jesus faz na cruz: com as mãos e os braços estendidos, acolhe a todos, porque nós todos somos irmãos e irmãs.

18.09.jpg
Trabalhar nosso coração para seguir no caminho de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  25º Domingo do Tempo Comum  – 18/09/2022 - missa às 10h) 

Deus abomina a fraude que sempre impacta os outros, mas, sobretudo, os pobres. É muito interessante ver como os profetas do antigo testamento são ácidos, muito duros contra essas pessoas que praticam a injustiça. E o profeta Amós mostra aos desonestos: "vocês esperam o sábado” – sábado era o dia de descansar, não podia trabalhar – “para irem lá na balança e alterar o peso, misturar no trigo a palha, pegar uma sandália velha para tentar subornar um pobre, vocês acham que Deus não vê isso? Vocês acham que Deus não fará vocês pagarem por isso? Ele faz". Aqui falamos, se não for nesse mundo, é em outro. O mal não triunfa.

Depois nós temos Jesus que está indo para Jerusalém, vai morrer em Jerusalém, e na semana anterior ele discutiu com inimigos deles, fariseus e doutores da lei. Mas neste dia Jesus está falando para os discípulos! A gente escuta essa parábola e precisamos entender bem. Naquele tempo, o administrador não ganhava salário, como também os publicanos, que eram homens judeus que cobravam impostos dos judeus para mandar para Roma, que era o país invasor. Eles eram odiados pelo povo hebreu, mas tinha outro problema: eles também não recebiam salário, e por qual motivo? Porque eles viviam das “sem vergonhices” deles. O imposto que Roma impunha era 1 moeda vamos supor, e eles podiam cobrar 2, 3 ou 5 moedas, mas, para Roma eles só enviavam 1, e o resto eles colocavam no bolso.

A mesma coisa acontecia com o administrador, que trabalhava com os bens do patrão e recebia alguns juros que era o seu salário. Só que aqui temos um negócio escandaloso, pois provavelmente o dono do que este homem administra deve ser um grande comerciante, e tem o administrador que está praticando a agiotagem. Olhe só os juros absurdos que este homem cobra, 100% de juros sobre o óleo, 20% de juros sobre o trigo, é um agiota terrível. E o que acontece? Se o sujeito vai comprar o óleo, às vezes até para vender, e o homem fala "ah, não pode pagar agora? Então vai pagar o dobro depois".

A má fama do negócio corre para todos os lados e ninguém mais vem comprar. O dono do negócio percebeu que o administrador estava fazendo coisa errada, e falou: "você tem uma semana, depois vai embora daqui". O homem ficou desesperado pensando "o que eu faço agora? Estou velho para cavar, tenho vergonha de pedir esmola... eu já sei o que fazer! Vou dispensar todo mundo dos juros que eu impus e que eu ia pegar para mim." Este homem não é bonzinho, este é um homem sem vergonha dando de esperto, e o que ele faz? Ele fala "eu jogo fora tudo o que era meu, porque assim eu garanto que outra pessoa vai me contratar e depois, quando eu entrar, eu faço outras falcatruas de novo."

Jesus não está elogiando a "sem vergonhice" deste homem, não! Jesus está elogiando a esperteza deste homem, que, para salvar a pele, é disposto a jogar fora tudo e rápido. Ele não fica pensando e meditando, fazendo reunião, discutindo, fazendo votação, nada disso, ele decide e joga fora, o que importa é conseguir que alguém o acolha depois.
O que a gente tem que jogar fora? Jesus está falando para os discípulos e discípulas: "temos que jogar fora tudo aquilo que não é do reino que está na nossa vida", e para quê? Para ter um lugar no reino, e para isso não pode ficar pensando muito não, ter decisão assim como esse homem teve. Joga fora para salvar a própria pele, porque não é de Deus. Quantas vezes, na nossa vida, a gente tem alguma coisa que não funciona, sabemos que está errado e ficamos enrolando? Não, vamos parar, vamos mudar! Não pode esperar amanhã, hoje tem que mudar, hoje eu tenho que tentar melhorar isso.
Em 1988 nós tivemos a campanha da fraternidade sobre os negros, "A fraternidade e o negro", que hoje chamamos de preto, e eu me lembro, já contei isso algumas vezes, que uma das sugestões concretas que se colocava era não fazer piadas com pretos porque em toda piada com outro, você está diminuindo a sua dignidade. Eu aceitei o desafio, e desde esse ano, eu nunca mais fiz piada com pretos, porque você aprende e descobre o quanto é difícil porque está enfiado dentro de você, e você começa a ver que o outro não é inferior a você.

No Brasil, vocês se lembram das muitas piadas com loiras? Foi tão grave que tiveram que criar uma lei para punir quem fazia isso, um desrespeito. O que nós aprendemos no banco de trás do carro? Quando nós somos pequenos, muitas vezes, a misoginia, que é o desprezo pelas mulheres. Fez uma barbeiragem? Você já comenta "com certeza é uma mulher", e você falou isso perto de uma criança pequena uma vez, ela lembra disso para o resto da vida. Você implantou no coração do seu filho a misoginia, e a coisa mais triste é ver mulheres repetindo isso.

Isso não é do reino, desprezar uma pessoa por causa da sua cor, da sua condição social, da sua sexualidade, isso não é do reino, porque para Deus todos nós somos iguais, todos somos irmãos e irmãs. Deus ama e acolhe a todos nós, então nós temos que trabalhar o nosso coração para jogar fora todas essas coisas que não são do reino! Se eu tenho lá um jeitinho todo meu de conseguir dinheiro por fora, dar um troco menor, dar uma enrolada, isso não é do reino, eu paro com isso! Vocês entenderam? Tem que mudar, gente! E rápido, joga fora, que nem esse homem aí que jogou fora para salvar a pele paro mal. Jesus fala "Vocês são os filhos da luz, por que não fazem a mesma coisa? Joga fora as coisas que não prestam!".

Na vida da comunidade querer aparecer ou ser o primeiro, gente, estamos aqui para ser servidores. Jesus fala "quem não serve aos outros, não está no reino". O caminho é o serviço, é a ajuda, é o bem ao outro. Então, todas as vezes que nós descobrirmos algo que não é do reino em nossa vida, temos que fazer igual ao homem, jogar fora logo e pegar o caminho de Jesus.

Que interessante o que Jesus diz ali: "use o dinheiro injusto para comprar seus amigos que vão te receber não neste mundo, mas nas moradas celestes". Aí nos perguntamos "mas quem são esses amigos?" Nós temos que ir no fim do Evangelho, capítulo 25 de São Mateus: quem são os amigos de Deus? Os que têm fome, os que têm sede, não têm roupa, presos, doentes e sofredores, são eles que vão nos acolher na casa do Pai. No dia do juízo ao lado de Jesus estarão os pobres, eles serão os nossos advogados. “Aquela mulher ali me deu um pedaço de pão, aquele outro ali me deu uma peça de roupa, aquela pessoa ali me visitou quando estava doente”, esses são os amigos que o dinheiro injusto desse mundo compra para o céu.

O evangelho é consequente, nos obriga a mudar de atitude porque caso contrário, é igual às maquiagens ou quando se coloca um reboco, esconde tudo, e, no fim das contas, ao tirar tudo aquilo, você desmaia de medo, não é? Se nós somos superficiais em nosso cristianismo, nós só temos uma máscara, e o pior é que a máscara, às vezes, nem é bonita.

 

Para terminar, vamos pegar a Primeira Carta a Timoteo, que é muito interessante porque muitas vezes o pessoal só pega a primeira parte da frase "orai pelos governantes", então vamos orar por nossos governantes, mas para quê? Para que eles nos garantam uma vida serena e tranquila. Onde há serenidade e tranquilidade? Onde há fome? Não! Onde há doença? Não. Onde há falta de saúde? Não. Nós temos que pedir para que nossos governantes garantam isso para o povo, porque se não garantem, nós pedimos a Deus para saírem fora.


Quem atenta contra a democracia, aplica golpes, manipula o exército temos que pedir para sair fora. Nós estamos arriscando perder uma grande parte da Amazônia para o narcotráfico porque tiraram as fiscalizações de lá, tiraram a FUNAI de lá. Isso não é paz para ninguém, isso é falta de serenidade para o povo, isso é falta de tranquilidade para o povo. Rezar para que os governantes nos deem paz e tranquilidade, e quando não dão, troca! O Evangelho e a palavra de Deus têm consequências, nós não podemos ser só maquiagem.

11.09.jpg
Cremos num Deus de infinita misericórdia

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  24º Domingo do Tempo Comum  – 11/09/2022 - missa às 10h) 

Uma das mais antigas figuras e representações de Jesus dos primeiros séculos cristãos, não é Jesus crucificado, é Jesus, o Bom Pastor, seja em estátua ou em pintura, o jovem com a ovelha nos ombros, Jesus que acolhe os pecadores. Temos aqui no Evangelho de hoje dois grupos. O primeiro são os homens da religião, os bons religiosos, os fariseus e os doutores da lei, que era seriam hoje os grandes teólogos da época, observantes da Lei e são os primeiros a dizer para as pessoas: “você está errado, está no pecado você não tem salvação”. Eles eram os primeiros a fazer isso porque era observantes fiéis da lei de Israel. Jesus vai chamar essas pessoas de hipócritas, porque, de fora, parecem bonitos, observam a lei, mas por dentro tem morte e ódio. De fato, serão eles que vão matar Jesus e eles não conversam com Jesus, não disputam com Jesus, porque achavam Jesus bonito ou achavam bom o que Jesus falava, eles se aproximavam para encontrar modos para acusá-lo, para matá-lo. Esse era o coração perverso dessa gente. Eles veem Jesus que acolhe esses chamados ‘pecadores’, cobradores de impostos e outros – Jesus se aproximava de leprosos, de doentes e as doenças, na época, eram vistas como castigo de Deus, uma impureza. Os doentes eram vistos de longe como se não prestassem e eles se escandalizam porque Jesus acolhe justamente essas pessoas. Jesus vai dizer “os céus se alegram quando um pecador de converte” e Ele conta essa parábola da ovelha e da moeda perdida que representam que Deus vai a procura das pessoas perdidas, porque o nosso Deus é um Deus de amor, não é o Deus da lei, é o Deus da misericórdia. Ele ama todos os seus filhos e filhas, Ele não tem outra medida que não seja o amor e a misericórdia. A misericórdia de Deus é mais justa que nossa justiça vingativa e a misericórdia de Deus faz muito mais do que ousamos pensar, por isso Deus vai atrás do pecador. E Jesus mostra que é indo ao encontro do outro que você leva a salvação.

Depois Jesus conta a parábola do filho pródigo. Junto com a parábola do Bom Samaritano, talvez sejam as duas parábolas mais conhecidas do Evangelho. Temos atitudes estranhas aqui. Quem é o centro da história? É o pai, que tem dois filhos e um filho o vê como morto – quando nos tornamos herdeiros? Quando o pai morre ou a mãe morre, antes disso ninguém é herdeiro. A lei diz que se teu pai, em sã consciência, um dia antes de morrer pega tudo que tem e torra, você não pode fazer nada porque você só é herdeiro na hora que ele morre então se ele gastou tudo, problema seu. Mas esse moço, ao pedir a herança, está declarando a morte do pai e se afundando na distância do pai. Esse homem vai acabar na lama literalmente, na pior que existia para os hebreus – o porco era um animal impuro e até hoje os hebreus não comem porco, não só porque tem a unha rachada, mas porque o porco come a própria sujeira. Para um hebreu isso era um cúmulo do absurdo. Mas é nessa situação completamente degradante, onde esse homem vale menos que um porco, pois nem a comida do porco davam para ele, de lá do fundo do paço esse homem percebeu o valor do pai. “Meu pai dá pão em abundância para seus servos, ele cuida da dignidade dos seus servos, ele não humilha as pessoas, não coloca as pessoas nesse buraco de degradação, eu vou voltar para o pai”. Só que ele sabe que não é mais herdeiro, ele sabe e vai confessar seu pecado “eu vi você como morto, eu gastei minha herança, eu não sou mais teu filho, me trata como um servo, como um servo que você dá dignidade, eu quero esse amor que você tem pelas pessoas” e aí acontece o que só a misericórdia de Deus é capaz de fazer: o pai nem espera o rapaz terminar de falar e manda dar para o filho um anel, que é sinal de autoridade dentro da casa, e uma túnica, que é distintiva de outras pessoas naquele tempo nem todo mundo podia usar roupa igual a dos outros, então dar uma túnica pro filho significa distinção, colocar um determinado tipo de sapato, sandálias é outro modo de distinção. Então esse filho cai em si e percebe o que é amor que antes ele não tinha isso.

O outro filho está sempre na casa do pai, no território do pai, trabalha para o pai, só que tem um defeito: ele vê o pai como patrão e, pior, vê o pai como um patrão mau pagador, ele diz “nem um cabrito você me deu”. É assim que ele vê o pai e mais ele corta as relações com o irmão quando diz “esse teu filho” – uma forma de desprezo absurda – “que gastou os teus bens com prostitutas e outras coisas”. E o que o pai faz é o mesmo pai do outro filho: no seu amor, ele desmascara a mentira que o filho está falando. Quando se quer atacar os outros, muitas vezes se inventa mentira. Quando ele diz que nunca recebeu um cabrito, mas que conversa é essa, pois se o irmão já recebeu a herança, tudo que o pai tem é dele. Não tem sentido. E depois o pai retoma o caminho que o filho mais velho deve fazer: “esse teu irmão estava perdido e foi reencontrado, teu irmão não é desprezado que gasta e esbanja os bens, ele não é um amaldiçoado, ele é teu irmão! Se você não aprender a ver as pessoas, todas elas, como irmãos, você vai desprezando sempre mais as pessoas”.

Esse é o caminho de Jesus: só quando aprendemos a ver o outro como irmão e irmã, nós vamos conseguir melhorar o mundo. Tem irmão que a gente tem que colocar na cadeia para aprender de novo a viver bem na sociedade, tem irmão que a gente tem que dar pão, tem irmão que a gente tem que educar, se eu o olho como irmão. Esse é o desafio de Jesus e, cuidado, Jesus está contando essa parábola para pessoas da religião que viviam no templo rezando. Muitas vezes nos colocamos no lugar do filho pródigo, mas nós, gente de igreja, estamos mais no lugar no filho mais velho, por isso nós também precisamos de conversão constante.

Vamos pedir ao Senhor, Ele que vai nos buscar se nós nos desviamos, que Ele nos ensine a vê-Lo como pai amoroso, que Ele nos ensine a ver a todos como irmãos, pois assim poderemos realmente melhorar o mundo onde estamos.

04.09.jpg
Ouvir a voz de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  23º Domingo do Tempo Comum  – 04/09/2022 - missa às 10h) 

Nós temos nesse evangelho uma situação que é a seguinte: Jesus, desde o capítulo 9 até o capítulo 19 de Lucas, está indo para Jerusalém e o texto diz que as multidões o seguiam. Nessas multidões estamos também nós que ouvimos a palavra de Jesus, fomos batizados, e Jesus se volta para a multidão. No Evangelho de São Lucas, esse voltar-se para a multidão é um gesto solene, que indica que Jesus vai dizer coisas importantes. Em vários momentos no Evangelho de Lucas nós encontramos essa expressão e, de fato, Jesus faz ensinamentos importantes.

Jesus vai dizer “se você não deixa pai, mãe, irmãos e irmãs, mulher, filho, marido, você não pode me seguir, se você não despreza tua vida você não pode me seguir, se você não toma tua cruz de cada dia você não pode me seguir”. O que significa? Jesus quer que nós não amemos pai e mãe? Não! Jesus quer que nós deixemos de dar atenção e amizade para os nossos irmãos e irmãs? Não! O que Jesus está nos dizendo? O que deve guiar a nossa vida é o evangelho de Jesus, é Jesus e os seus valores e não as pessoas mais caras da nossa vida, porque podem estar em contraste com Jesus.

Nós temos que pensar que São Lucas escreve por volta dos anos 90 depois de Cristo, 40, 50 anos depois de Jesus e muitos cristãos já estão se acomodando, participam das celebrações, mas isso não muda em nada a vida deles. O evangelho não está mais, as pessoas não estão dando atenção, isso é que nem começar a construir uma torre e você não leva para frente. Uma vez que você começou um caminho, só tem sentido se você for até o fim, não pode se sentar no meio da estrada e, às vezes, nós nos encontramos parados no meio da estrada. O que nós temos que fazer? Ouvir de novo a voz de Jesus e olhar nossa vida, as nossas ações, os nossos desejos, se eles estão de acordo com o evangelho ou não.

Às vezes a gente descobre “gente, mas essa atitude minha aqui não é boa, não é do Evangelho, eu vivo fazendo piadas sobre os outros, com isso eu estou desprezando as pessoas, eu estou ofendendo as pessoas, eu estou diminuindo as pessoas, eu vou parar de fazer piadas falando e debochando dos outros” por exemplo. Se eu fico aí “ah, a gente tem que matar todo mundo”, espera aí, isso não é de Deus! Nós temos que servir as pessoas, são todos irmãos e irmãs e há os que sofrem mais, tem que dar mais atenção ainda para eles. Esse é o caminho de Jesus, e se eu penso diferente, jogo fora o pensamento que não é de Jesus para seguir Jesus. “Ah, mas minha família toda pensa desse jeito, minha avó pensava desse jeito”, problema dela, eu sigo o caminho de Jesus.

O rei tem 10 mil homens e o outro rei, que é mais forte, tem 20 mil. É, 10 mil é difícil, então o que eu faço? Eu mando mensageiros para tratar a paz. Isso se chama prudência, não ser louco. Para seguir Jesus nós não temos que ser loucos. Nós temos que ser pessoas que pensam direitinho e fazem as coisas com jeito, olhando bem onde estamos pisando para nos manter-nos caminho de Jesus. Nós temos que limpar o coração, mudar nossas ações, nós temos que acordar!

Jesus vai dizer “quem não carrega sua cruz atrás de mim não pode ser meu discípulo”. A cruz aqui é sofrimento? Não. Tem muita gente ao longo da história que ficava se flagelando, botava pedra no sapato, botava corda amarrada em volta da barriga para sangrar, ainda tem doido que faz isso ainda hoje. Não é isso que Jesus quer não, gente. Pegar a própria cruz significa viver os valores do evangelho, do amor, da igualdade, da solidariedade, da justiça no dia a dia, ser servo de todos, irmão e irmã de todos, todos os dias de novo, nem que isso nos custe a cruz.

Não é para todo mundo que Jesus pede a cruz, não. Para alguns pede, e ele nos dá força para seguir o caminho dele, mas a gente tem que acordar. Nós temos que nos perguntar realmente “eu parei no caminho? Eu estou seguindo Jesus? O que eu estou fazendo? O meu cristianismo está sendo só de nome, de carteirinha?” Jesus não quer isso, Jesus não quer devotos, Jesus quer discípulos, e discípulos e discípulas são os que seguem os passos do mestre. Jesus faz isso, eu faço.

Nós estamos no mês da Bíblia. Vamos fazer o povo passar vergonha, todo ano eu faço a mesma pergunta, é só vergonha que o povo passa! De novo, quem já leu a Bíblia levanta a mão. Muito bem. Quem já leu o Novo Testamento? Quem leu a Bíblia, leu o Novo Testamento. Quem já leu os quatro evangelhos? Quem já leu um evangelho? Nós católicos temos que criar vergonha na cara e começar a ler a Escritura. Por muitos séculos a igreja dificultou a leitura das escrituras, era sempre em latim, era um problema. No Concílio Vaticano II, os bispos acordaram: “mas gente, espera aí, a Palavra de Deus tem que ser conhecida pelo povo, nós vamos traduzir a Bíblia e nós vamos incentivar o povo a ler, porque a nossa vida cristã ela se apoia na Palavra”, tanto que nós, na missa, temos duas mesas, a Mesa da Palavra e a Mesa da Eucaristia. São feitas sempre do mesmo material para dizer que são uma continuação da outra!

A Palavra de Deus, seguir a Palavra, conhecer Jesus para poder segui-lo. “Jesus faz assim. Como que é fazer assim hoje?” É isso que nós temos que fazer e foi isso que fez o autor da primeira leitura. O livro da sabedoria foi escrito no ano 50 mais ou menos antes de Cristo e é o texto de um autor que estava fora de Israel, estava no Egito, em Alexandria, capital do Egito, e lá, com a cultura grega, pensamento dessa cidade, ele se pergunta “é possível viver o judaísmo nesse tempo, nesse lugar, com essa cultura em que se impõe para todo mundo?” Ele vai procurar e vai ver que sim, em todos os tempos, em todos os lugares é possível viver o evangelho de Jesus como ele também falou lá. É possível viver a fé hebraica, mesmo numa grande cidade com pensamentos e ideologias completamente diferentes, e os judeus faziam a diferença dentro daquela comunidade.

Nós cristãos católicos temos que fazer a diferença não porque somos melhores, mas porque temos que ser servos de todos, porque Jesus fez assim

28.08.jpg
O banquete do Reino dos Céus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  22º Domingo do Tempo Comum  – 28/08/2022 - missa às 10h) 

O último domingo de agosto ainda não é mês da Bíblia, mas vamos fazer umas perguntinhas. Vamos ver se vocês leem a Bíblia! Os bispos no Concílio Vaticano II tiveram um trabalho danado para entregar a Bíblia na mão do povo de novo, traduziram para todas as nações, mas os católicos não leem a Bíblia, é uma vergonha. Quem lembra onde na Bíblia fala-se de banquetes? Teve as bodas de Canãa, a última Ceia... No Antigo Testamento, tem o profeta que fala ‘sobre este monte [Jerusalém], eu servirei um grande banquete com carnes gordas, vinho e não haverá mais choro nem luto no grande banquete do Reino’. Jesus fala: ‘virão do Oriente e do Ocidente, do Norte e do Sul, e se sentarão na mesa do Reino com Abrãao, Isaac e Jacó’. Jesus conta parábolas também: os empregados cujo patrão chega de noite sem avisar e encontra-os todos ali esperando, pois não sabiam que hora ele iria chegar, aí quando ele chegou, colocou os empregados sentados na mesa e serviu os empregados. Que banquete esquisito que é este né? Mas também tem outros, quem lembra do rico epulão, o rico comilão? Todos os dias dava banquetes na casa dele para os amigos, para gente rica e, na porta, tinha um pobre todo chagado, os cachorros vinham lamber as feridas daquele pobre e nem as migalhas que caiam da mesa desse rico, ele se dignava a dar para aquele pobre.

Jesus é convidado para uma refeição na casa do chefe dos fariseus. Os fariseus eram um grupo muito importante, eles formavam um grupo de resistência cultural e religiosa. Eles pensavam que o Reino de Deus viria quando todos os israelitas, os hebreus observassem a Lei e eles observavam, eram muito caxias. Mas só que com isso, eles excluíam as pessoas. Eles diziam: ‘nós somos os bons, os outros são malditos porque não vivem a Lei’. Eram uma gente famosa. Depois da destruição do templo de Jerusalém, praticamente o que sobrou foi o judaísmo farisaico, o judaísmo que conhecemos hoje. Esse chefe dos fariseus convida Jesus, mas olhem bem a frase seguinte: os outros fariseus que estavam convidados observavam. Não é porque Jesus era mais bonito ou mais feio, era para encontrar algum motivo para condená-lo. Então Jesus foi para uma cova de cobras e o que acontece? Esse pessoal se acha melhor que os outros e entre eles também se acham. Então chegam nessa festa e nem perguntam, vão logo ocupando os primeiros lugares, porque eles se acham importantes. Jesus percebe esse jeito de agir e aí ele comenta com essa parábola: olha só, se escolhe os primeiros lugares e chega alguém que o dono da casa quer naquele lugar, ele vai dizer com muito jeito ‘escuta, será que você pode se sentar em outro canto?’. E se acontece isso, você finge que não tem problema e vai lá para o fundo. É a vida. Não queira se achar, porque quando você se acha, você se apresenta como melhor que os outros. Para Deus, não existe melhor que os outros. Para Deus, todos nós somos irmãos e irmãs, filhos e filhas.

Depois Jesus fala ainda de uma outra situação. Quando você dá uma festa, não chame os seus amigos que de algum modo vão se sentir obrigados a te convidar também. Chame os que você sabe que não vão poder te retribuir: os pobres, os cegos, os coxos. Quem lembra em que lugar do Evangelho Jesus fala alguma coisa parecida com essa? Dar comida para os pobres, para os cegos, para os coxos. Jesus fala isso no juízo final. Eu estava com fome e você me deu de comer, eu estava com sede e você me deu de beber. Toda vez que se faz o bem para os últimos que não podem nos retribuir, você está fazendo o bem para Deus. Você está dizendo que o outro tem dignidade. Você está restituindo a dignidade para o outro. É isso que Jesus nos ensina. Não existe e não pode existir dentro da comunidade quem se ache melhor do que os outros. Quanto mais você tem, mais você tem que servir. Pois foi para isso que Deus te deu os seus dons, para servir aos outros numa comunidade de irmãos e irmãs que se servem e se ajudam.

A Igreja está celebrando o mês vocacional e hoje nós celebramos a vocação dos leigos. A vocação dos leigos é, primeiro, viver os valores do Evangelho e levar esse anúncio para o mundo, ali onde vocês estão: no trabalho, entre os amigos, na família, no bairro e no país inteiro. Temos que viver e anunciar os valores do Evangelho: vida para todos, cuidado com os mais fracos, e justiça que é com a divisão dos bens. Essas são as nossas atitudes no mundo lá fora, porque nós não somos cristãos e católicos só quando estamos aqui dentro. É lá fora que nós damos testemunho do Evangelho e o Evangelho quer a vida para todos, não quer a morte nem a fome de 33 milhões de brasileiros. Para isso, nós temos que nos descobrir sempre irmãos e irmãs dos outros. Nós somos todos irmãos, não tem diferença, não tem exclusão, todos se sentam na mesa do Reino. Esse é o caminho de Jesus e é isso o que Jesus nos ensina no Evangelho de hoje.

Vamos pedir a Jesus que nos dê força de testemunhar o Evangelho onde quer que estejamos.

21.08.jpg
Fazer tudo o que Jesus disser

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  Assunção de Nossa Senhora  – 21/08/2022 - missa às 10h) 

Assunção da Virgem Maria. A igreja desde muito cedo acreditou que a mãe de Jesus, após sua morte, foi elevada ao céu em corpo e alma. Essa devoção começou no Oriente, a Dormição da Virgem Maria, e depois foi trazida para o Ocidente.Era celebrada, mas não tínhamos a proclamação do dogma da assunção, e o Papa Pio XII, por volta de 1948/1949, mandou para todos os bispos do mundo – quase fez um mini concílio – perguntando para eles: "o povo de Deus crê que a Virgem Maria é assunta ao céu?" porque o povo de Deus não erra quando crê.

Os bispos responderam afirmativamente, então ele, em solenidade, em 1950, proclamou o dogma da Assunção de Maria. Isso não quer dizer que a Nossa Senhora foi assunta ao céu em 1950, mas que, no momento de sua morte. Alguns teólogos na época discutiam que como ela não tinha pecado original, ela não morreu. Papa São João Paulo II acabou com essa conversa: "Jesus morreu, então a Virgem Maria também. Jesus ressuscita por poder próprio, Maria por graça, como será com todos nós, por graça.

Nós não temos poder de ressurreição, só Deus nos dá essa graça, então Maria é ressuscitada por graça e elevada aos céus, que significa "entrar no mistério de Deus", pois se Ele não viesse falar conosco, seria fechado. Maria, na totalidade do seu ser, entra na glória de Deus, o que nos será último dia.

O que é celebrar a Assunção? É celebrar o valor da corporeidade humana. Deus ama os seres humanos, "Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens e mulheres que Deus ama"! Deus nos criou com corpo, Deus não nos fez anjos, e o nosso corpo é instrumento de amor, de serviço, de entrega da vida. É nesse corpo que nós fazemos sofrimento, morte, perseguições, injustiças; a nossa corporeidade joga 100% dos nossos caminhos e das nossas opções, ela é expressão do nosso ser, e isso nós não teremos na vida eterna. De que jeito? Isso será respondido por Deus, nós sabemos que, depois da morte, como diz São Paulo, nos é dado no céu um corpo imperecível.

Porém, a assunção é também um sinal para nós. OConcílio Vaticano II diz: "Maria brilha como uma estrela no céu para o povo de Deus a caminho", mas a caminho de onde? A caminho do reino. Ela brilha como uma luz que indica Jesus para que nós sejamos discípulos de Jesus, para que nós retornemos ao caminho de Jesus. Maria é toda de Cristo, não tem concorrência, o coração dela bate no mesmo ritmo de Jesus, a vontade dela é a mesma vontade de Jesus.

E qual é a vontade de Jesus? Que todos nós sejamos salvos e que já nesse mundo todos tenham vida em abundância! Essa é a vontade de Deus, nem que para isso tenham que ser derrubados os poderosos de seus tronos, ou que tenham que dispersados os orgulhosos, aqueles que se acham: "eu tenho direito de comer muito, de ter várias terras, de ter muito dinheiro, e os outros que se danem". Esses são os orgulhosos, nem que tenham que ser dispersados, e por castigo? Não! Para que aprendam que é na igualdade, no respeito, na équa divisão dos bens que nós vamos encontrar vida e justiça para todos.

Maria canta isso em seu hino que inclusive ouvimos hoje: “derruba os poderosos dos seus tronos”, e não são poderosos espirituais não, são os reis deste mundo, os governantes que praticam injustiça e maldade.Dispersa os orgulhosos desse mundo, desse tempo e de todos os tempos para elevar os humildes, pois Deus quer que todos estejam bem. E onde o olho de Deus cai? Deus cai em cima dos que não têm vida plena, dos que sofrem, que morrem de fome. Os olhos de Deus estão fixos lá, isso não é invenção de Padre não, isso está lá nas palavras dos profetas já do antigo testamento: "vocês me oferecem sacrifícios, festas, e acham que preciso de carne? Essas festas não me servem para nada. Os meus olhos estão voltados para o pobre, para a viúva, para os órfãos, para os estrangeiros, para todo aquele que faz a minha vontade."

Ali estão os olhos de Deus: "quando vocês praticarem a justiça, aí sim esses sacrifícios servirão". Sem a prática da justiça, sem o amor ao próximo, sem solidariedade, sem respeito pelo outro, o nosso sacrifício não é agradável a Deus, Maria nos ensina isso também. "Ele olhou para a humildade da sua serva" –quando nós falamos, pensamos na mãe do messias, que eram o que pensavam as mulheres daquele tempo. Todas as mulheres de Israel queriam ser a mãe do messias, existia essa espera.

Onde Deus foi achar uma mãe digna para seu filho? Muito longe! Nazaré era uma vila pequena no meio das montanhas, perto do lago de Cafarnaum. Ele não procurou palácio do imperador de Roma, não foi no palácio de Herodes, não foi em Jerusalém, não foi chamar a filha do sumo sacerdote, foi chamar a menina lá de longe, e por quê? Porque os olhos de Deus estão lá no que é pequeno, no que é humilde, no que é desprezado.

Não podia conhecer a corrupção da morte aquele corpo no qual se operou o milagre da encarnação do verbo, o mesmo filho que o Pai gera na eternidade, no tempo foi gerado pela Virgem Maria. Deus fez com que o filho daquela mulher, sem a ajuda de homem, fosse humano e Deus. Só essa mulher pode diante de Deus dizer "nosso filho Jesus Cristo", somente ela, todos nós dizemos "Vosso filho Jesus".

Maria nos ensina a seguir Jesus, única ordem que Maria nos deu no evangelho, única, o resto é conversa mole: "façam tudo o que Jesus vos diz", única ordem que Maria deu. Pode colocar aparição, chamar teólogos, e São Paulo VI perfeita e corretamente diz que "a verdadeira devoção à Virgem Maria é ser discípulos e discípulas de Jesus."

Assim somos filhos, assim somos consagrados a Maria se nós seguimos o evangelho de Jesus, porque ela primeiro acolhe a palavra eterna do Pai, cuidadessa criança e a encaminha para o conhecimento humano do Pai. Como Deus, Jesus não precisava conhecer o Pai, mas como ser humano sim. Maria e José educam Jesus na fé e na religião de Israel, o Deus fiel, e a experiência que Jesus teve na companhia de José e Maria foi tal que Jesus vai apresentar o Pai como paizinho, uma coisa impensável aos judeus que achavam que Deus estava muito longe, muito alto, que eles eram somente a miséria, nem podem falar o nome dEle, e Jesus O chama de paizinho.

Maria está também na construção dessa imagem que Jesus tem do Pai, então ser discípulos de Jesus é olhar para Maria e aprender dela, pois ela seguiu Jesus e ela é rainha, como Jesus é rei. Onde Jesus é rei? Lá na cruz, no horror do calvário, aquele é o trono de Jesus, não otrono dos reis desse mundo, é na cruz, pior forma de tortura daquele tempo para matar alguém, e Maria é rainha aos pés da cruz.

Esse é o mistério de Deus, o Deus que vê o mundo do avesso, e Maria aprendeu e proclamou isso! Ele olhou a humildade da sua serva, Ele derruba os grandes e poderosos para elevar os humildes. E Deus é fiel, foi fiel no passado, Maria olha a história do seu povo de Israel, é fiel agora, Ele está cumprindo a sua promessa do messias, e será fiel sempre.

Vamos pedir à Nossa Senhora que nos ajude a ser bons discípulos e discípulas de Jesus.

1408.jpg
Anunciar a Palavra!

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  20º Domingo do Tempo Comum Ano C – 14/08/2022 - missa às 10h) 

O Profeta Jeremias, na Primeira Leitura, anunciava que Jerusalém seria tomada pelos babilônicos. Jerusalém já tinha sido salva uma vez, algumas décadas antes, e o povo achava que Deus ia proteger a cidade, mas Jeremias disse “não, aqui vai ter desgraça, entreguem-se e, pelo menos desse jeito, vocês vão salvar suas vidas”. Aí existiam uns amigos que gostavam de falar somente coisas que o rei gosta de ouvir – por que quem é que gosta de ouvir falar de desgraça? Ninguém. E tem gente que é especialista em falar mentiras, contando o que a outra pessoa fica contente, e esses outros eram exatamente assim, diziam: “não, os babilônios não vão chegar aqui. Deus já protegeu essa cidade antes”. Diante da insistência do profeta, eles quiseram dar um jeito de matá-lo e olha o modo como quiseram matar esse homem: pegaram uma cisterna, um poço que recolhe água da chuva para quando tiver seca, essa cisterna não tinha água, na ocasião, mas tinha lama e os homens do rei colocaram Jeremias lá. Então um servo estrangeiro, etíope, falou: “não, isso é uma injustiça, um crime, um homem que fala a verdade de Deus não pode ser punido desse jeito”. E ele foi lá falar com o rei: “escuta aqui, você só vai dar ouvido pra esse pessoal que vive te lambendo? Que bota mentira nos teus ouvidos? Olhe bem como estão as coisas, o povo está passando fome e é esse homem que o senhor vai matar?”. Ai o rei manda tirar Jeremias e pouco tempo depois Jerusalém foi invadida pelos Babilônicos. O rei, seus filhos e os nobres da cortes foram todos deportados para a Babilônia e o exílio durou 70 anos. Assim, a palavra do profeta Jeremias foi confirmada. Jeremias depois foi pro Egito e lá o assassinaram, mas ele anunciava a palavra. E a palavra de Deus nem sempre é agradável aos nossos ouvidos, porque ela nos chama sempre à conversão. Ela denuncia tudo aquilo que não é segundo a vontade de Deus.

Anunciar a verdade pode criar perseguição e divisão, por isso Jesus vai dizer no Evangelho: “eu não vim trazer a paz, eu vim trazer divisão”. Aqueles que seguem Jesus e querem a vida para as pessoas que todos possam viver na paz e na justiça não agradam aqueles que querem morte, a exploração, a exclusão das pessoas. Esse povo persegue, divide e mata e foi o que fizeram com Jesus. De fato o mataram porque Jesus anuncia a fraternidade, uma forma nova de viver que não cria tirana da religião, não cria divisão entre as pessoas, não cria a exclusão de alguns em favor de poucos outros. Isso custa caro.

Vamos pedir ao Senhor que ele nos ajude a anunciar a palavra de Deus como Jeremias fez custe o que custar.

0708.jpg
Eis aqui o teu servo!

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  19º Domingo do Tempo Comum Ano C – 07/08/2022 - missa às 10h) 

O evangelho de hoje nos fala da vigilância: vigiar, esperar porque o Senhor volta. E é muito interessante que tenham colocado a Primeira Leitura elogiando a fé de Abraão e de Sarah. Eles acreditaram no Senhor, foram vigilantes e por isso receberam a promessa. Deus prometeu: "A tua descendência será grande como a areia do mar e as estrelas do céu" e Abraão acreditou, apesar de ter tido apenas um filho com Sarah. A mesma coisa é a pessoa que acredita em Jesus, que acredita na sua volta e que vai cuidar de viver como Jesus quer.

E então Jesus nos dá essas imagens, interessante: Ele fala de servos de um grande senhor, que estão cuidando da casa enquanto o senhor foi a uma festa. A festa de casamento daquele tempo durava uma semana, não são iguais aos buffets que custa caríssimo por quatro horas, lá durava uma semana, ai haja vinho! Por isso na festa de Canaã acabou o vinho. Então, você não sabia quando o patrão voltaria, e a coisa mais interessante, o que você pensa e espera? Que chegaria o seu patrão – teu patrão pode ser um rei, governador, ou até um presidente da república – pois ele chega e o que você espera que aconteça é que ele se sente e que os servos que estão preparando as coisas venham servi-lo. É isso o que a gente espera, mas olha que coisa, o Evangelho fala que o senhor encontra os servos com tudo preparado e atentos, ele põe os servos na mesa sentados e ele vai servir as pessoas, que coisa doida é essa? É muito estranho esse evangelho. O que Jesus está dizendo para nós e para todos os cristãos, não só para os doze, para todos nós: nós somos servos da humanidade, o reino de Deus é serviço, serviço à vida. Este é o reino de Deus: serviço. Então o maior é servo de todos.

Então Pedro pergunta a Jesus "Mas isso é para todo mundo ou somente para nós?", ai Jesus dá uma resposta a São Pedro "Pois então, para quem foi confiado isso, aprenda a ser servo! Dá de comer, beber, administrar bens, ou seja, ser servo dos outros". Agora se esse homem começa a ver que o senhor não chega, começa a beber e comer, gastando os bens do seu patrão, sendo uma pessoa cruel com os outros, a hora que o dono chega sem esperar e encontra o sujeito e a casa nessa situação, ele não vai ter piedade nenhuma desse sujeito, é assustador o que Jesus fala, que vai cortar o sujeito na metade, matando-o. Por quê? Porque nós somos servos, todo aquele que é discípulo de Jesus é servo dos outros, servo da vida, da verdade, da justiça e da paz. Esse é o caminho de Jesus. Jesus nos vai dizer "Você não sabe a hora que chega, essa atitude sua de serviço tem que ser até o fim da vida". Você não pode dizer "ah está demorando mesmo então vamos relaxar", isso não é cristão e nem de pessoa que tem fé. Temos de estar prontos, porque Deus vem, vem no fim da nossa vida, nós sempre esperamos que vamos viver até 99 anos e mais um pouquinho, não é? Aí vem um ditado popular "Idosos morrem, jovens podem morrer".

Seja um ou os outros, temos que estar sempre vigilantes. Muitas vezes, especialmente no nosso mundo, se faz propaganda do individualismo, do sucesso pessoal, do passar a perna nos outros, do explorar as pessoas, do empobrecer as pessoas para que eu tenha mais... Esse mundo não vive segundo Jesus. Nós, cristãos, somos chamados a ser neste mundo um sinal para o povo, de serviço e defesa das pessoas, de acolhida e respeito em um mundo que não se respeita. Nós somos chamados a ser acolhedores e ter respeito pelas pessoas, esse é o caminho de Jesus.

Hoje também nós recebemos o ícone do Bom Pastor. Esse ícone está indo em todas as paróquias da Diocese de Santo André para lembrar a cada paróquia que nós devemos rezar pelas vocações sacerdotais. Nós, padres, não somos mais santos que os outros, às vezes Deus escolhe os mais fracos. Eu sempre falo e olho o caminho que meu irmão fez. Meu irmão tinha 42 anos, sua mulher teve câncer, eles tinham dois filhos, mas ela morreu, depois de dois anos sendo devorada pelo câncer, e três meses depois, o filho mais novo morreu de câncer. Meu irmão se casou de novo e, seis anos depois, a segunda esposa morreu de câncer. Eu fico pensando "Meu Deus, eu não teria tanta força não!". Eu olho para certas situações de outras pessoas, e penso "Deus você realmente escolheu o mais fraco de nós para servir teu povo", pois Deus usa a fraqueza para confundir os fortes e os grandes. Deus chama do meio do seu povo e o povo são vocês, não são outros não. Deus chama do nosso meio, rapazes e homens para o ministério sacerdotal, para dedicar-se aos cuidados do seu povo, de forma exclusiva. A igreja pede, além do serviço ao povo, o celibato, que é um "a mais" que a igreja pede, não precisaria, mas pede, para que sejamos mais dedicados ainda. Nós não somos mais, nós somos servos, e sobre nós cai aquilo que Jesus falou "o servo que abusar da sua autoridade para beber, comer, enriquecer, vai ser partido ao meio". Nós temos que servir com atenção o povo de Deus.

Então vamos rezar para que Deus chame de nossas famílias. Temos jovens aqui na igreja, mas temos jovens que acompanham também pelas redes sociais, tenham coragem de se perguntar ao menos uma vez na vida "será que Deus me chama para o sacerdócio?". Tenham coragem de fazer essa pergunta, e se você perceber que Deus está te chamando, ou que Deus está chamando seu filho, apesar de ser filho único, porque vocês não fazem mais filhos, entregue seu filho ao caminho de Jesus. O jovem que percebe que Deus está chamando, tenha confiança, porque Deus é fiel, Ele nos segura e mantém em seu caminho. Vamos pedir ao Senhor que mande operários para sua messe, que mande padres às igrejas. Para que, nós, padres, e o povo santo de Deus, sejamos servos nesse mundo que muitas vezes não quer o caminho de Jesus.

3107.jpg
Deus ouve as nossas orações

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  18º Domingo do Tempo Comum Ano C – 31/07/2022 - missa às 10h) 

“Sopro dos sopros. Tudo é um sopro”. Nós traduzimos por vaidade. Mas a vaidade ainda que ela seja um conceito negativo, ela tem alguma consistência. O sopro representa o nada, o vazio. E o escritor sagrado vai passar por muitas situações humanas e vai chegar a esta conclusão: comamos, bebamos, porque amanhã morreremos. Primeiro que ele fala no plural e não é “eu e meus familiares”, é a comunidade inteira, o povo todo. Poder comer o pão do próprio trabalho em paz. Beber o vinho da alegria em paz consigo e com os outros. Paz. É possível isto neste mundo? Sim, se nós não vemos o outro como ocasião de exploração, se não vermos o outro como inferior a nós, vemos o outro não como possibilidade de exploração – e hoje em dia, ainda pior, possibilidade de descarte. Isso é horrível, por isso nós estamos num mundo como estamos. Ninguém fala de manter as economias de modo que a população possa estar bem, é sempre que a gente tem que crescer, tem que produzir mais e isso está levando o mundo para o desastre. Não estou dizendo que nós não tenhamos que procurar progresso, mas que seja de uma forma que não destrua as pessoas. E nós chegamos a um ponto que podemos destruir o planeta inteiro e já o estamos fazendo. Isso é ganância.

Tem situações que a ganância é absurda e produz raciocínios absurdos, como por exemplo fulano tem tanto dinheiro que quer fazer a colonização de marte. Que sentido tem isso? Nós temos milhões de pessoas passando fome neste mundo, milhões de pessoas que não tem aspirina para superar uma febre ou uma gripe, nós temos milhões de pessoas que não tem água potável em casa – e não é só lá longe não, aqui no Brasil também. E nós vamos pensar em Marte?! Dinheiro para produzir dinheiro para produzir dinheiro. E quantos descartados, marginalizados, os lixos do mundo? Isso é o resíduo dessa sociedade de ganância.

No Evangelho de hoje [Lc 12,13-21], Jesus nos fala então desse homem rico. E vocês perceberam que esta parábola é toda em primeira pessoa? Um homem rico que teve uma grande colheita: “o que que EU vou fazer? EU vou destruir os meus celeiros e fazer maiores. EU vou dizer a mim mesmo: goza da vida, porque EU tenho bastante para mim”. Quem falta nessa parábola? Quem plantou para que tivesse aquela colheita? Não foi esse homem. Quem colheu? Não foi ele, nem é ele quem vai derrubar os celeiros e construir novos. Quem vai servi-lo para ele viver gozando da vida? São os seus servos. Nessa parábola, falta “nós” e falta “eles”. Esse homem vive somente para si, ele não tem pensamento nenhum para os outros. E o Eclesiastes vai dizer: junta tudo, faz tudo só para você, para que serve? Você vai morrer do mesmo jeito. Para que serviu aos faraós fazer os túmulos gigantescos do jeito que fizeram com um monte de tesouros escondidos? Os corpos deles viraram objetos de museu. Não servem para nada. Este homem não pensa nos outros. Este homem não vive nem pensa a fraternidade. Um homem ganancioso é sempre aquele que tenta tirar vantagem em tudo. Como este homem terá pagado seus empregados? A ganância não é dos cristãos, porque você se engana, você se fecha em si mesmo. Quantas vezes a gente não joga na loteria e diz “meu Deus, se eu ganhar eu vou dar um pouco para a igreja”? Eu já fiz, mas é tudo conversa mole. É por isso que Deus não dá nada para a gente. Ganhar na loteria é a mesma probabilidade de encontrar petróleo no quintal de casa. Mas nós vivemos com esses sonhos que na verdade escondem o nosso egoísmo e a nossa ganância. Jesus nos coloca em alerta sobre isso e não é para desprezar os valores do mundo não, mas os bens desse mundo são feitos para todos.

Do ponto de vista político, falamos em partilha dos bens de produção. Isso tem reflexo em tudo, se cuida da justiça social, paga bons salários, cuida da saúde, da educação da população, se pensa no outro e não em si. Este é o caminho do Evangelho. Este é o caminho de criar paz entre todos de modo que cada um possa verdadeiramente dizer: vivo na paz de Deus, eu sei que meu irmão não está passando necessidade. Poder dormir sem pensar que alguém no mundo está passando fome ou frio, ou não pode comprar uma aspirina.

O Evangelho é exigente. Ele nos questiona. Se nós não aprendemos da palavra do Evangelho, de quem nós vamos aprender? Vamos pedir ao Senhor que nos ensine e nos converta para que nós sejamos sempre mais solidários, atentos às necessidades dos que mais sofrem. Nós repetimos e repetimos isso porque esse é o coração do Evangelho. Se nós não aprendemos isso, não aprendemos nada, somos só papagaios quem vem rezar Pai Nosso e Creio, mas nossa vida não muda, nós não criamos laços de amizade, de fraternidade entre nós. O Evangelho sem mudança de vida, é conversa mole. Isso serve para todos nós, todos nós vamos virar pó e teremos que prestar contas para Deus, por isso precisamos começar a agir de outro jeito.

2407.jpg
Deus ouve as nossas orações

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  17º Domingo do Tempo Comum Ano C – 24/07/2022 - missa às 10h) 

Na Primeira Leitura de hoje [Gn 18,20-32], temos a continuação da leitura de semana passada. Nós encontramos Abraão que deu hospedagem aos três homens que na verdade eram três anjos de Deus, que se dirigiam a cinco cidades do vale – as duas principais cidades era Sodoma e Gomorra, mas no total são cinco. E o que Deus encontrou ali com Abraão foi hospitalidade. Os anjos vão para as cidades porque chegou ao ouvido de Deus que aquelas cidades são perversas, cidades más, e o que nós vemos? A confirmação disso, aquelas cidades não só não acolhiam bem os hóspedes, coisa que era um dever sagrado para os hebreus, como abusavam deles no maior modo de desprezo possível naquela época, e por isso Deus condenou aquelas cidades. Mas Abraão pede para Deus: "Se nessa cidade tiver 50 justos, perdoa?". Deus responde "Perdoo". Abraão pergunta: "E se tiver 40?", Deus responde "Perdoo". "E se por acaso tiver 30?", pergunta Abraão, "Perdoo" Deus responde, "Se tiver 20? 10?", "Perdoo". E ele para no 10, por quê? O livro do Gênesis foi escrito por volta dos anos 500 a.C. é um livro muito recente, e naquela época, na Palestina, existiam as sinagogas, mas para que existisse uma sinagoga naquela cidade precisava de 10 homens com mais de 12 anos de idade, ou seja, adultos. Por isso ele para no número 10, teria que ter pelo menos uma sinagoga nessas cidades, porque se não tem, Deus extermina tudo. O que importa aqui, não é se vai ou não exterminar, mas a disposição que Deus tem em nos ouvir. Abraão fala, pede e Deus escuta. Abraão põe um limite, mas Deus não põe um limite, tanto que quando os anjos avisam Ló que vão destruir as cidades, os anjos o pedem "Leve a sua mulher e suas filhas e foge para a montanha" e quando Ló diz "Eu não tenho forças para chegar na montanha, deixa eu me hospedar ali na menor cidade, Cegor", o anjo responde "Está bem, eu vou poupar a cidade". Por causa de um homem, Deus poupou a cidade inteira. As medidas de Deus são enormes, muito maiores que as nossas.

No Evangelho [Lc 11,1-13], nós temos o Jesus que ensina a rezar. Nós chamamos essa oração, conforme o evangelho de Mateus, Pai Nosso. No evangelho de Lucas, é só "Pai", e é muito interessante que este Pai não é o pai falando do céu e da terra, daquele que governa todas as nações, ele fala com a palavra que a criança pela primeira vez se dirige ao pai, quando neném está começando a falar, não fica o pai e a mãe discutindo para ver o que ele vai falar primeiro? Se é pai ou mãe? Essa primeira palavra "papai, mamãe" da boca de uma criança é essa palavra que Jesus usa para se referir a Deus, ao Deus inominável, não se podia dizer o nome de Deus, o sumo sacerdote, uma vez por ano, no santo dos santos, dizia o nome de Deus, uma vez por ano. Se você falasse o nome de Deus você era acusado de blasfêmia, era condenado a morte. Jesus chama este Deus de "papai", para nos mostrar que Deus não está longe, Deus está mais perto de nós, do que nós mesmos. Nós podemos dizer que nós estamos mergulhados em Deus, Deus não está lá longe, olhando o universo. O universo está mergulhado em Deus. Deus conhece todas as nossas situações do universo inteiro, estamos mergulhados nEle, esse é o Pai de Jesus. O povo de Israel, muitas vezes foi infiel, traiu a aliança, adorou outros deuses, isto é, a infidelidade, mas a santificação do nome de Deus se dá na vida das pessoas. As pessoas são fracas e nós mesmos somos fracos, a Igreja também, nós, comunidade de cristãos, muitas vezes traímos Deus, somos agentes de morte e não de vida, então Deus, Ele mesmo, glorifica o nome de Deus. E a fidelidade de Deus se revelou para nós em Jesus, lá na cruz, Deus é fiel, Deus não guarda nada para si, Deus não esconde nada debaixo da manga, Ele se entrega todo. Por isso, Jesus nos ensina a ter total confiança na fidelidade de Deus.

"Santificado seja teu nome" e esse nome é Jesus. "Venha a teu reino", o reino é o que Deus quer para todos nós, plenitude, o Espírito Santo é aquele que conduz a história da nossa vida até que chegue aonde Deus quer que chegue. Nós não somos donos da história, Deus é o senhor da história e a última palavra sobre a história quem vai dizer é Jesus crucificado. Por isso nós pedimos "venha a teu reino", porque o reino de Deus vai além de todas as nossas esperanças e expectativas, é comunhão com Deus e com os irmãos e irmãs, e nós já começamos a construir isso aqui, quando nós nos amamos, respeitamos e somos solidários uns com os outros.

Depois São Lucas pede o “pão de cada dia”, o pão que é a subsistência da vida, o pão que é comida e bebida, saúde, educação, liberdade, fraternidade, respeito, isso é o pão nosso de cada dia, isso é para todos. É um mundo sem divisões, sem classes de oprimidos, um mundo onde todos possam ter vida digna, é isso que Deus quer para a face da terra, como pré-anúncio daquilo que será o reino do Pai. Na casa do Pai, todos somos irmãos e irmãs. Para Ele, não tem diferenças. Nesse mundo, nós podemos começar a viver desse jeito, e nós cristãos somos chamados a sermos testemunhas disso.

Quando dizemos “Perdoai os nossos pecados”, lembrando que nós somos pó, nós somos miséria, nós somos pasto da morte, nenhum de nós escapa da fatalidade da vida humana, e nós somos fracos, pecadores, às vezes infiéis, às vezes traidores, às vezes incapazes até de fazer o bem, mas não por maldade, pois se for por maldade é pecado, mas se eu sou assim, o outro também é. E para nós conseguirmos realmente construir um mundo que já seja um pré-anúncio do reino, nós temos que nos perdoar. É o único modo de acabar com o ciclo da vingança. Ciclo da vingança que muitas vezes está até em códigos religiosos "você vai vingar teu irmão, vai vingar teu pai", mas isso não é de Deus, entenderam? Deus não quer vingança, Deus quer o perdão, porque é o único remédio capaz de parar a roda da vingança e da morte.

E, finalmente, São Lucas pede "não nos deixe cair em tentação". Tentação aqui gente não é querer comer uma bala sendo que não pode, como se na hora do almoço você fosse comer doce e sua mãe diz não, isso é besteira. Essa aqui que pedimos no Evangelho, é a grande tentação, é a tentação de sermos infiéis, a tentação de virar as costas para Jesus, a tentação de entrar no mundo das trevas e da maldade, a tentação de ser Judas. No Evangelho de João, quando Jesus fala a Judas "Faça o que você tem que fazer", o Evangelho diz que "Judas saiu e era noite", Judas abandona a luz que é Jesus e vai para as trevas, para as trevas da injustiça, do ódio, da morte, que vai gerar a crucificação e morte dos inocentes. É desta tentação que se fala no Pai Nosso.

No Evangelho de Mateus, acrescentam-se vários elementos, mas vamos nos fixar só no último: "livrai-nos do mal" ou do maligno, de algum modo se refaz a grande tentação, Jesus disse que o maligno é mentiroso e homicida desde o início. Nós temos que estar sempre atentos a isso, eu estou dando ouvidos a mentiras? Estou procurando a verdade? As minhas ações, as minhas opções ajudam a gerar vida ou criam em volta de mim e no mundo a morte? Nós temos que nos perguntar isso. Em cada ação simples, como um botão apertado de urna eletrônica, eu ajudo a escolher se quero a vida ou a morte. Nós temos que pedir muito a Deus discernimento para não votar errado. Um gesto só, este é um exemplo. Mas temos muitas outras ações em que nós abraçamos a morte: se eu desprezo uma pessoa por conta de sua cor ou opção sexual, eu estou optando pela morte. Se eu desprezo um pobre que me pede um pedaço de pão, eu estou optando pela morte. Esse é o grande perigo: abandonar Jesus, que é vida, e agir como um servo da morte, por isso Jesus nos ensina a pedir ao Pai "não nos deixe cair nesta tentação".

1707.jpg
Ser discípulo na igualdade e no amor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  16º Domingo do Tempo Comum Ano C – 17/07/2022 - missa às 10h) 

Nós nos encontramos aqui com duas situações de hospitalidade: nós temos Abraão que está lá no deserto, provavelmente num pequeno oásis porque tem uma grande árvore, e bem no mais quente dos dias ele vê esses três homens se aproximarem – ele não sabe são três anjos – três homens se aproximam, andando pelo deserto, e ele corre implorando para que esses homens aceitassem a hospitalidade dele. Para os hebreus, a hospitalidade é um dever sagrado, e Abraão prepara um banquete para esses homens que ele não conhece. Como são anjos de Deus, eles mostram a fidelidade de Deus, que tinha prometido a Abraão que ele teria um filho. Abraão tinha várias mulheres, mas a mulher oficial era Sara, as outras eram concubinas. Sara não tinha filhos e era um filho dela que seria o herdeiro, se ele morresse sem herdeiros, passava para um servo dele a herança. Então os anjos, em recompensa por aquela atenção dele, cumprem a promessa: “daqui um ano nós voltaremos e sua mulher vai ter um filho”, o filho que Deus tinha prometido, Isaac.

 

Jesus está na sua viagem da Galileia para Jerusalém. São 10 capítulo do Evangelho de Lucas (capítulo 9 até o capítulo 19), e, no meio do caminho, nós temos a história dessa hospedagem. Essa mulher da cidadezinha convida Jesus para ser hóspedes dela, Marta. Nós sabemos que ela tem um irmão que é Lázaro e a outra irmã, Maria, e todas as vezes que nós vemos Jesus tratando com as mulheres, tem alguma coisa revolucionária. A mulher naquele tempo não tinha direito a nada, ela não podia testemunhar em tribunal, o testemunho de uma mulher era inválido, ela era propriedade do pai até casar-se, depois do marido e, se o marido morresse, era propriedade do filho mais velho se ela tivesse um filho, senão ela passava para propriedade do parente homem mais próximo do marido.

 

E qual era o lugar da vida da mulher? O lugar da vida da mulher é dentro de casa, dentro da vida de vizinhança das mulheres, casa, quintal, cozinha, cuidar dos filhos até 12 anos se fosse menino, mulheres até que se casassem. Ela cuidava da pequena economia da casa, cuidava de roupas, tinha galinha que deu muito ovo, ela trocava com outros produtos que outras famílias ali produziam, mas é uma vida privada. A vida na praça, a vida das grandes decisões, a vida dos julgamentos, essa é a vida do homem, não é a vida da mulher. A mulher não sabia ler nem escrever, não se ensinava as mulheres, elas aprendiam as coisas por tradição transmitida pela mãe. E nós temos aí uma situação estranha: Jesus chega nessa casa e uma das duas que moravam lá, Maria, se coloca sentada aos pés de Jesus para ouvir a sua palavra, não é para conversar, não é para conversa mole, não é para falar como que está o tempo, ouvir a sua palavra. Ela se coloca na atitude de discípula, coisa que a mulher não podia ser.

 

Ela se coloca ali e Jesus simplesmente ensina porque para Jesus a mulher é igual, para Jesus a mulher não tem que ser promovida, dar alguns direitinhos para ela, não, a mulher é igual, a dignidade dela é igual à minha. É por isso que Jesus é revolucionário com as mulheres, ele trata as mulheres como iguais, não como ser de segunda categoria, iguais, por isso Ele se senta e deixa que essa mulher esteja sentada aos seus pés ouvindo seus ensinamentos como era permitido só para um homem. Jesus vai ter no seu grupo mulheres que o seguem, Jesus trata como iguais.

 

A reação de Marta é a reação da boa hebreia: “Senhor, mas o nosso lugar é na cozinha, o nosso lugar é não receber instrução, o nosso lugar é ser propriedade, o nosso lugar não é ficar sentada escutando o Senhor ensinar, isso é coisa para os homens” – é isso que está na cabeça de Marta, por isso ela chama atenção de Jesus para que Ele dê uma alfinetada em Maria, para que Jesus fale para ela “ó, minha filha, aqui não é o teu lugar, tu te ponhas no teu lugar, vá para a cozinha”. Jesus se nega a fazer isso, Jesus se nega a entrar no jogo da cultura, da tradição – “mas as mulheres sempre foram tratadas assim” – para Jesus, não, a mulher é igual, e essa cultura é falsa, desvaloriza, Deus não quer isso.

 

Essa mulher é discípula como é discípulo um homem, essa mulher ouve a Palavra e a coloca em prática, assim como um homem ouve a Palavra e a coloca em prática, igualdade. E Jesus vai dizer isso, vai fazer um jogo de palavras: “Marta precisa pouca coisa”. Esse “pouca coisa” se refere seja à comida, a gente não fala “ah, basta uma besteirinha, não precisa fazer nada” quando vai na casa das pessoas? As pessoas falam “eu vou fazer um café para você” e você diz “não precisa, não precisa, é uma coisinha só" – é mais ou menos isso que Jesus fala: “Marta, não se preocupe tanto” de um lado, mas de outro Ele está falando que o que é importante é ser discípula, o que é importante é mudar a mentalidade. Vocês são iguais, vocês não são inferiores, vocês não são nossas servas, vocês são iguais, então o seu trabalhar constante, esse corre-corre seu amanhã você vai fazer de novo, mas o ensinamento que a Maria está recebendo agora ninguém vai tirar. Comida amanhã tem que fazer de novo, o trabalho da mulher nunca acaba em casa, e de alguns homens também porque agora tem homem que cuida das coisas de casa, nunca acaba, está sempre começando de novo, está sempre sujando a louça de novo, está sempre tendo que cozinhar outra vez. É o que Jesus está falando, isso aí é o corre-corre do dia a dia, mas são as palavras de Jesus ouvidas e colocadas em prática que vão criando em nós a mentalidade nova em que nós aprendemos a olhar as pessoas como iguais. O outro não é menor que eu, o outro não é segunda classe, nós somos irmãos diante de Deus, nós somos iguais, dentro da sociedade civil nós somos cidadãos debaixo dos mesmos direitos e dos mesmos deveres, e as nossas diferenças, que são as minorias, devem encontrar espaço de respeito dentro de uma sociedade plural.

 

O outro diferente continua sendo igual como dignidade humana de irmão e irmã e de cidadão e cidadã. É por isso que dentro do estado civil nós não podemos anular as minorias, porque se nós fazemos isso, nós criamos nazismo, é assim que pensa Hitler, e o caminho do desrespeito às minorias é o extermínio, forno para queimar as pessoas. Isso não é de Deus e isso não é cristão. O que Jesus nos ensina é que o outro na sua diferença é igual, foi isso que Ele ensinou para Marta. Maria está numa situação de igualdade, e ela vai sim, uma outra hora, outro momento, ou talvez até ali mesmo ajudar a irmã dela, mas o que Marta tem que aprender é que ela mesma tem dignidade, está nela, ninguém tem que dar essa dignidade para você, está em você. Reconheça essa dignidade que a tua irmã já foi capaz de reconhecer. Maria não fala nada, mas Maria aqui é a mulher nova que já reconheceu a sua própria dignidade que está nela, ninguém tem que dar não, há nela, por isso ela pode sentar e escutar o que o Mestre está falando porque ela é discípula como Pedro, como João, como Tiago, como Maria Madalena, Maria é discípula. Igualdade.

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ensine isso para que nós possamos viver melhor, para que nós consigamos viver em uma sociedade mais justa, onde as pessoas não são postas fora por causa da cor, por causa da sexualidade, por causa da falta de estudo ou porque são índios. Todos somos cidadãos, todos somos iguais diante de Deus.

293133311_1924287781101640_957559148033748363_n.jpg
É com misericórdia que amamos o próximo

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  15º Domingo do Tempo Comum Ano C – 10/07/2022 - missa às 10h) 

No final do capítulo 9 do Evangelho de Lucas, vamos encontrar muitos momentos de confronto de Jesus com o pessoal daquele tempo e aqui, no Evangelho de hoje [Lc 10,25-37], nós temos um doutor da Lei. Os mestres da Lei eram homens que durante toda a vida estudavam a Sagrada Escritura e que, aos 40 anos de idade, recebiam um tipo de ordenação. A interpretação que eles davam da Escritura era considerada infalível, então este é um homem que conhece muito bem a Escritura. Jesus está indo para Jerusalém, deixou a Galileia e os judeus tinham muito desprezo pelos samaritanos e pessoas fora de Israel. Então, um doutor da Lei se encontra com esse pregador que já é famoso e está vindo da Galileia e quer pegar ele no pulo, por isso faz uma pergunta muito elementar: “qual o primeiro mandamento? o que preciso para me salvar?”. Então Jesus devolve a pergunta porque ele sabe que esse homem sabe a resposta e que ele está ali de má fé – o texto diz que queria colocar Jesus em dificuldade. Jesus lhe diz “você não é doutor da Lei, não entende de escritura, o que a escritura diz?” e o mestre da Lei responde com uma oração que os hebreus rezam três vezes por dia que é o Shemá: “escuta Israel, o Senhor é teu Deus, o Senhor é único, amarás o Senhor teu Deus de todo coração, com toda sua alma, com toda sua força e toda sua inteligência, e o próximo como a ti mesmo”. Os hebreus rezam essa oração, que é o primeiro mandamento, três vezes por dia. Jesus então lhe diz essa frase: “faça isso e viverás”. Mas não basta saber a Escritura, ser um doutor em teologia, não basta ser doutor em bíblia, tem q viver o evangelho, tem que botar em prática o que diz o evangelho.

Aí o homem de novo, querendo se desculpar, pergunta “quem é o meu próximo?”. Essa pergunta pode parecer muito cínica, mas não é, porque os hebreus achavam sim que tinham que amar ao próximo como a si mesmo, mas quem é o próximo? Para eles, o próximo é o outro hebreu, não é o estrangeiro, o pagão, esses são vistos como gente de segunda classe, não é o samaritano que eles também odeiam. Então Jesus passa uma rasteira nesse homem e é muito interessante a imagem que Jesus usa: um homem que descia de Jerusalém para Jericó. Em Jerusalém, se faziam ritos de purificação para depois irem para a própria cidade e então celebrarem na sinagoga, então esse homem provavelmente foi fazer ritos de purificação e, na volta, foi pego por assaltantes. Isso era muito comum naquela época e por isso eles sempre precisavam viajar com um cajado na mão para se defender também contra animais. Mas os assaltantes o pegaram, deram uma surra e o deixaram meio desmaiado e foram embora. Então um sacerdote e um levita, um por vez, passam pela mesma estrada, fazendo o mesmo caminho de volta da purificação – vejam então que aquele homem é um hebreu que fez seus rituais para se preparar para a celebração da sinagoga – mas tanto o sacerdote quanto o levita olham e passam do outro lado, como para dizer as duas pessoas que mais conheciam as escrituras, as leis e as tradições de Israel fazem isso porque estão observando a lei da purificação. Para os hebreus, um homem não podia tocar um defunto ou ficaria impuro e não poderia participar dos rituais litúrgicos na sinagoga ou no templo, então o sacerdote e o levita não chegam perto para se manterem puros religiosamente puros. Isso é a lei religiosa que não respeita a vida. Você faz suas práticas de religião, mas não é um bom cristão, um bom judeu etc. para que serve isso? Para nada é só conversa mole. Jesus já mostrou isso para o doutor da Lei, mas vai mais longe “passou um samaritano” que eram odiados pelos judeus, pois eram meio sincretistas, faziam uma bagunça com religiões pagãs e o Deus de Israel. Jesus vai falar: “um samaritano, que vocês odeiam, passando de viagem, ele não está nem aí com Jerusalém, mas vê o homem se aproxima e sente compaixão”. Compaixão é se colocar no lugar do outro, sentir as dores do outro, ver o mundo a partir da situação de dor do outro e o que ele fez? Vai lá e usa os remédios que tinha naquela época para desinfetar as feridas e ajuda o homem, o coloca em cima do jumento e leva para uma hospedaria – naquele tempo, não existia hospital, apenas as pensões que funcionavam como um tipo de hospital para as pessoas em viagem que ficavam doentes; ali elas recebiam cuidados e depois seguiam viagem ou eram enterradas no cemitério do lado. Era a vida daquele tempo. O samaritano passa a noite cuidando desse homem e, no dia seguinte, segue viagem, mas deixa pago duas diárias e pede para cuidarem dele e diz que, na volta, paga o que ele gastar mais. A compaixão nos faz entrar no sofrimento do outro, isso é amar o próximo: entrar no sofrimento do outro e tirá-lo de lá.

Aí Jesus fala para o homem “quem foi o próximo daquele que estava ferido?”. Geralmente pensamos que o próximo é o que está lá ferido, mas Jesus muda a perspectiva: o próximo sou eu que me aproximo do sofredor, eu sou o próximo daquele que está sofrendo, eu tenho que me fazer próximo do outro e responder a partir daquela situação – que às vezes são situações insolúveis. Tem situações que não tem solução, como o pessoal da Cracolândia, o que se pode fazer por aquela gente? O que o padre Júlio faz é dar comida, agasalho, é isso que dá para fazer... Não adianta fazer esse pessoal andar pelo centro de São Paulo criando ódio por todo mundo e não fazer nada por eles. O que dá para fazer é isso, mas o que a sociedade fez foi jogar eles no lixo e muitos deles nunca vão sair do lixo. Ter compaixão é se aproximar deles e fazer o que é possível dentro daquela situação. Jesus por fim pergunta para o mestre da Lei: quem é o próximo? O que usou de misericórdia e a misericórdia é de Deus. Deus é misericordioso, é da essência, é do coração de Deus. Nós temos que nos aproximar dos outros, como Deus se aproxima de nós, com misericórdia, não com arma, não com paulada, não com cachorro, não queimando tudo que as pessoas têm, não é esse o jeito misericórdia. A última mensagem que Jesus dá ao mestre da Lei é “agora vá e faça, seja misericordioso com o próximo e com todos, como o samaritano”. O samaritano agiu como Deus age, colocou em prática a escritura que o mestre da Lei interpreta, mas não vive.

Corremos muito esse risco de ser como os doutores da Lei. Devemos lembrar que naquelas duas figuras que passaram do lado de lá podemos estar nós, católicos de missa. Se a nossa fé não nos leva a ter misericórdia dos outros, somos simplesmente pessoas que praticam religião, mas não seremos discípulos de Jesus nem faremos o que Jesus quer que é ir ao encontro dos que sofrem para que o mundo seja melhor. Até por egoísmo a gente deveria fazer o bem para os outros: para que o mundo onde eu vivo seja melhor: se eu tenho menos violência, eu posso andar mais tranquilo na rua; se as pessoas têm mais comida, mais trabalho, mais educação, mais saúde, a sociedade toda ganha com isso. Vemos aqui os falsos moralismos que estão sendo usados agora “somos contra o aborto, família tradicional, contra a ideologia de gênero...” é tudo conversa mole. O povo está passando fome com essa política desastrada e incompetente, é o governo mais corrupto da história do Brasil, nunca tivemos tanta corrupção, corrompeu o congresso e vem falar de Deus, mas o seu deus é a morte – 700 mil brasileiros morreram por incompetência, porque as vacinas não foram dadas no tempo certo. Não se enganem com a religião que não cuida do que sofre. Não acreditem em quem fala de Deus e promove as armas. Não acreditem e quem fala de Deus e mata os índios, porque é mentira! Pelas obras, eu vou conhecer as pessoas e a obra desses que estão aí é a morte, então não caiam nessas conversas que são falsos moralismos. É isso é o que Jesus fala para aquele sujeito “agora vá e faça, seja misericordioso, promova a vida”. Esse é o caminho. Eu falo essas coisas, porque o Evangelho tem que ter sentido em nossa vida, o doutor da Lei já morreu, Jesus morreu e ressuscitou. O Evangelho é para nós hoje e tem consequências hoje.

 

Vamos pedir ao Espírito Santo que nos dê luz e graça para sermos promotores da vida.
 

292506375_1920480624815689_213526055200148819_n.jpg
Manter os olhos em Jesus e no Evangelho

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  Solenidade de São Pedro e São Paulo Ano C – 03/07/2022 - missa às 10h) 

Nós temos aqui essa apresentação que nos mostra São Pedro e São Paulo, a Bíblia que, neste caso, é o anúncio do evangelho que os dois proclamaram, a rede – Jesus disse: “vocês serão pescadores de homens” – e a chave, que lembra o poder petrino.

Muito bem! Jesus levou seus discípulos para essa região chamada Cesareia de Filipe, que era uma periferia perdida de Israel. Região desértica, pobre e quem governava era Filipe, irmão do rei Herodes Antipas, lá da Galileia. A região era tão ruim que a rainha largou o marido, que era o Filipe, e foi casar com o Herodes que tinha mais dinheiro, a mãe da Salomé não era grande coisa não. Mas também nos lembra a periferia do mundo, longe das influências do grande centro, que é Jerusalém, o Templo, o Sinédrio, o governador de Roma, o centro de pensamento, de economia. Jesus não quer nada disso, ele vai fora e lá, na periferia do mundo, na periferia de Israel, ele vai perguntar para os seus discípulos quem eles dizem quem é Jesus.

Primeiro Jesus pergunta quem é o filho do homem na opinião do povo. O filho do homem é uma figura misteriosa anunciada pelo profeta Daniel! Ele mostra Deus no juízo final e o profeta vê essa figura como um filho de homem que chega diante do pai e recebe autoridade, poder e glória, e Deus diz para ele: “não basta que você seja meu filho, eu farei de você luz das nações para que você leve a salvação a todos os confins da terra”, o salvador de todos.

Muitas vezes no evangelho, Jesus vai atribuir a si o nome de filho do homem. Existia essa outra figura que é o Messias, que era lido em chave política, seria o grande reformador da liturgia do templo, ia acabar com as sem-vergonhices que existiam no templo, dinheiro, essa coisa toda, e iria expulsar os romanos de Israel e fazer de Israel é a maior nação do mundo.

Quando Pedro responde “tu és o Messias, o filho do Deus vivo”, ele tem essa ideia na cabeça porque se nós continuarmos a ler o evangelho, logo depois dessa fala de Jesus, Ele vai começar a dizer “o filho do homem irá para Jerusalém e vai ser julgado pelos sumos sacerdotes, pelos doutores da Lei e pelos anciãos, vai ser condenado, torturado e morto, e no terceiro dia ressuscitará”.

São Pedro chama Jesus de lado e fala “para com essa conversa, que negócio é esse? Isso não vai te acontecer nunca!” Por quê? Porque Pedro tem a ideia do Messias político na cabeça. “Não, você vai acabar com tudo isso.” Jesus então chama Pedro: “afasta-te de mim satanás! Você é para mim pedra de tropeço porque você pensa como os homens e não como Deus.”

Pois é, mesmo para os discípulos demorou para entender que Jesus é o filho do homem nos moldes do profeta Daniel, e ele é também o Messias, mas Deus não quer aquela imagem que eles tinham de Messias. O Messias é outro, é de Deus e não da cabeça dos homens.

Mas padre, e essa frase aí no meio: “Pedro, tu és pedra e sobre esta pedra edificarei a minha igreja”? Nós não temos ali na narração da ressurreição o diálogo que Jesus teve com Pedro, nós sabemos que Pedro teve uma aparição de Jesus ressuscitado e muito provavelmente as frases que Jesus teria dito a Pedro foram deslocados para outros lugares do evangelho e uma delas é esta, que é o Jesus ressuscitado que fala Pedro.

Pedro depois que se arrepende, Pedro que corre para o túmulo porque ele não abandonou o mestre – ele abandonou lá, ele negou lá, mas ele não se vendeu para as trevas que nem Judas. Ele percebeu o erro e imediatamente volta atrás e permanece com os outros discípulos, reúne em torno de si os outros discípulos. Jesus, na manhã da ressurreição, aparece para Pedro, e nessa aparição muito provavelmente Jesus teria dito essas palavras e uma outra: “confirma a fé dos teus irmãos”.

Pedro, ao longo da sua vida, foi esse ponto de referência na comunidade de Jerusalém, mas também para as outras comunidades. Quando em Antioquia da Síria a comunidade começou a discutir se tinha que ter circuncisão dos novos discípulos de Jesus, São Paulo e Barnabé, mandados pela comunidade, vão para Jerusalém falar com quem? Com Pedro e os outros, e ali eles vão discernir qual é a vontade de Deus, e Pedro vai dizer: “nada de circuncisão, a lei de Moisés acabou”, e isso guiou a igreja e guia e até hoje.

Pedro esteve vários anos em Jerusalém, um breve período em Antioquia da Síria e depois foi para Roma. Em Roma, em torno dele se reunia a comunidade e, mais ou menos entre 64 e 67, nós não temos a data exata, como a perseguição de Nero, que é descrita no Apocalipse de São João, ele vai ser martirizado, ele e São Paulo.

Pedro foi crucificado de cabeça para baixo numa colina perto do Vaticano chamada Janículo. Hoje nós temos uma igreja naquele lugar chamada São Pedro em Montorio, ele teria sido crucificado ali e foi enterrado na colina do Vaticano onde existia um enorme cemitério. Foi enterrado ali. O Imperador Constantino mandou cortar o topo da colina, fazer um aterro danado para que em cima daquele túmulo onde estava Pedro se fosse construída a antiga Basílica do Vaticano. A Basílica que nós conhecemos hoje foi construída nos anos 1500, começou a ser construída pelo Papa Júlio II, em 1506. 

São Paulo era fariseu. Os fariseus eram uns bons religiosos, gente observante da lei, e muito duro, muito fanático e começou a perseguir esse grupo estranho que se chamava o caminho. Você sabia que esse era o primeiro nome dos cristãos? O povo do caminho. Cristãos vai ser usado pela primeira vez na cidade de Antioquia, para onde Pedro vai mais tarde, e, ali, esse nome vai se espalhar e se tornar o nome dos discípulos de Jesus. Mas, nesse primeiro momento, era chamado o caminho, e Paulo veio atrás, mandava enfiar na cadeia o povo. Foi para Damasco, uma cidadezinha lá perto, para botar cristão na cadeia, levar para Jerusalém e mandar matar esse povo. Ele era um fanático fervoroso!

No meio do caminho Jesus apareceu para ele e falou: “eu sou aquele que você persegue”. Paulo ficou cego, foi levado para a cidade e recebeu a ordem de procurar ou ser procurado por aquele que nós chamaríamos hoje de pároco do lugar, daquela comunidade. Ananias era o chefe da comunidade, porque é na comunidade que nós temos o discernimento da fé, é na comunidade que nós aprendemos a seguir Jesus. Jesus nos quer em comunidade. Jesus não quer que a gente tenha tenha culto e devoção por ele sozinho em casa, isolados do mundo, Jesus nos quer em comunidade.

Então Paulo vai para a comunidade e lá começa a experimentar a vida da comunidade e anunciar nas sinagogas que Jesus é a esperança de Israel, aquilo que os nossos pais esperaram por mil e oitocentos anos aconteceu em Jesus. Paulo foi muito perseguido por causa do anúncio do evangelho! Ele fala na carta aos Gálatas que em 4 vezes ele recebeu as 40 varadas menos uma (eram 39 porque se fosse 40 cortava o pescoço). Era uma punição que se dava para as pessoas que eram consideradas malfeitoras, 39 pauladas nas costas, e Paulo sofreu isso quatro vezes. Foi preso, foi exilado, foi perseguido, passou fome, passou frio, foi maltratado, um horror. Ele sofreu demais por causa do anúncio do Evangelho.

O evangelho de Paulo é o evangelho da liberdade. A cruz de Jesus perdoou nossos pecados, nós estamos livres da lei. Nós somos salvos e justificados pela cruz de Cristo. Nós somos pessoas novas e, por causa disso, nós vivemos de um jeito novo e nós podemos amar e servir o próximo porque o nosso coração está lá onde está Jesus.

Paulo também foi mandado prisioneiro para Roma duas vezes, provavelmente a primeira vez por volta dos anos 54, teria sido absolvido, e, anos depois, por volta dos anos 64, teria sido preso outra vez e, com a perseguição de Nero, mandaram decaptar, mais ou menos no mesmo período São Pedro. Esse dois Santos recebem na igreja a mesma veneração porque eles são tidos como as duas colunas da Igreja, como nós vamos ouvir na liturgia, no prefácio da oração eucarística.

Pedro anunciou o evangelho para o povo de Israel, o povo da antiga aliança. Paulo, mestre das nações, anunciou o evangelho aos pagãos. É Paulo que vai dizer, quando ele está lá uma vez, tentando falar com judeus, e os judeus começam a debochar dele, aí ele fala “Deus mandou anunciar primeiro para vocês, vocês não querem! Eu vou anunciar para os pagãos.” E os pagãos que estavam ali na região escutando o que Paulo estava dizendo ficaram todos entusiasmados. Esse é o momento divisor de águas em que a comunidade de Jesus começa a tomar consciência de que é alguma coisa diferente do judaísmo. Depois dos anos 70 e da destruição do templo, no Concílio judaico de Jamnia, decidiu-se expulsar os cristãos da Sinagoga. Aí, então, nós seguimos livres o nosso caminho, mas essa foi ação também plantada por Paulo.

Pedro e as chaves, “eu te entrego as chaves do reino do céu”. Quem tem as chaves? Naquele tempo, quem é o detentor das chaves? O dono da casa. Quando Jesus no apocalipse diz “eu tenho as chaves da morte e do inferno”, o que ele está dizendo? “Essas duas realidades não têm poder sobre mim, eu sou senhor da vida”. Aqui, no caso, Jesus está dando para Pedro a autoridade de Deus. Não é que são Pedro é Deus, e nem os Papas são Deus, não são. E qual é o poder de Deus? O perdão dos pecados, nos perdoar.

E a outra missão de Pedro: confirmar a fé dos irmãos, nos guiar ao longo da história para que, em cada tempo, em cada lugar, a igreja responda aos problemas e aos desafios desse tempo. Lá em 1500, quando foi feito o Concílio de Trento, achamos outras situações, a gente não tinha internet, nós não tínhamos ainda nem o que nós chamamos hoje de ciência; é depois que isso vai mudando e a igreja vai respondendo. A igreja respondeu nos anos 800 quando o império romano do ocidente estava no buraco, e a igreja se associa a Carlos Magno para salvar o mundo do ocidente.

Cada época a igreja vai dando uma resposta guiada pelos Papas. Todos são santos? Não. Nós tivemos grandes santos, grandes Papas. Nós, nesses nesses últimos séculos, tivemos Papas maravilhosos. Neste século aqui, fabulosos, isso é uma graça de Deus. Mas nós tivemos porcarias também, não poucas. Nem por isso eles desviaram a igreja do seu caminho, nem por isso levaram a igreja para o erro, mantiveram o barco da igreja seguindo ao longo da história, anunciando o evangelho.

Vamos pedir a Deus pelo Papa, sucessor de Pedro e pelos nossos bispos, sucessores dos Apóstolos, para que sejam para nós, comunidade cristã, guias no seguimento do Evangelho.
 

2606.jpg
Manter os olhos em Jesus e no Evangelho

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  13º Domingo do Tempo Comum Ano C – 26/06/2022 - missa às 10h) 

Setecentos anos antes de Jesus, a Samaria, reino do norte, foi invadida pelos assírios, que deixaram de existir em comunidade nacional. Do povo de Israel, sobrou somente os dois reinos do sul: Judá e Benjamin. E esse pessoal misturou-se muito com as religiões pagãs, mas eles adoravam o deus de Israel. Porém o povo de Jerusalém tinha desprezo pelos samaritanos, e aí, durante esses setecentos anos, eles viveram em briga. Quando Jesus desce da Galileia, passa pela Samaria para poder entrar em Judá, Ele passa por uma vila e pede hospedagem, por quê? Porque naquele tempo não tem hotel na beira de estrada, não tem luz elétrica, não tem celular, não tem como discar para o 190 [número da polícia]. Se você está fora do povoado durante a noite, você corre riscos muito grandes, seja de ser roubado, de ser ferido por animais, de se perder... imagina uma noite que não tem lua, não tem poste de luz, você fica perdido no meio da estrada! Era terrível uma situação dessa, e Jesus é largado desse jeito então Ele fala com dois discípulos, os dois de "cabeça quente", que era São João e São Tiago e eles dizem: "Quer que mandemos um raio do céu para acabar com essa gente?". Jesus fica nervoso e dá uma bronca neles, porém essa bronca é o mesmo jeito que ele usava para fazer exorcismos, para calar o mar quando estava agitado, do mesmo jeito. O fanatismo religioso – João e Tiago ali no caso eram fanáticos – é tão ruim como o diabo que a religião combate, pois ele mata, esse ódio mata, exclui pessoas, acham que são de segunda ou terceira classe, que não valem nada, e isso é um perigo que nós corremos sempre. Todo fanatismo mata! Olha o Afeganistão hoje, mas olha para a história da Igreja, quantas pessoas nós matamos em nome da fé? Isso é fanatismo e não é bom. Toda vez que você olha para outro valendo menos, você está arriscando de matar o outro. Nós temos essa situação dos indígenas no norte do Brasil, por que estão sofrendo tanta perseguição? Porque as pessoas acham que eles não tinham que falar, porque acham que valem menos, que não são cidadãos como os outros, por isso matam. No sábado a noite, na cidade de Oslo, um norueguês abriu fogo em uma boate gay, matou algumas pessoas e feriu mais de 21 por ódio. O que essas pessoas fizeram a ele? Nada! Eles só são diferentes! Você não pode excluir o outro porque ele é diferente. Mas não vamos muito longe, olha essas partidas de futebol, vamos lá para assistir um simples jogo, se o time perdeu, perdeu, o outro ganhou, parabéns! Vamos esperar uma próxima para ver se o time ganha, mas isso não quer dizer que você precisa matar o outro, dar uma paulada no outro, isso é uma barbaridade. Isso são algumas das formas de fanatismo, fanatismo sempre diz que o outro é menos, que o outro está errado e não pode existir. É uma tentação constante dos discípulos de Jesus, então nós temos que ter os olhos sempre em Jesus para não nos desviar do caminho.

Então Jesus vai para esse outro povoado, sem saber se teria mesmo algum outro povoado por ali, se teria que dormir no meio do deserto, sem saber o que ia acontecer. Então vem um sujeito correndo atrás e fala "eu quero te seguir" – ele devia estar bem entusiasmado, provavelmente ouviu a pregação de Jesus e estava animado, e Jesus fala "ser meu discípulo pode significar que talvez você não seja acolhido, ser discípulo é algo exigente, pode tirar de você a segurança para tua vida". É muito sério. Aí vem outro falando "eu quero te seguir" e Jesus o chama: "Venha então, siga-me", mas ele responde "Ah, mas eu quero antes enterrar o meu pai", e Jesus vai responder "Deixe

que os mortos enterrem seus mortos". Jesus não está desprezando o rapaz e nem a dor pela morte do pai dele, Jesus está dizendo que o maior valor para a vida do discípulo é o anúncio do reino. Nós somos chamados por Deus, por força do nosso batismo, a ser anunciadores do reino, com nossa vida primeiro: uma vida de honestidade, de justiça, de paz, de solidariedade, e depois anunciar também com a palavra. Tanto que Jesus quando diz a ele para deixarem os mortos enterrarem seus mortos, é para ele anunciar o reino.

E finalmente o outro diz "Senhor eu quero te seguir, mas deixa eu me despedir da minha família" e Jesus vai dizer uma frase: "Quem põe a mão no arado e olha para trás, não é digno do reino". A gente não pode amar a família porque segue Jesus? Pode. Mas temos que lembrar que a coisa mais importante é ter os olhos em Jesus e no Evangelho, e por quê? Até mesmo seus parentes podem te desviar do caminho, tem parente seu que faz chacota porque você vai na missa, porque você é um bom cristão, aí você começa a pensar em "dar uma maneirada", e você vai saindo do caminho. Naquele tempo, o arado quando tinha ponta de metal estava bom demais, às vezes era uma ponta de madeira... se a pessoa tinha dinheiro, tinha junta de bois e vai abrindo os sulcos da terra, mas você precisa ficar atento no arado para seguir sempre na mesma linha. Se você se distrai, o boi vai para o outro lado e vai ficar com o terreno todo perdido. Então a frase de Jesus quer dizer "não se distraia do Evangelho que você tem que seguir". Nem o afeto familiar deve desviar você da atenção a Jesus e ao Evangelho, porque Jesus e o Evangelho são importantes, todo o resto pode ser simplesmente dispensado.

289833572_1909875042542914_3729937207193656525_n.jpg
​Amar e servir nossos irmãos e irmãs

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  12º Domingo do Tempo Comum Ano C – 19/06/2022 - missa às 10h) 

No antigo testamento acreditava-se que as pessoas piedosas eram protegidas por Deus, nada aconteceria com elas. Então o que aconteceu com o Rei Josias que era um ótimo rei? Se vocês olharem os dois livros dos reis, são poucos os reis que são elogiados. Tinha rei que se casava com princesas estrangeiras e trazia um monte de deuses pagãos para o reino de Israel, era uma bagunça, mas alguns não, alguns foram muito bons e tentaram reconduzir o povo, tentaram tirar os templos pagãos, e um desses grandes reis foi Josias, isso um pouco antes do exílio da Babilônia.

 

Esse rei era muito bom, amado por todos, aí foi para a guerra e todos pensavam que Deus iria proteger, mas um flexa matou o homem. O povo ficou doido: “mas ele é um homem bom, justo, religioso” – isso é o que colocou a questão sobre o sofrimento e a morte do inocente, e Deus fala “eu darei para Jerusalém um tempo de contrição, ver o mal que fez para os outros”; isso é arrependimento, se dar conta do que se fez de mal, no que dificultou e até acabou com a vida do outro, se converter desse tipo de ação para que possa haver vida e alegria para todos. Então, em Jerusalém, Deus vai dar isso – não em Jerusalém, Palestina hoje, mas para o seu povo onde quer que esteja.

 

Depois nós temos Jesus no evangelho que está terminando seu ministério na Galileia, no norte da Palestina, depois descendo tinha a Samaria e depois a Judéia, e Jesus fez grande parte do seu ministério na Galileia. Partiu para Jerusalém, onde acontecem os confrontos tremendos de Jesus com os líderes religiosos daquela época e eles acabem matando Jesus crucificado. Por isso, Jesus diz: “não digam para ninguém que sou o Cristo” porque a missão dele não tinha acabado.

 

Jesus nos revelou que o messias de Deus é diferente do que se pensava, um messias poderoso, glorioso e que fosse engrandecer Israel, não, Jesus mostrou uma outra messianidade. Os planos de Deus são diferentes, é na cruz que aparece a obra messiânica de Jesus, de fato, é debaixo da cruz que um pagão, o centurião, fala: "esse era filho de Deus”, o messias que assume sobre si a maldade do mundo.

 

Quem matou Jesus? Os sumos sacerdotes que eram todos ateus, não acreditavam na ressureição dos mortos, na vida eterna, nos anjos, em nada. “A vida tem que viver aqui, observar a lei aqui e depois é pó” – esses eram os saduceus, e esses eram os sumos sacerdotes. Depois temos os anciões que eram os homens ricos, famílias tradicionais, geralmente grandes latifundiários e os doutores da lei que, na sua maioria, eram fariseus, os bons religiosos, observantes da lei, se faziam reconhecer e aclamar como bons judeus. Esses três grupos mataram Jesus, não reconheceram sua messianidade – ou reconheceram e, por isso mesmo, o mataram, para não mudarem suas vidas. Continuaram assim por 40 anos.

 

Quem traz e quem pratica a injustiça no mundo são aqueles que fazem e multiplicam o número dos pobres, são aqueles que descuidam da saúde do povo, que empobrecem o povo, que perseguem os justos, são aqueles que matam as pessoas que defendem os pobres. Tivemos esse caso vergonhoso agora dos assassinatos da Amazônia que o mundo inteiro está vendo. O padre Júlio Lancelotti vive sendo ameaçado de morte porque cuida dos pobres, e cuidar dos pobres é colocar o dedo na ferida de um Estado injusto que produz a pobreza.

 

Jesus, com as suas brigas, debates, confrontos com esses três grupos que falei, sumos sacerdotes, anciãos e doutores da lei, vai desmascarar a iniquidade desse povo, não vai ter papas na língua, vai chamar esse povo de hipócritas: “vocês são sepulcros que carregam um monte de podridão dentro e se parecem bonitos”. É crítica grave! Jesus chama Herodes de raposa, são coisas pesadas. Jesus não acaba onde acaba porque falou palavrinhas bonitas, quem fala palavrinhas bonitas não acaba na cruz.

 

Jesus enfiou o dedo na ferida, eu digo que ele arrancou o fígado das pessoas e dos grupos que geravam sofrimento e morte no meio do povo porque Deus olha, Deus escuta o grito do inocente que sofre. Cuidado, inocente não quer dizer santo, não é porque é pobre que é santo, mas exatamente por ser pobre que Deus olha para ele.
Deus olha para onde tem sofrimento, dor, pobreza e morte. Se você deixa de comprar vacina e deixa um monte de gente morrer, os que morrem são inocentes mesmo não sendo santos, vítimas de um Estado iníquo. Se parte do Brasil vira terra de ninguém, terra sem lei, terra do narcotráfico, é porque quem devia não fez nada, mas é nossa terra e deveria ser protegida do crime. E o Estado não faz, pelo contrário: tirou até o pouco que tinha de proteção para aquilo ser terra de ninguém e ganhar mais dinheiro, isso é iniquo. Mata as pessoas que defendem o direito do povo que sofre na região. Não é o primeiro, não são os primeiros, são muitos anos que temos isso: morte de quem defende o mais fraco.

Isso Jesus fez, isso denuncia um Estado, uma sociedade, uma mentalidade de morte que não é de Deus. Nós, cristãos, somos chamados primeiro a denunciar, mas você só denuncia se você se escandaliza, nós chamamos isso de indignação ética, se você reconhece nesse sofrimento dessas pessoas algo que Deus não quer. Deus não quer bomba em cima de ninguém na Ucrânia, Deus não quer ninguém passando fome, Deus não quer as nações da África sendo dizimadas por guerras e interesses estrangeiros, impossibilidade de vacinar as pessoas porque não tem nem onde guardar as vacinas, situações terríveis de pobreza.

 

Deus não quer nada disso num mundo tão rico como o nosso! Deus não quer esse sofrimento. Nós temos que aprender a ver o outro como irmãos, e um irmão meu eu não quero ver passando fome, um irmão meu eu não destruo, um irmão meu eu não mato. Jesus disse isso, defendeu e mostrou a iniquidade do mundo, do templo, porque ali, naquela época, o executivo, o legislativo e o judiciário ficavam todos nas mãos desse sinédrio. Jesus denunciou a iniquidade desse povo que não estava seguindo a vontade de Deus apesar de se dizerem “de Deus”, por isso ele acaba na cruz.

 

Então, quando lemos o evangelho, temos que tirar uma casquinha de açúcar que fomos jogando em cima do evangelho e, de repente, o evangelho não diz mais nada. Arranca essa casquinha de açúcar e você vai descobrir o verdadeiro Jesus lá dentro.
Vamos pedir a Deus que possamos sempre olhar para Jesus, mudar na nossa vida aquilo que não está de acordo com o evangelho para poder amar e servir os outros porque são nossos irmãos e irmãs.

1606.jpg
Jesus na Eucaristia - vida eterna

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Solenidade de Corpus Christi  Ano C – 16/06/2022 - missa às 10h) 

Corpus Christi. Essa festa acontecia na diocese de um Papa da idade média, e, quando ele foi eleito Papa, ele estendeu essa festa para o mundo inteiro. O que significa o Corpus Christi? As palavras são em latim, elas querem dizer "Corpo de Cristo". E por que esta festa? Porque ao longo dos séculos, nós tivemos muitos grupos de hereges que negavam a presença real e permanente de Jesus na Eucaristia, muitos grupos. Santo Antônio, por exemplo, que nós celebramos alguns dias atrás, participou de um grande movimento de evangelização contra esses hereges, então ele ia pregar ao povo mostrando que Jesus estava realmente presente na Eucaristia.

 

A presença de Jesus na Eucaristia não é um pedaço de carne e duas gotas de sangue. É Jesus inteiro, é a vida de Jesus que está no pão e no vinho, a vida de uma pessoa que é Deus, que passou sua vida terrena fazendo o bem: perdoou os nossos pecados, curou doentes, ressuscitou mortos, teve seguidores, pregou para as grandes multidões de pobres, criticou os poderes constituídos no templo do rei Herodes, e morreu exatamente por causa de suas posturas e posições que conflitavam com as ideias dos senhores dos templos de Jerusalém.

 

Por isso que é bobagem reclamar, por exemplo, que os padres falem alguma coisa da vida pública e política. Lembrem-se: Jesus fez isso, e os padres vão responder diante dele se não anunciarem o evangelho. Onde tem morte, nós temos que denunciar que ali há morte, para que se promova a vida! Jesus morreu por isso, porque pregou a fraternidade! Toda essa vida, a sua morte, a sua ressureição e sua glória estão ali, presentes na Eucaristia. Jesus entra em relação conosco pela ação de fraternidade. Jesus diz para Madalena: "vai aos meus irmãos", ele tem uma relação de fraternidade conosco. Onde quer que nós estejamos, Jesus nos vê como irmãos e irmãs.

 

A comunidade primitiva ficou impressionada com o que Jesus fez naquela última ceia, que não foi a Páscoa hebraica – a Páscoa hebraica foi no dia seguinte, Jesus estava morto quando celebraram a Pascoa hebraica. Existia, naquele tempo, um ritual nas refeições, e Jesus toma o pão na benção mais solene que existia na celebração e muda as palavras.

 

Os hebreus conheciam aquelas palavras pois eram 1800 anos, ou pelo menos 1200 que se celebrava a fuga do Egito e a passagem da escravidão para a liberdade, e Jesus muda! Isso chama tanto a atenção dos apóstolos que essas palavras se gravam que nem fogo na mente deles. No vinho, Jesus também muda as palavras, não é mais o cordeiro, um bicho, não é mais um sangue de animal, a aliança agora é com a vida de Jesus pelo sangue derramado por cada um, sangue que grita misericórdia diante do Pai em nosso favor. Isso nos diz a carta aos hebreus: o sangue de Jesus intercede por nós diante do Pai.

 

E é muito interessante ver os gestos: tomou, deu graças, partiu e deu. Na multiplicação dos pães nós vemos estes quatro atos/gestos, então a multiplicação dos pães não está falando apenas de um milagre, houve sim um milagre que marcou muito a comunidade, tanto que alguns evangelhos contam duas vezes o mesmo milagre. Jesus tem compaixão, ele quer que o povo tenha vida! Ele não quer pobres e miseráveis sofrendo, não quer 33 milhões de famintos, não quer 120 milhões de pessoas que não sabem se vão ter a janta de hoje num país que é o segundo exportador de comida do mundo, e, em alguns alimentos, o primeiro.

 

Jesus não quer essa contradição, não quer essa loucura, ele vê o povo faminto e se preocupa em dar o pão para esse povo! Jesus não quer o povo com fome, não quer o povo vivendo na rua, não quer a Amazônia dominada por traficantes, madeireiros e garimpeiros ilegais matando índio, Deus não quer isso.

 

Então o Evangelho tem a ver com nossa vida? Tem e muito! Jesus deu o pão para as pessoas, não deu conversa mole, não deu leis injustas, não corrompia parlamentos com orçamentos secretos e outros “dinheirões” dentro dos bolsos de centrões. Jesus quer que o povo coma, que tenha vida. Jesus não mente, Jesus diz a verdade. E, no final deste evangelho [Lc 9, 11b-17], depois que o povo comeu até a saciedade, não é um pedacinho para tapar a fome, o povo come até se sentir saciado – “Eu quero que todos tenham vida, e vida em abundância!" – é isso que Deus quer para nós; todos comeram, ficaram satisfeitos, e aqui é uma imagem simbólica: sobraram doze cestos de pães. O que quer dizer isso? Doze é o número dos apóstolos, em uma outra versão serão sete, que era o número dos diáconos, e o quer dizer isso? Os discípulos, os apóstolos, e os sucessores deles ao longo da história nos distribuem o pão da vida, e o pão da vida é a Eucaristia, por isso nós temos que rezar para ter vocações.

 

O povo de Deus tem direito à Eucaristia e ao perdão dos pecados, mas para isso precisa ter padre, e para ter padre tem que rezar, pedir para Deus, para chamar esses meninos e jovens, dos vossos filhos e netos! Que Deus chame jovens para ser sacerdotes, que garantam para esta comunidade a Eucaristia e o perdão dos pecados. Celebrar a Eucaristia, celebrar o Corpo do Senhor é celebrar a vida de Deus conosco, é celebrar a vida que Deus quer que tenhamos, é celebrar nosso empenho para que o nosso povo, nosso bairro, cidade, estado, país, o nosso mundo não tenha mais famintos, não tenha mais pessoas sem casa, sem saúde, sem educação. Deus quer a vida, e vida em abundância para todos, e Jesus na Eucaristia é para nós vida eterna.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos dê a graça de nos aprofundar sempre mais no mistério da sua presença real no Pão e no vinho e aprender dele a trabalhar e nos empenhar para que todos tenham vida.

288086815_1902801996583552_7369744463607744010_n.jpg
A Santíssima Trindade e a fraternidade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Solenidade da Santíssima Trindade  Ano C – 12/06/2022 - missa às 10h) 

Nós estamos na solenidade da Santíssima Trindade. Nós não adoramos o Deus dos hebreus, não adoramos o Deus dos muçulmanos, nós adoramos a Trindade. Os hebreus e os muçulmanos adoram um único Deus e, com eles, nós somos as três religiões monoteístas do mundo, mas o nosso Deus único é trino: Pai, Filho e Espírito. Jesus diz no Evangelho: “O Espírito receberá do que é meu, ele dirá o que ouviu”, mas Jesus também fala isso de si mesmo: “eu falo o que o Pai me disse, eu vos comunico o que o Pai me disse” e depois Ele vai dizer: “eu e o Pai somos um” e vai dizer mais: “se eu ajo com o dedo de Deus é porque entre vós chegou o reino de Deus”. O dedo de Deus é um modo de dizer o poder de Deus e do Espírito Santo.

Quem pode ver Deus? Ninguém. Deus habita em uma luz inacessível. Quando Moisés pediu para ver Deus, Deus falou para ele: “você vai se esconder na rocha, no buraco, em uma caverna, eu vou colocar a minha mão na entrada da caverna e vou passar diante de ti com toda minha glória e você vai me ver pelas costas, porque ninguém pode ver o rosto de Deus e permanecer vivo”. Aí a gente olha no evangelho de São João que diz: “aquele que tem o rosto voltado por Pai”: ele nos revelou que quem tem o rosto voltado para o Pai é Jesus, na eternidade, verbo eterno do Pai. Quem pode olhar o rosto do pai? Só Deus. Jesus é Deus, só Ele pode olhar para o rosto do pai. Quem pode ouvir e comunicar a palavra do Pai? Jesus é o verbo encarnado, e o Espírito porque o espírito é Deus. Como o Pai e o Filho, o Espírito perscruta, olha o coração de Deus. O Espírito é o amor de Deus entregue para nós.

Então a Trindade vive um abraço estreito e a força que abraça o Pai e o Filho é o Espírito. Esse abraço é tão forte, tão potente que as três pessoas são uma única divindade e cada pessoa tem as outras duas em si – sem ser esquizofrênicos; quem tem múltipla personalidade é doido, mas pra Deus isso é possível.

Essa representação do altar mostra a Bíblia na primeira página e a primeira frase da Gênesis é “no princípio, Deus criou o céu e a terra”. Nós atribuímos a criação do universo ao Pai, mas o Pai cria no Filho e com o poder do Espírito – as três pessoas agem sempre aqui. Em seguida, temos aqui a cruz: Jesus, o verbo encarnado do Pai, que cumpre a vontade do Pai. O Pai quer a salvação do universo e o Filho é enviado pelo pai para anunciar e viver isso. E Ele o faz com a força do Espírito Santo. Por último, temos o Espírito Santo que é representado por várias imagens como o vento, o fogo, o óleo, a água, a pomba que desce de forma certeira no ninho... Quando João fala que viu o céu se abrir e o Espírito descer como uma pomba não é porque parecia uma pombinha voando, ele quis dizer que o Espírito desceu de forma certeira sobre Jesus para indicar o início da missão de Jesus. É um sinal externo porque Jesus está em eterna comunhão com o Pai e o Espírito.

Se olharmos para a Trindade perguntamos “saber tudo isso o que muda na nossa vida?”. A Trindade são três pessoas completamente diferentes: o Pai é o gerador, o Filho é gerado, e o

Espírito é expirado. São três situações diferentes que em Deus, por força do Espírito, estão tão unidas que formam um só. Um único Deus em três pessoas representa harmonia, amor, luz, graça, alegria. Para traduzir na nossa forma de viver, na nossa condição humana, isso é fraternidade. Jesus diz: “vou para o meu Deus e vosso Deus, meu pai e vosso Pai, vós sois todos irmãos”. Deus não faz distinção de pessoas. O que pode criar vida entre nós? Fraternidade. Viver realmente e crer realmente que nós somos todos irmãos e irmãs. A fraternidade entre nós é a realização em nós daquilo que é o amor de Deus por nós, e qual é a vontade da trindade? Que todos sejamos um. Foi isso que Jesus falou que nós estejamos neles e eles em nós, é isso que Deus quer de nós e temos que aprender isso aqui nesse mundo, lugar de viver a graça e o poder de Deus. Para isso, não precisa ter poder ou milagre, é amar o outro, é ver que o outro é meu irmão e irmã. Algumas pessoas nós temos que ajudar a se levantar, outras temos que colocar na cadeia para aprender a viver como irmãos, mas, todos são irmãos. Se vivemos como irmãos, não tem fome, não tem miséria, não tem gente mentindo ou matando, porque o outro é meu irmão. É diferente de mim, mas eu não quero matar o meu irmão e nem minha irmã. Isso é caminho de Deus e o que a Trindade ensina, é nisso que a Trindade nos é modelo. Deus quer que sejamos como Ele. Vamos pedir a Virgem Maria que reze por nós e conosco; ela que é e que foi filha predileta do Pai, mãe do verbo divino encarnado, templo do Espírito Santo, que Nossa Senhora nos ensine a viver o amor que Deus tem no coração dele: a fraternidade.

287058389_1899574056906346_3738218762782844376_n.jpg
Que o Senhor nos encha do Espírito

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Solenidade de Pentecostes Ano C – 05/06/2022 - missa às 10h) 

Nós temos hoje aqui essa decoração que nos lembra os 7 dons do Espírito. O Espírito de Deus é Deus como o Pai e o Filho, é a ação em Deus. Nós, na teologia, usamos um modo esquisito de falar: o Espírito Santo é a hipostatização de todos os atributos divinos. O que quer dizer isso? O Espírito Santo é a divindade em Deus, o Espírito Santo é o amor de Deus, o Espírito Santo é o poder em Deus, o Espírito Santo é a onisciência de Deus. Todos os atributos de Deus são do Espírito Santo, e o Espírito de Deus leva não só a humanidade, mas toda a criação, à sua plenitude que vai ser a comunhão com o Pai e o Filho.

Quando São Paulo nos fala “Deus será tudo em todos, Cristo será tudo em todos, então ele entregará o mundo nas mãos do Pai que se faz na força do Espírito”, o Espírito Santo faz com que a palavra de Deus seja atual sempre. O evangelho de Jesus sempre é capaz de responder às nossas várias situações da vida ao longo dos tempos!

 

Nós vivemos o século 21, temos os nossos problemas, somos 7 bilhões de pessoas nesse planeta. Nós temos a consciência de planeta e antes não se tinha essa consciência, nós temos tecnologia, hoje nós estamos com o problema da Covid, e o que a palavra de Deus tem para dizer sobre isso? Tem alguma coisa para dizer? É o Espírito Santo que nos ajuda a fazer com que a palavra de Jesus possa ser vivida hoje no tempo da Covid, no tempo da tecnologia e até no tempo das fake news. Viver hoje o evangelho, o amor ao próximo, o serviço.

 

Nós ouvimos na sequência “iluminai a escuridão”. O tempo nosso, com a Covid, está levando muita gente à depressão, e ela é descrita como escuridão, o não-sentido, o vazio. É o Espírito de Deus que é capaz de dar luz para o nosso coração, iluminar as nossas trevas. Então, nesse tempo, pedir ao Espírito que nos dê luz, nos dê discernimento nesse tempo de tanta mentira, tanta polêmica, tanto problema. Pedir ao Espírito de Deus que nos mostre o caminho do Evangelho, o rumo de Deus, para que nós não nos enganemos e não enganemos os outros.

 

O Espírito de Deus é apresentado por Jesus como o advogado, o defensor: “Eu enviarei do Pai o outro defensor”. Por que outro? Quem é o defensor? Jesus! Jesus atrai sobre si a maldade do mundo. O mundo se joga sobre Jesus e o mata, mas esse é o maior testemunho de amor e fidelidade que nós temos. O Espírito Santo, como o outro o defensor, faz com que a comunidade cristã seja a face de Jesus presente no mundo. De fato, em muitos lugares do mundo, a Igreja é perseguida e cristãos são mortos porque são de Cristo, porque defendem a justiça, a paz e a verdade.

 

A gente fala “nossa, isso pode estar longe de nós”, e não está não! Vocês viram essa semana aqui em São Paulo os discursos de ódio contra o Padre Júlio Lancellotti? Por quê? Porque cuida dos pobres. Cuidar dos pobres é cuidar da vida, é promover a vida nesse nosso tempo. Isso é a força do evangelho que nos leva, e toda vez que você segue o evangelho pode ter certeza de que você vai levar paulada na cabeça.

 

É o Espírito Santo que nos leva a seguir o evangelho e a dizer como São Paulo: “Ai de mim se eu não anunciar o evangelho”, ou como profeta Jeremias: “Eu tentei até não falar mais a Tua palavra, eu tentei não ir mais atrás disso, mas a Tua palavra é um fogo, parece que queima nos meus ossos, eu tenho que falar!” Essa é a força do Espírito.

Nós somos chamados a pedir ao Espírito de Deus e poder viver o amor de Jesus no nosso tempo, na nossa família, no nosso trabalho, na sociedade, na política, dentro da comunidade cristã. Ser testemunhas de Jesus, esse é o caminho do Evangelho, essa é a via que nos leva o Espírito.

 

Ai a gente fala: “mas, padre, o senhor fala de ação, fazer isso, fazer aquilo… e o Espírito Santo?” O espírito de Deus é como o vento, é como o fogo, é certeiro igual uma pomba que desce para o ninho. Nós vemos o efeito, mas não vemos ele porque o Espírito de Deus é livre. Nós não conseguimos prender o Espírito de Deus, por isso se fala de vento, fogo, é ação, e a ação dele na nossa vida é o amor pelos que sofrem.

 

Vamos pedir ao Senhor que ele nos encha do seu Espírito para que nós possamos realmente testemunhar Jesus neste nosso tempo.

284950668_1892238864306532_4461058459953099006_n.jpg
A Ascensão é um convite à propagação do Evangelho

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Ascensão do Senhor Ano C – 29/05/2022 - missa às 10h) 

São Lucas escreveu uma grande obra em dois volumes, que foi idealizada assim desde o início. O primeiro volume é o Evangelho de São Lucas e o segundo é o Atos dos Apóstolos. Ele encerra este evangelho falando da Ascensão e começa o Ato dos Apóstolos narrando a Ascensão de Jesus de novo.

O que é a Ascensão? Deus, na sua infinita bondade, esvazia-se de si e torna-se um de nós. É como se Ele tirasse de cima de si Sua glória e se tornasse igual a nós. Deus pode fazer isso. Viveu a nossa vida, teve nossas alegrias, sofrimentos, angústias, nosso trabalho, anunciou o Evangelho e, no fim, foi assassinado pelo sistema político daquele tempo, que era o sinédrio judeu e o poder romano. O Pai aprova toda a ação de Jesus. Jesus, sendo Deus, nos revela como é o coração de Deus. Deus é fiel até o fim. O Pai se entrega todo para o Filho e este, imitando o Pai, se entrega totalmente a nós até a morte de cruz. O amor de Deus não tem limite. O limite do amor humano é dar a vida pelo outro e Jesus faz exatamente isso: dá a vida pelo outro para mostrar a fidelidade de Deus. É interessante ver que o trecho da carta aos hebreus que ouvimos hoje [Hb 9,24-28;10,19-23] termina exatamente com essa frase: “é fiel aquele que fez a promessa”. Esse é o nome de Deus: fidelidade. A ascensão é o final da missão visível de Jesus nesse mundo. Deus se fez um de nós por 33 anos. Ele caminhou conosco em um determinado lugar, em um determinado tempo da história, em uma determinada cultura. Viveu a vida ali, foi morto e nos revela que a vida não termina no frio do túmulo, mas sim que ela se abre para a eternidade. Essa é a revelação de Jesus. E os apóstolos, que viram Jesus mais uma vez, contemplaram essa realidade nova, que é Deus após 40 dias. Eles tiveram várias experiências de Jesus ressuscitado, que não é um defunto que volta a andar, mas sim outra coisa. Jesus foi além da morte: atravessou o vale da morte junto do Pai e se manifesta para nós.

Senhor da vida eterna, a morte não tem poder sobre Jesus. No livro do Apocalipse, vemos Jesus que tem as chaves do lugar dos mortos na mão. Isso significa que Ele é o dono. Quando você tem um cachorro e tem a coleira dele, você é o dono e tem poder sobre ele. A mesma coisa Jesus, sobre a morte, o mal e o inferno. Jesus tem tanto domínio sobre o inferno que a última palavra da história é de Jesus. E a última palavra de Deus é misericórdia. Então Jesus nos manifesta isso. A ascensão é o fim desse período em que Jesus está conosco de forma visível mesmo nessas manifestações da ressureição. Para que Jesus esteja conosco de outro modo, para que Ele esteja presente na comunidade de seus discípulos e discípulas e essa comunidade possa fazer transparecer o rosto de Jesus. Todas as vezes em que nós nos amamos como irmãos e irmãs, em que vivemos e promovemos a justiça a paz, ou somos solidários com os que sofrem, ou lutamos para que haja justiça e igualdade nesse mundo, estamos fazendo transparecer o rosto de Jesus, que permanece em nosso meio.

Jesus, quando ascende ao céu, é como se ele se expandisse e abraçasse o mundo todo em todos os tempos, de modo que hoje possamos testemunhar Jesus do mesmo jeito que aqueles homens e mulheres testemunharam Jesus há dois mil anos e ao longo de todo esse período da história. Quem faz com que Jesus esteja presente desse modo no nosso meio? O Espírito Santo. Porém, no Pentecostes, que nós vamos comemorar domingo que vem, poderíamos falar “presta atenção ao próximo capítulo”. Nós lemos a escritura e rezamos, tendo o cuidado para não ficarmos alienados. E Jesus, mais de uma vez, nos ensina isso, já no Antigo Testamento, quando Elias fugiu pro Monte Horeb dizendo “quero morrer, não quero mais fazer nada disso”. Deus aparece e, depois de conversar com ele, diz: “pode voltar por cima dos seus passos, pois você tem uma missão”. Lá no Monte Tabor, quando houve a transfiguração, São Pedro, São João e São Tiago estão lá e São Pedro diz: “nossa, é tão bom a gente ficar aqui”. Claro que é, pois é o céu. Quem não vai querer? Mas Jesus diz: “a gente vai descer o morro porque temos uma missão a cumprir”. Maria Madalena, quando Jesus ressuscita, ela vê Jesus e vê o céu. Ela quer abraçar Jesus e diz que quer viver a eternidade. Mas Jesus fala: “vá anunciar para seus irmãos”. O céu é para depois, mas a missão é para agora. Situação semelhante ocorre quando Jesus abençoa os discípulos e é levado pra junto do Pai. Eles ficam pasmados olhando para o céu. Aí vem os anjos e falam: “Ele disse para vocês irem anunciar o Evangelho em Jerusalém, na Samaria e no mundo inteiro”. Você olha pra Deus, lê a Sua Palavra a fim de viver e anunciar o Evangelho, a Boa Nova.
Aprender a viver com os outros como irmãos: este é o caminho do Pai. Caminho este anunciado por Jesus. Esse é o caminho que nos impulsiona o Espírito Santo. Vamos louvar a Deus pela Sua misericórdia de nos revelar isso e nos capacitar a viver como irmãos e irmãs.

284178307_1888407428023009_1607055319113136898_n.jpg
Buscar a transformação para a Jerusalém Celeste

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 6º Domingo da Páscoa Ano C – 22/05/2022 - missa às 10h) 

Jesus está na Última Ceia, Judas já foi embora e Judas Tadeu pergunta para Jesus se é essa a hora que ele vai se manifestar para o mundo. O que significa? Judas Tadeu, depois de 3 anos com Jesus, e Jesus falando que o reino de Deus é diferente do que pensam os hebreus, que o Messias não é como os hebreus querem, e Judas Tadeu pergunta para ele: “é agora? Vai ser o reino agora?” Jesus vai dizer: “quem ouve a minha palavra, nesse o pai faz morada.”

O reino de Deus é reino de paz, de serviço, de solidariedade, de fraternidade. Jesus vai dizer: “eu vos dou a paz”, mas não como o mundo dá a paz! A paz do mundo é a paz romana: os romanos chegavam no lugar e, ou o pessoal se rendia, ou eles massacravam tudo, colocavam “paz romana”. É violência, força, subjugar os povos, isso não é de Deus, Deus não quer isso. E é exatamente isso que está na cabeça dos hebreus quando pensam no messias ou no reino do messias: um messias que vá botar ordem em tudo, mudar todas as liturgias do templo, expulsar os romanos da Palestina e implantar um reino que dominará o mundo inteiro. É essa a ideia que eles têm na cabeça.

Jesus fala não! O reino de Deus caminha por outras vias, é reino de paz e de entrega de si para os outros, é confiança total no Pai. Jesus se coloca como modelo: eu me entrego na total confiança para o Pai, e o Pai é fiel, o Pai da vida eterna. Jesus nos convida a fazer a mesma coisa, gastar nossa vida fazendo o bem e confiantes de que o Pai não vai nos abandonar. Mesmo que vierem perseguições e morte, o Pai estará conosco.

Jesus fala do Espírito Santo, o defensor, o advogado, o outro advogado – o primeiro é Jesus, que pede por nós ao pai. O Espírito Santo vai nos recordar as palavras de Jesus, o amor de Jesus em cada tempo. Hoje os nossos problemas são diferentes dos tempos de Jesus, são diferentes de quando teve o descobrimento do Brasil, são diferentes dos problemas no Japão ou na Índia. O Espírito de Deus fala conosco hoje, aqui, para que aqui nós possamos viver a palavra de Deus, colocar atualizada a palavra de Jesus aqui no nosso meio.

A comunidade cristã é lugar de discernir, de escutar a palavra de Deus que o Espírito Santo acende no nosso coração. Nós ouvimos o livro do apocalipse, essa cidade maravilhosa que São João vê sobre a montanha – a montanha, na Bíblia, lembra a presença de Deus. É interessante ver que, no Apocalipse, nós temos duas cidades, Babilônia, chamada de prostituta, e Jerusalém Celeste. Uma coisa interessante é perceber certas coincidências entre essas cidades! A Babilônia é quadrada, tem um rio que atravessa a cidade. A Jerusalém do alto, a Jerusalém Celeste, também tem um rio que atravessa a cidade. Nós nos perguntamos “mas, é outra cidade ou é a mesma cidade convertida?”

O mundo de Deus é de Deus, é uma outra realidade e vai se manifestar no último dia, mas, nesse mundo, nós somos chamados a transformar nossa sociedade que, muitas vezes, é Babilônia, a cidade da morte, a cidade que explora, a cidade que bebe o sangue dos inocentes. Nós, cristãos, somos chamados pela nossa ação transformar essa cidade para que ela se torne cada vez mais parecida com a Jerusalém Celeste. Nós podemos viver um mundo de irmãos aqui, agora. O reino de Deus é simplesmente decorrência disso, se entra no mundo de Deus e se vive lá a radicalidade da fraternidade que nós já começamos viver aqui.

Muitas vezes, nós nos perguntamos “e como é viver isso?” – olhar se o que você faz, se o que a comunidade faz, se o que a nossa sociedade faz é gerador de vida ou de morte. “Ah, mas ninguém sai aí dando tiro para todo mundo” – tem uns doidos que saem! “Ninguém sai dando tiro para todo o mundo então está ótimo.” Não, não está ótimo! Nós temos pobreza, nós temos injustiças, nós temos desigualdades, nós temos governantes que estão querendo agora destruir a educação do Brasil. Fizeram essa semana uma votação que a gente só pode chamar aquilo de iníqua, colocando a educação em casa. Para você educar seus filhos em casa, você tem que ser um professor! Bota um negócio desse nas nossas favelas, nas nossas comunidades, isso vai acabar com a educação do país. Esses são instrumentos da morte, esse é o antirreino.

Na nossa comunidade, às vezes, se critica, se fala mal, se faz fofoca, se luta contra... você está trabalhando para o antirreino. O reino de Deus é solidariedade, é se dar as mãos, é fazer o possível para que tudo funcione bem mesmo que eu não apareça. E em casa? O respeito, o diálogo, não viver uma vida escondida em que a mulher não sabe o que o marido faz ou que o marido não sabe que a mulher faz. Os filhos que podem viver também com uma vida escondida, isso não cria família, isso é o antirreino. Diálogo, amor, compreensão, perdão, esses são valores do reino e essas coisas fazem que a nossa vida vá se transformando cada vez mais na Jerusalém Celeste.

Vamos pedir ao Senhor que ele nos ajude a trabalhar sempre pelo reino e, quando nós descobrimos em nós elementos ou raízes que não são boas, que Deus nos dê a coragem de arrancar essas raízes ruins e buscar o reino de Deus.

281896135_1881534482043637_1190708631694072595_n.jpg
Qual a medida do amor de Deus?

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 5º Domingo da Páscoa Ano C – 15/05/2022 - missa às 10h) 

O Evangelho de hoje [Jo 13,31-33a.34-35] se apresenta num momento dramático. Nós estamos na última ceia, Jesus sabia que estavam fechando o cerco em volta dele, e num certo momento ele percebeu que Judas tinha se vendido para o outro lado. E Jesus diz pra Judas: o que você tem que fazer, faça logo! Interessante o Evangelho dizer que Judas saiu e era noite – Judas abandona a luz e entra para o mundo das trevas. No meio das trevas, ele vai aparecer a última vez, lá com os soldados que vão prender Jesus. Ele desaparece nas trevas. E nesse momento, Jesus percebe que, realmente, é questão de horas. Ele abre o seu coração. Dentro de algumas horas, Jesus vai revelar a medida do amor de Deus. A medida do amor de Deus é a não medida. O que o ser humano pode fazer pelos outros é dar a vida, morrer pelo outro é o máximo que nós podemos fazer. E nisso Jesus revela a fidelidade do Pai. Deus é fiel. De Deus não se deve ter medo, Deus é vida, Deus salva. Deus quer a vida para todos. Jesus se entrega como fidelidade ao Pai. O Pai entrega tudo, eu entrego tudo. E Ele vai dizer aos apóstolos, vamos dizer assim, o segredo do seu coração: Eu vos dou um novo mandamento, amai-vos uns aos outros. Como Eu vos amei, amai-vos uns aos outros.

Amar o próximo como a si mesmo já era um mandamento do Antigo Testamento, mas esse mandamento, muitas vezes, simplesmente pode nos levar a um grande egoísmo, eu não faço as coisas para que não façam para mim, mas aqui estamos no negativo. O que Jesus faz é transformar este mandamento numa atitude ativa: amai-vos como Eu vos amei! Não tem maior amor do que dar a vida pelos que você ama. Jesus entrega, Jesus morre com uma morte terrível, o pior tipo de tortura que existia naquele tempo. E não é simplesmente morte, Jesus morre como herege, ou seja, fora da religião. Jesus morre como delinquente contra o estado, o Império Romano o condena como delinquente. Jesus é completamente esvaziado como ser humano, lhe negam toda a dignidade humana possível. Deus se esvazia de si mesmo, não guarda nada, nada, nada, nada para si, para mostrar que é fiel. Não tenham medo de Deus.

Nós lemos na Segunda Leitura, uma parte do capítulo 21 do Apocalipse, onde São João fala da nova Jerusalém e da vida nova de Deus: eis que faço novas todas as coisas! O livro do Apocalipse é o livro da grande esperança, que nos anuncia que a fidelidade de Deus se mantém sempre. Deus nos prometeu vida eterna, Deus nos dará vida eterna. Deus vai tirar de nós a morte, o sofrimento, a dor, Ele vai fazer as coisas novas, um mundo de paz, fraternidade, de comunhão entre nós. O que nós não conseguimos nesta terra, o que nesta terra nós temos que trabalhar, nos empenhar constantemente, uma geração depois da outra para construir, isso nós teremos em plenitude na casa do Pai. Como filhos e filhas de Deus que somos, nós somos chamados a já neste mundo viver esses valores: justiça, paz, fraternidade, solidariedade, respeito. Esse é o caminho de Deus, e Jesus não poupou nada de si para nos indicar esse caminho.

Vamos pedir que Ele nos guie, nos ajude e nos faça realmente crer que Ele é fiel. O nosso problema é sempre desconfiar de Deus, mas esse é o veneno do maligno no nosso coração.
Depois Jesus nos dá com este mandamento, aquilo que é o distintivo do cristão: amar! Não são roupas, não são penduricalhos religiosos, não são determinadas devoções que nos fazem católicos, que nos fazem cristãos. O que nos faz cristãos, seguidores de Jesus, é agir como Ele. É nas suas ações que vai aparecer que você é ou não é discípulo e seguidor de Jesus. Vamos pedir ao Espírito Santo que nos dê forças para viver o mandamento do amor.

280494880_1876931069170645_814309250187267310_n.jpg
Jesus é o Bom Pastor que dá a vida por suas ovelhas 

Homilia: Pe. José Ailton Teixeira - 4º Domingo da Páscoa Ano C – 08/05/2022 - missa às 10h) 

Hoje nós celebramos três momentos importantes na Liturgia deste quarto Domingo da Páscoa. O primeiro é chamado Domingo do Bom Pastor, retratado neste Evangelho de apenas quatro versículos [Jo 10, 27-30]. Jesus diz: “eu sou o Bom Pastor, que dá a vida por suas ovelhas”. O segundo momento é o dia mundial de oração pelas vocações sacerdotais e religiosas, instituído pelo então Papa João XXIII, em 1963, que até hoje celebramos, sempre no Domingo do Bom Pastor; e hoje, coincidentemente, temos também o Dia das Mães que, como Maria, não poupam a própria vida, mas a entregam por amor a Deus, aos homens e ao mundo, a partir do momento em que elas se tornam mães, assim como fez Maria dando à luz a Jesus Cristo. E Maria colaborou com Deus, com o plano de salvação, quando aceitou a maternidade divina. Por isso, a Igreja, com muita alegria e esperança, celebra esse dia tão importante, Dia das Mães.

Queridas mães aqui presentes, as ausentes e as que já nos precederam, marcadas com o sinal da casa do Pai, que Deus as abençoe, as fortaleça, as encoraje e sejam realmente mães, como Maria, de doação, de entrega, de renúncia, de mortificação da própria vida. Assim como o Bom Pastor, que não poupa a própria vida e a dá por amor. Por isso, Jesus diz que é o Bom Pastor, já que viria a dar a vida por suas ovelhas.

Que neste dia das vocações, possamos rezar, incansavelmente, pelas vocações sacerdotais e pelos seminaristas para que, como Jesus, também possam dizer: “sim, eis-me aqui, ó Pai, para fazer a Tua vontade”. Nós todos, mães e pais, não nos cansemos de rezar pelas vocações sacerdotais, pelas vocações religiosas - pelas irmãs e pelos padres - para que continuemos presentes no meio de nosso povo; rezem pelo pároco de vocês, padre João Aroldo, para que continue sendo um homem de Deus, a serviço das coisas e das causas de Deus, no anúncio do Evangelho, levando a todos uma mensagem de vida, de esperança. Por isso, quando a Igreja, 59 anos atrás, celebra o primeiro dia de orações pelas vocações, ela viu que havia a necessidade de anunciar ao mundo e aos homens que Jesus Cristo é o Bom Pastor.

Louvado Seja Nosso Senhor Jesus Cristo, o Caminho, a Verdade e a Vida."

279901420_1871222743074811_2024547784125814563_n.jpg
Criar consciência no amor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 3º Domingo da Páscoa Ano C – 01/05/2022 - missa às 10h) 

Hoje, nós vamos fazer uma pregação breve porque nós temos a nota dos bispos da CNBB para ser lida. Vamos pegar o miolo deste evangelho [Jo 21, 1-19] que é a tripla confirmação de Pedro. Deus não está pronto para nos apontar o dedo, para mostrar nossos pecados; Deus ama, Deus quer a vida.

Jesus sabia muito bem que Pedro o tinha negado, que tinha sido covarde, orgulhoso, sabia. Porém, diferente de Judas, que se entregou para o poder das trevas e ficou com os inimigos de Jesus, Pedro nunca abandonou a comunidade. A comunidade dos discípulos foi, também, suporte pra Pedro, ele não abandonou.

E nós vemos Jesus que vai dizer a ele: “você me ama?” Jesus não pergunta para Pedro: “você criou vergonha na cara? Você se arrepende do que você fez? Você tem remorso da tua covardia?” Deus não pergunta nada disso. “Pedro, você me ama?” Três vezes Jesus pergunta isso. Por três vezes Pedro tinha negado e, cada vez, de forma mais consciente.

Agora Jesus pergunta para ele sobre o amor: “Pedro, você me ama?” “Sim, Senhor!” – estamos ainda no entusiasmo. “Pedro, você me ama?” Você já pensa na segunda vez: ué, será que não escutou? “Sim, você sabe que eu te amo.” – a resposta já é mais séria. Na terceira vez, o sujeito tem que estar realmente pensando “mas espera aí, tem alguma coisa séria aqui.” “Senhor, você sabe tudo, você sabe que eu te amo.”

É como se Pedro fosse cada vez tomando mais consciência da resposta que ele vai dar para Deus. Do mesmo modo que ele foi criando a consciência na negação, aqui ele vai criando consciência no amor. E Jesus vai dizer: “esse amor que você tem é suficiente para cuidar dos meus irmãos e irmãs, e vai ser suficiente para você dar testemunho de mim na hora do martírio”, o amor a Deus.

Pedro se tornou imediatamente um homem maravilhoso, perfeito, não sei o quê? Não! Mas ele continuou buscando Jesus, ele continuou confirmando a fé dos irmãos, ele aprendeu a, devagarinho, ir mudando de atitude, especialmente com os cristãos que vinham do paganismo.

O caminho de Pedro é longo, ele vai se convertendo aos poucos, mas ele está sempre na comunidade, está sempre seguindo Jesus, então o amor dele é verdadeiro, dentro dos seus limites, dentro dos seus defeitos, mas é verdadeiro. Não abandona Jesus, não abandona a comunidade.

Vamos pedir ao Senhor que Ele ajude também nós a respondermos cada vez mais decididos Senhor, eu te amo! Vamos todos responder juntos: Senhor, eu te amo! De novo: Senhor, eu te amo! Mais
uma vez: Senhor, eu te amo!

279311509_1866051773591908_8096313626618555196_n.jpg
Cristo caminha conosco

Homilia: Pe. Oberdan Santana da Silva - 2º Domingo da Páscoa Ano C – 24/04/2022 - missa às 10h) 

No Evangelho de hoje [Jo 20, 19-31] São João nos fala de uma aparição de Jesus ressuscitado aos seus discípulos que aconteceu ao anoitecer do primeiro dia da semana, isto é, domingo. E onde estavam os discípulos quando ocorreu essa aparição? Segundo o evangelista, eles estavam em um lugar com as portas fechadas, estavam escondidos por medo de serem perseguidos e condenados à morte como Jesus.

Os discípulos tinham perdido sua referência, o mestre Jesus, e agora era o medo que dominava seus corações, mas eis que Jesus aparece e se põe no meio dos discípulos, apesar de as portas estarem fechadas. E Jesus, estando no meio, transforma tudo pela sua presença. Com a presença de Jesus o medo vai embora, e os discípulos recebem um novo ânimo, recebem a paz que vem de Deus, em Hebraico, o "Shalom", isto é, a plenitude da benção, a harmonia, a tranquilidade, a confiança.

Aqui o evangelho nos ensina algo muito importante: é necessário que Jesus esteja no centro! São João nos convida a reconhecer que é ao redor de Jesus que a comunidade se estrutura e recebe força para enfrentar todo tipo de dificuldade. Sem Jesus, sem a sua referência, nós nos tornamos um rebanho perdido e assustado que não sabe o que fazer e muito menos para onde ir.

Mas quando Jesus está no centro, no centro da nossa comunidade, no centro da nossa vida pessoal, no centro das nossas ocupações, tudo se transforma, tudo se ajusta quando Jesus está em um lugar que lhe é devido. Ele deve estar no centro, a harmonia depende disso, da presença de Jesus no centro da nossa vida. Então, ao escutar este evangelho, a primeira pergunta que nós devemos fazer é se Cristo está verdadeiramente no centro da nossa vida!

Às vezes, nos preocupamos com tantas coisas e não nos preocupamos com as coisas que são essenciais, não nos preocupamos em dar a Cristo o lugar que lhe é devido, e, então, a nossa vida vira uma desordem, a bagunça se torna completa. Cristo deve estar no centro e, por isso, nós recebemos dele a paz, a verdadeira harmonia.

Em seguida, o evangelho nos faz contemplar a divina misericórdia nos gestos de Jesus. Jesus bem poderia repreender a conduta dos seus discípulos – eles tinham negado o seu mestre, não tinham acreditado na ressurreição, e estavam escondidos. Mas a primeira palavra de Jesus ressuscitado não é de reprovação, não é de condenação! As palavras que Jesus dirige a seus discípulos são palavras de conforto, são palavras de confiança: "a paz esteja convosco".

De modo simples é como se Jesus dissesse: "está tudo bem, fiquem tranquilos, eu venci a morte". Jesus ressuscitado se coloca no meio da comunidade dos discípulos, para, em sua misericórdia, lhes transmitir a paz que supera todo medo e discórdia. Aliás, este domingo, Segundo Domingo da Páscoa, é chamado de "Domingo da Divina Misericórdia". Essa festa foi instituída por João Paulo II no ano 2000, na missa em que ele canonizou Santa Faustina, a Santa a quem Jesus disse: "eu sou o amor e a misericórdia em pessoa, não há miséria que possa superar a minha misericórdia", e tudo se encaixa! O evangelho hoje nos ajuda mesmo a orientar o nosso olhar para a divina misericórdia que se revela em Jesus ressuscitado.

Podemos contemplar a divina misericórdia, como acabei de dizer, pelo gesto de Jesus de transmitir a paz a seus discípulos assustados, mas contemplamos também, e sobretudo, a divina misericórdia nos sinais que permanecem no corpo de Jesus.

Depois de transmitir a paz aos seus discípulos, Jesus lhes mostra as mãos e o lado onde estão as marcas dos pregos e da lança. No corpo de Jesus permanecem as chagas que vieram da cruz, mas por quê? Como assim? Jesus ressuscitado aparece ainda com as marcas da paixão? Sim, as chagas permanecem no corpo de Jesus porque permanece o amor de Jesus pela humanidade. As chagas são os sinais do seu amor e da sua misericórdia, e por isso não desaparecem.

Jesus será sempre o Messias que ama no suplício da cruz e na glória da ressureição, e eu penso que isto é, de fato, muito reconfortante: o amor de Deus por nós é infinito, sempre podemos contar com a Sua divina misericórdia. A divina misericórdia não nos abandona, não nos deixa à mercê dos nossos pecados e das nossas misérias!

E, em seguida, este evangelho tem muitos símbolos: Jesus sopra sobre os seus discípulos o Espírito Santo. Esse gesto de Jesus é semelhante ao gesto de Deus quando criou o homem: Deus soprou seu Espírito Divino sobre o homem feito de argila, e, a partir daquele momento, o homem passou a ser um ser vivente. Jesus repete esse gesto do sopro do Espírito para realizar a nova criação! Pelo sopro do seu Espírito, os discípulos vão receber vida nova, vão receber a força da ressureição.

Pois bem, compreendidos esses símbolos, nós devemos nos questionar: qual é o lugar ideal para fazer essa experiência que os discípulos fizeram? A experiência do encontro com Jesus ressuscitado que sopra sobre nós seu espírito de vida? O evangelho nos ensina que é na vida em comunidade.

O evangelho, na realidade, fala de duas aparições de Jesus ressuscitado, e as duas ocorrem quando a comunidade dos discípulos está reunida. E nós vimos que, na primeira aparição, Tomé não estava com os discípulos, e, por isso, perde a oportunidade de encontrar-se com Jesus ressuscitado. Mas, na segunda aparição, Tomé está com a comunidade, e dessa vez, ele pode participar da experiência de encontro com o Cristo vivo, dessa vez Tomé pode ver Jesus ressuscitado e mesmo tocar suas feridas, e isso o desperta para a fé.

Vocês percebem? Tomé só se encontra com Jesus ressuscitado quando ele volta para a comunidade dos discípulos. Aqui está um grande ensinamento que o evangelho nos traz neste dia: não é em experiencias egoístas, fechados nas nossas casas que nós nos encontramos com Jesus ressuscitado. A comunidade, por mais que tenha seus defeitos, por mais que tenha dificuldades, é o lugar onde se faz verdadeiramente a experiência do encontro com Jesus. Aqui Jesus se revela a nós de maneira privilegiada, na palavra proclamada, no pão repartido que é o seu próprio corpo entregue para nossa salvação, no diálogo, na comunhão dos irmãos, é aqui, em meio a todos esses sinais, que Jesus se faz mais próximos de nós e alimenta a nossa fé. Aquele que está fora da comunidade, corre o risco de perder a fé, corre o risco de se desanimar, de não enxergar mais os sinais de Cristo ressuscitado. Mas aqui não, aqui nós nos fortalecemos, aqui nós crescemos juntos como irmãos recebendo o sopro do Espírito, a força do ressuscitado.

Eu não sei se eu deveria ser tão direto, mas eu vou ser! Quem deixa de vir à missa dominical perde a grande oportunidade de encontrar-se com Jesus ressuscitado, e a experiencia de Tomé comprova isso. Era domingo, primeiro dia da semana, e os discípulos estavam reunidos, e nós repetimos esse gesto. Hoje é domingo, e estamos nós aqui reunidos como comunidade para recebermos a força de Jesus que se faz presente em nosso meio.

Depois da segunda leitura [Ap 1, 9-11a.12-13.17-19], que é do Apocalipse de São João, ressalta de maneira semelhante ao evangelho a presença de Jesus, que venceu a morte, nas comunidades cristãs. Na igreja, Jesus se faz presente com a força do seu Espírito e nos dá a força que necessitamos para vencer as forças do mal.

São João utiliza muitos símbolos para falar do poderio de Jesus ressuscitado, ele fala do filho do Homem que aparece em meio a sete candelabros vestido com uma túnica comprida e com uma faixa de ouro em volta do peito. O que São João quer nos dizer por meio dessa imagem magnífica é que Jesus, que morreu e vive para sempre, tem autoridade sobre tudo. Ele é o Senhor da história, é o princípio e o fim de todas as coisas. Portanto, se caminhamos com Ele, não devemos ter medo de nada.

Naquele contexto, os cristãos estavam sendo violentamente perseguidos pelo Império Romano. São João mesmo, quando escreveu esta carta, estava preso na Ilha de Patmos, mas, em sua carta, ele não se lamenta, pelo contrário, ele manifesta a firme convicção de que Jesus está vivo, de que tem poder sobre tudo, e de que aqueles que caminham com ele podem ter a certeza da vitória.

O testemunho que nos dá São João é um testemunho muito belo, aqui está algo que pode iluminar nossa caminhada de fé: devemos sempre nos recordar de que Cristo, aquele que venceu a morte, aquele que venceu todas as barreiras, caminha conosco, e é graças à comunhão com Cristo que nós podemos superar todo mal. Nos momentos de dificuldades, nas perseguições e provações, nos lembremos dessa grande verdade porque certamente isso vai alimentar nossa fé e vai nos trazer coragem para seguirmos adiante a nossa missão!

E, por fim, a primeira leitura [At 5, 12-16], que é do Atos dos Apóstolos, nos mostra que uma característica admirável das primeiras comunidades cristãs era o poder de realizar milagres. Os discípulos realizavam milagres e, assim, manifestavam a força do Cristo Ressuscitado, e isso fazia com que a comunidade dos fiéis crescesse cada vez mais. Homens e mulheres atraídos pelas maravilhas que os discípulos realizavam passavam a fazer parte da comunidade dos cristãos. Isso deve nos fazer questionar sobre o que nós estamos fazendo para dar testemunho da nossa fé e para fazer a nossa comunidade crescer.

O texto nos fala que os discípulos realizavam até mesmo curas, pelo poder de Cristo tudo é possível. Mas há coisas mais simples que nós fazemos todos os dias e que também dão testemunhos de nossa fé! Quando nos esforçamos para diminuir o sofrimento de algum irmão, quando nossos gestos falam de amor, de reconciliação e de partilha, nós realizamos o verdadeiro milagre e estamos dando testemunho da vida nova que vem de Jesus, da sua ressureição, nos nossos gestos simples nós mostramos a luz do cristo ressuscitado que brilha em nós.

Então, nessa Eucaristia, vamos pedir a Cristo que sopre sobre nós seu Espírito de vida como soprou sobre os apóstolos para inspirar as nossas palavras e gestos e para nos dar a força que precisamos para nos tornarmos suas testemunhas. Que nós, e, de modo especial, essas crianças que hoje serão batizadas, sejamos no mundo testemunhas de Cristo ressuscitado, testemunhas de Sua divina misericórdia que abraça o universo.

Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo

279205882_1865311443665941_7543218739683678962_n.jpg
Encontro com Jesus fonte de vida

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Domingo da Ressurreição Ano C – 17/04/2022 - missa às 07h30) 

Que santa disposição desse povo às 7 horas da manhã ir fazer procissão e cantar e caminhar com alegria: a nossa vida deve ser um hino de nossa alegria! A procissão lembra o caminho. Abraão foi chamado lá da Mesopotâmia da terra de Ur da Caldeia, ele foi chamado por Deus para que fizesse um longo caminho. O povo depois, os filhos de Jacó, fazem também um caminho longo para o Egito e, do Egito, Deus chama o seu povo 400 anos depois para fazer um outro longo caminho. O povo de Israel fazia sempre grandes procissões, iam das suas cidades aos templos regionais ou ao templo de Jerusalém. Nós vemos Jesus que caminha pela terra de Israel com os seus discípulos, todos peregrinando pelo mundo. Deus vai ao nosso encontro e é interessante ver que Jesus continua indo ao encontro dos seus: Jesus vai ao encontro das mulheres no sepulcro, Jesus vai ao encontro dos apóstolos, Jesus vai no encontro dos discípulos em Emaús. Deus vem ao encontro e o nosso caminho é um encontro com Deus.

Jesus, na ressureição, nos revela que este encontro é um encontro definitivo. É um encontro de alegria, de misericórdia, de vida eterna. Esse é um encontro com Deus e também o nosso caminhar pela vida, o nosso peregrinar, não é uma coisa que nos leva para o nada perde o sentido. O sentido é a vida em Deus, por isso o nosso caminhar pode e deve ser orientado por aquele que nós encontraremos: Jesus, Ele é o caminho, “caminho, verdade e vida”. Quem segue Jesus não perambula pela vida, caminha na vida, na vida verdadeira, na vida que nós leva para a casa do Pai e quem está nesse caminho, nós podemos dizer que já esta na alegria daquela chegada. Por isso esta nossa vida encontra sentido no doar-se, no fazer o bem, no gastá-la pelo bem dos outros. Esse é o nosso sentido da nossa vida: gastar o nosso tempo e as nossas energias para que todos nós possamos ser como irmãos e irmãs. Busquemos o bem pelos outros para que ninguém esteja fora desse caminho. Que todos possam seguir Jesus de mãos dadas, como nós fizemos nessa procissão guiados por Jesus ressuscitado.

Não foi fácil para aqueles homens e para aquelas mulheres perceberem essa novidade, porque é o novo de Deus. Quando Deus irromper de novo na nossa realidade, no último dia, nós também ficaremos de boca aberta porque é o mundo de Deus – a coisa é tão potente que os mortos, o pó perdido dos mortos, ouvirão a voz de Deus e se levantarão dos seus túmulos. Isso que para nós parece lixo que colocado ali no Cemitério do Camilópolis ou do Curuçá, Deus chamará das cinzas com voz potente, porque é o mundo de Deus e não o nosso mundo. Maria Madalena contemplou esse mundo, queria se jogar nesse mundo. Os discípulos de Emaús viram isso no momento que Jesus partiu o pão, o coração já queimava quando Jesus explicava, mas quando Ele partiu o pão, eles viram esse sinal do céu. Essa coisa que vai além de nós, e correm com o ânimo novo, com o fogo novo dentro deles, aqueles homens e aquelas mulheres amedrontados, retomam vida no encontro com Jesus. E esse encontro é tão forte que repercute nas nossas vidas até hoje e vai permanecer até os fins dos tempos. E vamos nessa alegria, porque Deus não nos deixa órfãos, Deus não nos deixa prisioneiros da morte e nem do pecado. Nós podemos construir um mundo melhor, nós podemos ser fermento na massa do mundo, não ver o mundo como o nosso inimigo, mas como o lugar para transformar em vida.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos faça crer realmente na ressureição. Que nós possamos viver nessa alegria e transformar o nosso mundo com esse fogo novo que o Senhor colocou nos nossos corações.

279183830_1864696470394105_8532007157090544835_n.jpg
A certeza de que a morte não é o fim

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Sábado Santo Ano C – 16/04/2022 - missa às 19h) 

Esta Santa Missa solene de hoje é chamada de mãe de todas as liturgias. Da liturgia de hoje, derivam todas as outras. E, nesta liturgia, nós vamos ter a graça de batizar três pessoas e outras onze que vão receber a Eucaristia pela primeira vez. E teremos também uma senhora que, por algum tempo, esteve em uma comunidade evangélica. Ela sempre foi católica, ficou lá algum tempo e agora quer voltar novamente para a comunhão católica. Então, no momento da renovação das promessas do batismo, ela vai vir aqui à frente e vai conosco renovar, solenemente, diante de toda a comunidade, a fé em Jesus - que lembro, é a mesma fé dos evangélicos.

Nós, cristãos, professamos a mesma fé: Jesus é nosso único Salvador! Isso nos une a todos os cristãos: a única salvação em Jesus Cristo.

Quando nós ouvimos estas leituras - ouvimos o Gênesis, o Êxodo, as palavras dos profetas -, nós vemos como Deus é fiel. A fidelidade de Deus se manifesta no seu povo e se realiza plenamente na pessoa de Jesus: Deus feito um de nós. Da eternidade, como diz São Paulo, Deus tinha predisposto isso. Deus criou o mundo, o universo, tudo, tendo em vista o momento da encarnação do seu Filho. Deus quis, da Eternidade, que seu Filho se tornasse um de nós. E Deus quis que Jesus fosse o seu revelador. Deus, falando com voz humana. Deus sentindo com coração humano. Deus caminhando pelas nossas estradas empoeiradas. Deus passando a nossa fome, a nossa sede. Deus sofrendo as nossas dores. Deus carregando sobre si as nossas injustiças.

Jesus, na cruz, traz estampado em si, sobre seu corpo, as nossas maldades. Todas as vezes que nós combatemos a vida, isso ofende a Deus. Porque Deus é vida e Deus só pode dar vida. O Filho se encarna naquele tempo, naquele lugar e ali, dentro da história, ele salva a humanidade toda. Muitas vezes nós pensamos que tirar nossos pecados é algo muito simples para Deus. Deus poderia tirar os pecados por um simples ato de vontade. Deus não precisava mandar seu Filho do céu pra isso. Deus nos salva porque este era o seu desejo desde sempre: que nós estejamos com Ele, na eternidade.

Deus nos encontra envenenados pelo pecado, que faz um dano danado na história. Como fica difícil caminhar segundo o olhar de Deus. Mas isso não atrapalha aquilo que Deus quer. O profeta Isaías diz muito bem: “assim como a chuva desce do céu e não volta pra mim sem molhar a terra e fazer crescer a semente para que o agricultor possa colher e comer, assim também é a minha Palavra: não volta para mim sem cumprir o que eu quero”. Não existe poder que possa ser obstáculo à vontade de Deus. E a vontade de Deus é que todos sejam salvos! Todos!

E Jesus, caminhando entre nós, se fez caminho. Nós seguimos uma pessoa, e essa pessoa é Jesus. Jesus passou a Sua vida fazendo o bem, anunciando a salvação, vivendo conosco como irmão de todos e todas. Jesus trata as mulheres com igualdade porque ele as reconhece iguais. Aos estrangeiros, Jesus elogia a fé. Aos pagãos, Jesus elogia a fé. Aqueles que eram tidos como desgraçados e amaldiçoados, feridos por Deus, que eram os leprosos naquele tempo, Jesus os cura. Jesus vai ao encontro das pessoas. Ele nos ensina a sermos irmãos e irmãs, mas também, Ele nos mostra o quanto querer viver como irmãos e irmãs, neste mundo envenenado pelo pecado, pode custar. Tem muitas pessoas que não querem viver como irmãos porque se acham melhores, porque querem ter mais. E não é um prato de comida a mais. É tanto dinheiro que nem em uma vida inteira daria pra gastar. Há pessoas que decidem vida e morte de povos inteiros, de nações. Pessoas que se levantam como deuses. Estas pessoas esmagam o povo porque não vivem como irmãos e irmãs. E como esmagam o povo, esmagaram também Jesus. Por isso, Jesus carrega em si, no seu corpo ferido, as marcas da injustiça. São essas forças contra a fraternidade que esmagam o povo, que esmagam Jesus. Mas Deus é fiel e a Sua palavra não volta para Ele sem cumprir aquilo para que ela foi mandada.

Jesus veio para anunciar a salvação para todos e o poder da morte não é páreo para Jesus, não é páreo para Deus. Deus está acima do mal. O bem e o mal não são duas forças iguais e opostas. O mal não pode competir com a vontade de Deus porque o mal e o pecado são nada.

A ressurreição de Jesus é o selo que Deus Pai coloca sobre toda a vida do seu Filho como uma prova, uma amostra para nós. O caminho é esse. Vocês são todos irmãos e irmãs? Vocês querem um mundo melhor? É esse o caminho. E esse caminho é vida eterna.

Nós vemos, nos relatos da ressurreição, essas mulheres que ficam, aparentemente, abobadas, estão perdidas completamente. Mas depois também os onze, quando Jesus vai aparecer para eles na tarde de domingo. Eles estão mais perdidos do que cego em tiroteio. Por quê? Porque ali eles veem, vamos dizer assim, um pedacinho do céu. Nós somos deste mundo. Deus é o transcendente. Nós não podemos nem imaginar o mundo de Deus se Ele não desce até nós e nos diz como é o seu coração. Nós nunca saberíamos quem é Deus. Os apóstolos e, primeiro de tudo, Maria Madalena e aquelas mulheres viram o novo de Deus. A ressurreição é o mundo de Deus, que explode dentro desta nossa realidade limitada e isso nos deixa abestalhados. É muito difícil mesmo, para nós, pensar na situação dessas mulheres.

O último enterro que participei foi do Padre Odair. Como é marcante esse gesto humano de sepultar os mortos. Nós deixamos de ser animais. Nós acordamos da inconsciência animal no dia em que nós enterramos o primeiro ser humano. Ali nós sabemos que nós somos humanos, com alma, à imagem de Deus. É naquele momento. O enterro, a sepultura é algo primordial na experiência humana. E nós nos deparamos com esse momento estranho que rompe tudo, corta relações, devasta nosso coração. E a mesma coisa sentiram aquelas mulheres, aqueles homens. Ninguém vai em um túmulo esperando o novo. De fato, aquelas mulheres foram esperando o de sempre: essa profunda experiência humana. Mas só humana. Foi difícil para elas entenderem que tinha alguma coisa diferente. Uma violência para o coração do ser humano. Quando você chega em um túmulo e não encontra lá o defunto, pensa que o roubaram. E ver aquelas pessoas, aqueles dois homens brilhantes, dizendo “não está aqui! Ressuscitou!”. Eles têm que insistir com as mulheres. Lembra que Jesus falou isso quando ainda estava na Galiléia? A mesma coisa Jesus teve que fazer com os discípulos de Emaús. É o novo, é uma coisa única na história humana. Ninguém nunca tinha presenciado uma coisa daquela. Naquele momento, aquelas mulheres não O viram, só viram este túmulo vazio. E depois, nós vamos ver nas próximas semanas, Jesus que se manifesta, que abre os nossos corações, abre a nossa mente, nos diz e nos faz crer nesta verdade: Ele é a revelação do Pai e o caminho humano é a fraternidade. Todos somos iguais diante de Deus. Todos seremos salvos porque, no final, vai dar tudo certo. A ressurreição é a nossa alegria, é a certeza da fidelidade de Deus. Apesar de, na vida terrena, nos vermos no ciclo humano da vida e da morte, sepultura sobre sepultura, a nossa fé está lá.

Vamos pedir ao Senhor que nos dê ânimo, luz e coragem para viver o que Ele ensinou, para sermos irmãos e irmãs.

279013284_1862498473947238_782581232182473863_n.jpg
Jesus se doa para um novo início à humanidade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Celebração da Paixão - Sexta-feira Santa Ano C – 15/04/2022 - celebração às 15h) 

Nós temos várias atitudes neste evangelho [Jo 18,1-19,42]. A primeira é Judas que, pela última vez, é nomeado no evangelho de João. Caminhou com Jesus por três anos, durante todo seu ministério, desde a Galiléia, e traiu o mestre. Desiludido? Tentando um levante popular? Quem sabe? Alguns evangelistas tentam dar explicações, mas o fato é que essa situação continua escandalosa: um discípulo traiu o mestre. Depois, nós temos o outro discípulo, Pedro, que, junto com João e André, dormiram todo o tempo que Jesus pediu para que eles vigiassem com Ele. Porém Pedro, que era todo entusiasmado e na lavagem dos pés falou “eu vou morrer por você”, no seu entusiasmo, pega a espada. Não tem sentido. Ali tem uma divisão de soldados – paus, tochas, armas – a de Pedro é uma ameaça sem sentindo. Jesus vai dizer: “guarda isso, armas só chamam outras armas”. E nós vemos isso bem hoje nessa guerra louca entre Rússia e Ucrânia. Armas chamam armas. Armas chamam a violência. Não é esse o caminho para terminar com a violência. Depois, nós vemos esse mesmo Pedro que, de um modo cada vez mais consciente, vai negando o mestre. Ele sabe que está negando e cada vez mais forte. Como é difícil arriscar a própria pele por aquilo que se acredita. E, com Pedro, estão todos os outros que fugiram. Sobrou o discípulo amado, que é essa figura enigmática. Nós identificamos como João, filho de Zebedeu. Mas é uma identificação um pouco forçada. Esse rapaz ou homem que conhece o Sumo Sacerdote e, pelo teor do seu evangelho, conhece muito bem os ritos, as festas e o mundo interno do templo, ele vai seguindo de longe Jesus. Ele segue o mestre de forma discreta. E esse seguimento vai aparecer lá na frente. Ele está lá debaixo da cruz. O evangelista o coloca ali, como também vai colocar Maria, embaixo da cruz.

O discípulo amado representa a nova comunidade de Jesus, o novo povo reunido em volta de Jesus. E Maria representa também o Israel fiel, o pequeno resto do povo de Israel que acreditou na palavra e nas obras de Jesus. Esse pequeno resto que se tornou discípulo é confiado por Jesus a sua nova comunidade. Estranhamente, os evangelhos insistem em quase mostrar inocência do sujeito, que é Pilatos. Três vezes, no evangelho de João, nesse trecho muito breve, ele vai dizer: “não encontro culpa nesse homem”. Pilatos não era um tolo. Era um homem muito bem informado, era o ocupante daquela região, o procurador do Imperador, do invasor. Ele conhece muito bem os movimentos que acontecem naquela região e não ama muito aquele povo hebreu, que era esquisito. Ele se informa muito bem. Ele sabe que ali tem um jogo e ele deixa claro que existe um jogo. Ele viu o que os Sumo Sacerdotes estavam aprontando. É um pregador popular, querem se livrar desse homem, que estava incomodando. Não estava incomodando Pilatos, mas está incomodando essa gente, mexendo com a religião deles. E esses caras querem acabar com esse pregador popular. Pilatos diz: “querem matar? Matem vocês, não me botem nisso”. Mas eles insistem e usam todos os meios. É importante percebermos que esses homens, os Sumo Sacerdotes e os fariseus, são gente de igreja. Os Sumo Sacerdotes são os que comandam a religião hebraica, o judaísmo. Os fariseus eram um grupo potente, religiosos, muito observante da lei. Um grupo que tinha uma tradição de mais de 100 anos. Descendentes, como movimento, dos Macabeus, uma grande revolta que teve na Palestina, mais de 100 anos antes de Jesus. É de lá que eles vêm. São pessoas que têm nome, reputação, bons religiosos. Esses homens que se nomeiam homens de Deus jogam todas as cartas podres que têm. Subornam, pagam para que pessoas mintam no tribunal. Acusam sem nenhuma prova. E, finalmente, tendo marcado todas as suas cartas, eles querem mais: “não podemos matar esse homem como um herege, temos que ir mais longe, temos que desmoralizar esse sujeito do modo mais horrível que existe”. Esses homens de Deus querem que Jesus, esse pregador popular, fosse massacrado. Não basta matar e apedrejar, querem massacrá-lo porque não querem colocar em risco seu templo, seu poder, seu dinheiro, sua opressão sobre o povo, o acordo com Roma. Não querem perder nada disso e, mais, querem mostrar que é inimigo do império. Não é um problema deles, é do império. São perversos. São os “homens de Deus”. Em outra passagem do evangelho de João, eles diziam: “nós somos filhos de Abraão”. E Jesus responde: “se vocês fossem filhos de Abraão, fariam as obras de Abraão. Vocês são filhos do diabo”. Jesus não era brincadeira, não. E eles mostram aqui que, realmente, são. Eles massacram um inocente para defender seus interesses, seus privilégios, o seu poder usando o nome de Deus. E usam a última carta. Interessante também perceber que a consciência de Pilatos sobre Jesus vai aumentando. Primeiro são as acusações. Depois, “você é Rei, Filho de Deus”. Pilatos é romano e estes são pessoas extremamente religiosas, não como os hebreus, mas, tudo que faziam precisavam ver com os deuses. Então a consciência deste homem sobre Jesus também vai crescendo. Mas aí vem o jogo sujo, mais uma vez, para conseguir o que esses homens querem – ou seja, a morte humilhante de Jesus – vale tudo. O rei de Israel é Deus. O rei de Israel é o Senhor dos Exércitos. Quando pedem um rei para Samuel, ele vai se lamentar diante de Javé. Deus vai dizer para ele: “dê um rei para eles; eles não me querem mais como rei”. E o povo de Israel vai pagar caro por ter instalado a monarquia. As injustiças do Egito voltaram todas e, talvez, até pioradas. Porque antes eles eram estrangeiros. Agora é um rei deles que os oprime. Porém, o povo é unânime em dizer: “Javé é nosso rei”, rei que tem seus pés no templo e seu trono no céu. Esses homens da religião vão dizer: “temos um único rei, que é César”. César, que se fazia chamar divino. Eles mostraram, realmente. Esses homens não mentiram. O Deus deles não é Javé, não é o Deus de Abraão. O Deus deles é a morte, é o diabo. Como disse Jesus, o demônio, o inimigo, ele é mentiroso e assassino, desde o início. E esses homens mostram exatamente isso: mentirosos e assassinos. Chantageiam Pilatos, que está em uma situação frágil. Essa expressão “amigo de César” era muito particular e Pilatos cede diante da chantagem. Mas ainda assim, proclama a inocência do sujeito. “Levem-no para crucificar, mas eu não vejo culpa nesse homem”.

Depois temos as outras figuras que são os soldados e essa testemunha que é o narrador. Ele nos traz a notícia do transpasso de Jesus na cruz. E é interessante ele insistir três vezes: “isso é verdade, quem diz é verdadeiro, o seu testemunho é autêntico”. Quando o soldado furou o peito de Jesus, dali saiu sangue e água. Provavelmente, o que aconteceu é que Jesus morreu de um tremendo infarto e o coração abriu e se derrama no peito. Passadas algumas horas, o sangue coagula e se separa do plasma. Quando fura, sai o sangue coagulado e o plasma, separados. E a testemunha viu aquilo como sangue e água. A vida da igreja e a vida da nova comunidade nascem do sangue de Jesus e das águas do batismo.

Jesus não quer ser atordoado na cruz. Para os crucificados, as pessoas piedosas preparavam uma mistura de vinho com fel, que vira vinagre. Mas essa droga é um potente anestésico. Era um modo de deixar o condenado um pouco atordoado em suas dores. O condenado podia ficar dias pendurado na cruz até morrer. Jesus diz que tem sede e lhe oferecem essa mistura, mas ele não aceita e morre. Jesus quer estar lúcido até o fim. Deus não guarda nada para si. Deus se entrega sem reservas. De Deus não é preciso ter medo. Ele não esconde nada na manga. Deus se entrega todo, até na morte. Por isso, no Evangelho de João, Jesus, tantas vezes vai dizer: “tende confiança”. E, nos outros evangelhos, Jesus vai dizer: “não tenham medo, Deus é fiel”. E a fidelidade de Deus é radical. Não desconfiem nunca do amor e da misericórdia de Deus. Depois, vemos no final do evangelho essas duas figuras: José de Arimatéia e Nicodemos, que talvez, depois, tenham se tornado discípulos de Jesus, membros da comunidade cristã. Mas, muito provavelmente, nesse momento, não passavam de dois judeus muito escrupulosos, que queriam se ver livres daqueles corpos que estavam lá, mortos e pendurados, de modo a esconder aquilo no dia da Páscoa, que viria a ser comemorada. Jesus morreu às 3 da tarde, na hora em que, nas casas, estão sacrificando os cordeiros para celebrar a Páscoa Hebraica. Por isso que a última ceia não foi a Páscoa Hebraica, foi outra coisa. Jesus morre exatamente nesse momento. Esses homens querem se livrar desse condenado, desse maldito. Enterram rápido, sem romance nenhum. Aqui é tudo muito cru, muito triste. A sepultura apaga do nosso meio o relacionamento com a pessoa. Podemos dizer que, até quando a pessoa está no caixão, tentamos nos relacionar com ela. Já a sepultura esconde tudo, pois não tem mais proximidade, não tem mais toque, não tem mais nada. É uma pedra em cima.

Jesus, na sua morte, julga o mundo. Revelam-se os corações das pessoas. O nosso coração se revela diante da cruz de Jesus. O que nós somos, o que buscamos, os nossos interesses mesquinhos, nossas perversões, tudo aparece. Aparecem nossos riscos, nossos desejos de bem, a nossa busca de algo melhor. Tudo isso aparece diante da cruz de Jesus. Estamos nus. Mas não é nudez de roupa, é nudez de máscara, de mentiras, de desculpas. Tudo isso nos é arrancado e aparecemos diante de Deus exatamente como somos. A cruz de Jesus é o julgamento do mundo. Do alto dessa cruz, Jesus se mostra revelador do Pai. “Pai, perdoai-os, não sabem o que fazem”. Nos coloquemos diante de Jesus, na atitude de acolher essa misericórdia de Deus, que vem ao nosso encontro antes de nós a buscarmos. Deus nos ama primeiro. Pedir para acolher essa misericórdia e, acolhendo a misericórdia, sermos misericordiosos com os outros para que, no nosso tempo, possamos ter uma vida humana melhor, mais digna, mais verdadeira, mais fraterna. Quando experimentamos a misericórdia de Deus, nossa vida se transforma e a vida em volta de nós renasce.

Outra realidade dura da morte: no velório, estamos ali em cima do defunto, flores, beijos, pedidos de perdão. Na ida para o cemitério tem quem fale que quer carregar o defunto, que chora pelo morto. Mas, há um momento em que você vira as costas e vai embora, como aquelas mulheres que viraram as costas e voltaram para casa para preparar aromas para ungir esse corpo. Depois do dia do sábado, da grande festa em que não podia se fazer nada. Esse momento é difícil. Acabou o sonho, acabou a vida, acabou qualquer esperança, o que sobra é saudade, se sobra isso. É esse o nosso momento, até amanhã à noite. Virar as costas para um túmulo e ver que a esperança morre. Na tradição da Igreja se diz que a fé dos discípulos morreu com aquela pedra. Só uma pessoa manteve viva a fé no seu coração: Maria. Ela canta, no seu hino de louvor, a fidelidade de Deus, de geração em geração. Ela espera, contra tudo e contra todos. Contra os fatos, ela espera na fidelidade de Deus. Vamos nos aproximar dela, nessas horas, para que também nossa fé se mantenha viva e possamos ser contados entre os discípulos de Jesus que vivem da alegria da ressurreição que surgirá amanhã. Nos coloquemos junto com Maria, pedindo que ela nos acompanhe.

278910603_1861817717348647_2379293095603699143_n.jpg
Dar a vida pelo outro

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Quinta-feira Santa Ano C – 14/04/2022 - missa às 20h) 

Existem momentos em nossas vidas que ficam marcados. Eu me lembro do 4º ano de teologia! Tínhamos um professor de liturgia que eu nem me lembro o nome, porém ele nos disse: “na última aula – que seria a próxima – nós vamos celebrar a Eucaristia entre nós”. E foi muito interessante porque foram poucos os alunos que vieram. E, no começo daquela celebração, ele disse: vocês não vão lembrar nada do que eu falei durante esse ano, a gente esquece mesmo, mas dessa celebração vocês vão lembrar. Já são 35 anos, eu esqueci o nome do professor, mas não esqueço daquela celebração. Foi a última vez que eu vi aquele professor.

Aquela ceia não é a Páscoa hebraica, a Páscoa hebraica foi celebrada no dia seguinte! Foi uma celebração diferente; ali, por exemplo, não tem o cordeiro, que foi imolado na tarde da sexta-feira para ser comido à noite, já no sábado. Jesus, naquela hora, já estava sepultado.

Jesus reúne seus apóstolos, esses homens que caminharam com Ele durante todo o seu ministério, pessoas que o conheciam muito bem. Ele sabe que o cerco em volta dele está se fechando, e sabe que o cerco já pegou um dos seus discípulos. Jesus sabe que o negócio vai pegar, mas não precisa ter visão de futuro para saber, você percebe pelas circunstâncias, as palavras de Jesus, os gestos dele, os bate-bocas que ele tinha com os grandes daquele tempo, os senhores do templo, os senhores da religião. Os sinais que ele fazia não passariam em branco, Ele iria pagar muito caro pelo que fazia, Ele ia deixar a própria pele e sabia disso.

E chegou o tempo. Ele quer deixar para os seus apóstolos três coisas de suma importância. A primeira delas: o poder como serviço. Quando você recebia um hóspede um sinal de atenção por este hóspede era mandar que um escravo viesse lavar seus pés. Era um gesto de cordialidade, de boas-vindas, e quem lavava os pés do hóspede era o escravo velho, o que não servia para mais nada, o último dos escravos.

É muito significativo o início desse encontro, dessa janta, que é um pouco diferente. Eles prepararam esse momento, pois a Páscoa é no dia seguinte. Tem alguma coisa particular aqui, tem um ar diferente, e começa com Jesus que lava os pés dos discípulos. E Ele vai dizer: “Eu sou o vosso Mestre e Senhor, e vocês dizem bem, porque sou mesmo. Mas, eu, vosso Mestre e Senhor, lavo os vossos pés. Façam a mesma coisa entre vocês”. O poder é serviço, o poder é dar vida para o outro, promover a vida do outro à custa, se necessário, da própria vida, das próprias energias, das próprias faculdades mentais. Entrega. Promover a vida do outro, pensar no outro, agir para o bem do outro. Todo poder deveria ser deste modo.

É claro que os senhores do poder não querem ouvir uma conversa dessa, não aceitam, e nós estamos vendo o que o poder egoísta está fazendo no mundo e no nosso país também. O Putin quer a vida dos russos? Zelensky quer realmente a vida dos ucranianos? Os Estados Unidos querem realmente a vida da Líbia, do Iraque, do Afeganistão? A Arábia Saudita quer a vida do Iêmen? E no Brasil, os nossos governantes querem mesmo que os nossos jovens tenham mais educação? Querem que o nosso povo passe menos fome? Isso é o poder do mundo, o poder que não dá vida, busca a vida para si.

Jesus ensina que para melhorar e mudar esse mundo o poder tem que ser serviço, tem que ser entrega de si pelo outro. E Ele vai dar um mandamento: “Amai-vos uns aos outros, e amai-vos como Eu vos amei." Não tem maior amor que dar a vida pelo outro.

A Eucaristia vai ser uma nova modulação deste mesmo mandamento. Jesus se entrega, e Ele se entrega porque é fiel. Ele se entrega porque o Pai se entrega. Para ser fiel ao Pai até o fim, Jesus não podia – eu não sei se ainda existe essa gíria – ‘fugir da raia’, porque se Ele fugisse, Ele não era Filho de Deus, Ele não era o revelador do Pai, porque o Pai fica até o fim, o Pai é fiel até a morte, Jesus é fiel até a morte.

Fiel a quê? Ao amor pelos irmãos e pelas irmãs. A Eucaristia é a concretização disso. Jesus não guarda nada para si, Ele se entrega todo para nós, os padres colocam limites Jesus não. Jesus se entrega todo, e essa entrega é salvação para nós, porque ela é amor, é misericórdia, é perdão.

Misericórdia que é mais justa do que a nossa justiça. Entrega sem limite, simplesmente acolhe. E acolhendo nos dá vida, vida eterna. Na Eucaristia nós temos todo o mistério da vida de Cristo ali, num pedaço de pão e num gole de vinho. Deus entregue, Deus que se dá, Deus que nos salva e salva o mundo, e convida a nós, que recebemos desde Sacramento, sermos também Eucaristia para os outros, porque se nós imitamos Jesus no mundo, o mundo melhora.

Se nós imitamos Jesus, nós faremos uma política melhor, se nós imitamos Jesus, nós vamos cuidar dos que mais sofrem, vamos pôr remédio para que os sofrimentos do mundo diminuam, se não podem desaparecer. Nós não vamos pensar só em nós, porque dando a vida para o outro eu estou crescendo como ser humano, eu estou sendo realmente humano.
Jesus, na Eucaristia, nos mostra isso, a entrega de Deus. A entrega que amanhã será Cruz. Deus não guardou nada para si, é tudo entrega.

Vamos pedir ao Senhor que mande sobre nós o seu Espírito, o Espírito Santo, que é o amor do Pai e do filho entregue, doado a nós, para que nós possamos ser transformados e transformadas naquele que nós comungamos, poder ser servidores como Jesus onde quer que estejamos.

278469879_1855991851264567_3540825754863765423_n.jpg
Deus é misericórdia infinita

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Domingo de Ramos Ano C – 10/04/2022 - missa às 09h30) 

1º evangelho [Lc 19,28-40]
Jesus entra em Jerusalém exatamente como haviam dito os profetas antigos: “o teu rei vem na paz, sentado sobre um jumentinho”. Todos esperam – e nós também esperamos – que o poder de Deus se manifeste de forma esplêndida. Não é essa a mentalidade de Deus. Jesus, provavelmente, entrou com seus discípulos no meio de uma festa popular. O povo aclamava e Jesus, com seus discípulos, em meio a essas aclamações, entra em Jerusalém. Deus veio visitar o seu povo na paz, que é alegria. Paz que não é exagero, mas que é vida. Em uma outra passagem do Evangelho, Jesus vai chorar sobre Jerusalém porque ela não soube reconhecer a visita de Jesus, o Príncipe da Paz. Por isso, Jerusalém desabou 40 anos depois. Vamos seguir Jesus. A lógica de Deus quer a festa do povo, alegria, saúde. Quando o povo celebra, significa que ainda tem esperança, tem vida. Apesar de tudo, este povo não esmorece. Essa é a grandeza do povo brasileiro.

2º evangelho [Lc 23, 1-49]
O Evangelho de Lucas é chamado de Evangelho da misericórdia. Ali, nós vemos esta atitude de Jesus. Lucas coloca atenção nesta atitude. Jesus é a revelação do Deus fiel, do Deus de perdão, de reconciliação. No Monte das Oliveiras, quando prenderam Jesus e cortaram a orelha do servo do sumo sacerdote – que, como símbolo, significa que o Sumo Sacerdote não tem mais a sua autoridade –, Jesus cura a orelha deste homem e em nenhum momento vai acusar quem quer que seja. O que Ele falou e fez publicamente, os fatos, estava tudo ali. O que se tem que argumentar? Jesus curou as pessoas. O Evangelho de Lucas fala de 18 curas (15 na Galiléia e 3 na Judéia). A Galiléia era uma região de hebreus também, mas muito desprezada pelos judeus de Jerusalém, que tinham sempre essa mania de se achar a grande, a melhor. Jesus é acusado e Pilatos percebe muito bem a artimanha dos chefes do povo, dos Sumo Sacerdotes e dos Fariseus. E ele vai dizer bem claro duas vezes: “não encontro motivo para matar esse homem”. Mas estes homens insistem. Então Pilatos usa um subterfugio e manda Jesus para Herodes. E se Pilatos estava preocupado de ver se ali tinha realmente algum crime, Herodes, que era um monstro, mandou matar um monte de líderes, inclusive João Batista. O evangelho diz que ele debocha com seus soldados de Jesus e o deboche consiste em pedir pra ele fazer um milagre para mostrar que era rei. E ainda mais quando coloca nas costas de Jesus um manto púrpura, que era a vestimenta dos reis. Isso é deboche e desprezo. Mas Jesus não abre a boca diante do tribunal. O silêncio denuncia a falsidade das acusações. Jesus é mandado de volta para Pilatos, que não vê crime e usa a famosa frase: “Herodes não viu crime nele e o mandou de volta”. Mas o povo insiste. No evangelho de João, nós temos uma frase ou uma expressão que pode ter realmente feito Pilatos tremer: “esse homem se diz rei; o único rei é César; se você não o condena, você não é amigo de César”. Amigo de César era um título que se dava ao primeiro conselheiro do imperador e esse conselheiro era amigo de Pilatos. Mas ele tinha caído em desgraça, tinha perdido seu cargo e Pilatos não tinha mais as costas quentes. Então os chefes dos judeus, na verdade, chantagearam Pilatos e ele cedeu à chantagem. Quem matou Jesus, quem mexeu com tudo foram os chefes dos judeus, não o povo hebreu. O povo amava e seguia Jesus. As primeiras comunidades são todas de hebreus. Mas são os chefes das nações, os Sumo Sacerdotes, doutores da lei e fariseus que condenam Jesus à morte. Um grupo pequeno. O povo só sofre na mão dessas pessoas e, ainda assim, a passagem de Jesus – quem sabe, por minutos, na vida de Pilatos e Herodes – criou na vida dessas pessoas reconciliação. Pilatos e Herodes eram inimigos e, nessa ocasião, tornaram-se amigos. A intenção de Lucas era mostrar que a presença de Jesus é reconciliadora.
Levado para a crucificação, Jesus consola as mulheres. É um consolo amargo. “Não chorem sobre mim, chorem sobre vocês mesmas e vossos filhos, essa cidade será destruída”. Foi um massacre na Palestina. O templo de Jerusalém foi destruído porque eles não souberam reconhecer o tempo em que Deus os tinha visitado. Não souberam depois quando crucificam Jesus. Temos que lembrar que os seus assassinos debochavam dele. Aqueles que tinham criado aquele julgamento injusto naquela corte maldita passavam em frente ao calvário e debochavam “desce daí você que falou que reconstruiria o templo”. Para essa gente cínica, que sabe muito bem o que fizeram a Ele, Jesus pede perdão ao Pai. Esse é um Deus muito estranho. Jesus pede perdão por aqueles que o estão matando de forma criminosa porque, se o Pai não os perdoa, eles serão condenados ao inferno. Mas Deus não quer ninguém no inferno. Mais adiante, veremos essa outra situação que nos deveria deixar sempre admirados: Jesus tem do seu lado dois assassinos - não são ladrões, porque ladrões não morriam daquele jeito. O texto diz que estavam envolvidos em um homicídio e que eram amigos de Barrabás. E para serem crucificados eles tinham que ter matado um cidadão romano. Temos que pensar o que significa uma pessoa sã ser pendurada numa cruz para morrer à míngua. Às vezes as pessoas ficam 1 semana agonizando na cruz. O fato de Jesus ter sido pregado fazia com que a morte fosse mais dolorosa, porém mais rápida. Mas, mesmo assim, podia levar dias. Esses dois homens veem diante de si esse fim horroroso: morrer sob tortura numa cruz. E, no desespero, um deles diz: “você é o Messias, nos salve, tire a gente daqui”. É desespero, não é maldade, é ver um fim horroroso. O outro confessa a própria situação: “nós estamos aqui porque merecemos, nós matamos alguém do império e o império nos mata, é essa a pena que dão pra quem cometeu nosso crime; esse homem não fez nada; lembra-te de mim quando estiveres no teu reino”. E aí a grandeza de Jesus não falou que o faria dali três dias, não falou no fim do mundo, não falou no purgatório. Ele falou “ainda hoje estarás comigo no paraíso.” Hoje. E, de fato, aqueles dois homens morreram naquele dia porque quebraram os joelhos deles e, assim, a pessoa cai e não consegue respirar mais. É um ato de misericórdia monstruoso. É muito estranho pensar que Jesus levou consigo para junto de Deus um assassino. O seu perdão e sua misericórdia não têm limites. A misericórdia de Deus vai muito além disso que nós, vingativos, chamamos de justiça.
A misericórdia de Deus nos resgata do pecado, nos tira da lama, nos tira da morte. Contemplar Jesus crucificado é contemplar essa bondade infinita que é fiel até o fim. Jesus não amaldiçoa, não se defende, não acusa. Jesus perdoa, reconcilia, cura. Esse é o nosso Deus. Essa é a revelação que nós recebemos. Esse é o Deus que nós celebramos na eucaristia. Todas as vezes que celebramos a eucaristia, nós vivemos hoje aquele momento. Nós e aquele povo, nós e os discípulos, nós e todos os seguidores de Jesus, da história, que são e que virão e que foram, estamos unidos naquele momento eucaristia. Para nós, é a recapitulação de tudo isso feito em vida aqui. É essa vida de amor, de misericórdia, de perdão que está na eucaristia. É a vida de Jesus que está ali e se entrega para nós e nos convida a sermos também vida para os outros. Em um mundo que só está falando de guerra e construindo a guerra, tem pouca gente falando de paz. Por aqui, temos a guerra de violência. A quantidade de assassinatos que temos no Brasil é uma coisa assustadora. São números de guerra civil para esse mundo de violência. Olha só esses escândalos no Ministério da Educação, com uma gangue de ladrões roubando dinheiro dos vossos filhos, das vossas escolas. Não podemos esquecer que isso significa que a qualidade de estudo dos vossos filhos está sendo jogada no lixo. Nesse mundo, nós somos chamados a buscar vida melhor e situações mais dignas porque somos cristãos, somos católicos e queremos a vida de todos, porque seguimos Jesus. Ele quer que todos tenham vida e para todos entregou Sua vida. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude, nessa Semana Santa, a entrar no seu mistério de amor e de fidelidade.

277816019_1849943031869449_1645688096754828321_n.jpg
A dignidade dos filhos e filhas de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 5° Domingo da Quaresma Ano C – 03/04/2022 - missa às 10h) 

Nós estamos na Quaresma, que esse ano é guiada por essa Campanha da Fraternidade sobre o tema “Fraternidade e Educação: Fala com sabedoria e ensina com amor”. No cartaz da campanha, nós vemos um desenho de Jesus inclinado e escrevendo na terra e a pecadora, a adúltera, que está ajoelhada aos pés Dele, e Jesus escreve as palavras “amor e sabedoria”.

Muito bem, uma primeira curiosidade: a adultera não é Maria Madalena. Outra prostituta que Jesus perdoou? Não, foi a terceira. Foram três mulheres diferentes, às vezes o pessoal chama de “a pecadora” e todo mundo diz ser Maria Madalena, mas não é, isso é falso. O que nós temos no Evangelho de hoje? Jesus que vai para o templo e se senta – sentar-se era sinal do mestre. Quando Jesus subiu no monte, no Evangelho de São Mateus para falar as bem-aventuranças, Ele sentou-se, isso é um símbolo de mestre. E Ele estava ali conversando com as pessoas e de repente vem alguns homens, homens de igreja, eram fariseus, doutores da lei, mestres do povo que arrastavam uma moça que não devia ter mais de 13 anos de idade. As mulheres naquele tempo se casavam depois da primeira menstruação, com 12 ou 13 anos. Aí há o tempo do noivado, que é quando a moça fica um ano na casa dos pais, e só depois de um ano ela é levada para a casa do esposo e vão viver como marido e mulher. Nesse ano, não pode ter “brincadeiras”, e se ela “brincar” com outro é adultério e será apedrejada até a morte, mas não é só ela, seriam os dois. E esta moça estava para ser apedrejada, porque foi pega em flagrante por adultério, mas adultério se faz com duas pessoas: cadê o homem? Geralmente em sociedades machistas, fazem vistas grossas para os homens, facilmente o deixam escapar. Mas eles levam essa moça, que para eles já era para não ter mais vida, para Jesus, para que? Para colocar Jesus em uma armadilha, para ter o que acusá-lo, eles querem matar a moça para cumprir a lei de Moisés, mas também querem culpar Jesus.

Vocês já viram como funciona um linchamento? Eu vi uma vez no centro de São Paulo, na Rua Direita, a um certo momento alguém gritou “pega ladrão”, é uma coisa assustadora, parece que ligam algo nas pessoas e elas saem correndo atrás daquele jovem, e teriam pegado e dado uma surra ou sabe lá o que mais, a sorte do moço é que na ocasião tinha aqueles policiais montando a cavalo, que entraram na frente do rapaz e das pessoas, deixando o rapaz próximo ao cavalo. E dispersaram o povo. Nesse caso do Evangelho, o povo está enlouquecido para matar a mulher, e aí o que fazem? Levam-na a Jesus. A primeira atitude de Jesus é se abaixar e escrever no pó. Ele não grita, não fala, Ele somente se abaixa e escreve no pó, esse gesto para os hebreus era sinal de maldição – “teu nome está escrito no pó do mundo dos mortos”, terrível. Mas nós não sabemos o que Jesus estava escrevendo, isso fez com que o pessoal se acalmasse, mas eles insistem e Jesus fala “quem não tem pecado que atire a primeira pedra”, qual o problema do linchamento? O linchamento faz com que as pessoas percam a razão e ajam por um instinto assassino, matam a pessoa, aí você pergunta: quem deu a paulada? Quem atirou a pedra? “Ah foi o grupo”, a mão assassina se torna anônima, dizem “foi a multidão que matou”.

Jesus acalma essa gente e depois que eles insistem, Jesus faz essa provação terrível contra eles. Ele não discute com eles, não fala se está errado, se está na lei ou não. Jesus faz esse pessoal acordar, e faz com que cada um tenha um nome: “quem não tiver pecado”, cada pessoa cai em si e não é mais uma multidão, não é mais o anonimato assassino. Jesus transforma esses homens de juízes que julgam a moça em réus. “Vocês são todos pecadores, porque querem julgar outra pessoa?”. É interessante que a partir dos homens mais velhos vão indo embora – o homem mais velho é visto como o mais sábio – e as pessoas vão saindo, largando as pedras e vão embora. E o que encontramos? Jesus com esta moça, e vocês perceberam que em nenhum momento essa moça falou, porque a mulher naquele tempo não tinha possibilidade de comparecer em tribunal. Ela não podia ser testemunha, não tinha voz, era como se fosse incapaz, só podia falar dentro de casa, fora não tinha voz. E Jesus pela primeira vez neste Evangelho se dirige a moça e pergunta para ela. Se nós olharmos todos os evangelhos em que Jesus está com mulheres, sempre tem uma atitude diferente, por quê? Porque Jesus não promove a mulher, porque promover é tirar de lá de baixo. Jesus reconhece a dignidade da mulher desde o início dos tempos, Jesus trata as mulheres como igual, coisa que o povo na época não podia conceder. Jesus trata as mulheres iguais, ninguém tem que condenar ou tirar voz da mulher pelo fato de ela ser mulher, Jesus dialoga, Jesus faz aparecer a dignidade que ela sempre teve pelo simples fato de ser filha de Deus, isso é muito importante. Essa moça olha em volta e Jesus diz “eu não te condeno”. Quando te devolvem a dignidade, você volta a ser patrão ou patroa de sua própria vida, e Jesus ainda diz “vai em paz, não volte mais a pecar”. A conversão é possível porque essa moça reencontrou a sua dignidade.

A Campanha da Fraternidade, falando sobre educação, está nos chamando a atenção para a educação integral da pessoa. Essa educação começa em casa, na escola, na igreja, a pessoa ela tem que ser formada em todos os aspectos da sua vida. Educação íntegra, a educação deve fazer as pessoas se valorizar, e valorizar os outros, deve ser de qualidade, especialmente onde existem mais dificuldades econômicas e sociais, para que haja promoção humana, dar dignidade a quem sempre levou dignidade, educação básica para crescimento de um povo. Nós queremos homens e mulheres capazes de guiar este país, e a educação precisa criar isso. Vamos pedir ao Senhor Jesus que nos ajude e nos ilumine neste caminho.

277726140_1846216958908723_3145063141330844497_n.jpg
Ser o filho que acolhe os irmãos com a compaixão do Pai

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 4° Domingo da Quaresma Ano C – 27/03/2022 - missa às 10h) 

Parábola do filho pródigo [Lc 15, 1-3. 11-32], parábola conhecida! É o coração do evangelho de São Lucas. O que nós temos aqui? Jesus acolhe as pessoas, Jesus é revelação do Pai, Ele não faz distinção de pessoas, Ele acolhe os pecadores, os cobradores de impostos, que eram pessoas odiadas pelos hebreus porque cobravam impostos para o Império Romano. Eram tidos quase como hereges, "onde já se viu um judeu cobrar impostos para um país estrangeiro e se enriquecer com isso?".

Comendo com essas pessoas que comiam do mesmo prato, pois naquele tempo não tinha cada um o seu prato, comiam em um prato comum, os judeus achavam que as pessoas se tornavam impuras porque comiam com pecador. “Quem come com pecador se contamina com impureza, não pode participar do culto”, e criticam Jesus por isso. Quem são os fariseus, os doutores da lei? São os homens de igreja, eram os homens que governavam a Palestina e o templo, eram aqueles que julgavam as pessoas.

E estavam lá criticando Jesus, então Jesus lhes conta essa parábola deste filho jovem que pede tudo que é dele para o pai. Herança a gente recebe quando as pessoas morrem, pedir a herança antes do tempo queria dizer para o pai "você morreu para mim". Foi embora, gastou tudo, mas, de repente, as lições da vida. O sujeito foi trabalhar no meio dos porcos, foi o único trabalho que ele encontrou; quem sabe os amigos de farra dele que colocaram ele lá para trabalhar com os porcos. E a situação era tão grave que nem da lavagem dos porcos ele podia comer!

Estando naquela situação de miséria e desespero, esse homem caiu em si! O verbo em latim e grego diz: "olhou para dentro de si" – no português nós falamos "caiu em si". Toma consciência da sua situação, vê o horror em que a pessoa está vivendo, vê o marasmo da vida, vê as opções erradas, e esse é o momento de grande possibilidade porque a pessoa pode realmente reorientar a própria vida. Foi o que este homem fez: "eu herdeiro não sou mais, não tenho mais nada na casa do meu pai, mas eu posso pedir para ele para ser empregado, lá pelo menos eu não vou passar fome".

Ele foi, e vai pedir para o pai para ser empregado, assalariado. Quando o pai o vê de longe, reconhece o filho. Sabe lá quanto tempo esse filho ficou fora, em que condições esse moço estava voltando, de onde, de um país estrangeiro. Se ele estava na miséria, imagina como chegou! Mas o pai o reconhece de longe, corre para o filho movido de compaixão.

A compaixão é um sentimento de Deus, e Ele fala no antigo testamento que Suas vísceras tremem de amor pelo seu povo – as mulheres entendem isso porque elas têm útero, mas os homens não. E ele corre ao encontro do filho que tinha preparado um discurso para dizer ao pai, reconhecendo a situação grave que tinha cometido: "Pai, eu pequei contra o céu e contra ti, eu não posso mais ser considerado seu filho, trata-me como um de teus empregados". Mas o pai cortou o discurso dele no meio, e o que o pai fez? "Vai botar uma nova túnica, uma sandália, um anel, vamos devolver a dignidade para o meu filho". E não só o anel, que era sinal de poder, mas poder dispor tudo o que tem na casa!

Para Deus, nós somos filhos e filhas, Deus nos ama sempre. Dele não precisa ter medo.

E fazem uma festa. O que acontece? Tem o filho mais velho, mas o filho mais velho não aceita a situação! Apesar de o pai insistir "venha, se reconcilie com teu irmão", o irmão responde "não, este teu filho, que gastou os teus bens com prostitutas"; as acusações eram absurdas. E ele ainda reclama: "eu observei tudo que você manda, nunca desobedeci a uma ordem tua.” A grande pergunta é como este filho vê o pai? Ele vê o pai como um patrão, e um patrão do qual você pode cobrar as coisas.

"Eu merecia mais do que um cabrito e nem isso você me deu" – isso você fala para um patrão, e para um patrão injusto. Então o pai com toda a calma diz: "Calma, tudo o que é meu é teu. Vamos parar com essa conversa de empregado para patrão pois não sou seu patrão, sou teu pai, e nós vamos festejar porque aquele teu irmão estava perdido e foi reencontrado."

Jesus está falando para os fariseus, por isso não temos a resposta do que aconteceu com o moço, que estava lá fora e não queria entrar na festa. Cada um daqueles fariseus e doutores da lei tinha que se colocar no lugar daquele filho mais velho. Jesus acolhe os pecadores, e os bons religiosos condenam Jesus e os pecadores.

A grande pergunta que fica para nós: qual dos dois nós somos? É muito fácil, geralmente nós caímos logo no filho pródigo e pensamos "nossa, eu sou tão pecador, Deus me acolhe". Nós somos pessoas de igreja, somos o filho mais velho, não o mais novo! Nós somos chamados a acolher as pessoas, a ver Deus como Pai, porque se Ele é nosso Pai, é Pai dos outros também, e não é porque sou religioso, sou honesto, só faço o bem, que sou melhor que os outros.

A mesma salvação que Deus der para nós dará para os outros também, porque Ele é bom. E nós conseguimos ter um mundo melhor se nós nos convencemos de que os outros que estão lá fora, e outros têm nome: pobres, sofredores de rua, pessoal das estradas, encarcerados, pessoas de periferia. O dia que nós considerarmos essas pessoas como irmãos e irmãs, filhos do mesmo Pai, nós conseguiremos melhorar nossa sociedade.

Enquanto nós apontarmos o dedo para os outros, apontando o erro dos outros, nós não estaremos na dinâmica do reino; seremos bons religiosos, mas estaremos longe de Jesus. Nós temos que pedir ao Espírito Santo: "ajude-me a ver os outros como irmãos, a não julgar", porque Deus quer a salvação nossa e deles.

277158180_1839608076236278_7108766564574795098_n.jpg
Assim como Deus, não façamos distinção entre pessoas

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 3° Domingo da Quaresma Ano C – 20/03/2022 - missa às 10h) 

Deus chamou Moisés para libertar o povo. Um pequeno grupo que depois se uniu com outros grupos no deserto, já na terra da Palestina, e formou o povo de Israel. Um povo que nasce dessa vontade: serem livres da opressão dos outros. E o que aconteceu? Com o passar dos séculos, especialmente com a monarquia, este povo voltou à situação de opressão que tinha antes. Tanto que, quando morre o Rei Salomão, os representantes do povo chegam para o seu sucessor – Roboão – e dizem: “escute, o teu pai nos colocou um jugo insuportável, nos liberte desse jugo.” O jugo insuportável é o mesmo modo que se usava para falar da opressão dos egípcios. Você escapa de um lugar com anseio de liberdade e acaba criando uma situação de opressão exatamente igual. Por quê? Porque você não cultivou o amor e a igualdade entre as pessoas.

Quando Jesus fala da figueira no Evangelho [Lc 13,1-9], Ele está dizendo sobre isso. Deus teve paciência com esse povo, mandou profetas, mandou reis, juízes, mas esse povo não se converteu, não deu frutos. Que nem o dono de um pomar fala para o jardineiro: “pode cortar aquela árvore ali porque ela não presta pra nada, ela não deu frutos nos últimos três anos, vamos plantar outra coisa”. Aí o jardineiro que estava cuidando das plantas diz: “espera aí, eu vou pôr adubo no pé desta figueira, vamos ver se dá frutos no ano que vem, senão cortamos”. Tem planta que só dá frutos se você machuca ela todinha em seu tronco, é a coisa mais engraçada. O adubo, o cuidado, é a ação de Jesus para esse povo. Mas o chamado à conversão que Jesus fez para este povo, infelizmente, poucos ouviram.

Os hebreus achavam que, quando lhe acontece uma desgraça, é porque você está pagando algum pecado. Você aprontou alguma, e agora está pagando o pecado que você fez. Então, o que aconteceu lá na Galileia? Provavelmente estavam fazendo sacrifícios de animais, ou matavam por ordem de Pilatos e eles viam isso como profanação, desrespeito e violação do culto. Mas, justificavam também a morte desses que morreram assim, é porque eles tinham cometido algum pecado. Mas Jesus vai falar que não era assim e que se eles não se convertessem ia acontecer pior do que aconteceu com os anteriores. Se converterem do quê? Da mentalidade de opressão, do nacionalismo doentio.

A gente não precisa falar muito do nacionalismo, basta ver a doidice que está acontecendo na Ucrânia. Entenderam? O nacionalismo, nós na América Latina, graças a Deus não sofremos dessa doença. O nacionalismo é um amor visceral que a pessoa tem pela sua terra, pelos seus costumes, tradições, religião. E isso tem um aspecto bom, porque é um amor àquilo que é teu. Mas tem um lado tenebroso, que é o ódio pelos outros, o ódio pelo diferente, e a busca de impor aquilo que é meu. Terrível, porque quando explode o lado obscuro, dá nisso o que a gente vê: guerras que não são mais grito contra injustiça, contra uma invasão injusta. Não, você demoniza o outro, como se ele fosse o anticristo. Mas, isso por quê? Porque você odeia. E os hebreus, naquele tempo, tinham exatamente essa mentalidade: tem que botar fora os romanos, nós temos que ser a maior nação do mundo e, quando isso conseguirmos, botar todo mundo debaixo do nosso chinelo. No fim das contas, o nacionalismo gera isso. O nacionalismo gera campo de concentração. Por trás de todo nacionalismo exacerbado tem um Hitler, porque começa a excluir pessoas e matá-las. É muito sério isso. Por isso, no Antigo Testamento, muitas vezes, os profetas chamam atenção falando para cuidarem e respeitarem o estrangeiro na tua terra. E também para cuidarem dos pobres, porque eles são os primeiros da lista para serem excluídos.

E aqui no Brasil acontece a mesma coisa. Quem são os 170 por dia que são assassinados no Brasil? O pobre, o preto. Índio então, a gente nem fala, muita gente considera que não vale ou vale menos. Jesus fala que essa mentalidade não é de Deus e que ela destrói. E o que aconteceu? Não mudaram de mentalidade, mataram Jesus, perseguiram a primeira comunidade cristã. Quarenta anos depois, fizeram uma revolta em Israel. Vieram os romanos guiados por Tito, que depois foi imperador, e acabaram com tudo. Profanaram o Templo e derrubaram as muralhas de Jerusalém. Os dezoito que estavam na torre de Siloé, quando ela desabou, alertou que se não mudassem de mentalidade ia acontecer com eles igualzinho. E foi o que aconteceu. Depois, no ano 117, Adriano mandou acabar com tudo. Sobrou apenas a esplanada do Templo e os judeus foram expulsos da Palestina e só puderam voltar como Estado depois da Segunda Guerra Mundial. Eles ficaram quase 1900 anos sem um estado. Isso nos alerta para quê? Nós somos todos irmãos. Se nós não nos convencermos disso, nós continuaremos matando as pessoas, continuaremos com nossos racismos, continuaremos com nossos ódios. E disso só pode nascer morte, sofrimento, extermínio. 170 assassinatos por dia é uma vergonha para o nosso povo, sinal de que nós não amamos os nossos irmãos. Nós desprezamos os pretos, nós desprezamos os índios, nós desprezamos os gays, e nós estamos longe do Evangelho. Jesus nos diz: “convertam-se! Se vocês não se convertem, vocês vão ter como resultado a morte”. E isso não é maldição de Deus. Isso é olhar a realidade, e ela está gritando na nossa cara.

Vamos pedir a Deus que os exercícios da quaresma – jejum, oração e esmola – nos ajudem a descobrir no outro, que é diferente de mim, um irmão e uma irmã amados por Deus, exatamente do mesmo jeito que eu. Deus não faz distinção de pessoas. E esse mal pode entrar em nós católicos. Aí vem a Segunda Leitura, em que São Paulo diz para termos cuidado. O mesmo engano que aquele povo cometeu lá no passado, nós podemos cometer também. Portanto, é necessário conversão, mudança, vigilância, para que nós não caiamos nos mesmos erros. Vamos pedir a Jesus que Ele nos dê paz neste tempo difícil. Papa Francisco, na próxima sexta-feira, vai consagrar a Rússia e Ucrânia ao Imaculado Coração de Maria. Várias vezes os papas fizeram esta consagração já, mas cada tempo grita diante de Deus pedindo paz. Vamos nos unir ao Papa, na próxima sexta-feira, rezando pela paz.

275613113_1834991696697916_4894178482679997262_n.jpg
Jesus nos ensina a amar a todos a todos como irmãos

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 2° Domingo da Quaresma Ano C – 13/03/2022 - missa às 10h) 

As leituras de hoje nos apresentam três figuras do Antigo Testamento que estiveram na presença de Deus, atentos a presença de Deus, mas não viram o rosto de Deus: na primeira leitura, Abraão e, no evangelho, Moisés e Elias.

Quando Moisés estava no Monte Horebe e pediu para Deus: “mostra-me a tua face”. Deus respondeu para ele: “ninguém pode ver a minha face e permanecer vivo, você vai se esconder na fenda da rocha, na caverna e eu passarei diante de ti com toda a minha glória e você vai poder me olhar quando eu estiver de lado mas o meu rosto você não pode ver”. Elias, quando subiu no Monte Horebe, quase 500 anos depois, Deus se manifestou. Primeiro veio o furacão, depois veio a tempestade, depois veio terremoto e Deus não estava em nada disso. Aí veio o silêncio de uma brisa leve e Elias pôs o manto na frente do rosto e saiu de dentro da caverna porque o Senhor estava ali nesse vento. Mas ele não olhou, ele estava com o rosto coberto. Abraão também não vê Deus assim face a face. Estes três apóstolos viram a glória de Jesus, mas Moisés tinha morrido há 1200 anos atrás, Elias tinha morrido há 700 anos antes. Vocês se lembram quando Jesus debate com o pessoal que tinha uma mulher que se casou com 7 irmãos? Jesus fala para Deus todos vivem. Os nossos defuntos estão na presença de Deus.

Mas qual que é coisa que chama atenção neste evangelho? Os apóstolos há um certo momento parecem delirar – São Pedro está fora completamente – porque, podemos dizer, eles viram um pedacinho do céu. São Paulo nos diz “coisas que os olhos não viram, sons que ouvidos não ouviram, isso Deus preparou para aqueles que o amam”. A realidade de Deus ela nos deixa como delirando, por ser grande demais, diferente demais. E aí Pedro começa “ah vamos construir 3 tendas”, mas eles foram lá para rezar, cadê o pano para construir as tendas? Ele está completamente fora e aí acontece que a nuvem cobre tudo. Quando Moisés subiu no monte Horebe para receber as tábuas da Lei, o cume da montanha foi coberto por nuvens de tempestade isso era um sinal da presença de Deus. Então a nuvem que cobre Jesus, Moisés, Elias e os 3 apóstolos indica a presença de Deus. E é muito significativo que Deus fale “esse é o meu filho, o escolhido, escutai-o”. E quando você olha, você encontra Jesus. A glória de Deus se manifesta em Jesus, em Deus que se fez um de nós, um igual a nós para que nós aprendêssemos a nos amar como iguais. Para Deus, não existe gente de segunda, terceira, quarta classe, não existe gente civilizada, mais ou menos civilizada, pouco civilizado e selvagem, existem filhos e filhas. Então é em Jesus que a glória de Deus se manifesta, nesse homem, e mais a glória de Deus vai se manifestar na cruz, no horror da cruz! Nós transformamos a cruz em objeto de culto, nós transformamos a cruz em arte, mas a cruz é um horror, aquilo é um homem torturado colocado ali pendurado naquele pedaço de madeira para morrer! Isso é a cruz e, nesse horror, aparece a glória de Deus para nos mostrar que o que é de Deus é diferente do que nós temos nesse mundo. A transfiguração foi uma coisa assim preparação, quase um sonho, uma consolação para aqueles discípulos suportar depois o escândalo da cruz. De fato, depois da cruz, eles se esconderam, alguns foram embora para poder ver se salvavam a própria pele da mão do governador. Então, em Jesus, se manifesta a glória de Deus. A glória de Deus se manifesta na cruz.

Nós, nesse mundo, às vezes olhamos para força, dinheiro, beleza, na cruz de Jesus não tem nada disso. Na cruz de Jesus tem sofrimento, humilhação, mentira – mentiram para matar Jesus – tem morte, isso é a vida dos inocentes. Isso é a vida dos pobres. Isso é a vida de quem não conta. Isso é a vida das vítimas dos grandes desse mundo que vivem no próprio orgulho, que querem ser senhores do céu e da Terra. Nós temos aí essa guerra que não é outra coisa que a busca imperialista de um lado é a busca imperialista do outro. Quem sofre é o povo, e não todos, ou melhor todos sim, mas entre os que sofrem há os que sofrem mais, porque são considerados segunda classe. Na Ucrânia, os negros não podem subir nos trens, não podem fugir, só os brancos loiros e de olhos azuis, isso são palavras de repórteres europeus e americanos. A força do poder desse mundo realmente é destruidora, separa as pessoas, faz delas menores, pouco civilizadas. Vocês sabiam que no Brasil nós temos uma média de 170 assassinatos por dia? Em 5 anos, 269 mil assassinatos. Sabem quantos mortos teve a guerra na Síria durante esses anos? Em 5 anos, 265 mil mortos. No Brasil, se mata mais do que nas guerras. Por que matamos? Por que nós não nos incomodamos? Porque a grande maioria das pessoas que são assassinadas no Brasil são pretos jovens de periferia. consideradas pessoas e segunda classe. No Brasil, nós estamos tendo a morte de índios de uma forma assustadora nunca teve na história recente – antes mataram muito, é a mentalidade colonialista que faz ver as pessoas como de segunda classe. Ninguém fala nada, não faz notícia, isto é para ver como nós estamos mergulhados dentro dessa ideia que transforma o outro em gente de segunda e terceira classe.

Jesus manifesta a sua glória lá numa cruz e ele não está sozinho, tem dois assassinos junto com ele, homens que estavam envolvidos em homicídio. Deus se manifesta lá onde nós achamos que ele não se manifesta, lá onde nós juntamos as pessoas no lixo, Deus está ali se manifestando no meio deles para salvar a todos para curar o coração de todos. Aprendamos a ver o outro como irmão e irmã, e logo nós começaremos a construir um mundo de paz. Vamos pedir a Virgem Maria, chamada Rainha da Paz, que nos ensine a ver em Jesus crucificado e nos crucificados da vida o rosto de Jesus.

275443660_1829866550543764_8751983775819465570_n.jpg
Diante das tentações, confie em Deus 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 1° Domingo da Quaresma Ano C – 06/03/2022 - missa às 10h) 

O deserto é o lugar da prova, mas é lugar também do encontro com Deus. Quando nós falamos do deserto, nós lembramos o povo que saiu do Egito, eles foram para o deserto. Lembramos de Moisés, Josué, lembramos de Elias que foi para o deserto fugindo da rainha de Jezabel, e ficou lá 40 dias caminhando até chegar no Monte Horebe. O povo de Israel ficou 40 anos no deserto. E o que acontece? Foi no deserto que Deus se revelou a Moisés: “Eu sou aquele que sou e te envio para libertar o meu povo”. Lugar do encontro com Deus. Jesus vai para o deserto com a força do Espírito Santo. e aí ele é colocado a prova. Jesus ser tentado no deserto nos lembra o Jardim do Éden, onde Adão e Eva são enganados pelo inimigo e duvidam de Deus. Jesus ele é colocado à prova de três modos.

Primeiro, o pão. Quando nós falamos de pão nós lembramos o povo também no deserto, que a um certo momento, começou a reclamar de Deus: “Ah, nos tirou do Egito, mas lá a gente tinha panelas de cebola para comer, aqui nós estamos passando fome” Ai meu Deus manda o maná, que nós supomos que fosse como uma resina de plantas, de cactos, ou coisa parecida, nós não sabemos o que era só sabemos que isso matou a fome daquele povo não pensar que era um dez mil pessoas, era um grupo de pessoas... Às vezes certos números ali são exagerados. Depois tem um problema: a tentação de querer a soluções rápidas para a vida e soluções fáceis: “transforma essa pedra em pão”. Não precisa trabalhar, não precisa cultivar a terra, não precisa crescer como pessoa, vamos logo conseguir o resultado final. Essa é uma das grandes tentações de Adão e Eva, quando ouvem “vocês serão como deuses”. Jesus não aceita essa mentira. Não só de pão vive o homem, mas da Palavra de Deus. Deus falou: “com o suor do teu rosto, cultivarás a terra, comerás o teu pão” – é no trabalho do dia a dia.

Depois, a segunda tentação do Evangelho de Lucas: o maligno leva Jesus para o alto de uma montanha, sabe-se lá onde, e ele vê a glória das grandes cidades E aí o demônio faz o que nós chamaríamos uma fake news: “isso tudo me foi dado e eu dou isso para quem eu quiser”. É uma mentira, é uma ilusão, “mas você me adorar vou te dar tudo isso”. Os poderes deste mundo muitas vezes se apoiam na mentira, no despotismo, em corrupção. Tem situações tremendas, mas Jesus não quer esse poder para ele. Tem o poder dos exércitos, o poder das guerras, o poder econômico. Jesus não quer isso para ele, não é esse o caminho.

Depois, o maligno leva Jesus ao pináculo do templo. O pináculo do templo era parte mais alta, tinha até 70 m de altura. O povo no deserto passou sede e até Moisés duvidou de Deus. Aí Deus falou para ele: bate na pedra e vai sair água. E Moisés bateu, pensando ‘mas será que Deus vai fazer isso mesmo? Deus está aqui ou não tá?’. Ou seja duvidou de Deus duvidou da fidelidade de Deus, por isso Deus amaldiçoou o povo, dizendo nenhum de vocês vai entrar na terra prometida, exceto dois: Josué e mais um outro, porque vocês não confiaram em mim. Esse lugar foi chamado Meriba, o lugar da prova. Jesus não só não aceita colocar Deus à prova, como deposita a sua confiança em Deus. Não tentarás o Senhor, teu Deus. Você vai acreditar na sua fidelidade, na fidelidade dele, mesmo nas dificuldades da vida, mesmo nas dores, mesmo na morte. E cuidado: o maligno embrulhou Jesus, nessa terceira tentação, usando a Palavra de Deus.

O maligno pode tentar nos embrulhar com a palavra. A Palavra de Deus tem que ser lida com fé. a palavra de Deus não é livro de adivinhação. Aí eu estou com dor de dente, vou ver que a Bíblia fala, isso é blasfêmia. Na Escritura, devemos buscar conhecer a fidelidade de Deus, seguir Jesus e encontrar luz para o nosso caminho, mas não como respostas de oráculos. A gente pode falar mas essas coisas foram só com Jesus, não gente! Essas realidades são constantes, nós muitas vezes renunciamos a empenhos, a dificuldade de sempre caminhar, a gente se acomoda, isso é modo de querer ter facilidades na vida, respostas fáceis. Nós nos enganamos com os ídolos desse tempo. O povo de Israel se enganou com o bezerro de ouro, eles adoraram o bezerro de ouro no deserto, se enganaram. Nós somos muitas vezes enganados pelos ídolos desse tempo. Um ídolo desse tempo é a estética. Outro ídolo que nós temos que está causando danos terríveis é a bendita da Internet, seria mais a bendita da informação, nós nos convencemos que somos informados. Liga a televisão e ouve um monte de coisa, a gente pensa que está informado, na verdade nós estamos é tontos com tanta informação e terminamos por não participar de nada. São enganos depois nós temos ainda atualidade terrível das fake news, mentiras, olhem bem essa história da guerra na Ucrânia. Quanta mentira dos dois lados – ali não tem nenhum santo não viu, um é um ditador terrível e o outro é um doido varrido neofascista. Nenhum dos dois é bom ali não e tem um bando de doido olhando em volta querendo botar fogo em tudo. Gente, é o mundo da mentira, o mundo do poder. Nós temos que olhar com pinças toda essa situação, tem muitos lados toda essa situação. É uma coisa horrível essa guerra e temos que rezar: colocar em Deus o nosso coração, como Jesus nos ensina, aprender os passos de Jesus procurar a paz, a justiça, a verdade para poder seguir Jesus. E o caminho de Deus não é um sucesso garantido, o caminho de Jesus leva para a cruz, temos o exemplo de Santo André, também como São Pedro, foi crucificado só que era uma cruz em forma de X. Existiam três tipos de cruz: em X, a cruz que se apoiava e a cruz onde se colocava o patíbulo na trave.

Vamos pedir ao Senhor que ele nos ensine a procurar a verdade, que é Jesus, a ter confiança em Deus, a ter confiança em Jesus e não procurar só as respostas fáceis para nossa vida.

275145355_1826280484235704_4484716273666390143_n.jpg
Tempo de voltar ao Pai

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Quarta-feira de Cinzas (Ano C – 02/03/2022 - missa às 19h4) 

Olha o apelo que São Paulo nos faz: “Em nome de Cristo, nós vos suplicamos. Deixai-vos reconciliar com Deus”. Essa coisa não parece meio esquisita? A gente não pensa sempre que é Deus que está esperando? São Paulo está falando o contrário. Deus quer nos reconciliar, Deus quer! Nós é que fazemos resistência, nós é que não aceitamos o perdão de Deus, a sua acolhida, porque nós temos medo de Deus, desconfiamos Dele. Nós vivemos ludibriados pelo inimigo que botou esse veneno no nosso coração lá no mito do Éden, no paraíso perdido. Deus quer que nós nos voltemos para Ele. Deus nos ama, e no seu amor infinito Ele deu seu Filho para que Jesus fosse para nós instrumento de salvação. Deixem-se reconciliar por Deus, voltem-se para os braços de Jesus, sigam os caminhos de Jesus. Deus quer a salvação de todos e Ele vai conseguir... Porque, no fim da história, quem vai dar a última palavra é Jesus. Ele vai dar a última palavra.

No Evangelho, nos são apresentados três exercícios que nós chamamos de penitência, de piedade, que são ensinados, recomendados durante a Quaresma. Isso não quer dizer que nós não tenhamos que fazer estas coisas durante o resto do tempo, porém, na Quaresma especialmente: Jejum, com o qual nós começamos a Quaresma no dia de hoje, e com o qual nós vamos terminar a Quaresma na Sexta-feira Santa, nos preparando já para o Tríduo Pascal; a oração, que é nosso diálogo com Deus; e, a esmola.

No tempo de Jesus, existia um grupo que era muito religioso, observantes da Lei, eles tinham um ciúme da Lei que era uma coisa louca. Olha que coisa, pois então, “se você não segue a Lei, a gente te mata”, era assim que eles faziam. E o que acontece? No início eram os fariseus, herdeiros do chamado movimento Macabeu, mais ou menos ano 120, 150 a.C. e era um grupo que cuidava da identidade do povo, e a identidade do povo é a Lei, a Lei que Moisés tinha dado. Mas eles eram muito rigorosos na observância da lei e isso não é mau. E quando isso se torna um mau? Quando você, observando a Lei, começa a fazer isso para mostrar para os outros: “olha aqui, você quer ser um bom católico? Você tem que fazer igual a mim”. E até na igreja está cheio dessas tranqueiras agora. Mas tem um passo ainda pior, “vocês que não seguem o que eu faço, são todos perdidos”. Isso é hipocrisia e arrogância, e se tem coisa que Deus abomina é a hipocrisia e a arrogância. Por isso São Paulo vai dizer: “Deixem-se reconciliar por Deus, mudem essas atitudes, é Deus que vos salva não as vossas ações”. Não é você chegar diante de Deus e dizer: eu fiz jejum, eu botava cinzas na minha cabeça, eu me deitava no saco de estopa, e todo mundo que passava via, “olha esse homem fazendo penitência, que exemplo!”. Não é esse o caminho de Jesus. Como também esse pessoal que dá esmola que fazia tocar sininho para os outros verem, olha tem que dar esmola, olha ali o bom fulano que dá esmola, que maravilha, aprendam a fazer isso vocês que são perdidos. A mesma coisa com a oração, queriam estar sempre nos primeiros lugares, serem chamados de piedosos, para mostrar para os outros que os outros não faziam, que os outros estavam perdidos. Não é esse o caminho de Jesus.

Jesus fala do Deus que vê no oculto, no escondido, quer dizer Deus olha a intenção do teu coração. É isso que ele olha. A tua oração é verdadeira quando você faz sem que ninguém veja, porque na hora que você está com todo mundo ela pode ser verdadeira ou pode não ser, pode ser por conveniência, pode ser por tradição, pode ser realmente por devoção, mas quando você reza sozinho você quer mesmo. Mesma coisa, se você faz jejum tocando trombone para todo mundo ficar sabendo que você está fazendo jejum, era um verdadeiro circo. Pessoas se vestiam de saco de estopa, botava saco de estopa no chão, se sentava em cima, se cobria de cinzas, era uma coisa espetacular. Pode ser que a pessoa esteja fazendo isso por devoção, mas pode ser que esteja fazendo só por show. Se você faz jejum sem que os outros saibam, você no teu coração sabe, e esse jejum é autêntico, o outro pode ser, mas pode não ser. A esmola que você dá tocando sino, ah eu fiz isso, eis sou bom, olha só quanta caridade que eu faço. Ainda bem que no Brasil é proibido dar camiseta, boné, essas coisas, porque antes tinha isso também, você compra voto dando presentes para os pobres, já recebeu sua recompensa, esmola não é assim não, caridade não é assim, ela é gratuita e cuida do bem do outro, não está preocupado consigo, é o bem do outro, é esse que interessa, porque o outro que sofre é a imagem de Jesus, então você está fazendo para Jesus.

“Deixais-vos reconciliar com Deus”. Deus está esperando, Ele já nos deu a salvação no sangue de Jesus já nos deu. Vamos começar a agir como filhos e filhas de Deus, esse é o apelo deste Evangelho, esse é o apelo da Segunda Leitura.

Nós também temos a Campanha da Fraternidade este ano que fala sobre a educação. Nós sabemos que a educação no Brasil nas últimas décadas não tem sido bem cuidada e nos últimos três anos tem sido destruída. Isso é um dano para os nossos jovens, para as futuras gerações. É um dano quando nós não nos preocupamos com a cultura, com a pesquisa, mas não nos preocupamos também com a formação do cidadão, as pessoas facilmente perdem aquilo que nós chamamos de educação cívica, as pessoas não respeitam os outros, tratam o ambiente, as ruas, os terrenos baldios como se fossem casa de ninguém. Jogam lixo, desrespeitam as pessoas, não se interessam pelos outros, isso é deseducação cívica.
Papa Francisco nos chama a ser educadores da pessoa inteira, nós temos que cuidar que a pessoa seja totalmente formada a imagem de Jesus Bom Pastor. Ele indica o caminho, o amor ao próximo até a morte, o respeito pelas pessoas, o cuidado com os que sofrem, os doentes, com os pobres, e rejeitar tudo aquilo que é contra isso. Isso é educação integral, e para nós, católicos, nos educar no conhecimento e no seguimento de Jesus.

Eu já perguntei isso muitas vezes, eu faço o povo passar vergonha, eu não vou perguntar quem já leu o Evangelho de São Lucas, porém, como eu gosto de fazer estes desafios, deixo a vocês uma sugestão para a oração, depois ainda tem o jejum e esmola. Para oração: ler durante a Quaresma o Evangelho de São Lucas, é o evangelho que estamos lendo este ano. Para quê, padre? Para conhecer Jesus, para poder dizer eu fui ver com os meus olhos quem é Jesus. Eu fui ver. Jesus tem que ser o centro da vida de cada um de nós, mas isso só vai acontecer se nós conhecermos Jesus. E o primeiro passo é ler o Evangelho. Conhecer o Senhor para aprender agir e pensar como ele.

275075662_1824837847713301_1489513079001043320_n.jpg
Rezar pela paz e abrir nossos olhos para agir como Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - 8º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 27/02/2022 - missa às 10h) 

“Jesus está falando para os seus discípulos que serão formadores da comunidade, mas todos nós, batizados de algum modo, somos também anunciadores e formadores dos outros. E qual é a medida? A medida é a do Mestre, e a medida do Mestre é a cruz.

Jesus quer que nós aprendamos a ver, a descobrir aquelas coisas em nós que não são do evangelho, que não são de Deus, para que nós comecemos a tirar essas coisas da nossa vida, porque se nós não fazemos isso, nós simplesmente vamos levar para os outros as maldades que estão no nosso coração e não vamos anunciar Jesus coisa nenhuma!

Quando o evangelho diz “pode um cego guiar outro cego?”, se você não tem Jesus no seu coração, se você não olha para Jesus constantemente, se você não se mede com Jesus, você não tem a luz. E, mesmo que você fale de Jesus, você vai levar o outro para o buraco porque você não está se medindo com Jesus.

Tire a trave do teu olho. Se eu tenho um cavaco enfiado no olho, se pensarmos, é muito mais fácil tirar este cavaco que você está vendo do olho, do que tirar um cisco. Para tirar o cisco do olho de outra pessoa, você tem que estar com o olhar muito bom, então temos que trabalhar o nosso olhar, e o nosso olhar tem que ser Jesus.

Às vezes a gente não tem um cavaco no olho, às vezes temos uma árvore inteira enfiada no olho e não conseguimos ver. Vamos olhar Jesus. E as nossas árvores, os nossos cavacos aparecem em todos, todos! Jesus nos dá o critério, escute o que você fala porque do jeito que você fala é o que está no teu coração, revela o que você tem dentro. Se você fala com raiva, se você fala com ódio, se você fala com desejo de vingança, se você amaldiçoa os outros, se você fala mal dos outros, se você inventa, se você mente, comece a escutar o que você fala, isso revela o que você tem no coração!

E, se você se escuta, e depois escuta a palavra de Jesus, você tem uma chance de começar a mudar. “Gente, eu falo mal dos outros, mas Jesus não fala mal dos outros... eu tenho que aprender a não falar mal dos outros! Na boca de Jesus só tem bênção. Eu vivo amaldiçoando os outros, eu vou parar com isso. Jesus cuida dos que sofrem, eu não estou nem aí com esse monte de pobre que tem por aí... opa, esse caminho não é de Jesus!”.

Jesus cuida das pessoas que sofrem. Vamos nos aproximar mais, ser misericordiosos, dar atenção para as pessoas, a nossa vida muda, e a medida do amor é sempre Jesus e a cruz. Ninguém tem mais amor do que aquele que dá a vida pelo outro! Isso é o que Jesus fez, isso é o que todos os discípulos e discípulas têm como medida: dar a vida pelo outro.

Muito bem, esse é o evangelho de hoje. Só que esses dias a gente só escuta falar de uma coisa, a gente liga a televisão, até lá no Instagram, do que é que estão falando? Só falam disso hoje: da guerra. Guerra, aí vem o povo com medo, terceiro segredo de Fátima e não sei o que... Primeiro que se fosse segredo não tinha que ser revelado! Tem muita invenção por aí, muito medo.

A situação da guerra é sempre injusta, toda guerra é injusta. Não existem inocentes entre aqueles que promovem a guerra, entre os grandes senhores do mundo, não existem inocentes não! Inocentes são aquelas pessoas que estão debaixo das bombas, é a população que não tem nada a ver com as doidices dos governantes. Mas tem coisas que dá para entendermos sobre essa guerra.

Eu tenho amigos lá na Itália, em Portugal, e eles estão com o risco ali do lado, nós estamos longe, então podemos falar com mais distância emotiva. Nenhuma guerra se justifica, mas tem muita coisa que explica essa guerra: uma delas é o fato de a OTAN estar cercando a Rússia por todos os lados, e a Rússia está simplesmente doida. Eles vão fechar as fronteiras todinhas em volta da Rússia, só falta a China e a Índia, então o homem está doido. Muita coisa poderia se resolver na diplomacia, mas como você tem um louco, Putin é um louco, um autocrata, um tirano, que vai tentar ficar no poder até 2036, ele faz essa loucura.

Porém, lá na Ucrânia também existe um louco, um doido, um homem que fala para a população montar coquetéis molotov para enfrentar tanques de guerra, para enfrentar helicópteros, aviões, esse sujeito é um louco irresponsável, um criminoso. Isso para nós vermos que entre esses senhores não existem inocentes.

Vai virar Terceira Guerra Mundial? Provavelmente não, ninguém tem interesse na Terceira Guerra Mundial. A Rússia tem muita influência no mundo econômico, por isso não vão tirá-la do tal SWIFT [Sociedade de Telecomunicações Financeiras Interbancárias Mundiais], se fizerem isso acabam com a economia do mundo inteiro!

O grande problema dessa guerra é que se dá muita importância para ela e não se olha para outras situações igualmente terríveis. Na Líbia, acabaram com o Gaddafi [antigo governante], que era outro louco, e olha o que sobrou. No Iraque, tiraram o Saddam-Hussein [antigo governante] que era outro doido, tirano, terrível, e olha o que sobrou. O Putin quer acabar com o presidente da Ucrânia, e foi exatamente isso que fizeram. Isso é para mostrar que não há inocentes! Você grita “ah, vamos promover a paz”, mas você promoveu a monstruosidade dois minutos atrás.

Pensem na situação do Iêmen, um país que está ao lado da Arábia Saudita: estão acabando com aquele povo! Fome, fecharam todos os corredores humanitários. Quem já ouviu falar do Iêmen? Poucos. Pois quem está pisando neles? A Arábia Saudita, que é amiga dos Estados Unidos. São interesses tremendos desses senhores, e muitos deles são loucos, que nem o nosso louco aqui que foi visitar o outro louco.

Nós, que estamos longe, qual é a nossa possibilidade? Ficar vendo esses jornais o tempo inteiro amaldiçoando o Putin, fazendo torcida pela OTAN? Não! A guerra é injusta, a guerra é uma monstruosidade, e quem sofre é o povo. Nós, de longe, o que podemos fazer? Rezar, isso nós podemos. Pedir para que Deus coloque um pouco de luz na cabeça desses doidos porque toda essa questão poderia ter sido resolvida com diplomacia, com plebiscitos, poderia. Mas não com guerra, não criando esse medo, essa tensão terrível no mundo inteiro.

E tem muita gente que ganha com isso, muita. Aqui no Brasil os ricos enriqueceram com a pandemia 20%, olha que desgraça, e para o povo aumentou a pobreza. Esses grandes senhores guardam grandes interesses; nós temos que pedir a Deus luz e graça. Luz para esse bando de doidos, e paz para o povo, paz.

A Ucrânia elegeu um neofascista e está pagando as consequências. Nós elegemos um doido e estamos pagando as consequências. Nós temos sempre que estar atentos à vida, à verdade, à liberdade. E a guerra é também guerra de mentiras, é terrível a fábrica das mentiras. Na guerra não há nada de bom, nada.

Vamos manter os nossos corações em Deus, rezar para que esse negócio acabe logo, que esses grandes loucos do mundo se entendam, porque quem se dana são só os inocentes.

Vamos pedir a Deus que nos dê paz e luz."

274520899_1818695571660862_4683760343659859071_n.jpg
Como amar nossos inimigos?

Homilia: Pe. Bennelson da Silva Barbosa - 7º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 20/02/2022 - missa às 10h) 

A liturgia desse domingo nos faz refletir sobre um tema muito importante para a nossa fé cristã: a nossa relação com os nossos inimigos e com aqueles que se opõem aos valores evangélicos que abraçamos. Vocês acham que é todo mundo que gosta gente? Tem gente que não gosta da gente por natureza, só de olhar ‘eu não gostei’, como fosse uma coisa, não é? E quem tem essa mania de chegar e falar ‘meu santo não bateu com o dele’? Bom, cada um é um. Só que o evangelho de hoje é um convite a aprender a lidar com essas situações, porque tem gente que tem uma lista de inimigos, gente intrigada, que fala: ‘se uma pessoa estiver lá, eu nem vou’. Isso quer dizer que você se tornou um escravo do seu ódio, da sua indiferença e Jesus está falando ‘olha, vocês precisam a lidar com os seus inimigos, com as pessoas que vocês não sentem atração’, porque tem pessoas que não gostam da gente e está tudo bem. Vocês acham que eu gosto de todo mundo? Não, eu não gosto de tudo mundo, mas eu sou convidado a amar todo mundo, e amar é respeitar. Nós temos que prestar muita atenção nisso. É bom perdoar? Sim, mas o melhor é a gente prestar atenção para não magoar as pessoas, isso é melhor. Tem muita gente que prega muito sobre o perdão, é verdade, mas também vamos pregar para as pessoas pararem pra pensar no que fazem para não complicar a vida dos olhos? Tem gente que fala ‘a fulana me chateou’, mas presta atenção também no que você faz, será que aquilo que eu faço é bom?

Ontem mesmo eu saindo da missa e uma pessoa me parou para falar mal do Papa, aí eu fiquei assim e pensei ‘Jesus amado, toma conta’, porque parece uma tentação para ver o que você vai falar, o que você vai fazer. Agora vocês acham que eu gostei dessa conversa? Mas eu fiquei quieto, boca fechada, eu só escutei, mesmo com aquela tentação, falando mal do Papa, a pessoa esqueceu de ler esse evangelho. Então, se eu entro na lógica dele, porque ele tocou num assunto que não gosto... Ainda bem que eu tinha acabado de sair da missa e estava com a cabeça no lugar, porque senão eu ia brigar com aquele homem. Aí vem a história da Primeira Leitura de hoje, Davi, um homem jovem, ungido, futuro rei de Israel, que tinha um rival que é Saul. E Saul pintou e bordou na vida de Davi, por quê? Ciúmes, inveja, queria acabar com a vida de Davi de qual quer jeito. Só que aí, diz a leitura, que estava uma disputa de Saul com Davi, e ele ia atrás de Davi para matar o Davi, mas chegou num momento que quem bobeou foi Saul, ele e a equipe dele estavam dormindo. Foi aí que alguém perto de Davi falou: é agora que vamos pegar esse safado. Mas Davi se deu conta que ele não podia matar esse homem, pois ele é ungido de Deus, se eu matar esse homem minha vida vai para o “beleleu”. E é assim mesmo, gente, nós não podemos pagar o mal com o mal, por mais que alguém esteja nos prejudicando, falando ou fazendo a gente sofrer, isso não nos dá o direito, pois isso atrapalha a vida espiritual. Cuidado para você não ficar se vingando das pessoas. E aí Davi, movido por aquele Espírito de Deus, diz ‘não, eu não vou fazer isso’ e a vida de Saul foi poupada. E Deus vai honrar a aliança, Davi vai se tornar rei, mas não pela morte de Saul. Então nós temos que aprender a esperar. Às vezes nós ficamos brigando com as pessoas para nos defender, fica falando de mais, e isso traz tanta confusão na família. Você que está casado e não confia na sua esposa ou no seu esposo, tem alguma coisa errada ou, no trabalho, que tem aquela criatura falando, cobrando, quem aguenta e dentro de casa, sempre tem aquelas criaturas que não tem paz, que não está bem, chega dentro de casa atazanando, quem aguenta? Ninguém né. Então a gente tem que pensar, realmente...

Na Segunda Leitura de hoje, São Paulo explica sobre o primeiro homem que é Adão, um homem terrestre, um homem que infelizmente pelo pecado deixa o projeto de Deus e aí vem o segundo homem, o homem celeste que é Jesus, o próprio Cristo, é Ele quem restaura todas as coisas e aí ele continua fazendo essa catequese da ressurreição, porque essa comunidade tinha uma dificuldade imensa de entender que o princípio da nossa vida é a vida eterna e quando a gente se batiza, nós tornamos novas criaturas. É isso, nós vivemos nesse mistério, a gente mergulha na misericórdia de Deus e pode viver com toda a dignidade. Quando estamos aqui ou em qualquer igreja, Deus deixa os nossos pecados lá para fora, e a gente agradece: ‘Senhor, obrigado de ser dignos de estar aqui e vos servir’. Gente, vocês tem noção que, quando vamos à igreja, Deus reveste cada um de nós? Por isso que é importante participar, porque é de uma profundeza, Deus vai nos tocando na nossa alma. Duas semanas atrás, eu fiz um retiro num mosteiro e as irmãs que vivem lá não saem, né? Aí a irmã foi me revestir, que é uma coisa muito sagrada, quando ela colocava a roupa em mim, eu sentia a força de Deus; eu falei ‘Jesus, eu não sou digno de ser revestido por tanta santidade’, porque aquela mulher só faltava voar de tão santa que ela era e eu sentia esse amor. E esse amor que Ele tem por cada um de nós, veja o evangelho de hoje, Ele dá a graça para os ingratos e para os malvados. Se Ele faz isso para quem a gente acha que não presta, imagina conosco que se esforça?! Porque eu creio que todo mundo aqui está se esforçando para viver a santidade.

O evangelho é a continuidade do ensinamento das bem-aventuranças da semana passada, lembra? Aquele programa de vida: bem-aventurados são aqueles os pobres, aqueles que promove a paz, aqueles que são perseguidos. Jesus vai trabalhando a nossa consciência. Hoje Ele vai tocar naquela feridinha nossa, a nossa raiva de cada dia com as pessoas, e vai falar: ‘Olha, vocês não podem agir assim, vocês não podem tratar as pessoas maldosas com maldade’. Aqui é outra lógica, o agir cristão vai além, não é pagar o mal com a mesma moeda, o amor cristão inclui perdão, diálogo, a construção da paz, por meios específicos, pacíficos. Então você tem sempre que avaliar como que você fala, o tom de voz, que hora que você está falando, em que espaço, para quem eu vou falar, pois se falar de qualquer jeito dá confusão. Tem hora que cansa, mas você tem que ser paciente, sede misericordioso como vosso Pai é misericordioso. Deus é misericordioso comigo, por que eu não posso ser com todas as criaturas?

Nós temos que parar, gente. ‘Mas padre o que devo fazer?’. Eu vou falar para vocês o que eu faço e muito: é orar, não é que Jesus está falando aqui? Orai por aqueles que vão contra os seus próprios valores. Meus irmãos não são meus inimigos só que eles não vivem a mesma vida do que eu, então é tentar conversar e ir na fé. Eu creio na misericórdia, pois não dá para desanimar, pois Deus conta comigo e Deus também está contando com vocês. Deus está contando com vocês mesmo com todas as dificuldades que você está passando, então não é para ficar parado, chorando. Vocês vão aprender a lidar com as coisas da vida. É isso que Jesus nos faz. É por isso que toda a missa que você participa Deus vai mostrando para nós: ‘Quando você sair por aquela porta, não é para ficar lamentando, é para ter consciência’. Aí eu volto para aquela cena de ontem, naquele homem que foi me levar, falando mal do Papa, se eu não estivesse ligado tinha entrado na dele, mas eu não entrei. Deixa ele falar, ele acha que está certo, deixa, uma hora Deus cutuca dele, não é que Deus vai fazer mal a ele, Deus vai cutucar e falar acorda, feche sua boca, para de jugar, seja mais humilde. Esse negócio de cuidar da vida do outro é feio, nós temos essa mania, aí você fala ‘mas padre só estou fazendo um comentário’, mas não é comentário, é fofoca e fofoca é coisa do demônio. Agora porque você não abre essa boca santa para abençoar ou elogiar? Não economiza isso, isso nós podemos fazer, mas a gente não faz. E isso é dentro de casa, um membro da nossa família faz uma coisa simples e já achamos que é uma obrigação. Abre o olho, porque você não está entendendo nada, tem coisa que nós fazemos nessa vida, não como uma obrigação, mas porque nós temos um amor profundo pelas pessoas: cuidar de uma casa, fazer comida todos os dias, lavar roupa, sair cedo para trabalhar, pegar trânsito e vocês acham que é apenar uma obrigação?! Oh, nós temos que acordar. Vir aqui na igreja, servir como o pessoal da acolhida, a pessoa que fica colocando o álcool nas mãos das pessoas, outro fica medindo a nossa temperatura, é obrigação? Isso é amor! O povo que vem como ministro, a pessoa que vem fazer leitura, o povo que canta, isso é puro amor! E a gente tem que ver a vida nessa expectativa, pois senão a gente acha que tudo é obrigação e não é. É porque alguém é tocado e quando você é tocado, você se torna misericordioso. A palavra misericórdia é a gente aprender a lidar com as misérias nossas, mas também da humanidade, eu não vou ser jogado fora, porque é tão triste a gente ser jogado fora, talvez por meus erros, eu vou ser jogado fora? Não, pelo contrário, Deus vai cuidar de mim e é isso que nós temos que fazer também, cuidar das criaturas que andam soltas por aí, sem amor e sem juízo. Que o Senhor nos dê essa capacidade de amar profundamente e acordar, porque a vida só vale se for vivida no amor – por isso que Jesus insiste ‘O amor. Acima de tudo, o amor’.

274057765_1813542318842854_3997693627372765585_n.jpg
Que saibamos cuidar dos irmãos mais necessitados

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha -  6º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 13/02/2022 - missa às 10h) 

O Evangelho de Lucas é chamado de “O Evangelho dos pobres” porque Lucas vê Jesus como aquele que veio trazer a salvação aos que sofrem. Deus é aquele que vê a realidade do avesso. É muito estranho quando as pessoas têm coragem de perguntar quem é pobre. Pobre é quem passa fome, quem não tem o pão. Pobre é quem não tem casa, não tem saúde. Pobres são também as pessoas que são marginalizadas e de, algum modo, são considerados gente de segunda classe. A maioria, ou talvez 100% de nós, é apenas pobre remediado. Quem vive de salário é pobre remediado. Quem não tem 1 milhão para jogar na Bolsa de Valores todo dia – e tanto faz se ganha ou perde esse dinheiro – não é rico, é pobre. Então vamos tirar da cabeça que, se conseguimos alguma coisa – às vezes com o salário de uma vida inteira –, nós somos ricos. Somos apenas pobres remediados e temos que parar de “arrotar peru” se o que a gente come é ovo e abobrinha. Porque nem dá para comer carne todo dia.

Porque Jesus fala isso? Porque a salvação de Deus começa de baixo. Para salvar a todos, quando você pensa a partir dos excluídos, dos que não têm nada, você não exclui ninguém. Porque os que têm já pensam por si mesmos, no seu grupo. E por que a salvação começa de baixo? Por uma questão de justiça. Se olharmos em certas estatísticas, vamos ver que 2% da população brasileira, os mais ricos do Brasil – bancos inclusive –, ganharam uma fortuna na pandemia e aumentaram em até 20% seu patrimônio. Como podemos anunciar a salvação para esse povo?

Deus anuncia a salvação para quem nesse mundo não tem salvação, para quem nesse mundo vive de injustiça. E não é para dizer que os pobres são bons. Pobres são iguais a todo mundo. As mulheres são todas boas? Não. Mas a mulher, na nossa sociedade, ganha o mesmo que o homem trabalhando na mesma função? Os pretos sabem o que significa ser preto. Você vive com medo de ser parado pela polícia só por causa da sua cor de pele, o que é um absurdo. Isso é ser excluído. O Brasil é o país que mais mata travestis no mundo. Isso é machismo barato, intolerância. E está piorando.

Deus quer fraternidade. Deus é pai de todos e de cada um. Então, para Deus, somos todos irmãos. E, se somos irmãos, temos que agir como tal. Irmão não rouba o outro e, se o outro está sofrendo, ele cuida. Ele não bota o outro para fora, mas sim o ama. Este é o caminho de Jesus. Mas esse discurso não agrada porque muitas pessoas querem ter ainda mais. Para quê, não sabemos.

Eu lembro de um líder, um destes ditadores que estava na África e cujo governo dele havia dado um golpe. Quando foram para a casa deste homem, acharam um container cheio de dólares. Mesmo que esse homem vivesse 250 anos, ele não conseguiria gastar aquele dinheiro. Então por que queria? Deus olha pelo avesso. A pobreza é fruto da injustiça, da má distribuição, do desprezo pelo outro. Querer tirar dos outros mesmo que comigo, em excesso, as coisas apodreçam.

Hoje, no mundo, produzimos praticamente o dobro do que precisamos de comida. Produzimos comida para 14 bilhões de pessoas e somos somente 7,5 bilhões. E existem milhões de pessoas passando fome. Porquê? Porque não pensam no outro como irmão, mas sim como lucro. “Eu vou pegar um navio e colocar comida para mandar para o outro lado do mundo? E o dinheiro que vou gastar? Não, fica aqui. Melhor apodrecer e jogar fora. Eles que fiquem passando fome lá. Eu não vou ganhar nada”. Essa é a mentalidade do mundo. Mas não a de Deus. Deus quer que todos vivam e, por isso, a salvação vem das bordas pois é o único modo de salvar a todos. A Virgem Maria, no cântico do Magnificat, cita “derruba os poderosos de seus tronos e eleva os humildes, sacia de bens os famintos e despede os ricos sem nada”. O Teólogo brasileiro Leonardo Boff diz que Deus faz isso para dar uma chance para essas pessoas se converterem e descobrir o amor pelos outros. Não é o acúmulo desmedido que faz as pessoas serem irmãos, mas sim a partilha. Nós tivemos e temos hoje muitos católicos que têm muito dinheiro. É pecado? Não. Mas desde que tenha partilha, cuidado e respeito pelos outros.

Vamos pedir ao Senhor que Ele ajude a nós, pobres remediados, a cuidar dos mais pobres. Que nós possamos aprender também a não ver os outros como pessoas de segunda classe. E isso é algo que devemos aprender bem porque essas raízes estão enfiadas no nosso coração e são difíceis de arrancar. Vamos aprender a respeitar os pretos, os gays, as mulheres e todas as outras minorias. O número de assassinatos de mulheres no Brasil é uma coisa assustadora. Temos que aprender a respeitar no nosso modo de falar e no nosso modo de agir. Comece pelo modo de falar e não faça piadas com as pessoas. Respeite-as. Com pequenos passos, quem sabe, um dia, conseguiremos estar mais pertinho do Reino de Deus.

Semana passada não pude vir rezar a missa porque estava com COVID. Já fiz um novo teste e deu negativo. Tive pouquíssimos sintomas graças à vacina. Vamos nos vacinar! Quem ainda não se vacinou, saiba que vacina não faz mal para ninguém. Tome a segunda dose quem ainda não tomou. Quem já pode, tome a terceira. Vacinem também as crianças. É a única arma que temos contra essa pandemia. Não caiam em conversa mole. A maioria das pessoas que hoje está morrendo por causa da variante Ômicron não se vacinou. Não acredite nas mentiras daqueles que querem ver a morte do povo. Vacinem-se e incentivem as pessoas a se vacinarem pois é a única arma que temos. Remédio para piolho, é para piolho. Coronavírus não é piolho. Vamos cuidar uns dos outros também pois, quando eu me vacino, eu cuido das pessoas. Um católico nunca poderia colocar em questão as vacinas. Isso é obscurantismo, é ser filho da morte. Deus nos deu a ciência e os remédios para que nós possamos usá-los e a inteligência para descobri-los.

273680553_1809788382551581_6671884097597785506_n.jpg
Pescar, de fato, e anunciar ao mundo as palavras de fé

Homilia: Pe. José Ailton Teixeira -  5º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 06/02/2022 - missa às 10h) 

Queridas irmãs, queridas irmãos, ministros, ministras, leitores, cantores e animadores da Santa Missa, louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo.

Neste 5º domingo do tempo comum, somos convocados por Deus e enviados por Jesus Cristo para uma missão nobre de evangelizar com verdadeiro ardor missionário. As leituras hoje nos levam a esta realidade. A primeira do profeta Isaías, quando Isaías se põe pronto a servir: “Aqui estou! Envia-me!”, depois de ter pedido que seus lábios fossem purificados com aquela brasa ardente porque ele se achava indigno de assim anunciar a palavra de Deus.

Ele purifica, por isso que nós padres antes de proclamarmos a Palavra de Deus sempre dizemos: “Senhor, purificai-me coração e lábios para que anuncie dignamente o vosso Santo Evangelho”. Isso já era antes do próprio Cristo, no Antigo Testamento; Isaías purifica com a brasa ardente os seus lábios porque se achava um homem impuro com seus lábios de proclamar a Palavra de Deus. Como Isaías, nós também devemos ter esta capacidade depedir a Deusque purifique não somente os nossos lábios, mas o coração, para que, purificados, nós possamos anunciar ao mundo e aos homens esta palavra de vida, de fé e de esperança.

Por isso, minhas irmãs e meus irmãos, é que Paulo, escrevendo aos cristãos de Corinto, diz: “é isso o que temos pregado e é isso que crestes”, de que a palavra que Jesus ensinou é palavra de vida, de esperança e salvação para toda a humanidade. Mesmo para aqueles que tenham se afastado do convívio, mesmo daqueles que tenham deixado a convivência desta palavra ou a convivência com os irmãos e irmãs. Mesmo assim Deus não nos abandona! Nós até o abandonamos, quantas vezes? Mas Deus continua conosco. No momento em que voltamos somos admitidos para continuarmos a missão que recebemos no início da nossa vida ou quando fomos batizados.

O evangelho hoje, de Lucas, este capítulo 5, versículo de 1 a 11, deixa bem claro qual é a nossa missão: deixar tudo e seguir prontamente os passos do Mestre. Não sei se as senhoras se lembram, mas quando, pela primeira vez no Brasil, depois do Concílio Vaticano II, foi proclamado no Brasil o primeiro ano vocacional nacional, proclamado pela CNBB em 1983, era justamente esta frase do evangelho de Lucas que hoje nós lemos: “Avancem para águas mais profundas! Lançai as vossas redes”.

Justamente a partir deste momento Pedro e seus companheiros deixaram tudo e seguiram prontamente o Mestre. Jesus pede que eles lancem as redes em águas mais profundas! Eles ficaram assustados porque já tinham passado a noite inteira numa pescaria e não tinham conseguido nada. Então, diante das palavras de Jesus Cristo, eles lançam as redes e ficam tão absortos com a quantidade de peixes, que ficaram abismados, admirados, e deixaram tudo e seguiram o Mestre, prontamente seguiram os passos do Mestre! “Quando acabou de falar, disse a Simão: ‘Avança para águas mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca.’”

A pesca foi tão grande que foi preciso outras barcas que estavam vizinhas ali dos seus companheiros para ajudar a trazer para as praias as redes superlotadas de peixes de todos os tamanhos. Assim, amadas e amados de Deus, como naquele tempo, nós também hoje somos convocados de uma forma diferente, mas tendo sempre essa presença daquela pescaria tão milagrosa que Jesus permitira com os pescadores, e continua a nos dizer “lançai as redes em águas mais profundas”, e vamos pescar de fato.

Vemos então, desde aquele tempo, em 1983, quando fizemos a primeira campanha de vocações da igreja, sempre, sempre temos passado por momentos importantes. Momentos importantes no tocante às vocações, não só sacerdotais, mas vocações à vida religiosa na parte feminina, e homens e mulheres que se doam, se entregam, renunciam a si mesmos e se lançam nas águas mais profundas. Não somente do mar, mas da vida,da pastoral vocacional, quer para sacerdócio, quer para vida religiosa, ou mesmo entre os casais com as diversas pastorais que hoje nós temos na igreja.

A fonte, amados e amadas de Deus, é este trecho do evangelho de Lucas [Lc 5, 1-11] em que Jesus diz“lançai as redes para as águas mais profundas”, e tenham a certeza, amados e amadas de Deus, se assim fizermos, com confiança, Deus vai nos atender, Deus vai nos escutar, Deus vai nos ouvir e vai fazer com que nossas redes sejam cheias de vocações. Não só para o sacerdócio, não só para a vida religiosa, mas vocações em todos os níveis, pais, mães, casais que também se consagram a Deus, na educação familiar, na educação dos filhos, na instrução religiosa para que assim nós possamos ouvir estas palavras de Jesus Cristo:“deixaram tudo e seguiram o Mestre”.

Ora, é preciso que nós estejamos disponíveis, estejamos despojados e abertos àquilo para o qual Cristo nos chama:“vinde e farei de vós pescadores de homens” – não mais de peixes, mas pescadores de homens e mulheres para a igreja, para evangelizar. Como dizia o Papa João Paulo II, hoje São João Paulo II, com o verdadeiro ardor missionário, isto é, de anunciar ao mundo e aos homens esta palavra de vida, esta palavra de fé, esta palavra de amor, de doação, de renúncia e de entrega total.

Sejamos homens e mulheres disponíveis, abertos e acolhedores daquilo que o Senhor nos chama; aliás, pelo Batismo nós já somos convidados a sermos homens e mulheres lançando as redes em águas mais profundas. Não precisa mais ser no mar como no tempo de Jesus, com os apóstolos, naquelas barcas em alto mar, mas no mar da vida, no cotidiano da nossa caminhada com nossos parentes, amigos e a vizinhança com a qual convivemos.

Sabemos, também, pelo nosso exemplo, pelo nosso testemunho de verdadeiros cristãos e cristãs, homens e mulheres, casais que se doam, que renunciam a si mesmos para doarem-se aos outros na evangelização, como fizera Jesus Cristo. E Jesus Cristo nos convida, através dos apóstolos a quem Ele os envia: “ide por todo mundo e fazei discípulos meus todos os povos”. Como? Batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo. Essa, amados e amadas de Deus, é a minha, a sua, é a nossa missão: evangelizar com verdadeiro ardor missionário.

homilia 30-01-22.jpg
Deus se faz presente

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  4º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 30/01/2022 - missa às 10h) 

Na leitura, eu alterei duas palavras que estão na nossa tradução, porque elas não mostram bem a situação de conflito que se estabeleceu na sinagoga de Nazaré. Semana passada Jesus tinha falado que Ele veio para anunciar a Boa Nova aos pobres, a liberdade aos presos, a visão aos cegos, a liberdade aos oprimidos, o ano da graça do Senhor. Os galileus eram pessoas de cabeça muito quente, amavam uma revolta. É um problema tanto que revoltoso era sinônimo de Galileu, ou melhor, Galileu era sinônimo de revoltoso ou de gente de cabeça quente. O povo de Israel estava todo na espera de um Messias, um Messias político que fosse restaurar o culto do templo, expulsar os invasores de Israel aí no caso eram os romanos, fazer de Israel a maior nação do mundo, era isso que eles esperavam. E os galileus esperavam isso, começando com uma revolta. “Vamos levantar o povo, vamos expulsar os romanos, vamos mudar a liturgia do templo, vamos fazer tudo porque o Messias vai nos guiar”. É isso que eles esperam.

Aí Jesus lê essa passagem do profeta Isaías e pula última frase “o ano da vingança do nosso Deus”, era isso que eles queriam ouvir, e não ouviram. Aí ficam, mas espera aí, que conversa é essa de graça? Que conversa é essa? Esse rapaz não é filho do José? Não é um dos nossos? Ele não pensa que nem nós? E Jesus vai mais longe ainda, diz: vocês vão querer que eu faça aqui as mesmas coisas que eu fiz lá em Cafarnaum, mas vocês não têm fé. E aí então Jesus vai instigar ainda mais aquele pessoal. Os galileus eram extremamente nacionalistas e Jesus vai dizer: Deus, no tempo de Elias, mandou ele cuidar de uma viúva estrangeira, fora da terra de Israel. A salvação também é para eles. No tempo de Eliseu, que era outro profeta, Deus fez Eliseu curar um sírio, um pagão, gente de outra terra. O que Jesus está dizendo? Deus não é propriedade de vocês, Deus está aqui no vosso meio, anunciando uma mudança de mentalidade e vocês não querem ouvir porque vocês estão cegos, pelo vosso nacionalismo e pelo vosso messianismo. E o que acontece? Eles pegam Jesus e vão levá-lo para o alto, para jogá-lo de um penhasco. Eles consideram Jesus um blasfemador. Ser atirado de um princípio ou ser apedrejado até a morte era a mesma coisa era punição para os blasfemadores. Mas Jesus, com a sua autoridade, passou no meio deles e seguiu o seu caminho.

 

Gente, isso é assustador! A graça passa e se nós não a acolhemos, ela passa. O povo de Nazaré não viu passar a presença de Deus, ficaram fechados no seu pensamento, mas a mesma coisa aconteceu depois com Jerusalém, Jesus também foi anunciar o evangelho lá. Jesus também anunciou o evangelho da salvação, mas isso o povo não queria saber, tanto que o sumo sacerdote vai lá e fala: é melhor que um homem morro que toda a nação sofrer com a invasão aqui dos romanos. Eles queriam é salvar a própria pele, defender os próprios interesses, não estavam interessados na palavra de Deus, por isso Jesus um dia Monte das Oliveiras – do Monte das Oliveiras, você vê o vale e você vê Jerusalém do outro lado – Jesus chora sobre Jerusalém e ele fala: Jerusalém que matas os profetas quantas vezes eu quis reunir os vossos filhos debaixo das minhas asas que nem a galinha reúne os pintinhos mas vocês não foram capazes de reconhecer o tempo vocês se foram visitados. Olha que coisa, 1800 anos esperando a visita de Deus e não foram capazes de reconhecer Deus porque não aceitaram mudar de mentalidade, ficaram fechados na sua ideia de Deus. Deus tem que ser como eu quero. Só que Deus não é como nós queremos. Deus passa e nós não percebemos! E cuidado nós também hoje podemos cair nesse erro. A graça de Deus passa na nossa vida todos os dias e nos desafia a crescer, mudar de mentalidade, abrir o coração e nós muitas vezes não queremos. A realidade está gritando nos nossos olhos, mas nós não queremos. E quando você não quer, nem que Deus apareça na tua frente você vai mudar.

Nós temos realmente que pedir a Deus que Ele nos ensine a ouvir a sua palavra, a deixar que essa palavra entre na nossa vida, que nem água que tira a sujeira, para que nós possamos realmente ver pensar e agir que nem Jesus, no nosso tempo, dos nossos jeitos, mas agir hoje conforme o evangelho. Se nós não fazemos isso, acontece com a gente igual aconteceu com o Jerusalém. Jerusalém se fechou no seu coração, se fechou nas suas ideias, não quis reconhecer o caminho que Jesus apontava. Quarenta anos depois da morte e ressurreição de Jesus, Jerusalém foi destruída. Depois no ano 135 o imperador Adriano mandou derrubar tudo na esplanada do templo, sobrou só o muro das lamentações. Porque não souberam reconhecer o tempo da visita de Deus. Peçamos ao Senhor que nós como igreja, como pessoas, como discípulos e discípulas de Jesus sejamos capazes de reconhecer essa passagem de Deus.

homilia 23-01-22.jpg
Que o Senhor nos dê também a visão do avesso

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  3º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 23/01/2022 - missa às 10h) 

São Lucas era médico e uma pessoa muito instruída. E existiam já outras comunidades que tinham alguns escritos sobre Jesus, como a comunidade de Roma que possuía o Evangelho de São Marcos. E Lucas decide, ele também, fazer um relato dos acontecimentos. E ele apresenta, de forma ordenada, para que mostrasse a solidez da fé que nós professamos. Ele fala “caríssimo Teófilo”. Teófilo pode ser uma pessoa, mas pode ser cada um de nós. Teófilo significa “Filho de Deus”. 

 

O Evangelho de Lucas segue, o quanto possível, uma linha histórica. E ele apresenta Jesus, que estava com João Batista há algum tempo. Depois recebe o batismo, a unção do Espírito e vai para o deserto e lá sofre as tentações. O Evangelho das tentações nós vamos ler no começo da quaresma. E depois, ele volta e começa a anunciar o reino. 

 

João Batista foi preso. O povo esperava que João Batista fosse o Messias. Fazia 500 anos que Israel não tinha nenhum profeta e veio João Batista com uma força igual à que possuía Elias, um grande profeta. Então o povo falou “é agora que Deus vai intervir na história”. E João Batista é preso e Jesus começa o seu anúncio. E as pessoas começam a se aglomerar, a escutar a pregação deste homem. E ele faz sinais, ele cura as pessoas, coisa que João Batista não fazia. Ele caminha, e João Batista ficava sempre fixo no mesmo lugar. Ele vai ao encontro das pessoas, é diferente, mas tem o ar de profeta. 

 

Ele vai pra Nazaré, sua cidade Natal, um fim de mundo da Galiléia. E os galileus tinham uma fama de serem pessoas de cabeça quente. Quando você queria falar de encrenqueiro, de gente pronta para fazer revolta, chamava de galileu. Então Jesus vai para a sinagoga, como ele fazia sempre. Provavelmente o presidente da sinagoga pede para Ele ler e as pessoas já ouviram falar deste homem, já conhecem Ele. Mas parece que tem alguma coisa diferente. Os galileus eram muito a fim de uma revolta. Eles estão esperando uma mudança. Eles não suportam mais o julgo que Roma impõe sobre eles. Eles esperam uma libertação política forte. 

 

Então Jesus abre o livro. Naquele tempo, o termo certo era “desenrolar”, pois eram rolos de pergaminho. E pergaminho era pele de barriga de ovelha que você secava, fazia uma espécie de folha comprida e escrevia. Por isso que você enrola ele. Então Jesus abre o livro nesta passagem. Foi Ele que escolheu a passagem. E Ele, ao lê-la, corta o último versículo. E então Ele diz: “O Senhor me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres, a libertação aos presos, a vista aos cegos, a salvação aos oprimidos e o ano da graça do Senhor”. O que aquele povo estava esperando era o último versículo “o ano da vingança do nosso Deus”. Jesus simplesmente não leu este versículo. Por quê? Deus não é um revolucionário louco. A salvação não vem de revoltas. A salvação vem a partir dos pequenos e daqueles que ninguém considera coisa alguma. 

 

Boa Nova para os pobres. É para os últimos que a salvação de Deus é uma Boa Nova. Por quê? Para os ricos e poderosos, não tem nenhuma notícia boa que interesse. Eles já têm dinheiro, posição, já pisam em cima dos outros. São exatamente os últimos que recebem o anúncio de misericórdia, de amor, de fraternidade, de solidariedade de Deus como boa notícia. Jesus está pregando uma mudança na mentalidade das pessoas. Nós temos que aprender a olhar o mundo pelo avesso porque Deus faz isso. Quando nós olhamos os profetas, eles vão sempre falar disso: das pessoas que são injustiçadas, os pobres, as viúvas, os órfãos, os estrangeiros. Deus olha para eles. Todo o resto que vocês fazem para Deus não significa nada. Nem a vossa Liturgia maravilhosa. Se não tem amor por eles, é blasfêmia. Então o critério que Jesus nos dá no Evangelho é olhar o mundo do avesso. O mundo inteiro estará melhor quando os pobres estiverem melhores. Onde tem aumento de pobres, onde tem aumento de desempregados, o Reino de Deus não está perto. Quando você ouve que o número de pobres está diminuindo porque as pessoas estão conseguindo trabalho, assistência, nós estamos mais perto do Reino de Deus. 

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos dê esta visão Dele, a visão do contrário, a visão do avesso em nossa cabeça e nosso coração. A nossa comunidade tem uma realidade que cuida disso, que é exatamente a Pastoral de São Sebastião. Nós tínhamos a comunidade de Santo Antônio que já fazia este serviço e aí pediram aqui na comunidade para que pudéssemos começar. E, devagarinho, este trabalho foi tomando corpo e hoje nós estamos dando uma média de 1200 marmitas por mês para os sofredores de rua. Em uma atitude que é a de ir até eles. Nós vamos até eles. E, ali, a gente percebe situações realmente de degradação humana. Pessoas que vivem em verdadeiros buracos, com crianças, em situações absurdas. E você pensa o quanto isto é extremamente desumano. Nós damos este pequeno alívio. Porém, seriam necessárias atitudes muito mais enérgicas das autoridades civis para melhorar esta situação humana, que é extremamente grave. Ninguém merece estar no meio da rua. Isto não é humano. Ninguém está lá porque quer ou porque é vagabundo. As situações da nossa sociedade são graves, muito graves. E nós temos que pensar no avesso. Nós temos que pensar naqueles que realmente estão dispostos a fazer alguma coisa melhor para este povo que sofre. E isso é para o bem de toda sociedade brasileira, não só para eles. Toda a sociedade ganha quando todos estão em uma situação melhor.

 

Vamos pedir a Deus que nos guie e nos ajude a perseverar neste caminho maravilhoso que é esta Pastoral São Sebastião.

homilia 16-01-22.jpg
É através do Evangelho de Jesus que aprendemos a seguir seu caminho

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  2º Domingo do Tempo Comum (Ano C – 16/01/2022 - missa às 10h) 

O tempo de Natal esse ano foi muito curto por causa do dia em que foi o Natal, quando coincide com a sexta ou sábado, fica tudo corridinho. Hoje iniciamos solenemente, com o Batismo do Senhor, o Tempo Comum, também chamado Tempo Ordinário, são 34 domingos onde nós somos guiados, passo a passo, por um dos evangelistas – esse ano é São Lucas. Vamos seguir Jesus até que cheguemos no último domingo do ano, vamos celebrar Jesus Rei do universo e o trono dele é a cruz. Será um longo caminho de Jesus, de pregação, de curas, de brigas, de bate bocas com as pessoas do poder religioso, de chamado aos seus discípulos, multiplicação dos pães, transfiguração... Sobre todos esses eventos da vida pública de Jesus vamos meditar durante todo o ano e seremos ajudados esse ano por São Lucas, que era cristão, filho de mãe cristã e pai pagão. Ele era médico e devia ser uma pessoa muito estudada. Ele fala, no começo do seu Evangelho, que fez muitas pesquisas. Ele não conheceu Jesus pessoalmente, mas fez muitas pesquisas e foi preparando esse texto que é o Evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos. Foi uma obra escrita e planejada em dois volumes: Evangelho e Atos dos Apóstolos. No seu Evangelho, ele usou uma grande parte o Evangelho de São Marcos que já estava escrito, então ele foi juntando tudo que tinha na comunidade de Roma e escreveu o Evangelho para os pregadores. Ele usou esse material e muitos outros. O texto de São Lucas é escrito em um grego tão bonito, é um texto tão bem-feito que é considerado uma das obras literárias do primeiro século! É um Evangelho muito gostoso de ler, é bonito e elegante, é chamado de “o Evangelho dos pobres”. São Lucas vai colocar a sua ênfase, dar destaque aos pobres, aos últimos, aos pecadores. De fato, em seu Evangelho, quando vimos lá no presépio, ele mostra a visita dos pastores, nas bem-aventuranças vamos ouvir as bem-aventuranças secas, “bem-aventurados os pobres” deles é o reino do céu. Maria também vai cantar a misericórdia de Deus sobre os pobres e os humildes.

Então, em São Lucas, nós iniciamos com esse momento: o Batismo de Jesus e o que percebemos? Jesus não chegou triunfante nas margens do Jordão dizendo: “olha, eu sou o bombom da história”. Jesus chegou como as outras pessoas, Deus caminha com seu povo, Deus caminhava com o povo, no Antigo Testamento, ao longo do deserto e estava presente na vida do povo, na arca, no templo, nas orações. Deus está sempre presente e Jesus está no meio do seu povo. Deus não está acima de ninguém, Ele está no meio de nós, caminha conosco, guia nossos passos, mas no meio de nós. O povo ia até João porque estava esperando e achava que João Batista era o messias, ficaram 500 anos sem profeta na Palestina e de repente apareceu esse homem com sinais que o povo conhecia, como o profeta Elias, vestia um manto, cinturão de couro, ele também comia gafanhoto, mel silvestre, era a vida do deserto. Essa era a vida de João Batista e o povo ficou impressionado porque esse homem pregava com muita força e anunciava a chegada eminente de Deus. E junto com o povo que vinha Jesus também veio, recebe o Batismo e se retira a parte para rezar.

 

É muito importante para Lucas esses momentos de oração de Jesus. É no silêncio, na oração, no recolhimento que Deus nos fala. Temos que criar um coração que esteja esperando. O silêncio faz isso. Esperar Deus falar nos mostra o caminho, nos ensina, Ele sempre reponde no tempo Dele, mas nenhuma oração nossa é perdida, Deus nos escuta sim, Deus se manifesta não para Jesus, para o povo. Para nós, Ele manda o Espírito de forma certeira em cima de Jesus, é esse o eleito, é esse o messias, esse é o meu filho amado, nele eu coloco o meu bem querer. Isso é uma manifestação para as pessoas. Jesus não precisava disso, mas marca também um início da missão pública de Jesus. Até então Jesus vive o que chamamos de vida oculta, vida normal do dia a dia, como todos nós: trabalhava, vivia, na comunidade de Nazaré e em Cafarnaum uma vida normal de um carpinteiro daquele tempo. Agora não, agora essa vida é largada para trás e se inicia a missão de Jesus: missão que será a libertação dos pobres, anunciar aos pobres que o reino de Deus é deles, não dos donos da religião, não dos donos do poder, mas dos pobres, aqueles que o mundo não considera, aqueles que são considerados perdidos pelo mundo, aqueles que é uma conversa que conseguimos entender até na língua econômica, “aqueles que não contam para o mercado”. Para essas pessoas que são massa de manobra, é para eles que Deus anuncia a salvação. A lógica desse mundo não é a lógica de Deus e isso nós também descobrimos na oração como Jesus fez. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude nesse ano litúrgico guiado por São Lucas.

homilia 09-01-22.jpg
O Batismo de Jesus é um sinal para o povo

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  Batismo do Senhor (Ano C – 09/01/2022 - missa às 10h) 

Casamentos são coisas que acontecem sempre. Na região da Palestina, mas também no mundo Oriental da época, casamento durava uma semana. A noiva era levada para casa do noivo, aí tinha uma festa e se servia, seguramente, muito vinho. E numa situação como essa, que ainda não era o fim da festa, acabar o vinho era um desastre. Mas qual a coisa interessante dessa história? É que Maria vai avisar quem que acabou o vinho? Jesus. Jesus não é o noivo, e de fato Ele responde: “esse não é problema nosso, é do noivo.” E Maria – seguramente os servos estavam perto dela – diz: “façam o que Ele disser.”

É Jesus que nos dá o vinho da salvação, o vinho da vida. As talhas de pedra que os judeus usavam para fazer as suas purificações antes das celebrações, das festas, estavam secas, não tinham nada. Pedra seca é pedra sem vida. O que se está dizendo aqui?  As tradições hebraicas, a fé, na lei, secaram, não dão mais vida, não dão mais nada. Você não arranca vida de pedra seca.

Jesus manda que se coloque água ali porque Ele é a fonte de água viva, e o vinho transformado é um vinho de ótima qualidade, “Você esperou até agora pra nos dar o vinho bom”, quer dizer o que? Os vinhos que os outros deram antes – os reis, os profetas, os sacerdotes – não era ainda o vinho bom. O vinho do Reino é aquele que Jesus dá. E é muito importante lembrar que Jesus multiplica os pães, e o pão faz referência à Eucaristia, mas Jesus muda a água em vinho, e este vinho faz lembrar o cálice que nós consagramos, que é o sangue do Senhor.

A vida eterna é só Jesus que nos dá. Nem a lei, nem os profetas, nem os reis do Antigo Testamento, nenhum deles dá vida eterna, só Jesus. E, para isso, é preciso obedecer a única ordem que Maria nos dá na Escritura, única: “façam o que Ele vos disser”. Seguir Jesus, os passos dele, o jeito dele pensar, os seus valores, as suas ações, claro, dentro do nosso tempo, esse é o caminho. 

As bodas de Caná nos apresentam a figura de Maria, que, aliás, não é nomeada, é chamada mãe de Jesus, e Jesus se dirige a ela com essa estranha palavra: mulher. Nós temos que olhar os textos de São João. No Evangelho nós temos duas menções de Maria: no início, quando Jesus começa a manifestar a sua glória, e na máxima manifestação da glória de Jesus, que é a Cruz. Maria está presente nos dois momentos, e nos dois momentos Maria aparece com os discípulos. Por quê? Porque para Jesus e para a comunidade dos cristãos não contam mais as ligações de sangue, mas o seguir Jesus.

 

Seguir Jesus nos faz ser filhos e filhas de Deus, irmãos de Jesus. Maria segue junto com os discípulos; na cruz ela está ao lado do discípulo amado e das outras mulheres que seguiam Jesus. É na comunidade dos discípulos que nós descobrimos a vontade de Deus e o caminho de Jesus.

 

Então nós temos esses dois: Caná e Cruz, e no livro do Apocalipse, que foi também escrito pela comunidade de São João, nós temos a figura da mulher vestida de sol que dá à luz o Messias. Nestas três imagens nós temos o Israel fiel, a mulher representa o povo de Israel que espera o Messias, representa a comunidade dos discípulos que segue Jesus, e é a Virgem Maria, única no universo a ter gerado o filho de Deus. As três figuras se fundem em uma só: fidelidade, seguimento.

 

Estas duas características estão presentes na Virgem Maria e devem estar presentes em todos nós. Lembrar sempre: nós não precisamos correr atrás de aparições, de revelações, não, vai ficar escutando mensagenzinha todos os dias de Nossa Senhora, não. Nós temos uma ordem dela, e essa está no Evangelho: façam o que Jesus vos diz, ali, no Evangelho, não inventam moda, no Evangelho de Jesus. Amem-se, perdoem-se, sejam capazes de ajudar uns aos outros. Respeitem-se – esse é o começo do caminho de Jesus.”

homilia 02-01-22.jpg
É das periferias que vêm a Salvação de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  Epifania do Senhor (Ano C – 02/01/2022 - missa às 10h) 

Epifania é a manifestação de Deus aos povos. Nós temos 2 evangelhos que falam do nascimento de Jesus: o evangelho de Lucas, que nos fala dos pastores que foram lá encontrar Maria, José e o Menino. E nós temos o Evangelho de Mateus, que nos fala dos Magos do Oriente. Magos do Oriente que nós chamamos de reis. Eram sábios, sacerdotes, adivinhos, astrólogos. Homens da sabedoria pagã. Nós temos que ter muita atenção. O povo de Israel olhava com muito desprezo os povos pagãos. Eles chegavam a dizer que estas nações pesam na balança como poeira ou como uma gota de água em um balde. Isto é sinal de desprezo total pelos pagãos. No Evangelho de Lucas, os primeiros que recebem o anúncio são estes pastores, que eram uma gente perigosa. Muitos deles eram ladrões, assassinos, perdidos no meio do nada, cuidando destes animais por muito tempo. E, agora, estes magos, estes bruxos, adivinhos dos pagãos, vêm para Jerusalém encontrar os sumo sacerdotes e os mestres da lei. 

 

A cruz e o presépio dialogam constantemente, um ilustra o outro. Quem condenou Jesus à morte: os sumo sacerdotes e os doutores da lei. As mesmas funções. E mais: os magos que reconheceram a estrela – o sinal de que nasceu um Messias em Israel – chegam em Jerusalém, a Sede da religião hebraica, que recebeu a lei e os profetas, que reza e espera as promessas de Deus. Como diz São Paulo, tem a lei e as promessas. E este povo fica de boca aberta com o fato de ter nascido um rei. E quando eles falavam rei, pensavam logo no Messias. E, no ouvido do Rei Herodes – que era um louco tirano terrível – isso soava como ameaça. Ele já tinha mandado matar uma mulher e dois filhos por medo de perder o trono. Quando ouviu falar que nasceu um rei, aí endoidou. E foi lá perguntar para os sumo sacerdotes e doutores da lei o que a Escritura falava. Eles responderam que o nascimento seria em Belém. Aí ele, com muita esperteza – aquela esperteza que só as cobras têm –, recebe os magos, conversa com eles e pede para olharem bem onde ele estaria e depois lhe dessem notícias exatas. A cobra queria dar o bote. E eles, todos contentes, vão. Uma coisa interessante é que a estrela brilhava antes e a estrela brilha depois. Quando eles entram em Jerusalém, a estrela some. Quando eles saem de Jerusalém, ela volta a brilhar.

 

Jerusalém é a cidade das luzes. A cidade do templo, a habitação de Deus. E essa cidade tornou-se cega, a escuridão. Os magos vão e encontram Maria e o Menino em casa. Não é mais no presépio. Isto havia sido no dia do nascimento de Jesus. José, provavelmente, permaneceu ali trabalhando como carpinteiro e conseguiram um lugar para ficar. Lá os magos os encontram e oferecem incenso, para o Deus do céu; ouro para o rei; mirra, para o homem que deve morrer. A intenção deles era voltar para Herodes e dizer para ele onde o menino estava. Mas um anjo do Senhor aparece e diz a eles para não retornarem pois ele ia querer matar o menino. 

 

Nós temos, depois, a matança dos santos inocentes. Eu mandei mensagem para o pessoal falando os santos inocentes e muitos perguntavam quem eles seriam. São as crianças que morreram em Belém. O rei Herodes descobriu que os magos haviam enganado ele, então calculou o tempo de nascimento daquela criança e pediu para matar todas as crianças que tivessem uma idade inferior àquele tempo. Isso é um genocídio terrível. Um monstro. Essas crianças que morreram antes de serem capazes de proclamarem sua fé, proclamaram a fé em Jesus pelo sangue. Por isso nós comemoramos os santos mártires inocentes. 

 

O que significa tudo isso? Que Deus não faz distinção de pessoas. A mesma salvação que Deus dá para os hebreus, ele dá para todos os povos. Porque Deus quer que todos sejam salvos. E quando se diz todos, são todos mesmo. Começando pelos últimos, pelos pastores, que eram uma “gentalha”. E por esses bruxos que vieram do Oriente, que eram desprezados pelo povo hebreu. De lá, Deus começa o anúncio da salvação para todos. É das periferias que vêm a salvação de Deus. 

 

Uma pergunta: quantos de nós nos preocupamos ao menos em rezar pelos desabrigados de Mauá e Ribeirão Pires? E para quantos de nós isto passou batido? Nós temos que estar atentos ao mundo dos pobres. Porque, quando o mundo dos pobres se tornar lugar de dignidade, de vida, o mundo estará mais perto do Reino de Deus. Este é o caminho. E saber reconhecer Deus nos vários sinais da vida. 

 

Estes bruxos do Oriente reconheceram através das estrelas, dos estudos de astrologia. Eles reconheceram pelos sinais que estavam ali. E nós temos que ter muito cuidado porque, do mesmo jeito que o povo de Israel não foi capaz de reconhecer o tempo de Deus, nós também, católicos, podemos não reconhecer os tempos da manifestação de Deus. Temos o risco de nos fecharmos dentro de nossas sacristias e, com isso, esvaziar o Evangelho. Nós temos que estar sempre atentos para que possamos ver os sinais da presença de Deus em nosso meio. 

 

Vamos louvar e bendizer a Deus pelo novo ano. Vamos pedir ao Senhor que nós possamos, neste ano, ouvir a Sua voz e interpretar os sinais da vida olhando a cruz de Jesus, que é também a cruz dos pobres.

homilia 01-01-22.jpg
Seguir a vontade de Deus como Maria

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  -  Solenidade de Maria, Mãe de Deus (Ano C – 01/01/2022 - missa às 16h)

A Boa Nova de Deus não é segundo o que nós queremos, mas é segundo que Deus quer. Nós julgamos as pessoas indignas de Deus, nós até amaldiçoamos pessoas, nós excomungamos pessoas, isso para Deus não significa um belo nada, porque exatamente a pessoas que eram consideradas malditas e eram mesmo – muitos deles, bandidos; alguns deles, assassinos – que todos da religião acreditavam que, quando Deus se manifestasse, essas pessoas seriam fulminadas, pois Deus escolheu exatamente essa gente para anunciar a paz. Os pastores eram pessoas muito rudes, violentas, muitos ladrões, assassinos, viviam meses e meses e meses nos campos cuidando desses rebanhos, numa situação realmente desumana. Estavam à margem de tudo o que se pudesse pensar. E eles foram os primeiros a receber o anúncio que tinha nascido um Salvador. “Nasceu para vós um Salvador”.

 

Qual é o grande sinal? A gente sempre pensa que os sinais de Deus são grandiosos, coisa d’outro mundo, não é? “Vocês vão a cidade de Belém e vão encontrar uma mãe, uma criança, deitada na manjedoura, ou seja, num cocho”. Quem pode esperar que Deus faça um negócio desse? E é bom lembrar que o romance de Natal só existe na nossa cabeça, viu gente? Aquilo ali era uma dureza extrema. Não tinha lugar para eles em lugar nenhum. Era muito comum que mulheres dessem à luz em estábulos, porque lá tinha feno e tinha o calor dos animais. Porém, a situação de Maria e José era diferente eles não tinham outra opção, não tinha lugar para eles. O Salvador do mundo nasce e é repousado num cocho de estábulo. Esses homens rudes avisam: nós vimos o anjo e ele falou paz na Terra para todos, porque Deus nos ama! Deus não nos julga, Deus não nos fulmina, Deus não nos manda para o quinto dos infernos, Deus nos ama!

 

E como a bondade de Deus se manifesta? Numa criança, recém-nascida. Quem tem medo de uma criança recém-nascida? O que pode uma criança recém-nascida fazer? Uma criança recém-nascida se você deixar ela parada por doze horas, essa criança morre. Uma criança recém-nascida não tem força para nada, não sabe se alimentar, não sabe se movimentar, não sabe fazer nada. Deus se revelou assim na fraqueza para que nenhum de nós tenha medo de se aproximar Dele. Aqueles homens não tiveram medo de ir até aquele estábulo porque Deus é uma criança recém-nascida, é um Deus bom. E o texto diz que eles falavam para as pessoas, talvez tivesse gente passando por ali e eles contavam para as pessoas e todos se admiravam: ué, mas os sacerdotes sempre falavam que quando Deus se manifestar vai fulminar todos os pecadores, não é essa gentalha aqui que eles falavam que iam para o inferno?! O anjo fala paz para essa gente? Que Deus esquisito! As pessoas estavam admiradas disso. 

 

E Maria olha, Maria recolhe todos os comentários, toda aquela situação desde o anúncio do anjo, do caminho que ela fez para as colinas da Judéia, a volta, José que a aceita como esposa, depois essa viagem para Belém já com a gravidez muito adiantada e quando chega na cidade, as dores do parto. Essa situação de pobreza e depois esses estranhos. Maria olha tudo isso, ela vê os sinais de Deus. Maria não se deixa enganar por notícias, por falsas notícias, ela olha as coisas, olha com o olhar de Deus e aí ela vai percebendo por onde vai o caminho de Deus. E ela ainda fará um longo caminho na via de Deus até chegar ao pé da Cruz. A Maria da cruz é a mesma do presépio. A Maria do presépio é a mesma que está debaixo da cruz. Um caminho feito seguindo os passos estranhos de Deus.

 

Maria, justamente, nós a chamamos de mãe de Deus por quê? Uma mulher quando dá à luz, ela não dá luz a um corpo, ela dá à luz a uma pessoa. Maria dá à luz a uma pessoa, que é o Verbo de Deus encarnado. Deus gera um Verbo na eternidade, Maria gera o Verbo encarnado no tempo. O Verbo existia na eternidade, mas no tempo, ele começou a existir em forma humana no seio da Virgem Maria. Por isso a criança que nasceu de Maria é Deus e homem, mas nasceu uma pessoa e não um corpo. Seria um corpo se fosse nascido morto, não nasceu morto é uma pessoa. Essa é a maior, nós chamamos assim, prerrogativas da mãe de Deus. Todos os outros atributos da Virgem Maria – Perpétua Conceição, Santíssima Virgindade, Assunção ao Céu, Rainha do Céu e da Terra, Templo do Espírito Santo – todas essas prerrogativas só existem porque ela é mãe de Deus, mãe do Verbo encarnado, mãe da segunda pessoa da Santíssima Trindade. E essa união, essa situação, esse mistério, Deus visualizou só e somente só nessa mulher, uma nossa irmã pode gerar um filho que é Deus, uma nossa irmã e só ela é mãe de Deus ninguém mais. É justo que nós chamemos Maria – esse é um atributo dela – de Rainha do Céu da Terra e a gente pergunta: mas a rainha não é a mulher do rei? Não no Oriente antigo, no Tempo de Jesus e milênios antes dele, rei era logicamente o rei, mas o rei tinha muitas mulheres e então quem era a rainha era a mãe do rei. Tanto que os grandes os diplomatas, os outros reis pedem a ela favores. E quando uma princesa se casava com um rei, a grande esperança dela era ter filhos que se tornassem reis, porque aí ela seria rainha. Então, Maria como mãe de Deus, ela está sempre junto com seu filho, do seu filho que reina na Cruz. O reino de Deus é diferente dos reinos deste mundo e a mãe de Deus está junto do seu filho e lá junto dele intercede por nós e reza conosco, quando nós rezamos, Maria reza conosco. Santa Bernadete, nas aparições de Lourdes, ela rezava o terço e Nossa Senhora tinha o terço na mão e ela ia escorrendo as contas do terço junto com Santa Bernadete. Sem mover os lábios, na hora que Santa Bernadete rezava o Glória, Nossa Senhora se inclinava em louvor à Santíssima Trindade. Mas ela reza por nós, mas reza conosco. É mãe, mãe de misericórdia, mãe de bondade, como Deus é bom.

 

Vamos pedir a Virgem Maria que nos ajude a olhar os fatos da vida, olhar a Sagrada Escritura, o jeito de Jesus e aprender Dele como enfrentar os fatos da vida – Maria fez assim: Via a vida, olhava a vontade de Deus e agia segundo a vontade de Deus.

homilia 26-12-21.jpg
Família é lugar de crescimento, ensinamento e compreensão

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  - Sagrada Família de Jesus, Maria e José (Ano C – 26/12/2021 - missa às 10h)

Hoje celebramos a Sagrada Família de Nazaré e o centro é sempre Jesus. Em toda a Escritura, a preocupação é Jesus. E temos que pensar e lembrar que Jesus é o verbo eterno, igual ao Pai, que se esvazia de si mesmo e se torna um de nós, com todas as dinâmicas humanas. Mas Jesus não tem uma coisa: Ele não tem o pecado. Então Jesus vê, sem sombra, a vontade do Pai. Isto não quer dizer que Jesus, desde pequeno, tinha debaixo da manga todas as respostas ou sabia como seria toda sua vida - ou seja, que iria ressuscitar no fim. Isto é uma heresia chamada docetismo, que assumiria que Jesus era quase um fantoche ou um fantasma. Assim, Sua encarnação viraria uma brincadeira. Deus, quando se torna um de nós, faz isso de forma muito séria e radical. E seu conhecimento e seu relacionamento com o Pai é algo que vai progredimento conforme esta criança vai crescendo. Como qualquer criança, ele nasce sem o obstáculo do pecado, e se desenvolve como um de nós. Jesus não é um gênio com QI acima da média. É uma pessoa como as outras e não sabia que em 1969 o homem iria colocar o pé na lua. Mas Jesus sabia o nome do monte Hérmon, uma montanha muito alta na Palestina, coberta de neve. E quando o vento bate por cima da montanha manda vento fresco sobre Jerusalém. Isso Ele sabia. O que é interessante e necessário prestar atenção neste Evangelho [Lc 2,41-52] é que Jesus crescia em sabedoria, estatura e graça. 

 

Qual foi a ordem que Deus deu para Adão e Eva no paraíso? Crescei, multiplicai-vos e dominai a terra. E Jesus cresce em estatura, sabedoria e graça diante de Deus. A sabedoria, a pessoa vai adquirindo ao longo da vida até que chegue a maturidade, por volta dos 30 anos. Jesus vai ao encontro de João Batista e ali, em plena maturidade, inicia seu ministério anunciando a Boa Nova do reino. Hoje é dia da família e não adianta ficar falando de família tradicional pois é tudo conversa mole. Porque não podemos cair no romanticismo puritano dos anos 1800. Família é um negócio sempre muito complicado. E não devemos pensar que nunca foi assim. Vai ver como era a nossa família antes de 1800. Se formos honestos conosco, vemos as diversas situações que existiam com nossos antepassados. A família tem que ser um lugar onde as pessoas possam crescer. Não pode ser lugar de desagregação. O problema é que, muitas vezes, a família não é lugar de diálogo, mas sim de briga, de discórdia, de violência. Isso não pode acontecer, seja a família que for. 

 

Nós temos uma situação gravíssima no Brasil, que é a educação pública que foi jogada no lixo. E a educação privada está indo pelo mesmo caminho. Como você pode garantir valores dentro de uma família, que às vezes é meio bagunçada, se a educação também é muito fraca ou péssima? E dinheiro para tudo isso tem. É só não gastar com coisas supérfluas. Gaste com educação. Sabedoria não é conhecer noções sabedoria é ver o coração de Deus e viver segundo o coração de Deus. E vemos, na Segunda Leitura[1Jo 3,1-2.21-24], que o coração de Deus é amor. Em nossas famílias, sejam elas como forem, nós estamos cultivando o amor entre nós? Estamos ensinando nossos filhos a amarem os outros, a respeitarem as pessoas, a serem solidários? Nós estamos ensinando isso ou simplesmente deixando que a televisão, os desenhos e o Whatsapp ensine? O que estamos fazendo? 

 

Esta é a missão da família. Seja a família como for, nós temos uma missão. Vamos pedir ao Senhor que possamos, olhando o mistério e a vida de Jesus, aprender a viver como marido, como esposa, como filhos. Aprender também a viver como idosos e ensinar as nossas crianças a viverem como Jesus.

homilia 25-12-21.jpg
Deus se faz homem por nós

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha  - Missa de Natal (Ano C – 25/12/2021 - missa às 16h)

Neste Evangelho, nós vamos ver provas de João. São João quer reescrever as escrituras e ele começa com as mesmas palavras da Gênesis "No princípio...". O livro da Gênesis relata "No princípio...". E ele vai recordar o mistério de Deus, porque é simples para Deus e a palavra é igual ao coração do Pai. O Pai fala assim mesmo, e esta palavra é a segunda pessoa que se faz a Trindade, e o Pai fala com os que sofrem, abraçados pelo poder do Espírito Santo e faz com que os três sejam um único Deus. Só pode conhecer Deus quem é Deus. Nós não temos capacidade de descobrir, Deus está numa forma que chamamos de "transcendente", está além. Nós somos equivalentes, e quando nós estudamos astronomia, nós duvidamos de um universo e leis físicas que falam sobre o espaço-tempo, é muito difícil para nós! E isso falando do mundo físico, quem dirá do espiritual...

 

Nós projetamos muitas coisas e chamamos isso de "Deus", nós nos sentimos fracos, então nós fazemos esses feitos gigantes diante de nós e dizemos "Deus é onipotente". Mas nós conhecemos poucas coisas, nós não conhecemos os corações das pessoas. Então nós olhamos para nossos feitos gigantes de novo e dizemos "Deus é onisciente". Nós morremos, mas temos medo da morte ou não aceitamos a morte, então nós olhamos para o nosso espelho e dizemos "Deus é imortal". Isso são projeções nossas, puras projeções nossas. Só Deus pode falar dEle mesmo, mas se nós não podemos ver o coração de Deus, como que nós vamos conhecer Deus? Tem um jeito, Deus vem falar para nós, se fazendo um de nós, se tornando um de nós, sentindo com o nosso coração, caminhando nas nossas estradas, trabalhando como nós, se fadigando, conhecendo as profundezas de nosso coração humano, porque Ele também pega para si um coração humano, e como Ele vê o coração do Pai, com voz e coração humano, Ele pode nos falar do Pai. Então o que nós não conseguíamos se tornou alcançável, nós conseguimos entender, e mais, conseguimos imitar, porque Deus se tornou humano, e é capaz de amar e agir com coração e forma humana, então é possível conhecer e seguir os passos de Deus por meio de Jesus. Deus é Jesus que se encarna, se faz um de nós. 

 

O apóstolo vai dizer "nós vimos a sua glória, nós tocamos, nós falamos com o Verbo e a Palavra de Deus que é Jesus". E como eles podem falar isso? Porque Jesus ressuscitou. Se Jesus não tivesse ressuscitado, Ele não era Deus, mas Jesus ressuscitou e nos mostrou o que nos basta para o coração de Deus, para poder entrar no mistério do coração de Deus, e o mistério é muito simples, é muito prático: é amar, ser pessoas da luz, da verdade, esse é o caminho que Jesus nos revelou.

 

E essa palavra de hoje, nasceu no meio de nós e revelou uma outra coisa sobre Deus, de um neném recém-nascido, ninguém tem medo, quem se apavora diante de um recém-nascido? Somente um louco: Herodes. Mas uma pessoa normal, por pior que seja – pois os pastores não eram santos não, eles eram bandidos viu? –  Essa gente era tida como amaldiçoada. Para eles, Deus anunciou a salvação. Primeiro para eles, eles foram os primeiros que contemplaram a bondade de Deus. De Deus não temos que ter medo, porque Deus é como um recém-nascido, então é possível se aproximar dEle como nós somos, do jeito que nós somos, e quando nós nos aproximamos dEle, Ele nos transforma, Ele nos faz criaturas novas, Ele muda nosso jeito de agir, de pensar, de amar. Esse caminho muitas vezes pode nos levar para a cruz, mas é caminho de vida eterna, isso Deus revelou ali no presépio, para esses homens que estavam perdidos no meio das trevas, perdidos no meio do pecado, amaldiçoados até pela religião. Para eles, por primeiro, Deus se mostrou bondade, então nós podemos nos aproximar dEle, podemos aprender a nos aproximar de outras pessoas.

IMG_6305.jpg
Ver o outro como irmão e irmã nos levará a viver o Natal todo dia

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Véspera de Natal - Missa do Galo (Ano C – 24/12/2021 - missa às 19h)

Natal de Jesus! Hoje eu mandei uma mensagem para nossas comunidades e grupos: o Deus do céu, o senhor do céu e da terra, aquele que mantém o universo com o sopro da sua boca, aquele que mantém no seu seio toda a criação como um pequeno peixe no mais profundo de um oceano. Ele, por pura bondade, manda no tempo e na história o Seu filho, igual a Ele, Deus eterno como Ele, na potência do Espírito, Deus eterno como o Pai e o Filho.

E para onde Ele manda? Ele manda num beco, numa calçada, num estábulo porque não tinha lugar para eles na hospedaria. Jesus nasce nas margens do mundo porque não tem lugar para ele. É lá onde não tem lugar, onde as pessoas são postas fora, lá Deus nasce: no meio das pessoas descartadas, no meio das pessoas que não contam nada, lá Jesus nasce.

 

E o que ele encontra lá? O que se encontra nessas margens! Converse com nosso pessoal que leva marmita para o pessoal sofredor de rua, o que você encontra lá? Pobres, miseráveis, bandidos, drogados, prostitutas, travestis... é isso que você encontra na margem, no lixo, no porão da humanidade. E aqueles pastores que foram lá e receberam o primeiro anúncio do nascimento de Jesus hoje nós chamaríamos de bandidos, porque não eram mais do que isso, e muitos deles assassinos. Eram pessoas rudes, ladrões, na maioria das vezes, gente que ficava longe, fora, meses e meses no meio dos bichos, só podiam ser bichos! Essa gente, lá.

Eles vieram para ver esse sinal que talvez fosse até bastante comum, pois muitas mulheres antigamente davam à luz no estábulo, onde tinha feno e calor. Encontram esse menino coberto por alguns panos em um cocho. Que jeito estranho de Deus nascer! Como é estranho o jeito desse Deus morrer: pendurado em uma cruz.

A cruz e o presépio dialogam entre si. Deus veio para os últimos, para salvar o mundo inteiro, e Ele morre amaldiçoado no lenho da cruz para salvar a todos. A salvação de Deus, do mundo começa por lá, pelos que estão longe, pelos que nós consideramos muitas vezes nada, é de lá que começa a salvação do mundo.

Na minha mensagem eu não coloquei o final pois era para agora! Natal, e nós todos reclamamos: “nossa, podia ser assim o ano inteiro, parece que tem um clima de alegria e paz!”. Por que isso não é o ano inteiro? Será o ano inteiro o dia que lá, no mundo dos pobres, dos miseráveis, dos excluídos, das pessoas que jogamos fora, pessoas que apontamos o dedo, que consideramos de segunda classe, gente pecadora, gente indigna da comunhão, o dia que essa gente tiver vida digna, naquele dia, será Natal todo dia. Enquanto não fizermos isso, Natal vai ser um dia com muito sentimento de culpa, pois sabemos que tem muita gente sofrendo.

Não é impossível que o mundo não seja assim! Papa Francisco nos diz: “aprendam a viver o evangelho que pode ser resumido em uma palavra: fraternidade. Aprendam a ver a outra pessoa como irmão e irmã!”. Eu repito isso até enjoar porque é a verdade: aprendam a ver o outro como irmão e irmã. Não significa ser ingênuo; Jesus mesmo diz: “simples como as pombas, espertos como as serpentes”, não é ingenuidade.

 

Ser irmão não é ser ingênuo, mas ser irmão e irmã é buscar reconhecer a dignidade e reconstruir a dignidade do outro que foi destruída. O dia em que o mundo fizer isso, o dia em que nós fizermos isso, vai ser Natal o ano inteiro.

 

Mas tem uma frase de Madre Teresa de Calcutá que pode nos dar alguma esperança! Ela dizia: “se você não pode dar comida para 100 pessoas, dê pra uma, mas se você tiver só um pão, reparta com o outro”. Isso vai ser Natal porque a salvação do mundo passa pelos pequenos, passa pela divisão do pouco, passa por esse ato de doar-se para o outro. É assim que Deus mantém na existência o universo, é assim que Deus salva o mundo, de um presépio ou do alto da cruz. É das margens do mundo que Deus salva a todos. Feliz Natal para todos vocês

IMG-20211223-WA0000.jpg
Maria: a serva confiante em Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4ª Domingo do Advento (Ano C – 19/12/2021 - missa às 10h)

Na preparação imediata para o Natal, nós nos fixamos na figura de Maria. Maria recebeu o anúncio do anjo, no qual o anjo lhe deu uma notícia: "a tua prima Isabel, já idosa (...)" – quem sabe naquele tempo seja uns 50 anos de idade, a idade média das pessoas era de 22 anos, tinha gente que vivia até os 90, mas a maioria morria muito mais novo. Isabel era considerada estéril, porque durante toda vida chamada "vida fértil" ela não teve filho, e no fim da menopausa vai ter filho? É um milagre de Deus! Então Maria vai, sabe-se lá quantos dias ou quanto tempo, para as colinas da Judéia, Maria estava na Galileia, para ajudar sua prima na gravidez? Não, Isabel não precisava disso, pois era mulher de um sacerdote que servia no templo, no templo de Jerusalém. Então por que Maria vai? Maria vai para codividir com Isabel a alegria da salvação, o que Deus tinha prometido a Abraão, há 1800 anos antes, se estava cumprindo naquele momento. O Salvador, o Messias estava chegando ao mundo e estava no ventre de Maria.

Geralmente os hebreus quando chegam na casa das pessoas falam "Shalom", "Paz". Ao ouvir a saudação de Maria, a criança pulou na barriga da mãe. Mãe entende essas coisas né, criança que mexe na barriga, se a criança não mexe na barriga a mãe fica preocupada, não é? Mas aqui a criança mexeu mais do que devia. E Isabel ficou repleta do Espírito Santo! João Batista ainda no seio da mãe reconhece o Messias, é a mesma cena que nós vamos ver no dia do Batismo de Jesus, quando João Batista diz "eu que tenho que ser batizado por você, e não eu te batizar". É o reconhecimento do Messias, o Messias que é Jesus. "O maior filho nascido de mulher", João Batista vai dizer isso e reconhece "Ele é o cordeiro de Deus, Ele é o Messias" desde o ventre materno. É muito interessante ver como Isabel saúda Maria. "Bendita és tu entre todas as mulheres", "bendita por excelência, não existe uma mulher mais abençoada que você", mas não por ela, pelo Messias que ela traz, pelo Messias que ela foi digna de gerar, pelo Messias que Deus fez com que ela fosse digna de gerar, e essa união, essa relação não se apaga. Mãe pode gerar bandido, mas sempre vai ser filho dela. Mãe pode gerar santo, mas sempre vai ser filho dela. Mãe pode gerar Deus e sempre vai ser filho dela. Porém, o maior elogio que Isabel faz para Maria é aquele que anula o pecado das origens.


No mito de Adão e Eva, nós vemos desobediência, o medo e a desconfiança. Em Maria, o que Isabel louva? "Bendita és tu que acreditastes, porque se farão as coisas que o Senhor prometeu". O que nós temos aqui? Nós podemos dizer que naquele instante que Maria recebeu o anúncio do anjo, ali é o verdadeiro momento da criação do ser humano, porque ali tem obediência, tem confiança, disposição de seguir o que Deus propõe. E cuidado! Quando Deus propõe para a Maria não está tudo claro, Ele fala para ela que ela vai ser mãe, que o filho será Deus conosco, que vai ter o trono de Davi para sempre, mas o anjo não revela tudo. Nós temos que pensar que essa atitude de confiança de Maria se mantém lá debaixo da cruz. Ela ficou de pé, embaixo da cruz. "Confio no meu Senhor, Ele é fiel, eu não entendo, Ele faz". De fato, três dias depois, Jesus se revela o Deus da vida e da ressurreição. E, na hora de Pentecostes, diferente do que muito das nossas culturas mostram, Maria lá no centro com os apóstolos em volta, não. O texto de Lucas não diz isso, fala dos doze, fala dos cento e vinte irmãos com Maria e os parentes de Jesus. Maria está na comunidade, a comunidade que agora é lugar do Espírito de Deus, e há confiança mais uma vez. "Deus vai cuidar da gente". Deus manda o Espírito Santo e Deus vai fazer igreja com esse pequeno grupo de pessoas, vai fazer a igreja anunciar o Evangelho ao mundo inteiro. Confiança, essa é a grande atitude que o Evangelho de hoje que nos convida a ter.

Cuidado, é mais difícil do que nós pensamos ter plena confiança em Deus, e a plena confiança é colocada a prova nos momentos de grande crise, o maior deles: a morte, e é nesse momento que é colocado em xeque-mate a nossa confiança em Deus. Mas também no momento da dor, da doença, no momento da morte dos outros, mas é no momento da nossa morte, que a nossa confiança em Deus é colocada em xeque-mate. Por isso nós pedimos na oração da Ave-Maria "Rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte". Para que? Para que nós tenhamos a mesma atitude de Maria, essa confiança incondicional em Deus, Ele vai cuidar, a resposta é dEle, a última palavra é dEle, eu entrego com confiança nas mãos dEle. Por isso Maria é chamada de "bem-aventurada por todas as gerações", porque a confiança dela é a confiança que Deus espera de nós. Não tenham medo, confiem! Olhando para Maria, nós aprendemos a confiar em Jesus e a seguir os seus passos de vida eterna. Maria se faz portadora dEle, seguindo os caminhos dEle, porque, em tudo e para tudo, Maria é de Jesus. E do mesmo jeito que o coração da mãe e o coração do neném batem, o coração de Maria e o coração de Jesus batem unidos, do modo que a vontade de Jesus é a vontade de Maria, não poderia ser diferente. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude, nesses dias que precedem o Natal, a depositar a nossa confiança em Deus como Maria depositou a sua confiança em Deus.

homilia 12-12-21.jpg
Convertamos nosso coração e sejamos solidários

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3ª Domingo do Advento (Ano C – 12/12/2021 - missa às 10h)

É muito interessante ouvir João Batista, que está chamando o povo à conversão. E mais interessante é que ele não fala para ninguém rezar ou ir ao templo. Ele pede que as pessoas mudem de atitude. Chama muita atenção, também neste texto, que ele fala com cobradores de impostos e soldados. Estas são pessoas que estão diretamente lidando com o povo e, de alguma forma, exercem poder em nome do Estado. Os cobradores de impostos cobravam absurdos. Roma pedia uma moeda e eles cobravam 3, 4 ou 5. E essas a mais eles colocavam no bolso. Era corrupção correndo solta. E os soldados, que muitas vezes praticavam a extorsão – coisa que ainda pode acontecer hoje em dia.

 

Quantas vezes, para se protegerem, a gente vê pessoas que exercem poder sobre o povo inventarem histórias. Nós vimos a que ponto pode chegar esta invenção de histórias. No Brasil, com acusações falsas para lá e para cá, estamos no caos que estamos hoje. A justiça transformada em arma política. Isso é o que acontece. Acontecia lá e acontece agora. É claro que nós precisamos que os nossos policiais, por exemplo, tenham um salário mais digno. Você não pode enfrentar certas situações, arriscando a vida e sua família inteira em troca de merreca. Então nós teríamos que melhorar muita coisa. Mas, como diz São João, isto não pode ser por meios fora do caminho.

 

E para os demais, São João não fala nada? Fala. As duas primeiras coisas São João fala para nós. Se você tem duas túnicas, dê uma para o outro. Se você tem comida, ajude quem não tem. Nós temos que aprender a solidariedade. Nós temos que aprender a não viver em torno do próprio umbigo. Nós temos que olhar as necessidades das pessoas que estão à nossa volta. E, atualmente, a nossa consciência é maior. Não só com relação às pessoas, mas também ao ambiente. Uma coisa que nós podemos e devemos fazer é a reciclagem, separando o lixo do modo correto. E nós percebemos que o chamado lixo orgânico é pouco, mas o reciclável é muito. E, se a gente separa as coisas, fica muito melhor para depois se desfazer disso tudo. 

 

Depois, o Evangelho de Lucas[Lc 3,10-18] continua com uma conversa ainda muito pior, que é com o povo da religião. São os escribas e os fariseus. João vai chamá-los de raça de víboras. Nós estamos vendo muitos problemas com o mundo religioso. Se nós não nos tornamos verdadeiros anunciadores de Jesus Cristo, não nos tornamos verdadeiros testemunhos Dele, não nos tornamos testemunhas da verdade, Deus transforma a nossa palavra em pó na nossa boca. Nós temos que anunciar Jesus sem outro interesse. Sobretudo, sem interesses políticos. É uma questão complicada. João chama todos a se prepararem para aquele que está por vir, que é Jesus. Porque o julgamento de Jesus toca o coração de cada um e se baseia no amor e na justiça. Vamos pedir a Deus que Ele nos ajude a ouvir este grito de João Batista. 

 

Hoje também celebramos a memória de Nossa Senhora de Guadalupe, do México e de toda a América Latina. No Brasil, a colonização foi terrível, mas foi um pouco mais lenta. Na América espanhola, a imposição do império sobre os nativos foi ainda mais intensa. E, no meio deste conflito difícil, um índio estava indo, 5h da manhã para a catequese. E nós temos que pensar que ele estava no México, que é no hemisfério norte. 5h da manhã ainda é bem escuro, frio. E, em um certo momento, ele escuta música, uma música estranha e atraente, algo que ele nunca tinha ouvido. E ele vai procurar esta música na colina, que não era muito longe de um antigo templo que existia ali. E ele vê esse lugar diferente e ele pensa “nossa, será que eu cheguei naquele lugar que nossos pais falavam que nós teríamos depois da morte? A terra sem males?”. E ele ali, encantado, de repente vê esta menina de uns 12 anos e ele vai sempre se referir à Nossa Senhora como “minha menina”. E o interessante é que esta menina está grávida. Nossa Senhora não tinha mais de 12 ou 13 anos quando ficou grávida de Jesus. Esta era a idade com a qual as meninas se casavam naquele tempo. E ela fala para ele: “você vai lá e fala pros padres para eles construírem aqui uma capela porque eu quero enxugar as lágrimas, consolar os meus filhos”. Aí ele vai para a cidade onde ia ter a catequese, fala com o padre, com o secretário e com o bispo sobre isto. Todos o taxaram de louco. Mas, no dia seguinte, ela falou de novo, assim como nos dias seguintes. Daí ele mudou de caminho e ela foi atrás dele no novo caminho. Ele retruca dizendo que ela provavelmente teria outros mensageiros mais importantes que ele para levar o recado, pois ele era apenas um índio. Ela falou: “tenho muitos, mas é você que eu quero que insista”. Daí ele foi novamente falar com eles e o bispo, irritado, diz: “você diga para esta menina que eu construo essa capela se ela me der rosas de Castilla”. Castilla era na Espanha. Rosas não existem no hemisfério Norte, no inverno. Ou seja, algo impossível. Mas o índio foi embora todo contente achando que a menina ia dar um jeito no pedido. No outro dia, foi falar com ela e ela disse para ele pegar ali as rosas. Ele as pega e as carrega junto ao corpo. E, todo contente, foi levar para o bispo. Quando ele chega, o bispo vê que se estampa na roupa dele a imagem de Nossa Senhora de Guadalupe. 

 

São coisas muito interessantes naquela imagem: as estrelas que estão no manto dela é como se ela pegasse o céu naquele momento astronômico e colocasse em cima dela. Ela tem a lua debaixo dos pés e o sol atrás dela. A lua e o sol para os maias eram deuses. Ou seja, ela está dizendo que está acima da lua e que ela ofusca o brilho do sol. Ela diz, desse modo, que é a mãe do verdadeiro Deus. E ela está grávida de Jesus, tendo um laço que indica que está grávida. A imperatriz maia, quando estava grávida, usava aquele sinal. E a roupa dela é cheia de flores, que nós chamamos de desenhos. Mas que, para os índios daquele tempo, eram letras, eram símbolos. Nós, quando lemos letras japonesas ou chinesas, nós não entendemos. Mas eles entendem. Os índios quando viram aquilo gritavam “indiazinha toda nossa”. E daí por diante, eram milhares de índios que vinham, todos os dias, ser batizados por causa daquela manifestação da Virgem Maria. Então nós podemos dizer que, na América Espanhola, Maria foi a verdadeira evangelizadora. Ela falou a língua dos índios e não desvalorizou os símbolos dos índios, mas os assumiu todos, levando este povo ao verdadeiro Deus. 

 

Vamos pedir à mãe de Jesus – que, aqui no Brasil se manifestou como Nossa Senhora Aparecida, a pretinha sem cabeça tirada do rio das águas podres, onde os negros eram decapitados quando fugiam e jogados lá dentro – que ela também nos ajude a superar os nossos racismos, as nossas divisões, para que nós possamos ser um povo de grande consciência, um povo que ama a sua terra e que seja solidário entre si e com os outros povos.

homilia 05-12-21 (1).jpg
Perdoar e respeitar o outro pra estar mais perto de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2ª Domingo do Advento (Ano C – 05/12/2021 - missa às 10h)

A tradição nos diz que Baruc era secretário do profeta Jeremias, e ele também era profeta. O povo tinha sido exilado, tinha sido mandado para a Babilônia, e o povo da terra, os pobres que tinham ficado, ficaram perdidos, sem liderança. Então, é a tristeza, a desolação de tudo. O templo tinha sido destruído, e Baruc faz esta profecia: “vai chegar o tempo, e que os caminhos serão aplainados, e que o povo das várias regiões do mundo, o povo de Deus que foi esparramado, vai voltar para Jerusalém.”

E é exatamente essa imagem que São Lucas vai usar para mostrar como é esse tempo. E ele diz que o Imperador era Tibério, o rei da Galiléia era Herodes, o outro rei era Filipe, o outro governava uma outra parte, Pôncio Pilatos era o governador da Judéia, e, nesse tempo, os sumos sacerdotes eram Anás e Caifás.

No tempo comum, no tempo normal, todo tempo tem um rei, todo tempo tem um presidente da república, todo tempo tem um governador, um bispo, todo tempo tem… é na vida comum. Deus escolhe um momento da vida para mostrar a sua fidelidade. Por que é que Deus faz isso? E por que Deus fez isso em Jesus? Para que aconteça exatamente o que o evangelista diz: para que os buracos sejam cheios, as montanhas sejam abaixadas, os caminhos tortos se tornem retos, para que todos possam ver a salvação que vem de Deus.

Jesus, Deus, se fez um de nós para falar com palavra humana, sentir com coração de carne, sofrer com dor humana, para que todos nós pudéssemos entender o Evangelho, a mensagem Dele: Sejam irmãos, se perdoem, amem uns aos outros, amem até dar a vida pelo outro. Essa é a salvação de Deus, essa é a salvação do mundo.

Na próxima semana nós vamos ver como João Batista vai ser bem duro e vai mostrar bem as coisas como elas são. Um caminho novo... comece a agir de outro jeito! Não existem mistérios na palavra de Jesus, é uma palavra da verdade, é palavra que se pode entender. Deus não fala de forma misteriosa, Deus falou para nós com voz humana, caminhou pelas nossas estradas dois mil anos atrás, mas eram estradas humanas.

O Natal, este tempo que nos separa do Natal, que chamamos de Advento, aquele que vem, é tempo para isso, ir tirando da nossa vida aquelas coisas que são obstáculos. As montanhas serão abaixadas, tudo que na nossa vida é obstáculo para ver e encontrar Jesus, e Jesus de um jeito que nós nunca esperamos!

Quem poderia pensar que o Deus do céu e da terra ia nascer numa manjedoura? Manjedoura é cocho, viu gente. Palavra bonita para dizer cocho. Esse é nosso Deus, que fala de forma simples para que quem quer ver, possa ver. Não tem obstáculo, está ali.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a tirar tudo aquilo que atrapalha no nosso caminho de ver Jesus. Primeira coisa de todas: tirar do nosso coração os nossos ressentimentos, os nossos ódios. Aprender que, apesar de a outra pessoa até pensar diferente de mim, ela é filho e filha de Deus tão amado quanto eu. Isso gera em nós o respeito pelo outro, seja quem for. A figura de Jesus pode estar muito estragada naquela pessoa, mas é sempre a figura de Jesus. Se nós aprendemos isso, nós entramos na dinâmica do Natal: conversão. Vamos tirar estes obstáculos do coração, vamos aprender a ouvir o outro, não só a nós mesmos, ouvir o outro para que nós possamos também ouvir Jesus.

homilia 28-11-21.jpg
Olhar os pobres com carinho

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 1ª Domingo do Advento (Ano C – 28/11/2021 - missa às 10h)

Nós iniciamos o novo ano litúrgico e, com isso, nos preparamos para o Natal. Vamos acender, neste período, quatro velas, durante os quatro domingos, cada uma indicando um momento. Hoje, a esperança da vinda do Messias. Esta é a promessa que Jesus nos fez: Ele volta para julgar o mundo, julgar a história. E, olhando a primeira vinda de Jesus, nós nos preparamos para a segunda vinda. Para aqueles que durante a vida praticaram a injustiça, a morte, serviram aos ídolos da morte – que podem ser resumidos em dinheiro e poder –, destruíram as pessoas ou fizeram os outros sofrerem, a vinda de Jesus será um desespero. Para aqueles que seguiram Jesus e praticaram o bem, será um momento de muita alegria, tanto que o evangelista São Lucas vai nos dizer: “Levante a cabeça! Erga-se! A vossa libertação está próxima”. Isso ele fala para todas as vítimas da história que sofreram por causa dos desmandos daqueles que só buscaram dinheiro, poder, fama e glória à custa dos outros. 

 

Nós temos aqui preparado o nosso presépio. E as pessoas perguntam: “ué, cadê o Menino Jesus na manjedoura?”. O Menino Jesus é a Palavra de Deus eterna, encarnada. E nós vamos colocar o Menino Jesus ali na noite de Natal. Durante este tempo, nós vamos lendo as palavras da Escritura que nos preparam a vinda de Jesus. Então, na manjedoura, está a Bíblia, sobretudo o Antigo Testamento, que anuncia a vinda do Messias; e o Novo Testamento, que espera a segunda vinda de Jesus. 

 

O Advento é tempo de espera. Nós usamos roxo, mas é um tempo diferente da Quaresma, em que nos preparamos para dias pesados e difíceis da Paixão do Senhor. No Advento, permanecemos naquela espera alegre, naqueles últimos dias da mulher grávida que vai dar à luz o filho. A família toda fica ansiosa. É uma espera, uma expectativa. Esta é a atitude espiritual do Advento: a espera da chegada da promessa de Deus. E chega na fidelidade. Deus é fiel. Ele vai vir consolar e salvar o seu povo. 

 

Não sei se vocês acompanham as redes sociais, mas, nestes dias, temos visto o padre Júlio Lancelotti colocar nas redes sociais vários lugares aqui no Brasil que mostram a aporofobia, que é o medo dos pobres, desprezo pelos pobres. São, por exemplo, placas de incentivo dizendo “não dê esmola, mande para o assistente social”. Mas, se isso fosse verdade, nós não estaríamos distribuindo 1500 marmitas por mês para os pobres aqui em volta da nossa região. Não estaríamos dando 250 cestas por mês. Isso é uma forma que esses governos têm de colocar esses miseráveis em uma situação ainda pior. Ajude segundo o seu coração. A pessoa pode decidir “não dou ajuda no semáforo, mas vou dar na paróquia todo mês um quilo de alimento para os pobres”. A pessoa pode decidir, mas não deixe de ajudar. Os pobres serão os primeiros que, no dia do juízo, vão se levantar e erguer a cabeça porque seu libertador chegou.

 

 Vamos nos colocar do lado deles para que eles também sejam nossos advogados junto de Jesus. Não deixe de fazer o bem. Ninguém está na rua porque quer e gosta. Ninguém fica dias e dias sem comer um prato de comida porque gosta. Ninguém fica com roupa velha, suja e fedida porque gosta. E não basta dizer que é vagabundo, que tinha oportunidade. Mas que oportunidade essa gente tem? Onde? Mentiras. E se a assistência social realmente se preocupasse com os pobres, eles teriam o que comer, o que vestir e onde ficar. Jesus nasce na pobreza. Não despreze os pobres. Desprezar os pobres é desprezar Jesus.  

homilia 21-11-21.jpg
Jesus é o Rei que se eterniza

Homilia: Pe. Flávio José dos Santos – Solenidade de Nosso Senhor Jesus Cristo - Rei do Universo (Ano B – 21/11/2021 - missa às 10h)

Queridos irmãos e irmãs, Deus nos dá a graça, nessa manhã, de caminharmos e fazermos essa passagem. Celebrar Cristo Rei é celebrar, no sentido litúrgico, o último dia do ano. A partir do próximo domingo, primeiro do advento, celebraremos 2022, no sentido da liturgia. E, com isso, o que nós colhemos de tudo que experenciamos? Que período difícil! Mas Deus foi aquele que não nos abandonou, nos sustentou, por isso chegamos até aqui! "Ah, padre, mas e aqueles que partiram? Eles foram esquecidos por Deus?" Não, muito pelo contrário, estão em Deus. Eu sempre reflito isso.

Se você teve alguém que se foi, nunca diga que perdeu, quem ama não perde! Quem ama parte para Deus, e sua partida deixa tristeza, mas tenha certeza de uma coisa: cada lágrima que você deixa cair vai te dar mais esperança de um dia se reencontrar. E, no momento que estivermos juntos, não será somente momentâneo, mas eternizado, porque é a graça do amor que conduziu a eles que vai nos sustentando para o dia que estivermos juntos também.

Esse é o sentido de celebrarmos hoje Cristo Rei do Universo. Jesus é o rei, mas não é o rei como temos em nossa mente de um reinado humano, temporal, é aquele que se eterniza, como nós ouvimos na primeira leitura da profecia de Daniel [Dn 7, 13-14]. É bonito perceber que, diante daquela realidade difícil em que Daniel escreve para aquele povo, ele diz: "Haverá um Deus que é rei e que vai governar para sempre!". E que governo é esse? Não é no autoritarismo, não é na violência, mas é no amor, Sua lei é o amor. E esse rei tem um trono, que é a cruz.

Mas, ontem, eu até refletia: " onde que ele se senta nesse trono?" – coloque a mão no seu coração agora, até você que está em casa... é aí que ele se senta. Assim, vamos entendendo até mesmo o que Ele diz para Zaqueu: "Zaqueu, eu devo estar na sua casa." Por isso, hoje, Ele fala: "eu devo estar na sua casa que é o seu coração". É ali que Ele se senta. "Nossa, padre, então o senhor está me dizendo que eu sou uma cruz?" Sim, mas o que você entende por cruz? “Ah, então eu faço os outros sofrerem? Eu faço até mesmo Jesus sofrer? Eu magoei o coração de Deus?”. Ele mesmo vai dizer lá em Ezequiel: "os seus sentimentos não são como os meus".

E uma coisa mais bela: a partir de Jesus nós vamos entender o sentido da cruz para nós. A cruz, por mais que pensemos que é dor, sangue, sofrimento, angústia, lágrimas, para Jesus é diferente: “por você eu sofro, por você eu morro, você é a razão do meu viver!”.  É por isso que você é cruz, porque, por você, Ele faz tudo.

Quem é pai e mãe sabe perfeitamente que pelo filho fazem tudo, e é por isso que hoje nós queremos perceber que este sentimento vai perpetuando ao longo da nossa existência. E, ali, o reino não é somente o lugar, mas uma realidade, onde vai crescendo em nós essa expectativa e, aqui mesmo, nós vamos vivendo essa realidade. Não é viver somente no fim último, "ah, então deixa que no momento que eu ressuscitar, vou ver como é este reino"... não! Nunca se esqueçam o que é o reino: onde não há divisões, não há brigas, nem rancores, nem ódio, onde todos são contemplados, não há fome, não há sede.

Neste reino não há desistência, e, por isso, falo até para você que vai fazer o ENEM: você não é avaliado por uma prova, se você tem no coração o seu sonho, lute! Muitos vão falar para você que não vai dar certo, muitos vão falar para você que está errado, para buscar outra coisa. Mas, se você tem isso no coração, vá em frente, você vai conseguir. Não sabemos o dia, mas você vai conseguir. Caminhe, coragem! Não deixe que, às vezes, as adversidades do dia matem o seu sonho, tenha coragem.

Ele é o rei que vai nos dando perseverança em tempos de angústia. É muito interessante, é um rei que nos dá esperança em tempos de angústia, é um rei que nos defende. Então, vamos percebendo aquilo que nos diz a segunda leitura [Ap 1, 5-8]: é o rei que torna nossa vida um momento celebrativo, e abre as portas da eternidade para que todos nós possamos fazer essa experiência.

Por isso, hoje, ao celebrarmos o Cristo Rei, nós queremos pedir que Ele, como rei do universo, tão grandioso que é, sente e conviva comigo, tão miserável que sou. Não importa o que você faça ou o que você seja, o que importa é a sua existência para Ele, e deixar que Seu amor sempre o transforme, sempre o fortaleça, para que, cada dia, produza muitos frutos, frutos do Seu reino, que a cada dia é o cuidar, zelar e animar, e levar essa graça e essa luz a muitos corações que ainda não O descobriram.

 

Vamos pedir que essa Eucaristia ilumine muito a nossa fé, que possamos retomar cada dia nossos caminhos, e, com certeza, pedir que este rei que não é distante, que está tão próximo, este rei que não desiste de você, de nós, cada dia nos sustente nos momentos mais difíceis que iremos passar na vida.

Louvado seja o nome do nosso Senhor Jesus Cristo! Para sempre seja louvado.

homilia 14-11-21 (1).jpg
A saída para nosso mundo é a fraternidade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 14/11/2021 - missa às 10h)

Na semana passada nós celebramos a Solenidade de Todos os Santos, então o Evangelho era outro, não era o exatamente anterior a este. O Evangelho anterior (Mc 12, 38-44) fala da queda e destruição de Jerusalém, local que era um sinal para o povo da tribo de Judá, depois da Palestina. Era um sinal da presença de Deus! Ali estava o templo, estava o sinédrio, que eram os juízes, o congresso, e ali estava também o que chamaríamos hoje de casa da moeda, todo o poder estava concentrado em Jerusalém.

Jesus faz a profecia da destruição de Jerusalém: “quem estiver no terraço não desça para pegar suas coisas, quem estiver nos campos não volte para a cidade. Pobre das mulheres que estiverem grávidas naquele dia, pobre das mulheres que estiverem amamentando!”. Uma profecia terrível, porém, não é uma visão do futuro, como se Jesus fosse um lunático, não! São as consequências das ações do próprio povo e dos seus chefes, que foram infiéis à aliança. E mais: vão matar o messias que Deus mandou, o próprio Jesus. Não reconheceram os sinais de Deus porque se tornaram infiéis, por isso foram destruídos. 

O templo de Jerusalém foi arrasado, as famílias sacerdotais foram mortas, um grande grupo de pessoas, no ano 72, foram massacradas. O judaísmo que existia até o ano 72 simplesmente deixou  de existir! O judaísmo que conhecemos hoje é um judaísmo que foi reestruturado depois da destruição do templo.

As consequências foram tremendas porque o povo de Israel, com seus chefes, não foram fiéis a Deus. Essa é a profecia que trata de Jerusalém, porém, o Evangelho estava sendo anunciado para as nações, então, esse Evangelho que ouvimos hoje (Mc 13, 24-32) fala não do fim do mundo, mas da queda dos falsos deuses pagãos, que são representados pelo sol e pela lua.

 

O anúncio do Evangelho e a vida de amor e serviço dos cristãos denuncia esses falsos poderes do mundo que criam morte. A ação dos cristãos vai fazer com que esses ídolos de morte desapareçam! As estrelas vão caindo; ao longo da história, grandes líderes, grandes ditadores, grandes imperadores pensavam que eram os donos do mundo. O rei da Babilônia se considerava a luz do céu, uma estrela, uma grande luz no céu.  Por quê? Ele se chamava deus. Os imperadores de Roma era divinizados, deuses. E o que você pode contra um “deus”? Bem pouco, ainda mais se ele é um tirano louco, não é?

 

A ação dos cristãos de fraternidade, de amor, de luta e denuncia contra a tirania dessa gente, fará, ao longo da história, com que eles vão caindo até que o mundo se torne o mundo dos eleitos de Deus. E o que isso significa? Um mundo de amor e fraternidade!

Hoje estamos em um tempo terrível. Qual é o grande deus do nosso tempo? É o mercado, e o poder dele é o lucro, e existe uma série de deuses menores que vêm junto com ele, e que criam para o povo sofrimentos, diferenças, morte, fome... esses são ídolos da morte!

O Papa Francisco, na sua carta Fratelli Tutti (irmãos, todos irmãos), vai dizer: “nosso mundo só tem uma saída! Na frente desse monstro, desse ídolo da morte que se chama mercado, que é implacável, só tem uma possibilidade: a fraternidade.” A fraternidade coloca o lucro fora do jogo porque o que conta é o bem do outro. O outro está passando fome? Eu divido o que eu tenho.  Um país na África está passando fome e eu tenho aqui 10 toneladas de comida? “Ah, mas vai ficar caro pegar um avião e mandar para lá, deixa apodrecer aqui...” não! Eu não vou ter tanto lucro, talvez até vá perder, mas lá tem gente precisando. Essa é a lógica da fraternidade!

 

Nós estamos falando tanto agora de clima, e o Brasil está sendo um vergonha nisso. Além do mentiroso que vai lá mentir para as nações, estamos em uma situação grave: a Amazônia nunca teve tanta queimada como agora. Se você só pensa no lucro (mineração ilegal, extração de madeira ilegal), você derruba tudo, você devasta tudo! “Ah, mas eu quero esse pedaço de terra grande igual ao ABC!” - mas ali tem uma tribo indígena! “Coloca fogo, queima tudo! Tanto que o que é índio?”

Essa é a ideia do lucro, de quem não pensa no bem do outro, e nem no bem do mundo! “Ah, mas é só um pedacinho de terra que eu vou queimar...” mas isso está fazendo mal para o mundo inteiro. Todo o discurso dos combustíveis fósseis... mas estão realmente investindo, por exemplo, na energia solar?  A gente paga uma fortuna para instalar um painel solar, o próprio Estado coloca dificuldades. Tem muita gente ganhando, então o que conta é o dinheiro, não o bem do povo, do mundo nem das próximas gerações.

 

Existiu um rei no tempo de Israel, o rei Acabe, que era marido de uma mulher terrível, a rainha Jezabel. O nome dessa mulher e demônio são quase sinônimos, e ele fez uma loucura, arrumaram um complô para ele se apossar de um terreno de um homem inocente, um horror o que fizeram! E o profeta o amaldiçoou. Ele se arrependeu, e Deus falou: “essa desgraça não vai acontecer com você, mas com seu filho.” Aí ele falou: “ah, que se dane, é com meu filho”.

A nossa geração, os grandes do nosso tempo, está fazendo exatamente o que esse rei fez: “nós estamos comprometendo o futuro do mundo...” – “Problema deles, problema para as próximas gerações, até lá eu já estarei morto e terei passado a vida com o bolso cheio de dinheiro!”.

Isso é a lógica da não fraternidade! Por isso, os cristãos têm que estar sempre atentos à fraternidade e às situações do mundo que são contra a vida, contra o Evangelho, porque é pela ação dos cristãos, a ação nova dos cristãos, que essa mentalidade monstruosa do mundo vai mudando, essas estrelas falsas vão caindo e o respeito pelas pessoas vai crescendo.

 

Essa é a mensagem de Jesus, e é muito interessante ver a última frase do Evangelho: “sobre aquele dia e aquela hora ninguém sabe, nem os anjos, nem o filho, só o pai.” A hora, no Evangelho, é a hora da cruz de Jesus.

A cruz de Jesus é o julgamento do mundo. Todos nós, todas as nossas ações, todos os nossos pensamentos, julgamentos, todo o amor que temos pelas pessoas aparecem agora, diante da cruz de Cristo: o homem massacrado porque pregou o amor aos irmãos e irmãs.

O que os ídolos da morte são capazes de fazer? Matam, só isso eles podem: matar e destruir! Mas a resposta de Deus só pode ser uma: vida. E, para esse inocente massacrado, Deus responde com a vida eterna.

 

Jesus é causa de salvação para todos que nele creem e que buscam agir como ele! Esse é o poder de Deus, diferente do poder do mundo, e é isso que esse Evangelho está anunciando: é a prática dos cristãos que vai, aos poucos, mudar o mundo, e a quantidade de pessoas que vai acolher o Evangelho será tanta que abraçará os quatro cantos do mundo! É por isso que, em torno do filho do homem, que é Jesus Crucificado, vão se reunir todas as nações da terra.

Vamos pedir ao senhor que, nesse tempo, em que no Brasil vimos tanta mentira, tanta injustiça, tantas pessoas passando fome... hoje celebramos o dia do pobre! No mundo inteiro a igreja está fazendo ações pelos pobres. “Ah, mas não ajudamos os pobres todos os dias, toda semana?” Sim, mas é um modo de gritar para o mundo: nós temos que mudar nosso modo de agir, nós temos que nos preocupar com aqueles que sofrem, nós não podemos produzir mais sofrimento!

A cruz de Jesus nos leva a anunciar isso de uma forma muito forte. Hoje, na praça do Carmo, vamos distribuir 500 marmitas para os pobres, um grito para Santo André inteira: tem fome e pobreza nesta cidade! Nós, cristãos, estamos tentando fazer o que podemos, mas não basta. Os outros poderes deste lugar precisam fazer algo pelos pobres.

 

Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a continuar olhando para Jesus crucificado, mudar o pensamento e a ação desse mundo.

thumbnail_homilia 07-11-21.jpg
A santidade em nosso dia a dia

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Todos os Santos (Ano B – 07/11/2021 - missa às 10h)

O Evangelho de hoje[Mt 5,1-12a] se presta a muitos comentários que devemos vigiar nas nossas ações e pensamentos. Bem-aventurados os pobres em espírito. Um cristão tem sempre os olhos voltados para onde estão os olhos de Deus. E os olhos de Deus estão voltados para os pobres, os injustiçados, os doentes, enfim, toda pessoa que sofre. E Jesus está pregando este Evangelho para seus discípulos e toda multidão que o segue e seguirá. Os olhos de Deus estão lá. Todas as outras bem-aventuranças serão consequências deste “ter os olhos voltados para o lugar que Deus olha”. A consolação na aflição, a misericórdia onde vem o desejo de violência, a busca da paz e da justiça, mas a justiça da Escritura. A justiça do Estado – e não poderia ser diferente – se baseia em um princípio: dar a cada um o que lhe é próprio. É um princípio muito bom, mas também pode simplesmente manter a sociedade e o mundo exatamente como estão.

Na Escritura, o significado de justiça é o de fazer justiça ao pobre. Defender o direito do pobre. Por quê? O rico já tem como se defender. O pobre é que não tem justiça. Ao pobre, há demora em se fazer justiça. Ao pobre, o Estado dá calote. E, muitas vezes, quando você grita contra isso, você é perseguido. Nós temos sempre que ter os olhos voltados para Jesus e Seu jeito. E o jeito Dele é esse. Jesus não está nos palácios, tomando chá com Herodes ou Pilatos. Jesus está no meio dos pobres, no meio do povo. E o povo daquele tempo era pobre. A eles, Jesus diz bem-aventurados. Todos aqueles que se solidarizam com os pobres entram nas bem-aventuranças: todos aqueles que buscam a paz, que buscam a justiça, que não se enganam e não se deixam enganar pelas mentiras que são ditas constantemente pelos poderosos e outros grupos de poder. Estes são os puros de coração porque veem sempre o rosto de Jesus e o jeito Dele de ver, agir e sentir. Então devemos ter sempre os olhos em Jesus e em seu Santo modo de fazer.

Queria fazer um comentário sobre o livro do Apocalipse porque aqui nós encontramos tantas interpretações sobre este texto que nós ouvimos hoje. O anjo marca a testa dos 144 mil eleitos das 12 tribos de Israel. 12 mil de Rúben, 12 mil de Gade, 12 mil de Benjamim e assim sucessivamente. 144 mil não significa realmente este valor, mas sim um número simbólico. Existem muitos números, na antiguidade, que são considerados quase que mágicos. Os números 3 e 4 estão entre eles. Sua soma, 7, e sua multiplicação, 12, são números de perfeição. 12 vezes 12 dá 144, que é outro número de perfeição. 144 vezes 1000 dá 144 mil. 1000 é um outro número de perfeição. Portanto, 144 mil significa totalidade. Ou seja, Deus vai salvar o povo de Israel, os hebreus, os judeus. Por quê? Porque ele prometeu e Deus é fiel. Só que nós temos que olhar o jogo que o escritor do Apocalipse faz. Porque são duas imagens: deste lado, os 144 mil; e esta outra imagem que São João vê logo depois. Aqui são 144 mil, um número fechado. Do outro lado existe uma multidão que ninguém é capaz de contar. É muita gente.

O povo de Israel é apenas um dos povos. Do outro lado, nós temos todos os povos. O povo de Israel fala uma língua, que é o hebraico. Aqui são todas as línguas. O povo de Israel é uma raça, semita. Do outro lado, todas as raças. Israel é uma nação, nação hebraica ou judaica. Aqui, todas as nações. O que significa isso? Que os privilégios e as promessas que Deus dá para Israel, para os judeus, Ele dá para todos os outros povos. Todos. Porque, para Deus, não existem privilegiados. Deus não faz distinção de pessoas. Deus não diz para um homem e uma mulher que trabalham em um emprego e fazem a mesma coisa: “você, homem, ganha mais e você, mulher, ganha menos”. Deus não faz isso. A mesma coisa com cor de pele. Deus não faz distinção entre preto e branco.

Deus quer todos na Sua casa. E Ele vai fazer de tudo para conseguir isso. E, diante Dele, nós temos a igualdade radical. O que nós não conseguimos neste mundo, devido ao nosso sistema político, econômico, religioso, nós vamos ter diante de Deus. E, quando nós somos cristãos, nós procuramos sempre formas de nos aproximar cada vez mais desta imagem. Papa Paulo VI disse sobre paz e progresso. Papa João Paulo II falou de solidariedade. Já o Papa Francisco falou de fraternidade. São estes princípios que fazem com que o mundo, a sociedade e a economia possam se aproximar sempre mais disto, que é a igualdade entre as pessoas. Porque é isso que Deus quer. E o Apocalipse nos mostra exatamente isso. Não existem privilégios. Todos recebem a mesma paga, ou seja, a plenitude de Deus. Para alguns, isto será o céu – ser radicalmente igual aos outros em dignidade, em acolhida. Para outros, isso será o inferno – para quem não se considera como o outro, para quem se acha superior, encontrar-se na igualdade será o inferno. Para quem viveu pisada, esmagado, perseguido, discriminado, ter dignidade igual isso será o céu.

O Apocalipse é um livro que tem grandes consequências. De fato, apocalipse significa revelação. A revelação de Jesus são os Evangelhos. Então o Apocalipse está, com uma linguagem toda própria, na via estreita dos evangelhos.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude. Primeiro, a escutar a Sua Palavra. E aqui, vai sempre o puxão de orelha do padre: quem é que lê a Escritura todos os dias? Quem que já leu um Evangelho inteiro? Tem Evangelho com 16 capítulos. O Evangelho de Marcos em 4 horas você lê. Quem já leu o Novo Testamento inteiro? Quem já leu a Bíblia inteira? Pode me perguntar, que eu já li. Então, ao menos essa, eu ganho. Se nós não conhecemos as Escrituras, se nós não conhecemos os Evangelhos, como que, realmente, nós vamos seguir Jesus e ter os sentimentos Dele? Vamos ter coragem, conhecer Jesus, começando pela Escritura, a Palavra Dele. Depois, o passo seguinte, colocar o que nós aprendemos de Jesus em prática. Nesta hora, é preciso pedir luz e força para o Espírito Santo porque aí começam a aparecer as nossas mentiras, as nossas máscaras, os nossos preconceitos. E aí é preciso ir arrancando isso e, às vezes, dói. Porém, este é o caminho de Jesus. Lá no livro do Apocalipse diz: “lavaram suas vestes no sangue do Cordeiro”. Não necessariamente foram mártires, mas tiveram a coragem de olhar para Jesus e arrancar de si essas coisas, essas atitudes que não são de Deus. Esses são os santos. A Igreja nos apresenta alguns dos infinitos santos que há na Igreja para que possam ser, para nós, estímulo e modelo. Porém, a santidade, o seguir Jesus, é algo que está esparramado no meio do nosso povo: pais e mães de família dedicados, filhos dedicados, pessoas honestas, pessoas que promovem a caridade, pessoas que fazem o bem, pessoas que falam a verdade, pessoas que não enganam. Estes são os santos e eles estão no nosso meio e são muitos.

Vamos pedir ao Senhor, que nos marcou com o Seu selo, que tenhamos os santos como exemplos. Nós somos todos batizados. E, no dia do batismo, nós recebemos o Sinal da Cruz em nossa testa e, depois, a unção do Crisma. Tudo isto nos faz de Jesus e nos coloca nesta multidão. Então nós vamos fazer o possível para colocar a nossa vida neste caminho.

253218364_1743606109169809_3956429266631584713_n.jpg
Jesus nos revela que o nosso caminho é a ressurreição

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Comemoração dos fiéis defuntos (Ano B – 02/11/2021 - missa às 17h)

No dia de hoje, queremos lembrar as nossas orações pelos nossos falecidos. Desejamos que as nossas orações subam até Deus como o perfume de fumaça de incenso. Por isso que hoje utilizei o incenso. Jesus nos fala, várias vezes, sobre julgamento. E sempre que nós vemos isto, aparece a questão do como nós vivemos a nossa vida aqui, como nós tratamos os nossos irmãos e irmãs. Aliás, esta é a grande pergunta: nós tratamos os outros como irmãos e irmãs? Se nós vemos os outros desse modo, nós não deixamos que haja fome, ignorância ou doença. Todas as vezes que nós destratamos as pessoas, que nós as vemos como seres de segunda classe – às vezes, nem como seres humanos –, nós estamos fora do caminho do Reino. Deus ama a todos como irmãos e irmãs e o julgamento recai sobre este modo que nós temos de tratar o outro. Nós construímos vida ou nós a destruímos? Vocês promoveram a vida entre aqueles que estavam sofrendo ou vocês ignoraram e deixaram o sofrimento permanecer?

Nosso tempo não é pior que o passado. O nosso tempo é único e é nele que nós temos que fazer o que podemos. Nossa comunidade tem sido muito generosa com os que sofrem e isso é um motivo de louvor e agradecimento a Deus. Porém nós, todos os dias, temos que nos colocar sempre a questão: “Meu Deus, eu estou tratando os outros como irmão e irmã?”. Ela é fundamental pois isso nos leva à conversão.

Eu aceito e respeito os pretos? Os estrangeiros? Os gays? As pessoas, em geral? A palavra é respeito. Posso até não gostar, mas nem por isso a pessoa é menos. Eu não posso querer eliminar o outro porque ele é diferente de mim. O que não significa que quem erra não deva pagar pelo seu erro diante do Estado. Amor e justiça não são incompatíveis. Uma é irmã da outra. Em Deus, existe só misericórdia. E a misericórdia Dele é mais justa que a nossa justiça.

Todas as vezes que nós apresentamos uma intenção na missa pelos nossos mortos, nós estamos rezando por eles. Toda vez que nós pedimos a Deus que Ele lhes dê o descanso eterno – a nossos pais, nossos irmãos, nossos amigos –, esta oração chega aos ouvidos de Deus. Quando? Na eternidade de Deus. Deus está fora do nosso tempo. E as orações que nós fazemos hoje, Deus as escuta no momento da morte da pessoa, que é o momento do julgamento. Em Deus não há antes e depois. Para nós existe, mas para Deus não. E, na hora da morte, nós saímos do tempo e entramos na eternidade.

É muito interessante ver, na Transfiguração de Jesus, que Moisés – que viveu 1250 anos dele – e Elias – que viveu 600 anos antes – estavam vivos e falavam com Jesus. A ressurreição dos mortos é revelação de Deus em Jesus. Jesus é Deus ressuscitando dos mortos e, assim, Ele nos revelou que o nosso caminho é a ressurreição. O túmulo onde Maria Madalena foi procurar um defunto, o túmulo onde João e Pedro foram procurar um cadáver não é a última resposta da nossa vida. A resposta de Deus é aquela que abre os olhos de Maria Madalena e faz com que ela contemple Jesus ressuscitado. Ou, como no caso dos discípulos de Emaús, que caminharam com Jesus ressuscitado e lhes queimava o coração quando Ele lhes falava da Escritura. E quando Jesus parte o pão na mesa, com eles, seus olhos se abrem e eles contemplam, por um segundo, Jesus ressuscitado. Outra situação foi com os doze reunidos, e ali Jesus se apresenta diante deles e eles ainda têm medo que seja um fantasma. E Tomé quis colocar a mão em suas feridas. É a realidade nova que Deus nos mostra e que Deus nos dá: vida eterna. A morte dói? Para nós dói. É separação, é saudade, são laços que são rompidos. Porém, os nossos mortos estão em Deus e nos amam – e podemos dizer que até mais do que antes, porque agora eles veem o verdadeiro rosto do amor, que é Jesus. E eles desejam para nós que façamos um caminho que nos leve sempre mais para junto de Jesus.

Vamos pedir ao Senhor que usemos bem o tempo que temos enquanto nós dissermos “hoje”. Este grande hoje que, para alguns dura 30 anos; para outros, 50; para outros, 90. Enquanto nós dissermos “hoje”, que nós possamos, realmente, amar e servir, porque é isso que nós faremos no céu.

253028723_1742932485903838_5152454793240522509_n.jpg
Não tenham medo

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 31° Domingo do Tempo Comum (Ano B – 31/10/2021 – missa às 10h)

Jesus, quando foi para Jerusalém, sabia que os dias Dele estavam contados e, naqueles dias, Ele bateu boca com um monte de gente, porque todos queriam pegar Jesus numa cilada e, por fim, mandam este Doutor da Lei. Os doutores da Lei eram homens que durante toda a vida estudavam as Escrituras e, aos 40 anos de idade, eles recebiam um tipo de ordenação e a interpretação que eles davam da Palavra era considerada infalível. Eles mandam um homem desses para colocar Jesus a prova. Este homem não está ali porque ele gosta de Jesus, mas para pegar Jesus numa cilada. E então pergunta: “Qual é o primeiro e mais importante dos mandamentos?”. Jesus responde com uma oração que os hebreus rezam todos os dias, três vezes ao dia, que se chama Shemá, que significa “escuta”. Shemá Israel, Adonai Eloheinu, Adonai Ejad. Escuta Israel que o Senhor é teu Deus, o Senhor é único.

Depois Jesus coloca que o segundo mandamento é amarás ao teu próximo como a ti mesmo. Desses dois mandamentos depende tudo, não existe mandamento maior do que este. E o mestre da Lei que queria pegar Jesus no pulo responde: “Mestre, o Senhor respondeu bem”. Este homem é um inimigo de Jesus e está ali para pegar Jesus no pulo, mas este homem é profundamente honesto, porque ele reconhece a verdade que veio da boca de Jesus, daquele que ele quer destruir. Amar a Deus e amar ao próximo é maior que todos os holocaustos e sacrifícios. E Jesus dá a contrapartida: “Você não está longe do Reino de Deus”. A verdade é verdade venha de onde vier e você não pode dizer que uma palavra ou uma ação de uma pessoa é falsa só porque ele é seu inimigo. O bem que a pessoa faz, mesmo sendo seu inimigo, continua sendo bem. Os católicos ajudam os pobres. O pessoal da umbanda ajuda os pobres. O pessoal do centro espírita ajuda os pobres. O deles é diferente do nosso? Não, é o bem do mesmo jeito. Agora, você dar camiseta para os outros para ganhar voto, isso aí é comprar votos. Entenderam? Querer estourar o teto de gastos para dar 400 reais para o povo, tirando um monte de gente do meio, isso é comprar votos, 400 reais não dá para nada, tinha que ser mais para deixar o povo comer. Pois é, o bem é bem de onde quer que venha. O mal tem que ser apontado e reconhecido.

Na Segunda Leitura, na Carta aos Hebreus, o autor nos fala de Jesus sumo sacerdote. No tempo dos hebreus, o sumo sacerdote, antes da celebração, tinha que oferecer um sacrifício que era matar um animal, isto é, oferecer o sangue do animal no lugar do seu, pelos seus próprios pecados. Depois, ele ia oferecer pelos outros. Mas isso tinha que fazer todo dia. Então, o autor fala que este sacrifício não serve para nada, pois todo dia ele tem que oferecer um novo sacrifício. Jesus é o Filho de Deus, o Filho do Pai. Ele se ofereceu em sacrifício e Ele entra na eternidade diante do Pai, com seu sangue. E é o sangue de Jesus, este sacrifício único, que nos salva, que intercede por nós diante do Pai. Nós temos um sumo sacerdote que é capaz de se compadecer de nós, porque Ele conhece a nossa humanidade. Ele se fez semelhante a nós em tudo, menos no pecado, para poder ser, diante do Pai, um sumo sacerdote capaz de salvar a todos nós. Por isso que nós podemos ter plena confiança em nos aproximar de Jesus. Não temos que ter medo. Jesus fala, repete nos Evangelhos: “não tenham medo, tenham confiança”. Confiança em quem? Em si mesmos, no outro e em Deus. O medo é o veneno que o maligno colocou no nosso coração, a desconfiança de nós mesmos, dos outros e em Deus. Jesus vai falar: acabem com isso, confiem. E Jesus nos mostra a confiança Nele até o ponto de morrer, Ele dá a vida, Ele não segurou nada para Ele para que nós possamos ter plena confiança Nele. A confiança em Jesus é o fruto do nosso batismo, é a graça que nós recebemos no dia do batismo.

248979199_1736426489887771_5703018259759768735_n.jpg
Lutar contra as cegueiras que o mundo nos coloca

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 30º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 24/10/2021 - missa às 10h) 

Na Primeira Leitura de hoje, nós ouvimos um trecho do livro do projeta Jeremias [Jr 31,7-9]. Ele viveu 100 anos depois do profeta Isaías. E Isaías foi um profeta cujas muitas de suas profecias vieram a ser realizadas. A principal delas, para nós cristão, que nós interpretamos como o anúncio do nascimento do Messias, é que uma jovem dará à luz um filho. Na época, Isaías estava falando da rainha. No tempo dele, a Assíria era um grande império e cercou Jerusalém e ia tomar a cidade. O cerco foi terrível, mas Isaías disse: “não temam, eles não vão entrar nesta cidade”. E, de fato, não se sabe o porquê até hoje – se foi uma guerra em outro lugar, uma epidemia, uma peste –, mas o exército, de um dia para o outro, levantou acampamento, foi embora e não voltou mais. E isto criou para o povo a ideia de que Jerusalém estava protegida por Deus e que, poderia acontecer o que fosse, Deus estava nesta cidade. Cem anos depois, o profeta Jeremias vai anunciar a destruição de Jerusalém e a deportação do rei e da corte inteira. Ele viu a deportação, viu a destruição do templo e ele anunciou. Mais para a frente, este povo vai voltar, serão trazidos. O terreno vai ser aplainado, as pessoas não terão nem como se perder, tal será a glória desta cidade. Os povos das nações irão para aquela cidade. Só que ele não viu esta profecia cumprida porque isto aconteceu 70 anos depois e ele já havia sido assassinado no Egito.

Porém, este anúncio “os cegos vão ver, os coxos vão andar” é a ideia, pregação, profecia sobre o Messias. E aí nós vemos o Evangelho[Mc 10,46-52], no qual Jesus está indo de Jericó para Jerusalém. Em Jerusalém, Jesus vai ser crucificado. Então estão Jesus, seus discípulos e se fala de uma grande multidão. No meio do caminho, sentado, um mendigo cego começa a escutar aquela confusão e pergunta o que estava acontecendo. E lhe dizem que Jesus, o Nazareno, estava passando por ali. Então ele começa a gritar: “Jesus, Filho de Davi, tem piedade de mim”. Ele é cego, ele não pode nem sair de onde ele está, pois há uma multidão passando ali. Ele não é como a mulher que sofria de fluxo de sangue, que consegue passar no meio do povo até tocar em Jesus. Ele não é como Zaqueu, que mesmo sendo de baixa estatutra, corre na frente do povo e sobe em uma árvore para ver Jesus. Tudo que este cego pode é gritar. Mas a coisa interessante é esta: os discípulos e aqueles que estão seguindo Jesus mandam ele se calar.

Mas este homem insiste porque o sofrimento grita e grita diante de Deus. E Deus escuta. E Jesus também escutou. Até quando parece que Deus não responde, ele escuta. Por que Deus não responde? Porque, às vezes, esta cruz é sua e você tem que carregar. Foi isso que Ele fez com Jesus no Horto das Oliveiras. Aqui, Jesus escutou o homem e pediu para levá-lo até Ele. E tem uma atitude interessante deste homem. O que ele faz? Ele dá um pulo e joga o manto dele fora. O manto era a única proteção que estas pessoas tinham para se cobrir durante a noite, ao relento. Então, a única defesa que ele tem, ele joga fora. Ele joga tudo fora para ir até Jesus. E Jesus vai lhe perguntar: “o que você quer que eu faça para você?”. Deus não está preocupado consigo, mas sim com o outro. O olhar de Deus está voltado para nós. E, especialmente, para os que sofrem. Os olhos de Deus estão fixos nos sofredores do mundo: nas pessoas sem casa, nas periferias do mundo, nas pessoas que estão morrendo de fome, nas pessoas que morrem porque não tem um medicamento para superar uma doença, nas pessoas que não têm água potável ou que vivem na miséria, em um mundo que esbanja muito do que produz. O mundo hoje poderia alimentar o dobro das pessoas que tem. E, no entanto, nós temos milhões de pessoas passando fome. E os olhos de Deus estão lá porque são estas pessoas que gritam diante de Deus. E os discípulos, o que tem que fazer? Conduzi-las para Deus. Não é fazer estas pessoas católicas, mas sim dar vida e dignidade para estas pessoas. É isso que Deus quer.

Jesus pergunta para o cego o que ele quer que Ele faça. E ele responde: “Senhor, que eu veja”. E Jesus responde para ele “seja conforme a sua fé”. Outra coisa interessante que lemos neste Evangelho é que Jesus diz: “vai, tua fé te curou”. E o homem continua seguindo Jesus pelo caminho. Bartimeu se torna o modelo de discípulo de Jesus. Ele viu não só com os olhos do corpo, mas também com os olhos da fé. Tem um puxão de orelha aqui neste Evangelho para os outros seguidores de Jesus. Aquela multidão – e em seu meio, os discípulos também – mandam o cego ficar quieto. Nós não queremos este tipo de problema aqui, isto não nos interessa. Não é disso que temos que ir atrás. Cuidado que mesmo a comunidade pode ser cega e não ter os olhos onde Deus têm. Por isso que nós temos que fazer o que este cego fez e pedir: Senhor, que eu veja. Tire dos meus olhos as cegueiras que eu tenho, que podem ser muitas, para que eu possa ver aquilo que Você vê. Para que eu possa ser realmente seu discípulo e não apenas mais um fã, que não serve para nada. Na hora do aperto, foge todo mundo.

Esta é a mensagem deste Evangelho: que todos nós podemos ter muitas cegueiras. E é só olhando para Jesus e o Seu santo modo de pensar e fazer que nós vamos acertando nosso passo e tirando dos nossos olhos esta cegueira.

246780509_1731768780353542_8517830155989728616_n.jpg
O poder de Deus é o amor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 29º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 17/10/2021 - missa às 10h)

Jesus segue decididamente para Jerusalém. Jerusalém é a Sede do poder da Palestina. Lá está o que nós chamaríamos hoje de congresso, o governo e a casa da moeda. Todo poder concentrado neste lugar. Na cabeça dos apóstolos existe uma concepção de Messias político e reformador das estruturas de Israel. E eles acham que Jesus vai para Jerusalém fazer isso: tirar os poderosos dali, pôr para fora o pessoal que comanda o templo, reformar a liturgia, expulsar os romanos e instaurar um governo que será o maior do mundo. Estes são delírios megalomaníacos de um pequeno estado que na antiguidade contou pouco ou nada. Porém, era isto que o povo esperava. E os discípulos não esperavam diferente. Jesus já havia anunciado duas vezes que ele, indo para Jerusalém, seria morto e ressuscitaria ao terceiro dia, embora ninguém entendesse o que era esse negócio de ressuscitar. E eles continuavam na cabeça com este Messias político.

Na subida para Jerusalém, há uma curva na qual, quando se vira, a cidade aparece na sua frente no meio das colinas, e você vê o vale e a cidade. Quando chegam às portas de Jerusalém, dois discípulos correm diante de Jesus, jogam-se a seus pés e pedem que Ele lhes conceda um pedido. “Queremos que você nos dê um lugar à tua direita e outro à tua esquerda”. Eram os ministros mais importantes do reino. Eram as posições do Primeiro Ministro e do Ministro da Justiça. Porque era esta a visão que eles tinham na cabeça. Antes que chegassem a Jerusalém, eles estavam falando que queriam os cargos mais importantes, para que Jesus não os cedessem a outras pessoas. Aí Jesus diz: “vocês podem beber do cálice que eu vou beber? Serem batizados do modo como serei batizado?”. Embora dissessem que podiam, eles não tinham ideia do que estavam falando. Eles estavam tão cegos que eles não tinham ideia das consequências do que eles falavam. O batismo, o cálice de Jesus é o da tortura e do sofrimento. O cálice que foi apresentado para Jesus no momento do Monte das Oliveiras, da agonia. E o batismo é o de sangue, na cruz. Eles estão pensando em outra coisa, completamente diferente. E uma coisa interessante: depois da ressurreição e da vinda do Espírito Santo, aí eles compreenderam e, realmente, seguiram Jesus no Seu cálice amargo e no sangue derramado da cruz.

Aí o que nós vemos? Nós vemos o que era de se esperar. Os outros, que pensam exatamente igual aos dois, ficam bravos, pensando que eles queriam ser espertos e dar um golpe neles. Os dois que ficam querendo chamar fogo do céu para devorar as vilas que não os acolhem, não acolhem Jesus, agora estavam querendo pegar os dois primeiros lugares. Estão exatamente na mesma ideia dos outros dois discípulos. Aí Jesus puxa o tapete.

Os chefes das nações as tiranizam. Não existe poder neste mundo que não se imponha. É certo que a força coercitiva, a polícia, o exército, são forças para se usar em caso de necessidade. Mas, mesmo assim, são forças coercitivas. E matam. Os homens do poder arrogam-se poder de vida e de morte sobre os seus subordinados. Tanto podem dar comida quanto tirar. Nós estamos vendo no Brasil. De dez milhões de pobres em 2018, nós temos 19 milhões atualmente. Pode dar vida ou pode dar morte. Teríamos, inevitavelmente, muitas mortes por COVID. Mas poderiam ter sido muito menos. Poder de vida, poder de morte. Mas isto não é só no Brasil, é em todo o mundo. O poder humano esmaga, ou tira a liberdade, ou impõe cultura, ou ele controla a economia. Ele se impõe.

Jesus alerta exatamente para isto. Não é este o caminho. O Pai é pai de todos e quer que vocês se sintam filhos e filhas Dele. Mas, se eu sou Filho de Deus, o outro, que está ao meu lado, também é. Então eu tenho que pensar como Deus. Como é ver todos como irmãos e irmãs? Quem está sentado ao seu lado no banco, você considera seu irmão ou irmã? Você está a missa toda aqui, às vezes vai até fazer a comunhão e nem disse “bom dia” para a pessoa que está do seu lado. Você chama isso de irmão ou irmã? Olha como nós estamos bêbados desta mentalidade de separação das pessoas. Eu sempre gosto de lembrar os primeiros meses, nos quais nós começamos a rezar o Pai Nosso de mãos dadas na igreja. Gente, isto aqui há quase 50 anos, há bastante tempo. Mas a coisa mais “engraçada” de se ver era que tinha gente que se negava a dar a mão para o outro. Não conheço essa pessoa. Essa pessoa é preta. Essa pessoa é pobre. As pessoas não davam as mãos facilmente, não. Demorou para que as pessoas aprendessem a dar as mãos. Nós temos esta mentalidade enfiada dentro do coração. E quando nós fazemos distinção de pessoas, nós podemos sim matá-las, com desprezo, com um tanto faz. São os nossos desprezos porque nós não vemos a todos como irmãos e irmãs. E ver a todos como irmãos e irmãs não é achar que todo mundo é bonzinho não. Porque, às vezes, nós temos irmãos e irmãs que não prestam, mas eles continuam sendo meus irmãos ou irmãs.

Deus tem só um poder: amor. O amor de Deus dá vida. Ele não mata, ele dá vida. E para mostrar o coração do Pai, Jesus aceitou morte injusta. Quando a gente fala morte injusta é exatamente este poder do mundo, poder dos governantes – na época, eram Pilatos e Herodes, eram Anás e Caifás. Mas são os poderes do mundo, que sempre criaram mártires, sempre mataram. Jesus não quer ser que nem estas pessoas. O Reino de Deus não é deste jeito. Jesus aceita que este poder esmagador caia em cima dele. Por isso nós dizemos que “Ele carregou sobre Si os nossos pecados”. Esses crimes, que são nossos também, de distinção de pessoas, de ódio pelos outros, de querer ser melhor que o outro, de poder decidir sobre a vida e a morte do outro, isto Jesus recebeu sobre Si. E morre pedindo perdão por nós, que o matamos. Por isso que nós dizemos que, toda vez que você não ama o seu irmão, você peca, porque você não reconhece nele a imagem de Jesus. E quanto mais desfigurado estiver, mais parecido com Jesus na cruz ele está. Porque Jesus na cruz não atraia o olhar de ninguém não, pois aparecia como bandido, excomungado, como um marginal contra o império. Então não atrai o olhar de ninguém, mas, sobre ele, caíram os nossos pecados. Ele, nesta situação, intercedeu por nós. Nesta situação, Ele nos deu Salvação, para que nós aprendamos a ser como Ele e amar os outros e não nos armar contra os outros.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ensine a sermos servos e a ter a coragem de beber este cálice de amarguras. Não é fácil dar a vida pelo outro, cuidar do outro. Isto pode nos custar caro. Daí o batismo de sangue. Nem a todos é pedido, mas a cada um é pedido em sua proporção. E isto faz a diferença no mundo. Nisso nós somos luz para as outras pessoas que pensam e agem de outro modo. Pessoas que buscam a morte, a distinção entre as pessoas e a inferiorização do outro. Deus não é assim. Jesus não é assim e nós temos que ser como Ele.

245389008_1728717557325331_1117404876815393576_n.jpg
Ser devoto de Nossa Senhora é seguir Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Nossa Senhora Aparecida (Ano B – 12/10/2021 - missa às 18h)

O Evangelho de João quando fala as duas vezes de Maria: no início do ministério de Jesus, seu primeiro sinal, e aos pés da cruz, no final da vida terrena de Jesus. Maria não é uma simples mulher, ela representa também todo o povo fiel, o povo que esperava a manifestação de Deus que tinha perdido as suas esperanças em reis, em governadores, em sumo sacerdotes. Este povo começou a depositar só em Deus a sua esperança e ele espera a manifestação de Deus. Maria é sua representante e ela sabe que a esperança está em Jesus, por isso ela vai até Jesus e diz: acabou o vinho. As festas de casamento, naquele tempo, duravam sete dias e acabar o vinho no meio de uma festa dessas era um desastre, mas é interessante prestar atenção nas palavras desse Evangelho... Maria é o povo fiel, representa o povo fiel e ela mesma faz parte desse povo fiel, dos judeus que esperam a vinda do Messias. A festa desse casamento é a grande festa que nós esperamos, que esperávamos que a lei de Moisés nos desse, mas não tem mais alegria, não nos dá mais vida, está seca. E é interessante escutar a fala “as talhas de pedras”. As pedras eram o nome mais comum que tinha para se falar das duas tábuas da lei onde estavam escritos os dez mandamentos, ou seja, a lei de Moises. Então a lei antiga não produz mais nada, acabou, ficou seca e Jesus diz: mas essa não é a minha hora, a grande revelação do amor do Pai não é agora vai ser lá na cruz. Mas Maria dá àquele servo e dá também a nós a única ordem que ela dá no Evangelho: “façam tudo que Jesus vos disser”, essa é a única ordem que a Virgem Maria nos dá. Por isso, de forma muito clara, São Paulo VI, Papa do Concílio Vaticano II diz que a verdadeira devoção à Virgem Maria é seguir Jesus, não são penduricalhos de imagens, escapulários e outras coisas, não é ficar acreditando em promessa de não sei onde com não sei quem. A verdadeira devoção à Nossa Senhora é ser discípulo de Jesus, fazer o que Jesus fazia, pensar como Ele pensava, isso é ser discípulo de Jesus e devoto de Maria, porque se ela é a representante do povo fiel também é representante dos discípulos de Jesus, então o modo como ela age para seguir Jesus é o modo que temos que agir para seguir Jesus. Em Maria, tudo leva para Jesus. Tem uma grande bobagem de certas devoções marianas que falam Jesus é o trono da justiça, Maria é o trono da misericórdia ou então a escada que leva Jesus é difícil, mas a escada que leva a Maria e o céu é fácil. Quanta bobagem, tudo asneira, devocionismo barato! Ninguém segue Maria por essas bobagens. O coração de Maria bate no mesmo ritmo que o coração de Jesus, o que Jesus quer é o que Maria quer e o julgamento de misericórdia de Jesus é o mesmo olhar de misericórdia de Maria. Entre os dois não há diferença de vontade, Maria quer o que Jesus quer, Maria quer que todos nós nos tornemos discípulos e discípulas do seu filho.
Depois Jesus manda colocar água nas talhas, não se fala mais talhas de pedra, a lei antiga passou agora é a Palavra de Jesus que permanece e permanece para sempre. É o que nós ouvimos nas palavras da consagração do vinho: “nova e eterna aliança”, o que é eterno não passa. Aí levam o vinho ao mordomo que cuidava da festa e ele fica admirado com a qualidade do vinho e isso é para os discípulos e para Maria um sinal que confirma a fé deles, como dizer o caminho é esse. E como termina esse Evangelho? Maria e os discípulos voltam para Cafarnaum, onde estavam morando, voltam com ele, ou seja, um sinal de Deus que os discípulos conseguiram ver na fé. Para os outros, era um vinho bom, de ótima qualidade, mas para os discípulos era um sinal de Jesus que era o esperado. Jesus é aquele que nos dá vinho novo do Reino de Deus.
Hoje é festa de Nossa Senhora Aparecida e nos nunca vamos cansar de nos lembrar desse fato: o rio Parnaíba era o rio das águas podres. O mundo dos escravos nunca foi tranquilo, os escravos não ficavam debaixo do chicote belos e serenos esperando para ir para o céu, muitos se rebelavam e fugiam e seus senhores capatazes e muitos eram negros perseguindo negros, no vale Paraíba, pegavam os fujões, pegavam o chefe, cortavam a cabeça e jogavam no rio para servir de exemplo para os outros. Então o governador da capitania de São Vicente, que ia até Minas Gerais, que vai fundar a cidade de Guaratinguetá ali e precisam dar baquetes para ele, mas começa uma chuva do outro mundo e o que era para ser uma visita de um dia se tornou de quinze dias. Ninguém aguentava mais, a gente diz que o peixe depois de 3 dias fede, visita também então a gente tem que estar sempre atento, depois de 3 dias, lavar uma louça, limpar a casa, vamos passear, levar para comer uma pizza... e não era tempo de peixe, esse era o grande problema! E mesmo com essa chuva, esses pescadores pobres tendo que pescar uma noite depois da outra para conseguir um mínimo de peixe para poder servir ao governador e sua comitiva. É no fim desse período que três pescadores lançam no raiar do dia, depois de passar a noite sem nada, um deles diz: “Em louvor a mãe de Deus, vamos lançar as redes mais uma vez”, eles lançam e não recolhem nada, mas na rede vem uma imagem de Aparecida sem a cabeça. Empolgados com aquilo, talvez até sem refletir muito, jogam as redes de novo e vem uma quantidade absurda de peixes e a cabeça ali no meio. E como estava essa imagem toda dourada e bonita? Não, preta! Preta como os pretos decapitados e jogados dentro do rio. Maria no Brasil e na América Latina se mostra solidária com os pequenos, com os perseguidos, com os pobres, com os miseráveis. Solidária, podemos dizer que ela se fez uma com os pretos que era jogados mortos naquele rio. Ela sai decapitada do rio das águas podres para ser consolo e luz para um povo oprimido. O primeiro milagre feito para uma pessoa pela imagem de Aparecida foi exatamente a quebra das correntes de um negro que tinha sido capturado e seria levado para ser decapitado. Diante da imagem que estava ali na casa do pescador, ele grita “minha Senhora” e suas correntes se quebram. A mãe de Deus quer filhos livres, essa é a grande mensagem de Aparecida, como será também a grande mensagem de Guadalupe. Quando os índios na América Central, no México, eram mortos, ela se torna a evangelizadora, “a indiazinha toda nossa” como diziam os índios. Maria na América Latina é solidária com os que sofrem. Nossa Senhora quer que nosso povo seja íntegro, que não seja decapitado, mas que o nosso povo tenha vida. Ela quer um povo que viva na vida de Deus, na dignidade de filhos de Deus.
Aqui vamos para nossos cinco minutos de política, essa bandeira que colocamos aqui representa o Brasil inteiro. Ela é nossa e ela está estampada no manto da Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida. Essa bandeira é de todos nós e não de grupos facciosos, grupos de extrema direita, gente que se arma, que odeia, que mente, gente que nos desonra. Essa bandeira é nossa, do povo e temos que ter orgulho dela e não vergonha como muitos começam a ter. Nossa Senhora quer vida e dignidade para todos os brasileiros, todos nós que temos que nos orgulhar dessa bandeira, porque ela é nossa como Nossa Senhora é nossa mãe. Vamos terminar rezando pedindo a Virgem Maria que olhe pelo nosso povo mais decapitado sempre mais enfiado nas águas podres da fome, do desemprego e da desonra internacional. Viva Nossa Senhora Aparecida!

245367580_1726677497529337_4995481402516466004_n.jpg
Doar aos pobres e valorizar a vida

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 28º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 10/10/2021 - missa às 10h)

Este evangelho[Mc 10,17-30] é cheio de pegadinhas, vamos chamar assim. Nós temos este homem, muito rico, que se joga aos pés de Jesus e, já nas suas primeiras palavras, mostra a cabeça que ele tem, falando “bom mestre”. Quando você quer puxar uma pessoa para o seu lado desde o começo, jogue um grande elogio na pessoa. Isso se chama, em latim, captatio benevolentiae. Puxe a atenção da pessoa, faz um agrado nela. E, já nisso, ele está tentando comprar Jesus. E faz a pergunta: o que eu devo fazer para ganhar a vida eterna?
Ele é um homem rico que, provavelmente, sabe aplicar muito bem em seus negócios, o seu dinheiro. Naquele tempo não tinha offshore, mas tinha gente que ficava rica e cada vez mais rica. Aí Jesus dá a primeira cutucada: “só Deus é bom. Por que você está me chamando de bom?”. Desmascara o início. E Jesus vai colocar para ele aquilo que é o comum de todos os hebreus. Ele pediu alguma coisa grande, no caso, para ganhar a vida eterna. Jesus vai dizer “não matarás, não cometerás adultério, não roubarás, não prejudicarás ninguém”.
Coisa engraçada, muitas vezes os ricos fazem exatamente isso. Cuidado, gente! Enfiem bem na cabeça, ninguém aqui é rico, viu? Esse discurso não é para nós, não. Quem consegue uma casa e um carro com trabalho assalariado não é rico. Nós somos pobres remediados. Então tire isso da cabeça pois ninguém aqui é rico! Jesus não está falando com uma pessoa como nós.
Por causa de dinheiro se mata, se rouba, se comete adultério, se prejudica aos outros. É muito interessante, mas são as mesmas palavras dos dez mandamentos. Mas ditas para um homem cujos escrúpulos podem ser bem superficiais. Aí o que acontece? Ele imediatamente diz: “ah, mas isso eu já faço!”. Aí Jesus, vamos dizer assim, dá um golpe de misericórdia. E, olha que interessante: o evangelho diz que “Jesus o olhou e o amou”.
Tudo que Deus nos diz, tudo que Ele faz, é um gesto de amor. Jesus pensa, provavelmente, que o que esse homem precisa para se converter desse modo de pensar e de agir, é ser virado do avesso. E, olhem que absurdo, Jesus diz para esse homem: “vai, vende tudo que você tem”. Gente, isso já seria um desafio terrível para nós, pobres remediados. Já isso seria tremendo. E continua dizendo: “dá aos pobres”. Por que “dá aos pobres”? Ninguém acumula riquezas sem que alguém seja pobre. Ninguém.
Nestes dias, nós temos ouvido aí a historinha do offshore do ministro. Se aumenta o dólar, os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres. Por quê? O arroz fica mais caro, a carne fica mais cara. Para ele, o preço da carne não é importante. Mas, para o pobre, é. Você enriquece, mas o pobre fica mais pobre ainda. Então Jesus pede que doe para eles, que ajude a restituir a justiça social. Só depois, ir e segui-lo.
Seguramente, o evangelista está mostrando o fim oriundo do seguimento de Jesus. Ser discípulo de Jesus pode nos levar para a cruz, que é a perda total. Ele pediu vida eterna, o reino do céu. E Jesus está mostrando o caminho para ele. Jesus não está mentindo. O gesto de Jesus é um gesto de amor! Esse homem que quer comprar Deus, até que Deus diz qual é o preço. O preço é esse: vai, vende e dá para os pobres. Depois, me segue, que o meu caminho leva para a cruz. Ou seja, seja o último, o servo de todos. Não se julgue melhor que ninguém, pense nos outros e no bem dos outros, que era exatamente o que esse homem não fazia.
Essa palavra de Jesus é dirigida, sim, a todos nós também! Porque, mesmo remediados, nós podemos pensar exatamente como esse rapaz e viver dentro de um egoísmo no qual o pouco que nós temos, nós fazemos disso a nossa escravidão para não seguir Jesus. É complicado, gente!
Jesus nos diz “vende tudo”. E esse “vende tudo” não é pegar o carro que você tem e vender, não. Aprenda a ser útil para os outros, a construir paz e não muros de ódio entre as pessoas. Quem faz isso não é de Deus. Devemos procurar construir pontes de amizade, como diz o Papa Francisco. Ir ao encontro do outro, especialmente daquele que sofre. De onde vem a solidariedade? Dos grandes? Não, dos pobres. De nós, pobres remediados. Nós tiramos um quilo de arroz para dar para os pobres.
De nós, espera-se que sigamos o evangelho. E dos outros? Problema dos outros. Jesus chama e pede a todos. Fica a pergunta: nós vamos ter a atitude deste homem ou vamos arriscar esse caminho de solidariedade, de fraternidade, que pode, realmente, nos levar para a cruz? Essa é a pergunta do evangelho.
Hoje nós celebramos o dia do nascituro, que é o neném que está na barriga da mãe. E nós temos uma situação muito grave no mundo, onde se praticam milhões de abortos. Nós temos que redescobrir o valor da vida! Madre Teresa, uma vez, disse uma frase assustadora. Perguntaram para ela: “o que a senhora acha do caminho no qual o mundo está indo, com estas guerras, ameaça de extinção da humanidade, guerra atômica?”. Tudo é perigo agora. Se alguém dos Estados Unidos aperta um botão, acaba com o mundo. Se alguém da Rússia aperta um botão, acaba com o mundo. Se alguém da China aperta um botão, acaba com o mundo. Se alguém da Índia aperta um botão, acaba com o mundo. Queriam saber a opinião de Madre Teresa a respeito deste mundo ameaçado. E ela disse assim: “quando o Santuário mais sagrado, que é o ventre da mãe, é violado, nada mais pode nos admirar”.
Quando você atenta contra a vida inocente, incapaz de se defender, vida que se está desenvolvendo, você não tem mais valor nenhum, pode acabar com tudo. Nós perdemos o valor da sacralidade da vida. Este é o grande drama do aborto. O poder legislativo tem que legislar sobre o aborto? Tem. Isso é uma prática horrorosa. Aqui no Brasil, milhares e milhares de mulheres morrem todo ano por causa de práticas absurdas, de clínicas clandestinas e coisas desse tipo. Gente rica que sai do Brasil e vai fazer aborto em outro lugar e volta não são punidos.
Mas um cristão católico não pode, em nenhum caso, por nenhum motivo, suprimir a sacralidade da vida, que é o feto. Aquela vida humana no ventre da sua mãe. Nós, católicos, não aceitando e não praticando o aborto, mesmo que fosse legalizado, nos tornaremos um sinal de vida, de evangelização para uma sociedade que não respeita a vida.
Vamos pedir ao Senhor que a vida seja respeitada em todos os seus níveis, desde o nascimento, até o desenvolvimento infantil. Olhem quantas crianças abandonadas, adolescentes entregues à droga. Famílias, casais, gente amontoada, pobres a não poder mais, com fome. Pessoas que morrem, não por causa de eutanásia, mas porque ficam nas filas porque o governo não liberou os insumos. Nós, cristãos, temos que defender a vida. Nós, por primeiro, não admitindo que, entre nós, pratique-se o aborto.
No tempo dos romanos, nos primeiros séculos, o pai da criança tinha o direito de vida e de morte sobre o filho. A criança nascia, a parteira levava a criança e colocava nos pés do pai. O pai podia simplesmente esmagar a cabeça da criança, pisar em cima. Ele podia não reconhecer a criança, tinha direito de vida e ou de morte. Tinha criança que tinha defeitos físicos e os pais as matavam. Qual foi o grande testemunho dos cristãos que criou escândalo para os romanos? Os cristãos acolhiam todos os filhos que tinham, viessem como viessem. Inclusive com defeitos físicos, coisas que os romanos eliminavam imediatamente. Nós nos tornamos sinal para aquele tempo, valorizando a vida, viesse de onde viesse.
Vamos pedir ao Senhor que nós possamos amar, servir e valorizar a vida.

244500797_1721536894710064_6743677100007626729_n.jpg
Jesus nos ensina a respeitar todos como iguais

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 27º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 03/10/2021 - missa às 10h)

Antes das várias declarações de direitos das mulheres e dos direitos das crianças, Jesus já tinha feito isso há quase dois mil anos atrás. Os fariseus não estavam nem um pouco preocupados com a questão do divórcio, eles querem pegar Jesus no pulo, é isso o que eles querem. A mulher, no tempo de Jesus e antes Dele, não tinha direito a nada. Ela era propriedade do pai até que se casasse, depois propriedade do marido até que ele morresse. Se ele morria deixando filho com mais de doze anos, ela passava para propriedade desse filho. Se o marido morresse sem que ela tivesse filhos, ela passava para propriedade do parente homem mais próximo e, se fosse irmão do defunto, tinha que se casar com ela para dar descendência para o irmão. A mulher não podia participar da vida pública, a vida da mulher era o âmbito familiar, ali, nas coisas da família. Podia ajudar na época da colheita.
Nós temos situações parecidas hoje no mundo e nós nos aterrorizamos quando vemos o que está acontecendo, por exemplo lá no Afeganistão. É voltar quatro mil anos na história, é um horror esta situação. E a coisa interessante é ver como Jesus vê a mulher, todas as vezes que Jesus se encontra com uma mulher ou fala delas, Jesus trata a mulher como igual, escandalizando muita gente. Quando Jesus conversa com a samaritana, isso era outra coisa que era proibida: um homem não podia conversar com uma mulher, ou melhor, a mulher não podia conversar com um homem estranho, e Jesus estava conversando com uma mulher lá na beira do poço, e os discípulos ficaram escandalizados com Jesus. Isto é um absurdo. Jesus tem atitudes realmente revolucionárias, mas por quê? Porque Ele acredita na igualdade de dignidade das pessoas.

Moisés, em 1250 a.C., quando ele promulgou esta Lei ou herdou esta Lei, o que os homens faziam, geralmente quando a mulher se casava, o pai dava um dote e às vezes o sujeito gastava o dote todinho, passava um tempo, não tinha mais dinheiro e o que faziam? Matava a mulher e se casava com outra, ou então, ‘ah eu não gosto mais dessa, gosto da outra’, matava a mulher e se casava com a outra. Moisés fala: parem com essa loucura, pelo menos não mate a mulher, dê a carta de divórcio e manda ela para a casa do pai. Era um modo de salvar as mulheres, porém não mudou a situação de desigualdade da mulher. Jesus vai restabelecer essa igualdade lembrando não a lei de Moisés, mas lembrando a criação, que é antes de Moisés. Quando Deus criou, Deus os criou homem e mulher. No hebraico, homem se diz “ish”, mulher se diz “isha”. O jogo de palavras é para mostrar que são iguais, não tem diferença de dignidade entre os dois, e Jesus chama isso: se você trata a sua mulher com a dignidade igual a tua, você não vai ter divórcio, você vai construir alguma coisa diferente, você vai construir alguma coisa nova. Acontecem situações de divórcio? Acontecem, tem situações impossíveis, mas deveriam ser poucas e raras para que as pessoas realmente buscassem viver como iguais.

A outra figura que nós temos aqui são as crianças. As crianças são uma outra categoria sem nenhum direito. Dependendo do lugar, o pai podia matar a criança, o filho, em Roma acontecia isso: a mãe paria a criança, a ama ou a parteira levava a criança nos pés do pai. Se o pai quisesse, se o pai achasse que o filho não era dele, se a criança tivesse algum defeito ou alguma coisa, o pai simplesmente pisava na cabeça, esmagava a criança ou então, não reconhecia como filho seu, deixava vivo, mas não reconhecia, isto também podia acontecer. A criança não tem direito nenhum, ela está totalmente à mercê do pai. Criança, isso até hoje, não pode testemunhar no tribunal, porque são facilmente influenciáveis e podiam ser vendidas como escravos para pagar dívidas. Imagina se tivesse esta lei no Brasil? Então, estas crianças não têm nenhum direito. Mas Jesus era o mestre e o povo o reconhecia como tal então as pessoas estão lá, aquela historinha de quem fica querendo chamar a atenção, o mestre está lá talvez descansando ou coisa parecida, aí as mulheres e as mães trazem as crianças, e estes falam “Não, não vai atrapalhar o mestre, ele está descansando, não vão ficar aqui, vão embora”. Aí Jesus dá uma bronca nos discípulos: deixem as crianças virem aqui. Ele abraça e abençoa as crianças e o que ele diz? Quem não receber o Reino de Deus como uma criança não entrará no Reino. Por quê? A criança, ela olha o pai, olha a mãe para aprender. O filho olha o pai trabalhar, e imita o pai para aprender a trabalhar. José era carpinteiro, Jesus aprendeu com José a ser carpinteiro, como? Olhando o pai, imitando o pai. E Ele vai usar esta imagem depois, dizendo: como o Pai Celeste trabalha, Ele que é meu pai verdadeiro, eu também trabalho. Mas tem outra coisa, um discípulo só pode ser como o mestre, se vocês não forem como crianças, vocês nunca serão como o mestre. O que significa? Nós muitas vezes, e digo aqui nós, padres também, nós achamos que sabemos quem é Jesus, nós já sabemos o que é o Evangelho, e se eu perguntar aqui quantas pessoas aqui já leram o Evangelho... Bom, não vou nem perguntar para não passarem vergonha. Só se pode imitar alguém se eu olho para essa pessoa, se eu conheço essa pessoa. E olhar para que? Para ver onde eu estou fora do caminho, para acertar meu passo. Se eu não acerto meu passo com Jesus, eu estou fora do caminho, mesmo dizendo que sou discípulo de Jesus, mesmo fazendo comunhão todo domingo. Eu já sei, mas não vivo e não tenho os valores de Jesus. Tinha um mestre chinês muito famoso, aí chegou um grande professor e falou para o mestre “olha, eu vim aqui para aprender a tua sabedoria”, o mestre não falou nada, convidou a sentar-se à mesa, preparou chá, e foi colocar na xícara do grande professor. E punha chá, punha chá e de repente, encheu a xícara e o chá foi indo, e foi derramado tudo. “Você é louco?”, o mestre falou “não, em xícara cheia não dá mais pra colocar chá”. Aquele homem, na verdade, já achava que sabia tudo, ele queria aumentar aquilo que ele pensava que seria a sabedoria, aí o mestre falou não adianta, se você não esvaziar eu não posso pôr chá aí dentro, ela já está cheia. Esvazia-se de você, jogue fora as tuas ideias, as tuas ações que não são de Jesus. Vá conhecer Jesus, e conhecer como? No Evangelho, vá ler o Evangelho! Comece pelo Evangelho de São Marcos, o mais curto e mais antigo, para começar a colocar na tua xícara o chá novo do Evangelho. Cuidado, quem diz que mais sabe, pode ser quem tem a xícara mais cheia de si mesmo, onde não entra mais nada do Evangelho. Só quem é como criança, que está vazio e disposto a acolher o ensinamento de Jesus, pode ser discípulo e discípula do Senhor.

245226705_1725683984295355_6633024359463315648_n.jpg
Só segue Jesus quem o conhece

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Festa de Santa Teresinha (Ano B – 01/10/2021 - missa às 19h45)

Certa noite, Santa Teresinha, ainda pequena, estava com seu pai, no jardim de casa, e olhou para o céu e viu na conjugação de estrelas um "T". E ela disse: "Papai, meu nome está escrito no céu". No Tríduo deste ano, e na novena, nós refletimos muito sobre a família de Santa Teresinha, seus pais, Luís e Zélia, pessoas realmente devotas, pessoas honestas, pessoas dedicadas ao dia a dia de casa, da vida de todo dia, trabalho, sustento da família, e interessante: a mãe de Santa Teresinha também trabalhava, trabalhava em casa, mas ajudava no sustento da família porque ela fazia rendas, rendas de pano, de linha. E a preocupação desse casal era que suas filhas vivessem num lar de santidade. Santidade quer dizer o quê? Um lar onde se vivem os valores do Evangelho. Nós muitas vezes achamos que sabemos quais são os valores do Evangelho, mas aí vem a pergunta: quantos de nós já leram os evangelhos? Quantos de nós já leu um dos evangelhos? Quantos de nós já leu o mais curto dos evangelhos, que é o Evangelho de Marcos, com 16 capítulos? Qual de nós? E queremos dizer que conhecemos Jesus, que conhecemos os valores de Jesus...

A família de Santa Teresinha vivia os valores de Jesus, por isso são santos. Os pais de Santa Teresinha, São Luís e Santa Zélia, santos. E eles tiveram nove filhos, quatro morreram em idade muito crianças, cinco sobreviveram e eram cinco mulheres, a mais nova era Santa Teresinha. Essas cinco filhas foram para o convento, mas se as cinco tivessem se casado, teriam sido santas mães de família e santas esposas, porque elas foram educadas no Evangelho. Quando a igreja coloca os pais de Santa Teresinha como modelo de casal e de família, está dizendo a vocês casados que a vossa pode ser vida de santidade, de lugar do Evangelho, lugar de amor, lugar de diálogo, lugar de respeito, lugar de perdão, lugar de preocupação com a outra pessoa, lugar de amor até o fim. São Paulo diz: "Mulheres sejam submissas a seus maridos, como a igreja é submissa a Cristo". E aí alguns dizem que São Paulo é misógino. Mas São Paulo vai dizer: "Maridos, amem a vossas mulheres até morrerem por elas", e aí o que vamos falar? São Paulo é contra os homens? Não. A medida do amor, ele está mostrando, ser capaz de morrer pela outra pessoa, dar a vida pela outra pessoa, dar a vida pelos filhos. Ser para as pessoas que estão em volta de nós um exemplo, não porque a gente quer aparecer – quem faz isso não vive o Evangelho, porque está morrendo de orgulho, mas porque realmente acredita nesses valores, mas para isso precisa conhecer. Só pode amar e só pode viver no caminho de Jesus, quem conhece Jesus.

É muito vir a missa com frequência, é muito bom vir a missa no domingo, mas eu tenho que dizer: Não basta! Não nesse nosso tempo, que nos dá tantas informações e desinformações. Tem gente praticante, que vem em missa, que assiste qualquer bobagem que mostre no cinema, nessas novelas de certas emissoras não católicas que distorcem tudo, e estão prontas para acreditar naquelas abobrinhas, não escutam os padres, mas também não vão ler a Sagrada Escritura para conhecer Jesus. O mundo oferece mil interpretações, verdadeiras e falsas, nós temos que nos responsabilizar por conhecer Jesus. Luís e Zélia fizeram isso. Esse casal transmitiu para suas filhas os valores de Jesus porque conheciam Jesus profundamente, seja pela prática dos sacramentos, mas também pela prática do amor.

Jesus não quer que nós sejamos "superstar" nesse mundo que prega estrelas. O Evangelho prega exatamente o contrário: humildade, caminho pequeno, o dia a dia comum, porque a nossa vida é o dia a dia comum: levantar, tomar café, ir para o trabalho, voltar, trabalhar, ter o que fazer com os companheiros de trabalhos ou companheiras, filho para a escola, voltar da escola. É nesse dia a dia que nós seguimos Jesus. Esse lugar do dia a dia é o lugar da santidade, é o lugar onde nós escrevemos no céu o nosso nome, Deus lê o nosso nome, e sabe o nome de cada um de nós, e quer para cada um de nós um caminho de santidade.

Santidade também significa serviço, um dos sinônimos da palavra "serviço" na igreja é "ministério", e não tem nada a ver com ministro da educação, da economia, nada disso, isso é outra coisa. Na igreja, existem os ministérios ordenados que são os ministérios do sacerdócio, do diácono e do bispo, serviços ordenados. E tem os serviços extraordinários. Entre os batizados, Deus escolhe alguns para o ministério ordenado, mas também escolhe outros para o ministério extraordinários, temporários. Temporários não significa um mês ou dois meses, mas que não fica para o resto da vida. Neste dia de Santa Teresinha, nós vamos instituir nove ministros extraordinários da comunhão, homens e mulheres, casados, solteiros, para fazer o que? Para virem aparecer aqui na frente, fazer showzinho? Não! Para servir a comunidade, levar para a comunidade na celebração a Eucaristia. E fora da celebração, levar a comunhão aos doentes, ou abençoar as pessoas e as casas, ou abençoar os mortos com a celebração das exéquias, todos de serviço, caridade. Esse é o caminho da igreja, e esse é a essência do ser cristão: servir a todos. O padre não está aqui para usar este monte de panos, o diácono não está ali para ficar cantando o Evangelho, nós estamos aqui para servir a comunidade, servir a Palavra, servir na caridade, na unidade, no perdão, é para isso que estamos aqui. E Teresinha, e antes dela seus pais, entenderam isso muito bem. Santa Teresinha sem ser missionária – ela era monja, carmelita, ficava trancada dentro do mosteiro, mas essa mulher rezou tanto pelas missões, por sacerdotes que estavam em terra de missão, e ela desejava tanto ir para terras de missão que o Papa Pio XI, que a canonizou, a proclamou Patrona das Missões. Ela queria sempre fazer a vontade de Deus, e ela ardia de desejo de ir para as missões, e num belo dia, a superiora do convento falou: "Olha, temos um projeto abrir um mosteiro em terras de missão". Santa Teresinha quando escutou isso ficou contentíssima, falou: "Meu Deus, você ouviu minhas preces". Naquela noite pela primeira vez, Santa Teresinha vomitou sangue e, um ano e pouco depois, morria de tuberculose. Ela aceitou esse caminho estranho que Deus deu para ela, e ofereceu isso pelas missões, para que a Igreja possa levar o Evangelho, para que as pessoas aprendam a viver como Jesus. Vamos pedir a ela, que acenda no nosso coração, o desejo de conhecer Jesus e, que no ano que vem ou quando eu perguntar outra vez, quem já leu um evangelho, a igreja inteira levante a mão e fale "eu já li". Fica o desafio: só conhece Jesus, só vive os valores de Jesus quem conhece Jesus. Leia, pelo menos o Evangelho de São Marcos, é o mais curto, o mais antigo, leia e você vai aprender muito sobre Jesus.

245029118_1724343414429412_3448880988930364262_n.jpg
Orar a Deus para que Ele sempre envie operários para a messe

Homilia: Pe. Cleidson Pedroso Souza – 3º Dia do Tríduo de Santa Teresinha (Ano B – 30/09/2021 - missa às 19h45)

Muita alegria nesta noite tão especial para nossa comunidade, celebrando a véspera da festa de Santa Teresinha do Menino Jesus e encerrando esse Tríduo que, com certeza, animou nosso coração pela palavra proclamada. Esse momento de devoção à Santa Teresinha motiva o nosso coração a acolher este dom de amor da nossa querida Padroeira. Este luzeiro, digamos assim, que brilha na Igreja como um sinal do amor do Senhor para conosco. Esta meditação farei em duas partes, pensando que hoje é festa de São Jerônimo, mas também falando de Santa Teresinha.
Celebramos São Jerônimo, este santo tão importante na história da Igreja, sendo o padre latino mais importante segundo alguns estudiosos pois, afinal, coube a ele esta tarefa de traduzir os Evangelhos originais gregos e hebraicos. Principalmente do hebraico, uma vez que o grego era a segunda língua mais falada do mundo naquela época, graças a Alexandre, O Grande e todo o avanço da cultura helenística. O hebraico era uma língua falada por pouquíssimas pessoas, mas que trazia em si toda essa importância. Então, o Papa pede a Jerônimo para que ele pudesse realizar esta grandiosa tarefa. Ele vai à Terra santa e lá começa a tradução da Bíblia para o Latim, chamada Vulgata. Hoje, muitas traduções bebem dessa fonte. Por exemplo, a Bíblia Ave Maria, que foi traduzida para o francês direto da Vulgata e, depois, para o português. Isto mostra, justamente, a importância de São Jerônimo na vida da Igreja e, por isso, marcamos o mês de setembro como o mês da Bíblia, para exaltar esta importância na história.
Ouvimos, na Primeira Leitura[Ne 8,1-4a.5-6.7b-12], que conta sobre a restauração de Jerusalém depois que o povo volta do Exílio da Babilônia. E uma das coisas mais importantes que se faz é a solene Proclamação da Palavra, que é colocada para todo o povo como uma renovação da aliança que Deus havia feito com os pais e, agora, este povo estava finalmente de volta à sua terra, no seu templo, ouvindo a lei. E nos chamam a atenção, justamente, as reações. O povo chora porque ouve a Palavra. Quem dera se nós tivéssemos um pouquinho disso. E não é emoção porque a Palavra é proclamada de forma bonita, com impostação e teatralidade. Mas sim porque a Palavra tocou fundo no coração do povo. E nos chama a atenção para termos também o coração aberto para que a Palavra possa nos tocar. E eu tenho certeza que este foi o objetivo que motivou a Igreja no Brasil, há 50 anos, a proclamar o mês de setembro como mês da Bíblia. Para que os fiéis pudessem mergulhar ainda mais na experiência da Palavra. E a Palavra é o alimento que temos para sustentar a nossa fé e esperança.

Como eu dizia, não ouvimos a Palavra apenas para matar o tempo e poder completar uma hora de celebração. E é importante termos esse cuidado e atenção para ouvir a Palavra e não aproveitar o momento das leituras para ir ao banheiro, tomar água, dar uma volta com as crianças e tantas práticas que fazem parecer que a leitura da Palavra é uma pausa da celebração. Eu tenho certeza que isso fere o coração de Deus, pois é através da Palavra que Deus está falando do Seu mais íntimo para nós e, com certeza, este momento tem que ser celebrado com toda a atenção para ser uma Palavra proclamada e meditada. Então, a homilia também não é uma coisa paralela. Faz parte deste momento da Palavra e, por isso, o padre proclama a Palavra e faz a meditação atualizando, destacando algum ponto, colocando algo em evidência. Assim como os levitas faziam: explicavam enquanto a Palavra era proclamada. Cada um no seu lugar para que a Palavra lida, claramente, pudesse chegar ao coração e seu sentido acolhido. Eu já vi muita gente falar que a Palavra de Deus é difícil de entender ou que a Bíblia é um livro complicado. Por isso o padre estuda, desdobra, busca um ponto ou outro para ressaltar. E tamanha são a beleza e grandeza da Palavra que, se você a ouve hoje ou daqui 1 ou 2 anos, ou até daqui a 15 dias, outras coisas serão ditas e outros tesouros serão revelados.
Um Deus que fala conosco nos tempos de hoje. Isto é a graça que temos em acolhermos a Palavra de Deus para que o esforço de São Jerônimo não tenha sido em vão. Ter realizado este trabalho em um tempo em que não havia Google tradutor, buscando sentido até para as palavras mais difíceis. Quem já fez trabalho de tradução, sabe como é custoso, pois não basta apenas traduzir palavra por palavra. É preciso descobrir o sentido, o que o autor quis dizer, o que Deus quis revelar. Porque nós cremos que a inspiração da Palavra parte do coração do próprio Deus, que fala conosco, através da linguagem humana, para que pudéssemos compreender. Então, o que Deus quis dizer ali, através das palavras humanas, todo esse trabalho não pode ter sido em vão. Sendo assim, é importante que possamos acolher a Palavra. E como diz o Papa Francisco: “a Bíblia não pode ser um objeto de decoração na estante da nossa sala. Ela tem que estar nas mãos, no ouvido, na boca e no nosso coração”. Quem prova a Palavra sente, ao mesmo tempo, o seu amargor – porque a Palavra provoca, questiona, nos convida à conversão –, mas também a sua doçura, que alegra nosso coração. Por isso, a alegria do Senhor seja a nossa força. A alegria do Senhor, que é expressa por nós, através da Palavra. É ela que sustenta e ampara a nossa vida. Palavra hoje também proclamada no Evangelho[Lc 10,1-12]. Que alegria poder ouvir esta Palavra que se casa tão bem com o tema que hoje estamos tratando neste Terceiro Dia do Tríduo de Santa Teresinha. O Evangelho diz que Jesus envia 72 outros discípulos. Se você prestou bem atenção na Palavra proclamada no último domingo, você já deve ter ouvido esse 72 em algum lugar. A Primeira Leitura do domingo passado[Nm 11,25-29] fala de 72 anciãos, homens que receberam uma porção do espírito de Moisés. Setenta estavam com ele na tenda e dois estavam lá no acampamento. Então este número 72 é reconstituído por Jesus. Assim como aqueles 72 iam ajudar Moisés na condução do povo, estes 72 do Evangelho de hoje são enviados para levar a boa nova aonde Jesus deveria ir pois, afinal de contas, Ele que deve chegar aos corações. Ele vem trazer, para nós, libertação e salvação. Somos mensageiros dessa boa nova, operários dessa messe.

Esse Evangelho tão marcadamente vocacional nos fala tão bem dessa experiência do chamado de Deus na nossa vida. Convidados a sermos colaboradores dessa graça. Olha que coisa bonita! Além de sermos destinatários da graça – porque a graça é oferecida a nós –, também somos chamados a sermos colaboradores para que essa graça chegue a todos os corações, especialmente nestes tempos tão difíceis e tão sofridos que estamos vivenciando por conta da pandemia, das perdas, do desemprego, da fome, da miséria. Assim, vemos o quanto Deus precisa chegar aos corações e o quanto essa Boa Nova precisa ser proclamada.

O Papa Bento XVI certa vez dizia que, mais do que pessoas que não creem em Deus, temos as pessoas que o ignoram e colocam Deus de escanteio. Vejam o quanto é necessário Deus chegar nesses corações para trazer um ânimo novo. Para isto, Deus precisa de nós, vocacionados do reino. Jesus diz que a messe é grande e tem muito trabalho para ser feito, mas os trabalhadores são poucos. O que devemos fazer para mudar essa situação? Jesus diz só uma coisa: pedir ao dono da messe para enviar novos trabalhadores para a colheita. Portanto, nós temos esta missão também de rezarmos para que Deus suscite vocações, não apenas à vida consagrada, sacerdotal e religiosa, mas a todos os chamados do reino que são convidados a ir aos quatro cantos do mundo. E o quanto hoje nós precisamos de famílias vocacionadas!

E é muito bonito pensar nas irmãs de Santa Teresinha. Não nas congregações que surgiram depois por conta de sua inspiração, mas em suas irmãs de sangue, que foram tão importantes para o desenvolvimento da própria vocação de Teresinha. Dizem-nos os relatos da sua biografia que ela já tinha esse desejo desde pequena. Brincava, inclusive, de freira quando era bem pequenininha. Mas depois da morte de sua mãe e toda situação que se desenrolou por conta disso, ela tem a chama da vocação novamente reacendida em seu coração quando sua irmã Pauline ingressa no convento das carmelitas. Isto foi realmente importante. E que coisa bonita uma família toda marcada por esse ar de santidade: os pais já declarados santos; a filha mais conhecida e também as irmãs, todas religiosas. Uma família que foi marcadamente vocacional e que respondeu esse chamado que o Senhor da messe lhes fez. Com certeza estão entre esses 72. E Santa Teresinha é reconhecida como a padroeira das missões sem nunca ter pisado em uma missão. Missão na concepção de ir para fora, para os diferentes povos.
Santa Teresinha gostaria muito e rezava continuamente pelos missionários e religiosos que faziam esse trabalho tão importante, batendo de lugar em lugar, levando a boa nova sem bolsas, sem sandálias. Apenas confiando na misericórdia e na providência divina. Ela pedia por cada um deles. Assim também, suas irmãs que ali estavam, foram para o mesmo convento das carmelitas. Todas ali vivenciaram, junto com Santa Teresinha, essa experiência do Carmelo. Que experiência riquíssima e, com certeza, mais do que apenas pelo fato de serem todas religiosas. Isso, por si só, já é uma coisa grandiosa. Mas eu acho que mais importante é a experiência familiar de Santa Teresinha. Esse alicerce que os pais ofereceram à sua família, onde a vocação foi despertada graças a esse exemplo e testemunho da fé. Porque Deus ama das formas mais diferentes ou absurdas e até das mais incríveis e maravilhosas. Claro que, se nós, por exemplo, não rezarmos ao dono da messe, ele vai continuar mandando trabalhadores para colheita por causa da sua misericórdia e amor que nunca abandona seu povo, mesmo nos momentos mais difíceis. Mas é bom quando nós rezamos a ele, ou seja, abrimos o nosso coração. Assim “facilitamos” o trabalho de Deus, cumprimos a nossa parte nesse caminho. Porque assim foi a vida da família de Santa Teresinha: o exemplo de testemunho dos pais, a sua fé sempre presente e atuante foram conduzindo as filhas para o encontro com Deus. Sua biografia conta que os pais iam à missa todos os dias e aos momentos litúrgicos marcantes, como as festas e romarias. Todos estes instantes que Deus nos concede como oportunidade de fazer florescer a nossa fé, nossa piedade. E isso tudo foi vivenciado também dentro de casa. Claro que a vocação iria florescer mesmo se elas tivessem sido mães de família. Elas seriam excelentes mães cristãs e continuariam fomentando isso no coração dos filhos. Mas Deus tem um chamado especial para todos nós. Basta que nós acolhamos esse chamado e nos deixemos conduzir por ele. Como aqueles 72. O Evangelho de hoje não termina porque não nos conta do resultado desta missão. Mas Lucas vai continuar dizendo que depois eles voltaram e muitos frutos foram colhidos graças a essa disponibilidade do coração dos 72, dos doze originais e tantos outros. De São Jerônimo, de Santa Teresinha e tantos homens e mulheres que, na história da igreja, deixaram-se conduzir pelo Senhor e tiveram esse alicerce, essa experiência familiar. Com certeza transforma. Por isso, queridos irmãos e irmãs, somos convidados a fazer nossas famílias vocacionais para que Deus possa enviar vocações religiosas sacerdotais, leigas, missionárias, consagradas, bons pais e mães de família que transformam o mundo nas suas profissões, nos seus lugares de trabalho.
Outro ponto que chama a atenção neste Evangelho é um detalhe que passa desapercebido muitas vezes. Estejam os corações sendo abertos ou não, Jesus sempre diz: proclame que o reino de Deus está próximo. Essa proximidade de Deus se faz presente a corações abertos ou não. Mas é bem melhor ter o coração aberto para acolher esta graça e deixar-se tocar por esse amor. Que nós também estejamos com o coração sempre aberto para atender o chamado do Senhor e possamos rezar a ele pedindo que envie trabalhadores para a colheita. Que possamos nos deixar conduzir pela Palavra e fazer a graça de Deus acontecer no mundo.

244670613_1722558194607934_5163676328798933977_n.jpg
SERVIR A DEUS E BUSCAR O CÉU

Homilia: Pe. Marcos Vinícius Wanderlei da Silva – 2º Dia do Tríduo de Santa Teresinha (Ano B – 29/09/2021 - missa às 19h45)

Queridos irmãos que nos acompanham pelas mídias sociais, a liturgia de hoje é muito bela dentro de toda a dinâmica que ela propõe e também celebramos o dia dos arcanjos Miguel, Gabriel e Rafael. Na Primeira Leitura de hoje[Dn 7,9-10.13-14], temos essa visão apocalíptica de Daniel, essa visão futura, onde é dado o trono, a glória, o poder e a majestade ao Filho do Homem, um termo muito utilizado pelo evangelista João que, inclusive, acabamos de escutar. E quem é esse Filho do Homem, a quem todos servem? A quem os anjos se prostram e se colocam diante dele? A quem é dado o poder, a glória e a majestade e cujo reino é eterno e não tem fim, nem se diluirá ou dissolverá? O próprio Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador. Ele mesmo vai nos dando, ao decorrer do Evangelho, indícios de quem Ele é. Ele, por exemplo, diz: "O meu reino não é deste mundo". O reino de Cristo é eterno, ele reina sobre todos nós. Os anjos, arcanjos e toda milícia celeste o louva e o glorifica.

Hoje celebramos, em especial, o dia de São Miguel, São Gabriel e São Rafael, que servem aos projetos de Deus. Alguns estudos teológicos dizem que os anjos, muitas vezes, são colocados diante das situações da vida na sagrada escritura quando faltam profetas. Nós também somos chamados a exercer um papel diante de Deus. Jesus, quando vê Natanael, diz: "Aí vem o homem que não tem falsidade". Jesus não olha apenas para o estereótipo da pessoa, quem ela é por fora, mas Ele vê profundamente quem é Natanael. Assim como Ele vê cada um de nós, quem realmente nós somos, diante da grandeza que o próprio Deus concedeu nas pequenas coisas. Como também fez Teresinha, a santa das pequenas coisas, que soube reconhecer em sua vida, em sua pequenez, a grandiosidade das ações de Deus. E nessa grandiosidade, ela soube ser missionária de dentro de um Carmelo, o que parece até contraditório. E neste sentido, Jesus vê o que há de mais profundo. Ele vê toda nossa potencialidade, que muitas vezes não exercemos porque temos medo. E tantos no decorrer da história da salvação, nas narrativas bíblicas também o possuem.

Em certos momentos, aparecem os anjos, justamente porque falta o nosso compromisso de fé diante do amor a Deus. Nos falta sermos os homens e mulheres que Deus possa dizer: "ali vem um homem de verdade, uma mulher de verdade, humanizada de verdade, imagem e semelhança de Deus e em cuja alma não há falsidade e que, verdadeiramente, está aberto a compreender e ouvir a vontade de Deus, a servir a Deus". Os anjos de Deus, independente de virem nesses momentos, também nos trazem uma grande mensagem. Gabriel é o grande anunciador. O nome dele significa "força de Deus" e vem ser o mensageiro e o protetor dos anjos.

São Miguel é o anjo guerreiro, aquele que vai à frente da milícia celeste para vencer o inimigo. E nós somos chamados a não viver de uma forma rasa tudo isso, mas, diante do convite a sermos profetas, a batalharmos também. Não devemos jogar tudo nas costas dos santos e anjos. Nós também temos que fazer a nossa parte. Então os anjos devem ser motivadores também por meio daquilo que eles representam para nós para que assumamos também este papel de sermos mensageiros e profetas de Deus. Para que nós assumamos também o papel daquele que vai guerrear. E guerrear não significa apenas o ódio, porque discursos de ódio e outras dinâmicas do tipo não são propostas do Evangelho. Mas lutar para viver, até interiormente, para eliminarmos os males que habitam em nossas vidas. E também lutarmos diante dos males que estão assolando a nossa sociedade, inclusive nos contextos das famílias. E Santa Teresinha e, sua mãe, Santa Zélia, sempre valorizaram o seio familiar.

E São Rafael é aquele que cura, aquele que é a medicina de Deus. Isto pode ser expresso também na medicina de Deus que ocorre em nossas vidas se estivermos abertos no âmbito espiritual e físico. São Rafael cura os males espirituais que dividiam Sara e Tobias, quando aparece nas Sagradas Escrituras. Também é aquele que vai curar a cegueira física do pai de Tobias. Então, desta forma, as devoções que nós temos aos santos e anjos devem ter uma vivência mais profunda. Não ficarmos no superficial de uma devoção, mas aprofundarmos naquilo que eles representam para nós. E todos os santos e santas de Deus não apontam para si mesmos. Nem Santa Teresinha, nem Santa Zélia e nenhum outro santo apontam para si mesmos, mas sim para o Filho do Homem, para Jesus Cristo, aquele que tem todo o poder, honra e glória, sempre e sempre por todos os séculos.

Santa Zélia, a querida mãe de nossa padroeira Santa Teresinha, ela foi uma menina muito simples. Nasceu em uma família muito pobre, cujos pais eram muito piedosos, católicos e ensinavam a devoção e a fé a seus filhos. Mas até mesmo pela própria austeridade da vida, os seus pais não eram amorosos e carinhosos com seus filhos. Ao contrário, eram pais muito duros com eles. Santa Zélia não sentiu amor no lar e passou por diversas privações, sejam financeiras ou no âmbito da afetividade. E tudo isso poderia gerar uma pessoa rancorosa, uma pessoa que, de algum modo, não conseguiria desenvolver o amor pelos outros, ou até viver fechada no vitimismo. Mas, pelo contrário, Santa Zélia consegue ressignificar tudo isso e, olhando para Deus, dá sentido a tudo aquilo que aconteceu na sua vida. Tanto que ela conseguiu estabelecer, por meio da vivência especificamente com seus irmãos, uma relação que a fazia ter um amor profundo por aquele lar, da forma que ele era: com suas dificuldades financeiras e de convívio. Ela conseguiu estabelecer um amor profundo dentro daquele lar. E, neste amor profundo, ela foi cultivando amor e mais amor, porque sabia que aquele que a amava por primeiro era Deus. Então ela cultiva esse amor pela família. Ao mesmo tempo que este amor por sua família cresce, apesar das dificuldades, ela também vai crescendo no amor a Deus. Ao passo que, em um determinado momento da vida, ela se consagra totalmente a Deus. E nós também precisamos compreender tudo aquilo que Deus quer de nós.

Em certo momento, ela resolve entrar na ordem das filhas da caridade, em São Vicente de Paula. Ordem esta que, inclusive, está presente em São Paulo, no colégio Padre Chico, onde cuidam dos nossos deficientes visuais. A mãe de Santa Teresinha tentou adentrar, e com a graça de Deus, não conseguiu, porque não era a vocação dela. Mas ela achava que seria porque, em sua humildade, em sua simplicidade, ela pensava que para servir e amar a Deus de forma plena e profunda, ela deveria se consagrar inteiramente a Ele somente por uma ordem religiosa. Mas não era isso que Deus queria. Ela tinha uma saúde muito frágil. E justamente por esta fragilidade ela não foi aceita. Teoricamente, seria uma pessoa que daria muito trabalho dentro do convento, em vez de ser aquela que vai cuidar dos outros. Lembrando que as filhas da caridade tinham essa concepção de cuidar daqueles que precisavam. Por isso não aceitaram a Santa Zélia. Precisamos compreender também que, na história dos santos, nada é por acaso. Ela ficou muito triste. Quem não ficaria quando recebe um não daquilo que você sempre quis na vida? Mas sente uma voz interior muito profunda, em determinado momento, em que ela cruza com seu querido futuro esposo na ponte São Leonardo. Então, ali vem uma voz interior que fala para ela: "este é o marido que eu preparei para ti". Assim, ela entende que a sua vocação – a maneira com que ela iria servir generosamente a Deus de maneira profunda e integralmente – seria o matrimonio. Ainda ela não entende plenamente, mas ela entende os indícios que Deus começa a colocar em seu coração.

Zélia estuda e começa a ter ganhos fazendo renda, renda de costura, gerando verba para ela e sua família. E uma das alunas – que depois de estudar muito, abriu uma empresa e começou a prosperar – é a mãe daquele que seria seu esposo, o mesmo homem que ela havia encontrado na ponte e não sabia quem era. Então já era Deus encaminhando tudo. E depois de apenas três meses, eles se casam. E, neste casamento, por amor e respeito, diante da concepção, ele tem muito cuidado com a pequena Zélia e eles consumam o casamento apenas 10 meses depois, por orientação de um padre, o que mostra que eles eram muito fiéis a Deus e que eles deveriam gerar vida para povoar os céus. Ou seja, gerar santos. E, de certo modo, foi exatamente isso que eles fizeram. Mas, às vezes, nós confundimos algo que Santa Teresinha mesmo nos corrige. Por mais que ela tenha sido canonizada antes de Santa Zélia e de seu pai, ela teve um terreno fértil e terra boa onde pôde florir. A flor do Senhor, Santa Teresinha. A santa que cresceu e foi cultivada em uma terra santa dos pais. Eles a intercederam na santidade. E ela também tem uma frase muito bonita sobre os pais, que falava: "Bastava olha para eles para ver como rezavam os santos". Essa frase me emociona muito porque os nossos pais são, para nós, os grandes modelos. E que bom que sejam bons modelos de santidade. Santa Zélia foi assim até o fim da vida, por mais que Santa Teresinha tenha convivido muito pouco com sua mãe, já que, quando ela própria tinha 4 anos de idade, Santa Zélia faleceu.

E, para finalizar minha reflexão, algo que eu achei muito bonito ao ouvir sobre a história de Zélia, é que ela tinha uma preocupação com a santidade de seus filhos, que seus filhos não perdessem o céu. Sequer passassem pelo purgatório e que fossem direto para Deus. E ela tinha uma filha que era muito peralta e de gênio muito difícil, se não me engano era chamada Leônia. Daquele tipo de pessoa que falamos "Deus me livre e guarde viver com uma pessoa assim". E sua mãe se preocupava. Havia questões ali, dentro do próprio lar, que geravam isso, com uma empregada que maltratava a menina. E a própria Zélia não sabia disso. Depois que isto se resolve, Leônia começa a se aproximar mais da mãe. Mas, mesmo assim, a mãe se preocupa profundamente com esta filha, para que ela não perca o céu. Durante todo o período de doença – deste câncer que durou bastante tempo, não foi um câncer do dia para noite, foram 12 anos de caminhada e sofrimento também para Santa Zélia –, ela nunca esbravejou contra Deus, e nem pediu que fosse necessariamente curada. Mas que a vontade de Deus fosse realizada em sua vida. O único momento em que ela pede cura é para que ela possa ter mais tempo para acompanhar sua filha Leônia, para que ela se tornasse alguém que deveria ser. Não sei se vocês sabem, embora tenha sido a que mais deu trabalho das filhas, agora Leônia está em processo de beatificação, tamanho o zelo, o cuidado e o amor de uma mãe que, no seu leito de morte, entendeu que suas filhas não ficariam órfãs. Seria a própria Virgem Maria, segundo ela, que cuidaria delas. Então, nas pequenas coisas, sua mãe soube reconhecer as ações de Deus.

Que nós, com Santa Zélia e Santa Teresinha, com essa família santa que Deus nos apresenta – sendo Teresinha a padroeira desta paróquia –, possamos procurar, nas pequenas coisas, louvar e agradecer a Deus, com os anjos e os santos.

244643819_1722091997987887_7223879303875078600_n.jpg
BUSCAR A DEUS NAS PEQUENAS COISAS DO COTIDIANO

Homilia: Pe. Cláudio Santos – 1º Dia do Tríduo de Santa Teresinha (Ano B – 28/09/2021 - missa às 19h45) 

Meus queridos irmãos e irmãs, que nos acompanham aí de suas casas, hoje nós damos início ao Tríduo de Santa Teresinha do Menino Jesus. O Tríduo de um padroeiro de uma comunidade é um momento especial para renovarmos as nossas forças. É um momento – eu penso, e sempre faço essa leitura – de revermos também como está a nossa caminhada e, também, claro, de cultivar de uma maneira mais profunda à devoção ao nosso padroeiro. Aqui, no caso, Santa Teresinha do Menino Jesus.

Eu tenho um carinho muito especial por Santa Teresinha. Aliás, o povo brasileiro também. Porque Santa Teresinha, dentre tantas coisas que nos ensina, uma delas é a que mais me marca, que é quando ela fala da infância espiritual que, longe de ser uma imaturidade na fé, é, na verdade, um caminho de grande crescimento espiritual. A infância espiritual consiste, então, em um abandono de total confiança nos braços de um Deus que é Pai. É isso que a criança faz: ela confia. Somente isso. Se o seu pai ou a sua mãe lhe dão segurança, ela se joga. Ela confia no pai e na mãe.

E Santa Teresinha só trilhou este caminho de confiança em um Deus que é Pai porque ela teve, no seio familiar, um grande exemplo dessa paternidade divina. Um grande exemplo que, para ela – e ela mesma vai dizer isso –, representava muito bem o amor de Deus Pai. E hoje, de maneira especial, neste primeiro dia do Tríduo, falamos desse homem, desse grande Santo, São Luís Martin, o pai de Santa Teresinha.

Uma das frases tão bonitas que Santa Teresinha disse é: “quando eu queria saber como que os santos rezam, bastava eu olhar para o meu pai e minha mãe, e eu sabia exatamente como é que os santos rezavam”. E também contava muito o exemplo que eles davam. E a vida de Luís Martin não foi um mar de rosas. Às vezes, a gente imagina isso quando a gente vê os santos. A gente cria uma ideia tão romântica, não é? “Ah, mas foi tudo muito bem, tudo muito perfeito”. Não! A vida dele não foi bem assim.

Nós sabemos que ele ficou viúvo muito cedo. A sua esposa, Zélia, faleceu. E Teresinha ainda era tão pequena, Celina pequenininha também. E havia as outras filhas um pouco mais velhas. Mas ele foi um homem de garra, de coragem. Ele, sendo viúvo, não se casou novamente porque ele tinha uma grande missão, que iria exigir muito dele: a missão de educar as suas cinco filhas, de conduzi-las em um bom caminho. Ele poderia ter, é claro, se casado novamente, mas ele fez disso uma decisão, um propósito, o seu caminho.

E nós não vemos grandes feitos, aquelas coisas miraculosas, atribuídas a Luís Martin. Nós vemos, sim, as coisas pequenas, as coisas do cotidiano, que mostram essa santidade. E aí é que está o ponto chave do que este Santo nos ensina hoje: o pai de Santa Teresinha nos orienta a viver a nossa vida cristã de amor a Deus e aos irmãos, no nosso cotidiano. Não é apenas nas coisas grandes, nas coisas miraculosas, que nós daremos o testemunho da fé. E na nossa vida, isto é feito no dia a dia, no encontro com Deus, no encontro de fé. E também neste Tríduo, momento em que talvez muitos queiram estar aqui fisicamente, presencialmente, mas nos acompanham de casa.

E São Luís Martin fazia isso. Por exemplo, ia levar as filhas na escola e buscava. É um ato tão rotineiro, tão comum, mas, ali, ele estava oferecendo o cuidado de um pai que se preocupa. Celina, que é uma de suas filhas, conta que, quando eles vinham no caminho, ele ouvia, pacientemente, todas as histórias que elas tinham que contar para ele. Preparava as coisas, cuidava das suas filhas, era um homem trabalhador. Quando a sua esposa, Zélia, ainda estava viva, ela tinha um trabalho com rendas de costura. E ele deixou a sua relojoaria, fechou e vendeu por um precinho bem modesto, para poder investir e promover a sua esposa. Era um homem de comprovada virtude. Sereno e forte, ao mesmo tempo, ele entrou para um clube militar para poder ajudar as pessoas, quer seja no mar, quer seja em incêndio. Seria hoje o que nós chamamos de bombeiros. E fazia isso com muito amor.

Não eram raras as vezes em que se preocupavam quando ele demorava para chegar porque imaginavam que ele devia estar protegendo alguém que estava em uma briga na rua. Porque ele não gostava de briga e ele defendia as pessoas. Então, na vida, no cotidiano, Luís prestava culto a Deus e dava o testemunho da sua fé e levava suas filhas à missa, religiosamente, mantendo uma rotina de vida espiritual. Hoje nós pedimos a sua intercessão e pedimos ao nosso Deus que nos ajude a também ter estas sementes, esta entrega, numa vida de infância espiritual, de santidade.

No Evangelho de hoje[Lc 9,51-56], nós vimos Tiago e João indignados porque não ofereceram hospedagem para Jesus no povoado dos Samaritanos. Eles fizeram pouco caso pois viram que Jesus estava indo para Jerusalém – pois eles tinham uma rixa – e não oferecem hospedagem para Jesus. Só que Jesus já estava acostumado com isso. Jesus, quando era pequeno, no momento de seu nascimento, já não tinha lugar em hospedagem. Tiago e João se indignam e querem pedir que desça fogo do céu. Eles não estavam entendendo nada, estavam indo no caminho contrário, no caminho da vingança. Jesus repreende essa atitude de Tiago e João porque é preciso continuar o caminho. E o caminho de Cristo é o da paz, não o da violência. Não é o caminho da vingança, do desamor, do ódio, do “olho por olho, dente por dente”. Jesus, então, nos ensina que precisamos continuar trilhando o nosso caminho rumo à Jerusalém celeste, sem parar nas situações que não nos oferecem acolhimento. É preciso continuar e deixar o sinal de paz, nunca da vingança, do rancor, da falta de perdão, do ódio, das mágoas. Isso não leva a nada. Precisamos continuar o nosso caminho.

Mas uma pergunta que eu queria fazer para vocês e também para mim hoje é a seguinte: Jesus não encontrou um acolhimento naquele povoado de Samaritanos. Já que estamos em Tríduo, revendo a nossa vida e nossa caminhada, a pergunta é: e nós, estamos acolhendo Jesus em nossa vida, com a Sua proposta, acolhendo a Ele com a Sua palavra, o Seu Evangelho, ou ainda temos resistências e não queremos nos comprometer?

É importante refletirmos isso todos os dias, pedindo a Jesus e ao Espírito Santo que nos ilumine para caminharmos assim, para acolhermos a Sua presença. Deus está presente na sua vida, na sua história. Deus está presente nessa comunidade paroquial. É preciso, então, abrir as portas do coração para acolher Jesus e toda a novidade que Ele quer trazer para a nossa vida. Que essa comunidade paroquial cresça na novidade do Espírito Santo. E que fiquemos atentos para não fechar as portas do coração, para não deixar de ouvir as novidades que Deus tem para nos dizer e o caminho que Ele quer nos mostrar.

243229443_1716773925186361_48375764163807660_n.jpg
Imitar os passos de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 26º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 26/09/2021 - missa às 10h)

Na Primeira Leitura, nós vivos o Espírito de Deus, espírito que tinha iluminado Moisés que ilumina também outros 70 homens que Moisés tinha escolhido para ajudar a cuidar do povo de Israel. E eles, para receber o Espírito, se reuniram com Moisés ali na tenda da arca. Durante o tempo que eles estavam no deserto, eles não tinham o templo. Eles tinham uma arca coberta por uma grande tenda e, toda vez que eles se mudavam de lugar, eles iam carregando a tenta junto, desmanchavam e depois montavam de novo. A coisa mais importante da tenda era a Arca da Aliança, era o coração da tenda e do povo de Deus. Então Moisés chamou esses homens que tinha escolhido, mas dois não conseguiram chegar, ficaram para trás. E quando Moisés fez a oração pedindo a Deus iluminasse aqueles homens, os dois que ficaram lá no acampamento também receberam o espírito e era um espírito de profecia, então eles começaram a profetizar lá no meio do povo. Ah, olha fofoqueiro existe em tudo quanto é canto, né? Aí um fofoqueiro correu falar para o Josué: ó meu amigo, aqueles dois lá que não vieram estão profetizando. Aí o Josué, que era outro fofoqueiro, foi lá falar com Moisés: olha, aqueles dois estão lá profetizando, eles não estão aqui com a gente... Então o Moisés pergunta: mas o que você tem com isso meu amigo?! Está com ciúme por quê? Tomara que todo o povo profetizasse! Gente, nós não podemos ter ciúmes dos dons de Deus dá para as pessoas. Porque se você tem ciúme dos dons que Deus concede às pessoas, você tem ciúme de Deus e você tem que se perguntar quais são os dons que Deus te deu e que você não está colocando a serviço da comunidade. Porque muitas vezes nós nos sentamos em cima nos dons que Deus nos deu e ficamos criticando os outros porque nós não fazemos nada. É complicado o negócio!

E a mesma coisa aconteceu com os discípulos de Jesus. Só que agora quem é que é o linguarudo? O linguarudo dessa vez é João que depois vai ser o apóstolo que vai dar origem ao evangelho de São João. ‘Ah Jesus, fulano lá de não sei onde que a gente encontrou estava expulsando demônios no teu nome e nós proibimos, porque ele não é um de nós’. E Jesus passa um sabão em São João na hora: ‘ele está fazendo alguma coisa em meu nome, essa pessoa não pode acabar falando mal de mim, ele não vai falar mal de mim. Quem está conosco, não está contra nós’. Em seguida, Jesus vai falar e muita gente fica perdida com o que isso quer dizer. ‘Se a tua mão te leva a pecar, corta a tua mão. Se o teu pé te leva a pecar, corta o teu pé. Se teu olho te leva a pecar, arranca-o.’. É uma imagem muito pesada, mas será que Jesus quer que todo mundo fique sem mão ou sem pé? Não.

A mão é um sinônimo das nossas ações. A mão pode se estender para ajudar, mas com a mesma mão eu posso dar um tapa no ouvido de uma pessoa. A mesma mão que faz um carinho pode ser a mão que rouba. Então se a tua mão está indo para o caminho da violência, do roubo, do erro, as tuas ações não são ações de Deus, corta esse caminho, volta para o caminho de Deus, porque se você continuar por essa estrada, o fim é o inferno.

O pé vai significar a mesma coisa. Se você ficar indo por caminhos que não são os caminhos de Jesus. E cuidado, muitas vezes nós católicos de missa diária não estamos no caminho de Jesus! Quando nós aceitamos a violência contra os outros, pode fazer comunhão todo dia, mas você não está no caminho de Jesus. Quando a gente fica defendendo o armamento da população, nós não estamos no caminho de Jesus. Quando nós não defendemos o direito dos pequenos, dos índios, dos pobres e aplaudimos violências que fazem contra esses povos, nós não somos de Jesus. Quando nós criticamos quem ajuda e faz o bem para essas pessoas, porque não pode fazer mais... Se nós criticamos pessoas que fazem o bem, nós não somos de Jesus. Nós estamos no caminho torto. Temos que jogar fora essa visão torta e pegar o caminho de Jesus. O caminho de Jesus é defender a vida, ajudar e promover o pobre, querer a paz. Jesus não fala bem-aventurados os que tem armas, Jesus fala: bem-aventurados os promotores da paz, deles é o Reino do Céu. É o caminho de Jesus que nós temos que seguir. Cortar o pé significa sair desse caminho que não é de Jesus.

Arrancar o olho... O olho é a nossa guia. A grande pergunta é: o que está nos guiando? Mais uma vez, é Jesus ou é um ídolo da morte? Hoje nós temos muitos ídolos da morte: o culto da beleza, a estética, tudo tem que ser fitness, é um absurdo. Esses deuses falsos comem muito dinheiro. Depois o deus do sucesso, tem que ter 10 mil visualizações no Instagram ou ter 10 mil amigos no Facebook são todos deuses falsos que nos alienam e que muitas vezes mentem. Não é possível ter juventude para sempre. Não é possível ser o bonzão da história o tempo inteiro. A vida é aquela que é. Cada momento da vida tem a sua beleza. A deusa da estética chegou a um tal exagero que os grandes produtores de moda feminina tiveram que fazer acordos contra a anorexia. É uma doença, uma loucura para cultuar essa deusa que no fim das contas é uma deusa do inferno que pode levar as pessoas à morte. Depois, a chamada estética muda conforme os tempos. Na antiguidade, existia um certo modelo de beleza feminina que aparece na Vênus de Milo. Na Renascença, anos 1500, as mulheres são todas rechonchudas. Se você vai nos anos 50, o modelo daquele tempo é Marilyn Monroe, que para um jovem de hoje seria considerada gorda, porque venderam para nós uma imagem de estética que é anorexia. Isso é só para a gente pensar um pouquinho nas ideias falsas que o mundo nos dá e como nós bebemos essas falsidades. Jesus nos diz: o caminho da vida. Esse é o nosso caminho: o caminho da alegria, da paz com os outros, esse é o caminho de Jesus. No Evangelho, vemos muitas vezes, Jesus na mesa, comendo com as pessoas, é alegria, é o pão, é conversa ali entre amigos. Ninguém está preocupado se é bonito ou feio, se é gordo ou magro, isso é fraternidade, são esses os valores que contam. Nós agora estamos para entrar em uma guerra de novo: a polarização da política. Vamos aprender e não vamos criar guerras entre os nossos amigos e parentes. Estar na mesa em paz com as pessoas é mais importante que os partidos políticos. Isso também é mudar o olho. A outra pessoa é mais importante que o seu partido político, porque quando eu sinto respeito e afeto, eu consigo conversar com as pessoas. Esse é o caminho do Evangelho. Jesus sabia que Zaqueu era um corrupto terrível, era chefe dos cobradores de impostos, metia a mão adoidado, mas servia alguma coisa Jesus xingar o homem? Não, Jesus conversou com ele e esse homem se converteu para o Evangelho. É só na amizade que nós trazemos as pessoas para o Evangelho. Olhem lá o que está acontecendo no Afeganistão: quando você não ama as pessoas, você mata porque essas pessoas não pensam como você, e pior, em nome da religião.

Vamos pedir a Deus que o Espírito Santo nos ensine a mudar as nossas ações se não são de Jesus, a mudar os nossos caminhos para seguir só Jesus e a mudar os nossos modos de ver a vida e o mundo para sermos de Jesus. Lembrem-se de que não basta vir à missa todo domingo, é preciso pensar e agir como Jesus.

242590473_1711649865698767_6311307946222741886_n.jpg
Viver é exercer o serviço aos irmãos

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 25º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 19/09/2021 - missa às 10h)

Novamente, o tema de hoje é Jesus ensinando seus discípulos. Porém, eles saíram de Cesareia de Filipe, que era um deserto, e estão entrando na Galileia, que é uma terra fértil. A seguir, dirigem-se a Cafarnaum, que era a cidade onde Jesus estava morando naquele tempo em que ele foi para seu ministério público. E Jesus, novamente, falou que iriam matá-lo, e que, ao terceiro dia, Ele iria ressuscitar.

E os discípulos, mais uma vez, não entenderam nada porque, no meio do caminho, começam a discutir quem é o mais importante entre eles. Porque, se Jesus é o Messias e Ele vai estabelecer o Reino, então o pessoal queria saber quem que é o mais importante para ser o Primeiro-Ministro, ou, pelo menos, o Ministro de Graça e Justiça, que é o segundo! E começam a discutir entre eles e param até para pensar em critérios para ser o primeiro como, por exemplo, aquele para quem Jesus direcionou primeiro a palavra ou aquele que tinha o grau de parentesco mais próximo de Jesus. E Jesus só escutando as abobrinhas.

Quando chegam em casa, Jesus pergunta: “afinal de contas, vocês estavam conversando de quê? Que besteira era aquela que vocês estavam falando?”. E ninguém fala nada. Acho que entenderam que Jesus ia dar uma puxada de orelha. Aí Jesus faz uma coisa engraçada. Jesus pega uma criança e a abraça. A seguir, começa a fazer este discurso esquisito: “se alguém quer ser o primeiro, seja o último, aquele que serve a todos”. E por que Jesus abraçou uma criança? Pois Jesus está ensinando os discípulos sobre o fato de ser último.

Naquele tempo, as crianças não tinham nenhum direito. Absolutamente nenhum, a tal ponto que o pai – o pai, não a mãe, pois a mãe também não tinha direito a nada – podia vender os filhos como escravos para pagar dívidas. Já pensou se a gente pudesse fazer isso hoje em dia? A molecada estava frita, não é? Isso dá para mostrar a condição das crianças. Então, o que Jesus está mostrando para os seus apóstolos? Que eles têm que ser assim: pessoas que não reivindicam direitos! O único direito do cristão é servir aos outros. E quem deu o maior exemplo de serviço foi Jesus.

É bonito falar essas coisas, né? Aí chega na vida prática – e isso acontece muito nos encontros de casais, de jovens –, todo mundo quer trabalhar na cozinha, todo mundo quer trabalhar na acolhida, fazer horas de oração, fazer visitação. Mas vocês sabem a coisa mais difícil que tem para encontrar gente? Limpar o banheiro. Ninguém quer! Mas é onde você mais serve as pessoas, porque todo mundo tem que ir ao banheiro. Todo mundo quer dar palestra, mas limpar o banheiro ninguém quer!

Jesus diria exatamente isso: você quer servir a todos? Vai limpar o banheiro. Engraçado, né? Como é engraçado o Evangelho, como a nossa mentalidade está longe do Evangelho de Jesus.

Olha lá! Dia 25, sábado que vem, nós vamos ter limpeza da igreja. Quero ver quem vem ajudar, viu? Já estou convidando o povo para vir ajudar no sábado que vem, às 8 horas da manhã! Pode ser homem também. Aliás, muitos, porque vamos precisar mexer todos esses bancos de lugar.

Que a nossa vida seja um pleno serviço aos demais.

241819885_1706783529518734_6609208787778383525_n.jpg
Carregar a cruz é servir a todos como Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 24º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 12/09/2021 - missa às 10h)

O Evangelho de Marcos é escrito em Roma por um evangelista que não conheceu Jesus pessoalmente. Ele pensa em hebraico e escreve em grego – e um grego bem fraquinho, mas ele tem uma ideia na cabeça quando ele escreve e deixa os primeiros nove capítulos com uma grande pergunta: “quem é Jesus?”. As pessoas ao longo dos nove capítulos perguntam quem é esse homem que faz essas coisas, que acalma o vento e a tempestade, que multiplica os pães. E no capítulo nove quem faz essa pergunta é Jesus para seus discípulos, mas até então faz essa pergunta em uma região de deserto, não tinha ninguém ali só Jesus e os doze e Pedro muito entusiasmado diz: “tu és o Messias”, porém vamos ver qual Messias Pedro tinha na cabeça... Jesus fala que vai para Jerusalém ser preso, torturado, morto e ao terceiro dia vai ressuscitar, mas o povo de Israel desde que faliu a monarquia davídica esperava um Messias que fosse o reformador da vida de Israel, reformador dos costumes, da religião, fosse um grande rei, um grande guerreiro que iria expulsar os dominadores de Israel na época os Romanos e que faria de Israel a maior nação do mundo: essa era a ideia e Pedro quando fala de Jesus é o Messias não tem nada de diferente disso na cabeça. Por isso Jesus fala “vai embora satanás, você não pensa igual Deus”, mas qual é o caminho de Deus? O que Deus pensa? Primeiro Jesus chama a si as multidões – e isso é um artifício literário, São Marcos está falando que Jesus está perdido em meio a um deserto, a única multidão que pode ter ali é de mosquito, como ele chamou as multidões?

Nós podemos dizer que foi como nos filmes quando os atores estão conversando entre si e um deles olha para a câmera e parece que está falando com você, foi exatamente isso que São Marcos fez: Jesus fala para os doze e para as multidões, que não estão ali, mas as multidões que lerão esse Evangelho e ouvirão esse Evangelho, ou seja, nós, todas as pessoas que antes de nós escutaram o Evangelho e todas as pessoas que depois de nós ouvirão esse Evangelho. Jesus fala, nesse trecho, olhando para os olhos de cara um de nós: você quer ser meu discípulo? Renuncie a si mesmo, toma tua cruz de todo dia e me siga. Renunciar a si mesmo não significa viver abandonado, mas renunciar aos próprios projetos de grandeza, de egoísmo para que todo dia na vida, no trabalho você aprenda a servir os outros, você aprenda a ser servo de todos e não querer que os outros te sirvam, não querer oprimir os outros para que você esteja bem, mas como faz Jesus na última ceia lavar os pés de todos e Jesus disse “eu sou Mestre e Senhor, mas sou Mestre e Senhor que serve”.

Essa mentalidade muda o mundo, muda a sociedade, muda a economia, muda tudo. Se o Presidente da República se coloca como servo do seu povo, ele vai querer o bem do povo e não cortar o dinheiro da vacina. Se o governador quer o bem do povo, quer ser servo do povo, ele vai implementar a educação e não a destruir. Se você é um funcionário público, você vai cuidar para que a merenda escolar chegue a todas as crianças e escolas necessitadas, mas não vai enfiar o dinheiro no bolso. Se você é pai de família, você vai se empenhar para que seus filhos vivam os valores cristãos que promovem a vida, o direito e a igualdade das pessoas. E se você for uma boa mãe de família que serve, vai buscar a mesma coisa. O padre que quer ser servo tem de servir a Palavra de Deus para o povo, mesmo que isso custe para ele críticas e às vezes até perseguição, porque isso é o caminho de Jesus: isso é carregar a cruz. Não é pegar uma cruz de 40 quilos e sair por aí ou então pegar um chicote para se bater e sofrer bastante, isso é loucura, mas na história já se fez isso, mas não é isso que Deus quer. Deus quer o serviço, ser servo dos outros é querer a vida e o bem do outro. Vamos pedir a Jesus que Ele nos ajude nisso!

Nós também estamos no mês da Bíblia e, nesse ano, refletimos e incentivamos o povo a ler a carta de São Paulo aos Gálatas. São Paulo sofria muito uma situação, ele ia numa cidade nova pregava o Evangelho, as pessoas se convertiam – às vezes só pagãos, se batizavam e queriam viver o mandamento de Jesus. São Paulo pregava o Evangelho da liberdade do amor e do serviço sem aquelas regrinhas do mundo hebraico e dizia “Jesus já acabou com isso, vamos viver o mandamento do amor e do serviço”. Então, São Paulo depois saia daquela cidade e ia para outros lugares e vinha gente da comunidade de Jerusalém para aquele comunidade cristã que Paulo tinha fundado depois que ele ia embora e falava que não era bem isso que tem que seguir a lei de Moisés, se circuncidar e São Paulo ficava louco da vida vendo o trabalho dele ser destruído, ai ele fala em uma de suas cartas “eu pedi duas vezes pra Deus me livrar desse Demônio que é para mim como um espinho na carne, vou lá trabalho, me arrebento para anunciar o Evangelho e depois vem esses folgadões e estragam tudo e Deus me disse: te basta a minha graça, vai adiante”. Aí São Paulo fica sabendo que na comunidade dos Gálatas aconteceu exatamente isso, era uma região bem do interior e São Paulo tinha constituído ali uma bela comunidade e chega esse pessoal de Jerusalém e joga água no angu, mas São Paulo escreve essa carta e fala “quem é que vem aí destruir e anunciar outro Evangelho que não seja o que eu anunciei para vocês? Foram eles que sofreram, que levaram pauladas por causa do Evangelho? Foram eles que naufragaram por causa do Evangelho? Foram eles que passaram fome, sede, frio por causa do Evangelho?”. Ele fala: “Jesus mesmo me chamou, Ele me chamou e mandou eu anunciar o Evangelho, não foi ser humano nenhum, isso foi Ele e vocês são uns insensatos, trocando um banquete que servi para vocês pela lavagem que essa gente anuncia”. São Paulo é terrível, é uma carta forte que nos lembra de que não se devem medir esforços para anunciar o Evangelho da liberdade. Papa Francisco esses dias fez um sermão falando sobre isso muitos rituaizinhos, muitas leizinhas, muitas manias religiosas, devoções que muitas vezes não servem para outra coisa, condenam um coração duro que julga os outros, condenam as pessoas, excluem as pessoas, ou seja, para não viver o Evangelho nós temos que tomar muito cuidado com isso. Jesus não chamou exército nenhum, Jesus quer servos, discípulos, como briga São Paulo na sua Carta aos Gálatas. E espero que depois de toda essa falação vocês essa semana vão lá lê-la na Bíblia, é uma carta curtinha e bem interessante na qual esse apóstolo que anuncia e grita com todas as forças o Evangelho da liberdade.

241652949_1702448916618862_3569304012275203078_n.jpg
Acreditamos no Deus da verdade

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 23º Domingo do Tempo Comum (Ano B – 05/09/2021 - missa às 10h)

A Primeira Leitura [Is 35,4-7a] parece uma contradição. Ela começa com “dizei às pessoas deprimidas”. Deprimido aqui não se refere apenas aos deprimidos de depressão, mas também aos oprimidos. Isto nós vamos entender com a continuação da leitura, que ela se refere a todas as pessoas que estão de algum modo sofrendo. Sofrendo por causa de quê? Por causa dos desmandos dos reis. Os profetas são críticos da realeza porque ela trouxe para Israel a idolatria, culto de falsos deuses. E quando nós abraçamos falsos deuses, nós geramos o sofrimento e a morte. Então, os profetas criticam duramente a monarquia quando ela é causa de morte e de sofrimento para o povo.

Mas a coisa interessante é esta: “dizei às pessoas oprimidas: criai ânimo, não tenhais medo!”. As pessoas abatidas deixam-se tomar pelo medo, pelo desânimo. O medo foi exatamente o veneno que o inimigo colocou no coração do homem no momento do pecado original. De fato, Adão vai falar pra Deus: “tive medo e me escondi”. O medo nos paralisa e nos faz acreditar que uma formiga é um dinossauro, que um mentiroso diz a verdade. O medo faz isso. E o profeta continua: “vede, é vosso Deus, é a vingança que vem, é a recompensa de Deus”. Mas daí pensamos: que vingança é esta? Ela vem para vos salvar. A vingança de Deus é contra os ídolos, contra os instrumentos de morte, contra as mentiras que os governantes falam e iludem os povos. Deus traz o quê como vingança? A cura. Porque o povo está sem saúde. Abrir os olhos para ver a verdade e não se enganar com as mentiras. Abrir os ouvidos para ouvir e olhar o que realmente está acontecendo em torno de nós, não nos deixar enganar. O coxo, que pode ser entendido também como o paralítico, saltará como um cervo e se desatará a língua dos mudos. Não é andar, simplesmente. É saltar de alegria, pois a salvação chegou. A salvação que os grandes negaram ao povo.

Hoje nós temos toda esta ideologia barata que as vacinas fazem mal. E já temos um desastre que advém disso. Tem muita que não toma a vacina da Covid e outros tantos que não tomam nem a segunda dose. E isso é um crime contra os outros. Mas tem gente que está deixando de dar para os próprios filhos pequenos as vacinas essenciais, sendo uma delas a da poliomielite. Tem gente que não quer dar porque acha que o filho vai ter um chip. Isso aqui é ignorância e não tem outro nome. Se você não dá vacina de poliomielite para as crianças, você corre o risco de condenar uma criança a ter paralisia nas pernas para o resto da vida. Por causa de uma ignorância tua, quem vai pagar é o teu filho. Não acredite em mentiras. Deus nos quer vendo e ouvindo a verdade.

Então Deus vai tirar as mentiras do nosso meio para nos dar a verdade. Brotarão águas no deserto, jorrarão torrentes no ermo. Este texto aqui foi escrito há cerca de 2.500 ou 2.700 anos, mas parece que ele está lendo o Brasil de hoje. Nós estamos destruindo o Brasil. O mundo precisa destas florestas. O mundo precisa da nossa água e estão deixando destruir tudo. Vamos pôr o olhar em Deus e olhar para aquilo que Deus olha.

Onde está o olhar de Deus? O olhar de Deus está nos pobres, nos que sofrem, nos desempregados, nos doentes. Seus olhos não estão em cima dos banqueiros ou de deputado que segura mais de cem pedidos de impeachment no governo. Os olhos de Deus não estão lá. Nós temos que pensar nos pobres, nos que sofrem e ajudarmos estas pessoas. No dia em que, verdadeiramente, aprendermos isto, nós vamos estar mais perto do Reino de Deus. Neste dia, nós vamos começar a ter um Brasil melhor e uma vida mais serena. Porque, se eu promovo a justiça, o bem, o trabalho, a educação e a saúde para o povo, eu não vou ter violência. Toda a sociedade ganha. Não haverá mais sofredores de rua, porque este povo não vai ter que viver no meio da rua por não poder mais pagar aluguel na favela. Imaginem, todos terem onde morar porque não existe mais um mar de desempregados. É isso que Deus quer. E isso nós podemos começar a plantar já neste mundo. Porque, no Reino de Deus, vai haver igualdade radical para todos, dado que todos somos filhos e filhas de Deus. Nenhum de nós é melhor diante de Deus. Para alguns, esta igualdade radical vai ser o céu. Para outros, que vivem da ganância, do roubo, da mentira, a igualdade radical será o inferno. Mas, ainda assim, se tiver alguma pessoa que deseje ir nestas manifestações, ao menos respeitem os outros. Todos querem voltar para casa, os prós e os contras as pautas, todos têm família.

Vamos aprender a não nos odiar e, pior ainda, por assuntos que não valem a pena. Vamos nos respeitar como cidadãos, do mesmo jeito que vocês respeitam a mim falando tudo isso e não deixam de amar a Nosso Senhor Jesus Cristo. Procurem, de todo modo, fazer o bem para quem sofre, porque nós, no dia do juízo final, seremos julgados por isso.

homilia 29-08-21.jpg
A luz de Cristo está no coração de cada batizado

Homilia: Pe. Flávio José dos Santos – 22º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 29/08/2021 (missa das 10h, Dia Nacional do Catequista).

Primeiramente, queridos pais e padrinhos, vocês estão nos ensinando muito o sentido do que é o Batismo. Isso é muito importante, até para que possamos esclarecer o que é batizar de verdade. Eu escuto muitas bobagens por aí, e uma delas eu tenho certeza que vocês nunca escutaram, que é alguém chegar para vocês e falar: "Por que você vai batizá-la quando criança? Ela não sabe o que está acontecendo. Deixe-a crescer, aí ela vai escolher o que quer ser". Que pensamento errôneo, pois só olha para si mesmo. E se eu chego a vocês e pergunto "por que querem batizar seus filhos", vocês vão falar um monte de coisas: "Ah, minha família é católica, eu nasci em berço católico", "Porque quero que eles se casem"... Alguns falam: "Porque quero que a criança fique quieta, que afaste mau-olhado". Um monte de coisas, não é? Mas se eu começo a perguntar mesmo, vai chegar uma hora em que vocês não saberão responder o real motivo do porquê vocês as trouxeram. Aí é que está um grande ensinamento para nós: não é só o nosso desejo de querer batizar os nossos filhos, é o desejo de Deus.

 

Nesse momento em que ungi o peito dessas crianças, eu falei: "Que o Cristo Salvador lhe dê a Sua força". E se todos nós somos batizados, um dia, um Padre fez a mesma coisa com você: mostrou, nesse gesto, que a força, a graça e a luz de Cristo estão no seu coração e na sua vida. Então a gente deveria pensar três vezes antes de desistir de alguma coisa, de achar que nossa vida não vale nada, pensar que Deus nos abandonou. Não! Nesse gesto, Deus transfere para nós a Sua luz, a Sua graça, a Sua força; ninguém tira! E é desejo Dele, por isso é que o Batismo é único, não é uma imposição da Igreja, mas é um desejo de Deus que sejam filhos e filhas amadas e amados.

 

A partir de hoje, essas crianças não pertencem mais a vocês, pertencem a Deus. Só que Deus não é igual ao ser humano, egoísta; Ele sabe – e confia – que vocês são os melhores para cuidar e zelar. Por isso, cuidem muito bem delas. Eu sempre digo, em todos os batizados: nunca deixe de abençoar os seus filhos, os seus afilhados. Tem gente que fala que isso é coisa para velho, "Ah, só velho faz isso, pedir a bênção", não é? Uma vez, eu vi uma senhora que estava com a netinha do lado, que falou "benção, vó", e ela disse: "Sai, menina! Você está me chamando de velha?". Não! Todos os dias, ao acordar, quando eu vou iniciar o meu dia, a primeira frase que levo no meu coração é: "Deus te abençoe, meu filho" – a bênção da minha mãe. Meu pai já partiu, mas a bênção dele permanece, e que bom iniciarmos o nosso dia recebendo essa bênção, porque abençoar é mostrar o bem de Deus que está em nós, e esse bem nos acompanha sempre.

 

Por isso, parabéns a vocês, viu? E vocês não estarão caminhando sozinhos. É nosso dever, enquanto comunidade, rezar por vocês! Pedir a Deus que sempre os mantenha firmes. E, saibam, vocês podem fazer tudo e deixar tudo para suas crianças, mas o bem maior: deixe Deus no coração delas! Assim, elas nunca serão alienadas, mas serão humanas, percebendo, cada dia, essa dádiva, por meio do Sacramento que nós celebramos na manhã de hoje.

 

Queridos irmãos e irmãs, como é bom celebrarmos e percebermos a riqueza da nossa fé! A liturgia de hoje nos mostra isso. Seria muito interessante perguntarmos sempre: em que a fé me ajuda enquanto pessoa? Não tem como nós vivermos algo dentro de uma igreja e sermos outra pessoa fora. A liturgia de hoje questiona isso. Na primeira leitura [Dt 4, 1-2. 6-8], Moisés vai dizer: "Olha, não invente mais coisa, já existem os mandamentos de Deus". E qual é o mandamento de Deus? Pai de todos; ama todos; anima todos; acolhe a todos... Não adianta inventar mais coisas, porque, senão, acaba distanciando.

 

É aí que a gente compreende o Evangelho de hoje [Mc 7, 1-8. 14-15. 21-23]. Porque, quando olhamos este Evangelho, ficamos com o pé atrás até mesmo com Jesus e os discípulos – eles não lavavam as mãos para comer? Eles não tomavam banho? Não é isso. Aqui, a questão é do ritual. O judeu é muito ritualista. É como na missa também: o padre, depois que apresenta as oferendas, vai lavar as mãos, e não é por que sujou, não, é um gesto ritual. E a mesma coisa era na época de Jesus, tanto é que o Evangelho vai dizendo: "Tem a maneira certa de lavar os copos, as jarras; não é de qualquer forma". Mas tudo isso muito categórico, porque tinha todo um ritual para fazer aquilo.

 

E Jesus vem dizer: "Não". Porque em que isso enriquece você? Em que isso transforma a sua vida? É por isso que Jesus chama a atenção: "Olha, não é o que está fora e entra que é o grande mal, mas o que está dentro e é manifestado". E é por isso que ele vai dizer que o que causa, realmente, uma ação terrível são as más inclinações, as maldades, o desejo que o outro se dê mal, causar divisões, separações... É para tudo isso, cultivado no coração do ser humano, que Jesus chama a atenção. Os ritos, as expressões de fé, nos ajudam a superar tudo isso – porque também é natural, muitas vezes, alguma situação terrível, provocar isso em nós; mas não deve permanecer. É para isso que Jesus chama a atenção.

 

Na segunda leitura [Tg 1, 17-18. 21b-22. 27], Tiago vai nos mostrar isso de uma forma muito incisiva, quando ele diz: "Vivam aquilo que vocês celebram, vivam a Palavra que vocês escutam, sejam realmente sinal de proteção". É por isso que ele diz para proteger as viúvas e os órfãos, ou seja, aqueles que estão, de certa forma, em perigo de muitas situações. Protegê-los. E de que forma? Estando sempre atentos, discernindo realmente a graça e a ação de Deus, para que esse vínculo nunca se separe de nós.

 

Hoje, ao celebrarmos esta Eucaristia, nós também queremos agradecer aos nossos catequistas. Pela manhã, lá na Catedral, a gente também rezou por eles, mas uma coisa é fato: não adianta transferir a educação da fé dos nossos filhos para os catequistas. Eles ajudam a aprofundar, mas os primeiros catequistas – e maiores – são vocês, pai e mãe. O que nós estamos deixando para nossos filhos? Uma coisa que temos que refletir é se não estamos destruindo uma dimensão tão especial no ser humano, que é o cuidado. Ninguém mais quer cuidar de ninguém, ninguém mais quer ouvir, compartilhar, ajudar no sofrimento dos outros... "Cada um que siga com a sua cruz". Não!

 

Precisamos muito ajudar a transmitir esses valores tão especiais para nossas crianças, sem deixar de agradecer aos catequistas das nossas paróquias, porque são homens e mulheres que, muitas vezes, deixam suas casas, suas famílias, para zelar e cuidar do bem maior que são os nossos filhos. E, mais ainda, transmitir a eles aquilo que eles também acreditam, que é a questão da ternura e da graça da fé. Então nós queremos muito agradecer a você que é catequista: Deus sempre abençoe você! Porque todas as vezes que nós olharmos para vocês na igreja, vamos sempre recordar: a Igreja, por sua essência, também é catequista, porque a catequese é permanente, ela nunca é temporária; tem os momentos para aprofundarmos, mas ela sempre é permanente, pois ela sempre nos leva a permanecer no colo e no coração de Deus.

 

Vamos pedir que esta Eucaristia fortaleça a todos nós e ilumine os nossos corações, para que essa graça sempre seja a luz necessária para o nosso caminhar.

239495179_1687189478144806_199813085258846923_n.jpg
Aprender com a Virgem Maria

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha –  Solenidade da Assunção de Nossa Senhora (Ano B) – 15/06/2021 (missa às 10h).

Hoje celebramos a Assunção de Nossa Senhora. O que quer dizer assunção? Assunção significa ser levado. E ascensão? Elevar-se. É diferente, Jesus ascendeu ao céu, subiu ao céu, por força própria, porque Ele é Deus. Maria foi assunta, foi levada, não por força própria, foi levada por força de Deus. Maria morreu? Sim, morreu – até Jesus morreu, todo mundo morre. E na hora da morte, Deus ressuscitou Maria e ela está de corpo e alma junto de Deus. Ela aparece para nós como uma estrela, no meio do mar, no meio da tempestade, uma estrela que indica para nós a direção, e a direção que Maria indica é sempre Jesus. Maria nunca aponta para si mesma. Quando ela fala de si mesma, ela vai dizer: "O Senhor viu a humildade da sua serva, por isso Ele fez grandes coisas em meu favor, foi Ele que fez, é Ele que é grande, eu sou uma humilde serva do Senhor". Ver Maria assunta ao céu de corpo e alma também é garantia que Deus nos dá de que essa nossa fraqueza, essa carne fraca, essa nossa vida breve e sofrida tem um valor para Deus. E essa vida vai se sentar junto de Deus, a nossa vida, a nossa fraqueza, a nossa miséria, o nosso pó vai ser mantido vivo na eternidade pela graça de Deus. Isso que o Evangelho de hoje e a doutrina da igreja nos ensinam com a assunção de Maria.

Vamos olhar essa belíssima leitura de Apocalipse, final do capítulo 11 e começo do capítulo 12, mas primeiro vamos falar sobre a arca da aliança... Ela foi mandada ser construída por Deus, que disse: "Moisés, você irá construir uma barca deste jeito aqui". Então deu as medidas e instruções de como deveria fazer e Moisés fez, no meio do deserto, lá no livro do Êxodo – se vocês ainda não leram o livro do Êxodo é porque não estão assistindo "As Aventuras Bíblicas", né? Todos os sábados lá no Facebook da paróquia, nós estamos explicando passo a passo da Bíblia. Nós começamos lá em Gênesis, e já estamos no livro de Rute, já estamos bem adiantados, mais de 40 capítulos, então vocês tratem de ir lá, assistirem e aprenderem coisas da Bíblia. Pois então, Moisés fez a arca, e a arca caminhou com o povo no deserto, depois que entraram na Terra Santa, ainda ficaram lá 250 anos sem o templo, a arca ficava num templo que era uma cabana móvel, uma tenda móvel, depois Salomão fez um templo e colocaram a arca no templo. Por volta dos anos 600, 500 a.C., antes da invasão da Babilônia, o profeta Jeremias pegou a arca e levou para as montanhas, para um lugar escondido, e a arca se perdeu, não se sabe onde ele colocou a arca. Entre o povo criou-se então a tradição, que no dia do juízo, a arca de Deus estaria no céu, a arca da aliança.

Então vamos para Apocalipse, onde João diz: "Vi a arca da aliança que aparecia no céu, era o sinal de Deus, chegou o tempo do julgamento". Interessante é que São João olha de novo e o que ele vê é uma mulher grávida, vestida de sol, com a lua debaixo dos pés e uma coroa com doze estrelas em volta da cabeça, e ela está gritando porque ela vai ter uma criança. Ela está gravida, mas já está dando a luz à criança e, ao mesmo tempo, aparece no céu um dragão gigantesco, monstruoso, com dez chifres. Com o rabo, ele leva um terço das estrelas do céu, é uma coisa assustadora! O que essa pobre mulher, nas dores do parto pode fazer contra uma coisa desse tipo? E o dragão se coloca em frente a ela, para devorar o filho. A criança nasce e Deus leva a criança para junto de si. Essa mulher simboliza o povo de Israel, ela simboliza também a comunidade dos cristãos, a Igreja que somos nós, e ela também representa a Virgem Maria que é membro da Igreja, uma de nós. O filho que nasce dela é Jesus que é levado para junto de Deus, essa é a Ressureição e Ascenção de Jesus. E a mulher então foge e vem para a terra, é a Igreja que tem que anunciar para o mundo o Evangelho de Jesus, e ela vai sofrer muita perseguição, do dragão que ficou muito bravo porque não conseguiu destruir o messias de Deus. Então ele se joga contra a mulher e a terra se abre, e o mar que o dragão tinha vomitado para afogar a mulher, a terra engole, isso é para dizer que Deus sempre vai proteger seu povo, o povo de Deus tem uma missão e a missão é anunciar o Evangelho de Jesus. E mesmo sendo perseguido, Deus vai ajudar este povo a cumprir a sua missão. Deus vai ajudar nos ajudar a anunciar o Evangelho com a nossa vida e com nossas palavras.

No Evangelho, nós temos como Deus faz isso, e Maria olha para a história, para a história do povo de Israel, e ela vê como Deus dispersa as pessoas de coração orgulhoso, pessoas que se acham como deuses, que acham que não precisam de Deus. Pessoas que pensam que são donos e donas de Deus. Ninguém comanda Deus. E essas pessoas são dispersas, igual farinha ou palha no meio do vento. Deus derruba poderosos de seus tronos, quantos reis injustos tiveram o povo de Deus, muitos. Se formos lá no Livro dos Reis, vamos ver que a maioria dos reis são condenados pelo autor sagrado. Porque quando o rei governa bem, o autor do Livro dos Reis fala "esse agiu conforme a vontade de Deus", e muitos desses homens pensam que são eternos, que vão viver para sempre, que vão fazer suas corrupções sem nunca morrer. Maria diz: "Deus derruba, acaba. Os grandes impérios do mundo acabaram no nada". Os homens que pensaram que dominariam o mundo, muitos deles hoje são vistos como as desgraças da humanidade – pense em Hitler, em Stalin, pense nas coisas terríveis que fizeram, por exemplo, Napoleão que são mais próximos de nós. “E elevou os humildes”. Deus olha o mundo do avesso, Deus não olha com nossos olhos, se nós vemos a escolha do rei Davi, Deus diz ao profeta Samuel: "Vai lá na casa de Jessé que eu vou te mostrar quem vai ser o rei de Israel". Aí ele vai, encontra esses rapazes, homens grandes, fortes e fala "esse aqui sim vai ser um grande rei", Deus fala: "Tira isso da cabeça, não é ele não". E ele pensa "Deus falou que o próximo rei estaria aqui, mas não está". Então pergunta a Jesse "Mas estão todos os seus filhos aqui?", Jesse responde: "Não, nem todos... o mais novo está lá cuidando das ovelhas". Por quê? Ele só tinha 12 anos. Aí Samuel diz: "Nós não vamos jantar enquanto você não me trouxer esse rapaz". A hora que o menino entra, Deus fala para Samuel: "Este vai ser o rei de Israel". Então Samuel unge, ungir quer dizer passar óleo na cabeça, ele passa na cabeça do menino Davi, e o texto fala que a partir daquele momento o Espírito de Deus se derramou em cima do menino, e ele vai se tornar o Grande Rei Davi, fundador da dinastia "Davídica", da qual Jesus vai receber descendência de São José. Deus não olha a grandeza, Deus olha o que é desprezível aos nossos olhos. Aos olhos de Deus é bem diferente.

E Maria nos ensina outra coisa, nós estamos em um tempo em que tudo tem que ser para ontem, tudo tem que ser imediato, a gente tem que conseguir fazer tudo em pouco tempo. E nós perdemos a visão do tempo, da história. A vida leva muito tempo para mudar, são gerações e gerações, você começa a plantar hoje, para colher daqui a 20, 30, 40, 200 anos... Isso é ter esperança, ter fé. Nós não podemos pensar só no hoje, ou no máximo amanhã, a vida é comprida, nós é que passamos rápido. Mas nós que temos que plantar o amanhã. O que nós fazemos aqui hoje com estas crianças? Estamos ensinando para elas o caminho de Jesus, para que daqui 20, 30, 40 anos, elas estejam aqui no nosso lugar, trazendo os filhos deles para viver o caminho de Jesus. Eu estou pregando hoje para essas crianças para que daqui 40 anos, elas estejam aqui, como vocês estão. Daqui 40 anos eu não estarei mais aqui não, mas estamos plantando para amanhã. É essa a visão que Maria nos ensina a ter: fazer o bem hoje. Vamos pedir a Deus que nos ajude nisso!

236217260_1681867775343643_1593474096236183811_n.jpg
O perdão e a compaixão são essenciais para todo cristão

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha –  19º Domingo do Tempo Comum (Ano B ) – 08/08/2021 (missa às 10h)

O capítulo 6 do Evangelho de São João nos fala sobre a Eucaristia. Mas, no episódio da última ceia, ele não fala da instituição da Eucaristia, mas sim do Lavapés, que mostra a morte de Jesus como serviço. A Eucaristia, como São João apresenta, é serviço de vida. Jesus multiplicou os pães e o povo foi atrás dele porque queria uma vida fácil. Jesus vai então dizer: “vocês não conseguiram ver um sinal de Deus naquele pão que eu dei pra vocês”. Jesus dá um passo a mais e diz: “Eu sou o pão descido do céu”. Diz também: “Este pão é a minha carne dada”. E carne dada, entregue, não significa que cortou um dedo e deu. Significa a vida. Uma vida doada, uma vida entregue.

Deus desce do céu e torna-se um de nós para mostrar a que ponto Ele nos ama. Deus nos ama até entregar a vida. Jesus, o verbo eterno feito homem, entrega o que pode, até o fim. O limite do ser humano é a morte. E Jesus vai até este limite, entregando a vida por nós. E não é fácil entrar neste caminho de Jesus. Claro que doar a vida não significa, necessariamente, todo mundo morrer por causa do Evangelho. Não é a todos que Deus pede isso. Mas a entrega da vida está no viver como discípulo de Jesus. A Segunda Leitura [Ef 4,30-5,2] nos ilustra isto muito bem, na qual São Paulo diz: “vivam como imitadores de Cristo”. Ponham para longe de vocês a amargura, a irritação, a cólera, a gritaria, injúrias. Tudo isto tem que desaparecer. Nós nos percebemos, muitas vezes, com todos estes sentimentos. Mas nós temos que dar lugar, em nosso coração, para Jesus. Amar como Ele amou.

E São Paulo também diz: “Sede bons uns com os outros, sede compassivos”. Ser compassivo é ter compaixão, é se colocar no lugar do outro, sentir a dor do outro e agir como eu gostaria que agissem comigo se eu estivesse na situação do outro. “Perdoai-vos mutuamente”. Não há salvação para o mundo se não existe perdão e reconciliação. Não se pode viver de vinganças eternas. Chega um momento em que você odeia o outro e nem sabe o porquê. Fica aquela situação em que “os meus pais faziam assim, meus avôs faziam assim, eu faço assim e meu filho fará assim”. Ninguém mais sabe por que está odiando o outro. Isto cria as guerras, destruição e inimizades no mundo. E tudo que as pessoas querem é viver em paz.

Deus nos perdoa. Nós temos que pensar sempre nisso. A cruz de Jesus nos perdoa. A cruz de Jesus é um momento que permanece para a eternidade. E a última coisa a dizer antes de entregar o espírito para o Pai foi “perdoai-os”. Ou seja, teve uma palavra de perdão sobre nós que deve gerar dentro de cada um confiança em Deus. Por isso Jesus diz: “Eu sou o Pão da Vida descido do céu”. Moisés e Elias não desceram do céu, mas Jesus sim. Moisés e a lei são uma imagem daquilo que será o anúncio do Evangelho. A profecia de Elias e dos outros profetas também são uma imagem do que será a Palavra profética de Jesus. Jesus viu o Pai, então o que Ele fala revela o coração de Deus. Não é qualquer palavra, é a de Deus. Porque Jesus é Deus. Ele vê o rosto, o coração do Pai. E é possível, já nessa vida, começar a viver a vida eterna. Quem ama, quem perdoa, quem tem compaixão do outro já está vivendo aqui as sementes da vida eterna.

Aqui temos momentos que passam. A eternidade é um momento que dura para sempre. Vamos pedir a Jesus que Ele nos dê a graça de, realmente, acreditar Nele e no Seu Evangelho de vida. Cuidado, pois com as nossas ações e opções nós dizemos se cremos ou não. Quem diz que crê em Jesus e, na hora H, faz opções pela morte ou por pessoas que promovem a morte, na verdade não crê em Jesus. A pessoa que diz que crê em Jesus e passa do lado de sofredores de rua, de prostitutas, de travestis e tem desprezo ou nojo destas pessoas não crê em Jesus. Nós temos que converter o nosso coração. Quando nós rezamos o ato penitencial, nós batemos no peito. Sabem por quê? É como se disséssemos a Deus para amolecer nosso coração de pedra. Vamos pedir a Jesus que Ele nos dê essa graça. Essa é a graça da Salvação: poder seguir Jesus e, com Ele, entrar na vida eterna, que já começa aqui.

Hoje também a Igreja celebra, no mês vocacional, a vocação matrimonial, à família. Temos aqui no presbitério a Sagrada Família, com Jesus, Maria e José. Temos também o símbolo da aliança, como fé em Jesus ressuscitado. Eu gosto de perguntar para as pessoas: “qual é a maior de todas as vocações?”. Geralmente as pessoas demoram para responder porque ficam na dúvida e respondem que a maior é ser padre. Mas não. A maior das vocações é o matrimônio. E ela é tão fundamental que nem o pecado original, nem as águas do dilúvio destruíram esta ordem de Deus: “crescei e multiplicai-vos”. Nem o pecado conseguiu anular esta ordem de Deus pois ela é primordial. E, na Igreja, ela é sacramento, que significa que a vida matrimonial vivida no amor, na entrega, no perdão, na acolhida se torna para o mundo e para a comunidade um sinal da presença de Deus.

Hoje também é Dia dos Pais. E os pais carregam consigo também uma imagem primordial. O pai é aquela força que segura a criança quando ela é posta fora do ventre da mãe. Nós temos que ter esta imagem na cabeça. A mulher que pare a criança e o pai que a segura. Ele aquece, ele prepara para o mundo, que muitas vezes é hostil. A primeira coisa que a criança sente quando sai do ventre da mãe é a mudança de temperatura. E o pai é esta imagem daquele que acolhe esta criança. Ele vai aquecer esta criança e ele vai guiá-la para enfrentar e transformar o mundo hostil. Esta é a figura primordial do pai.

Deus abençoe os nossos pais. Deus os ajude a serem guias para os vossos filhos e filhas nestes tempos difíceis.

232207547_1677018769161877_4853065116854158563_n.jpg
O pão do céu traz vida em abundância

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 18º Domingo do Tempo Comum (Ano B ) – 01/08/2021 (missa às 10h).

É muito interessante se nós começamos a olhar este capítulo 6 do Evangelho de São João – na semana passada eu convidei vocês: “leiam o capítulo 6 do Evangelho de João, o capítulo inteiro” – pois é, o capítulo 6 de São João fala do Pão da Vida, da Eucaristia. São João não narra a instituição da Eucaristia lá na última ceia, ele conta o lava-pés, e o que acontece? Acontece que o povo hebreu vivia da lembrança que os pais contavam aos filhos sobre esse fato lá do passado, essa memória, de quando o povo fugiu do Egito, lá no meio do deserto, e eles começaram a passar fome. Começaram a murmurar contra Deus e contra Moisés, e então Deus lhes mandou o maná, e nós não sabemos exatamente o que fosse, e maná significa “o que é isso” – eles não sabiam o que era. Com aquelas pequenas sementes, eles faziam broinhas, e se alimentavam com aquilo. Se nós continuamos lendo o livro do Êxodo, nós vamos ver que eles vão reclamar mais para frente “mas essa comida é muito leve” – quase como a dizer “isso daqui não tem substância” – o povo no deserto é uma tristeza. Em todo caso, ficou esta memória na cabeça do povo: Deus deu de comer ao povo o pão do céu, Moisés fez isso!

Agora, o que acontece, quase mil e trezentos anos depois, Jesus faz esse sinal, a multiplicação dos pães, para mais de 5 mil pessoas – eram cinco pãezinhos de cevada, aquela coisa pequenininha, e dois peixes – peixe seco, viu, gente? Tem certos filmes por aí que a gente vê com peixe fresco, e não era peixe fresco não, era peixe defumado, peixe seco! Aí esse pessoal, ao invés de perceber o milagre de Deus, a presença de Deus, o que eles pensaram? “Esse sujeito vai resolver todos os nossos problemas, não tem necessidade mais, se esse cara aí for o rei, ele vai resolver nossos problemas todos – basta ele falar, olha pão para todo mundo!”. Eles não foram capazes de ver que aquilo era um sinal de Deus. “Vocês ficam com as lembranças lá do passado... essas lembranças, agora, acabaram. O pão da vida está aqui, no meio de vocês” – Jesus vai insistir com isso – “não foi Moisés, lá no passado, que vocês não viram que deu o pão da vida para vocês. O pão do céu é o que desce do céu, é o que Deus manda”. E aí nós vamos perceber que Jesus não está falando de comida, Jesus está falando dele mesmo: Ele é o pão do céu. O pão do céu é aquele que dá a vida, vida plena para as pessoas, porque Deus quer que todos tenham vida plena. E esses caras ainda estão cabeça fechada: “então qual o sinal que você nos mostra?”. “Gente, o sinal está aí no nariz de vocês, eu dei pão para vocês comerem, não conseguem enxergar? Vocês não têm olhos para ver? Vocês preferem viver de uma memória que vocês não viram de mil e duzentos anos atrás e não são capazes de abrir os olhos e ver que agora Deus está no meio de vocês? Agora Deus deu pão para vocês comerem, não são capazes de ver isso? Estão tão agarrados nessa ideia velha, a essas velhas tradições, que não conseguem ver a presença de Deus agindo na vida de vocês agora?”

Nós vamos ver nas próximas duas semanas, lendo, ainda, o pão da vida, como é difícil jogar fora as nossas velhas seguranças, as nossas velhas ideias. “Mas minha avó falava isso, mas meu avô falava aquilo...” e se a gente for olhar o Evangelho de Jesus, às vezes o Evangelho fala exatamente o contrário, mas nós ficamos com o ensinamento e as palavras da vovó e não somos capazes de jogar isso fora, e pegar o Evangelho de Jesus. Então nós, também, muitas vezes, somos como aquelas pessoas que viram o milagre, comeram o pão lá naquele lugar com Jesus, Jesus multiplicou o pão para eles. Às vezes, não somos capazes de perceber o caminho novo, uma ideia nova, um jeito novo de pensar e de agir, como é difícil! Jesus vai martelar sobre isso durante todo esse capítulo 6 do Evangelho de São João. Nos outros Evangelhos, nós vamos ver essa mesma dificuldade em vários outros momentos.

Então esse Evangelho, hoje, nos chama atenção para isso: será que eu estou realmente ouvindo Jesus, que quer que todos tenham vida? Eu estou ouvindo essa voz de Jesus e jogando fora as minhas várias ideias que no fim das contas pregam a morte, a exclusão do outro? Eu estou aprendendo a ver o outro como meu irmão e irmã? Porque se eu vejo o outro como meu irmão e irmã, vou querer que ele e ela tenham vida, não migalhas, vida, vida plena, já nesse mundo. Comida, casa, educação, saúde, segurança, isso é o pão da vida! E onde eu encontro o pão da vida? Na Eucaristia onde Jesus se entrega para nós sem distinção de pessoa. Quem diz pode ou não pode é o padre, não é Jesus não, Jesus se entrega inteirinho para todo mundo, Ele não faz acepção de pessoas. E está no Seu Evangelho, temos que ouvir o Evangelho de Jesus, as coisas que Jesus fazia e as coisas que Jesus falava, e ouvir essas palavras, não ficar ouvindo a voz da vovozinha, do padre, do não sei quem, que não deixam nem a gente ler o que está escrito no Evangelho.

Precisamos ouvir Jesus, nos alimentar do Seu corpo, na Eucaristia, para ter os mesmos olhos de Deus. É muito interessante, lá no Antigo Testamento, quando Deus fala através do profeta Isaías: “a vossa liturgia, os vossos sacrifícios são bonitos, mas os meus olhos não estão em cima desses sacrifícios que vocês fazem, os meus olhos estão no pobre, na viúva, no órfão, no estrangeiro”. Ou seja, os olhos de Deus olham para aquilo que, para nós, muitas vezes, é horror. Lá estão os olhos de Deus, e não porque as pessoas são melhores, mas porque sofrem, por isso que os olhos de Deus estão lá, porque Deus não quer o sofrimento de ninguém, e tem mais do que o suficiente para que todos possam viver, disso a gente sabe. O mundo hoje produz o dobro de alimento do que seria necessário, para toda a humanidade, então é mentira que a humanidade tem que controlar a natalidade porque não vai ter comida, isso é mentira, uma mentira que inventaram no início dos anos 1900, um sujeito chamado Malthus, Malthusianismo, isso é falso. Nós nunca exploramos todas as possibilidades desse planeta – nós destruímos! Mas não exploramos para que possa realmente produzir vida para o planeta e para nós, então nós não podemos acreditar em mentiras. Deus olha para os que sofrem, e de lá Ele quer que todos tenham vida. Jesus nos diz: para que todos tenham vida, aprenda a ver o outro como irmão e irmã. Eu vejo os pretos como os meus irmãos? Eu vejo os gays como os meus irmãos? Eu vejo os haitianos como os meus irmãos? Eu vejo os venezuelanos, bolivianos, que estão aí cada vez mais nos semáforos, como meus irmãos e irmãs? Eu vejo os sofredores de ruas, que nesses dias aqui estão passando horrores, eu os vejo como meus irmãos e irmãs? Eles estão gritando por vida, e não são melhores que nós, são pecadores como todos nós. Não é porque a pessoa é pobre que é santa, mas são pobres, e Deus quer a vida para eles. E quem tem que dar a vida para eles, Deus? Nós, a sociedade humana é nossa, nós temos que ser vida para eles, porque aprendemos da Eucaristia e da Palavra de Deus, do Evangelho.

Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a ouvir Sua Palavra, jogar fora aqueles conceitos falsos que não são do Evangelho, e aprender a seguir os passos de Jesus.

226564328_1672160642981023_3154734382887187651_n.jpg
Jesus é o pão compartilhado entre as gerações

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 17º Domingo do Tempo Comum (Ano B ) – 25/07/2021 (missa às 10h).

Neste ano, nós estamos lendo o Evangelho de São Marcos. Porém, como este Evangelho é bem curtinho, lemos muitas partes do Evangelho de São João. Nas próximas semanas vamos continuar ouvindo trechos do capítulo 6 do Evangelho de São João, ao qual chamamos de “o Evangelho do pão da vida”, que é a narração da multiplicação dos pães. Nesta passagem do Evangelho de São João, Jesus vai com os discípulos para um lugar tranquilo e a multidão o segue. Chegando ali, Ele vê este povo que se aproxima, vê de longe. Nesse povo não estão apenas aquelas pessoas lá daquele momento, mas também estamos todos nós que buscamos Jesus. Uma grande multidão aproxima-se e, vendo aquilo, Jesus provoca os apóstolos: “essa gente tem fome, dê comida para eles”. E os apóstolos respondem com a nossa mentalidade: se você precisa de pão, ou você faz ou você compra. E ali não dava para fazer. E também respondem que duzentas moedas de prata não dariam para comprar pão, mesmo que um pedaço para cada um.

Só que Jesus vai fazer um sinal, abençoando o pão e o Evangelho diz que estava próximo da Páscoa dos judeus. Esta Páscoa celebra o momento em que o povo de Israel sai do Egito com a mão potente de Deus e vai para o deserto. E, no deserto, o povo é alimentado por Deus com o maná, que ninguém sabia o que era, mas foi isso que alimentou o povo por muito tempo. Então o povo sempre falou “Deus nos deu o pão no deserto” e vivia dessa memória há 1200 anos. E todos os anos, na Páscoa, eles celebravam esse fato: a libertação de Deus do Egito e que Deus os alimentou com o pão do céu. Olha as coincidências: perto da Páscoa; uma grande multidão; e pão. O que aconteceu ali, de fato, nós não sabemos. Mas sabe-se que ele conseguiu alimentar até a saciedade cerca de 5000 pessoas e ainda sobrou. Essa sobra, neste Evangelho, também é simbólica: são doze cestas e o número 12 lembra dos doze apóstolos que vão continuar a distribuir o pão da vida para essa grande multidão que vem vindo. Se estamos nesta grande multidão, nós também somos alimentados pelo pão da vida. E qual é o pão da vida? A Eucaristia. Então, de algum modo, na Eucaristia, Jesus se faz presente com toda a realidade dele. E este é o mesmo pão da vida que Ele multiplicou lá no deserto para aquela multidão que também representa todos aqueles que vão se aproximar de Jesus ao longo da história. Pão da vida porque Deus só pode dar a vida. Olha que engraçado: Deus “só pode” dar a vida. Deus não dá a morte, não dá a destruição. Deus não dá o aniquilamento, a pobreza, a miséria. Deus quer que todos tenham vida e por isso Ele dá o pão da vida que é vida plena.

É isso que Jesus nos dá e isso a Eucaristia também nos ensina: que todos devem ter vida. Essa vida que vem de Deus e que, nesse mundo, passa pelo pão de cada dia, pela casa, saúde, emprego, educação, vida digna para todos. Não podemos pensar que Deus é contente com pobres ou que fica realizado que cada dia há mais moradores de rua. Deus quer que todos tenham dignidade e, por isso, Ele dá o Pão da Vida para que nós aprendamos a promover a vida do outro. Isso é o que o pão de Deus nos convida a fazer e que a Eucaristia nos convida a fazer todos os domingos. Ela nos convoca a darmos pão nós mesmos: o pão da vida, o pão do Evangelho, o pão da justiça e o pão da paz.

A Eucaristia não é um pãozinho para a gente ficar bem e tranquilo apenas não. É o pão que nos provoca para que promovamos a vida no outro. Este Evangelho ainda tem outros dois elementos. O Evangelho de João não fala das tentações de Jesus no deserto. Porém, nós vemos aqui duas tentações. Primeira, o povo pode ter pensado: “nossa, esse homem nos deu pão sem que nós trabalhássemos”. Qual foi a tentação que Jesus sofreu no deserto? Transforma essas pedras em pão. Ou seja, não trabalhe para conseguir o pão. Afinal, ele poderia, pois é Deus. E essa é a mesma voz que falou no Eden: “Eva, coma da fruta e vocês serão como deuses”. E nós vamos ver como esse povo vai atrás de Jesus todo o tempo com essa ideia de “ele nos deu pão e não precisamos mais trabalhar, não precisamos mais nos esforçar pois Deus vai dar tudo”. Não é esse o caminho de Deus. Segundo, Jesus se retira porque percebeu também que o povo poderia pensar que ele fosse o seu rei. Naquele tempo, desde os anos 500 antes de Cristo, o povo da palestina começou a esperar o Rei Messias que iria reestruturar o Reino de Israel, mudar o culto do templo, acabar com a injustiça, expulsar as nações estrangeiras e fazer de Israel a maior nação do mundo. E até São Pedro, quando fala que Jesus é o Messias, está com isso na cabeça. O que Jesus faz? Vai embora, sobe em um lugar sozinho, escapa do povo porque essa é outra tentação do maligno: eu te dou todos os reinos da Terra se você me adorar. O maligno ou as ideologias desse mundo significam não seguir a Deus e não querer o trabalho difícil de todo dia construir um mundo mais humano, mais verdadeiro. Nós, muitas vezes, queremos que Deus faça as coisas por nós. Caímos nessa tentação de perguntar por que Deus não faz isso. Nós temos que fazer, nós criamos esse angu de caroço e agora temos que descaroçar. Essa é a história humana, essa é a nossa vida de não querer respostas fáceis e saber ver os sinais de Deus que nos encorajam para que possamos trabalhar ainda mais pela melhoria dos problemas do mundo. Deus deu para nós essa parte na criação e quer que esse lugar em que vivemos seja um mundo de paz, justiça, igualdade e fraternidade. Isso é consequência para aqueles que comem e vivem do Pão da Vida, do Pão da Eucaristia, do Pão da Palavra. Vamos pedir a Jesus que Ele permita que o Pão da Eucaristia crie em nós fome e sede de justiça e paz.

221385490_1667684363428651_7083059968441741618_n.jpg
Cuidar segundo a necessidade de cada um

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 16º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 18/07/2021 (missa às 10h).

A Primeira Leitura, tirada do Livro de Jeremias [Jr 23,1-6], é um puxão de orelha para os pastores do povo que na época eram os sacerdotes e os levitas, mas também os reis, os governadores... Eu toda vez que escuto esse texto eu fico tremendo diante de Deus porque o Senhor puxa a orelha dos seus pastores, daqueles que guiam o povo. Um profeta não é um homem que fica prevendo o futuro, ele não tem a bola de cristal, ele não é um bruxo. Um profeta olha o mundo com os olhos de Deus. E olhando o mundo, olhando as coisas como estão, ele fala e mostra o que é que Deus quer. Os profetas aparecem praticamente no início da monarquia. Antes existia o tempo dos juízes e existia um sistema econômico e político muito igualitário. Depois quiseram um rei, centralizou tudo na pessoa do rei, centralizou a religião toda em volta do tempo de Jerusalém de Betel no Norte e começou uma grande diferença entre as pessoas, começa a ter muita pobreza. Os profetas vão denunciar as injustiças da monarquia. Olhando Deus, olhando a igualdade que nós temos diante dos olhos de Deus, eles vão denunciar todos aqueles que são os mecanismos, as formas de governo, os privilégios. Porém, tinham falsos profetas que falavam só o que os reis queriam ouvir. E tem vários profetas que vão denunciar também os falsos profetas. Uma situação bem difícil naquele tempo! Então, o pastor é aquele que olha com os olhos de Deus. Por isso, nós, padres, bispos, Papa, nós temos que ficar sempre com os olhos no povo, nas situações concretas da vida do povo, olhar os Evangelhos, anunciar e denunciar aquilo que não está de acordo com o Evangelho. Essa é a missão do profeta e do pastor.

Depois nós temos essa imagem muito singela dessa leitura do Evangelho [Mc 6,30-34]... nós vimos, na semana passada, que Jesus mandou os apóstolos para anunciarem a conversão dos pecados e a intenção de Jesus era que os discípulos aprendessem que o povo é bom, que o povo tem sede de Deus, que o povo já está esperando antes que eles cheguem, estão esperando o anúncio e eles vem isso e como o povo acolheu a palavra deles. O povo pediu curas, exorcismos e eles fizeram grandes sinais no meio do povo e voltam contentes contando isso para Jesus. E ainda tem muita gente ali. E Jesus fala: vamos para um lugar deserto, vamos descansar. A gente pode pensar: nossa, mas tem tanta gente, eles não conseguiam nem comer de tanta gente que tinha. E vai largar essa gente para lá? Pois é. Ser pastor não é ser um salvador da pátria, não é ser o salvador do mundo – mas isso serve para nós também, em casa, no trabalho, em tudo quanto é situação – quem salvou o mundo, e já salvou, viu, gente? É Jesus! Nós temos que dar o melhor de nós mesmos, mas lembrar que nós somos humanos. A salvação do mundo não depende da gente. Por isso, Jesus diz: vamos descansar! E Jesus deixa a multidão ali. E nós vemos essa outra imagem, muito bonita, esse povo que vai ao longo da costa do lago de Genesaré e chega no lugar onde eles viram que os barcos estavam dirigidos. Levava horas para atravessar de barco o lago de Genesaré, eles chamam de Mar da Galileia de tão grande que é. Então eles conseguiram chegar lá antes dos barcos e Jesus tem essa surpresa. Esse povão ali. Olha que interessante! Não fala dos discípulos. Jesus levou os discípulos para descansar, vão lá, repousem, vocês estão cansados. Mas Jesus acolhe essas pessoas que estão a sua volta. Parecem ovelhas sem pastor. A ovelha, na visão do evangelista, precisa dos cuidados de Deus. O bom pastor é aquele que cuida, cuida das ovelhinhas, vai empurrando com mais cuidado aquela que está gorda, cuida daquelas que estão amamentando ainda os carneirinhos... É aquele que olha a necessidade de cada um e quer sobretudo que o rebanho esteja unido, porque se o rebanho se dispersa é mais fácil para os lobos atacarem. O que os lobos fazem? Eles atacam, as ovelhas se dispersam e eles pegam aquelas que ficam sozinhas. Então quando elas estão unidas é mais difícil para o lobo atacar. Essa é a imagem de Jesus que cuida das suas ovelhas, é a imagem do Bom Pastor, mas é também a imagem muito delicada do Evangelho de São Marcos: Jesus que se senta ali com esse pessoal e fala de Deus, fala das coisas do Reino, ajuda essas pessoas a levar com mais coragem os pesos de todo dia. O pastor também denuncia os lobos, cuida para que no meio das ovelhas não existam brigas.

Nesses dias aqui, o Papa Francisco escreveu um documento chamado Motu Proprio, que significa de própria iniciativa. Ele escreveu um Motu Proprio [“Traditionis custodes”] que fala sobre estes padres e leigos que estão celebrando a missa velha, a missa de antes do Concílio, quando o padre ficava de costas, o altar ficava lá encostado, se rezava em latim e ninguém entendia uma palavra. Nós temos que aprender uma coisa: não existe língua sagrada. Todas as línguas são sagradas, porque todas as línguas nos permitem falar com Deus. Não existe uma língua privilegiada e nós temos que descobrir e aprender que até o ano 800 a liturgia romana era feita em grego, porque o grego era a língua mais conhecida naquele tempo. Só que com o passar dos séculos, o povo não sabia mais grego, só se usava grego nas missas. Aí nós tivemos uma grande crise na Europa, a invasão dos bárbaros, foi uma coisa tremenda, e aí aos poucos se consegue reestruturar um pouco a Europa. E o Papa Leão III coroou imperador do chamado sacro-império Carlos Magno, estamos na noite de Natal do ano 800, e o que o Carlos Magno fez? Ele era um homem muito prático, então ele falou: mas escuta o povo não fala grego, o povo fala latim. Então ele falou para traduzir a missa do grego para o latim – o imperador fez isso, para que povo pudesse entender a missa. Passaram-se quase 1200 anos e o povo não falava mais latim. Aí o Concílio Vaticano II decidiu, vendo também experiência dos irmãos protestantes que já tinham traduzido a Bíblia e já usavam a Bíblia na língua local, que a missa fosse traduzida para as línguas locais e que a missa fosse “limpa”. Ao longo dos séculos, nós fomos colocando tanta coisa na missa e na liturgia que o mistério de Cristo foi ficando apagado. A gente celebrava santo demais, fazíamos muitas exceções na liturgia e o mistério de Jesus ficava apagado. A grande ênfase que se dava na missa era no sacrifício de Jesus e pouco a comunidade então o Vaticano II tenta reequilibrar isso. E manda traduzir a liturgia mais limpa para as línguas locais. Depois do Concílio, veio um grupo de bispos que não quer, não aceita. Papa Paulo VI, São Paulo VI tentou remediar um pouco, aí sobrou para Papa João Paulo II que colocou algumas normas para tentar remediar vê se esse pessoal ficava tranquilo. Bento XVI tentou mais ainda, mas abriu demais aí começou a dar problema. O Papa Francisco, depois de ter ouvido os bispos do mundo inteiro, junto com os bispos, falou: não, o bispo do lugar vai decidir onde, como e quem vai poder celebrar a missa antiga, se for necessário, se for para o bem espiritual de alguém. O padre tem que conhecer muito bem o latim e não basta simplesmente rezar a missa, é necessário o cuidado pastoral dessas pessoas e cuidar para que eles estejam unidos com toda a Igreja para que não aconteçam grupinhos separados que no fim começam a ter cara de uma outra igreja. Esse é o trabalho dos pastores: cuidar para que o rebanho esteja unido para que lobos não venham separar, dividir, devorar o povo de Deus. Este documento era esperado já há anos – ao menos eu esperava já há anos e graças a Deus Papa Francisco emanou este documento.

Vamos então rezar pelos nossos pastores, pelos padres, bispos, diáconos e pelo Papa para que nós possamos sempre, sempre, sempre, apesar dos nossos defeitos, dos nossos pecados, das nossas incoerências, sempre cuidar da unidade do nosso povo, curar as feridas da alma e do corpo do nosso povo, para que nós possamos ser uma luz para o mundo que já é cheio de divisões.

homilia 11.07.jpg
O povo de Deus é bom

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 15º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 11/07/2021 (missa às 10h).

Na primeira leitura [Am 7, 12-15], nós vemos um bate-boca entre o profeta Amós e um sacerdote da corte do rei. Naquele tempo, a Palestina tinha que ser dividida em dois reinos, o reino do Sul, com Jerusalém como capital, e o reino do Norte, com Betel como capital. Amós foi chamado a profetizar em Betel, no Norte. E qual era o problema? Ser profeta é uma vocação de Deus, e o profeta fala o que Deus quer, não o que o rei quer ouvir. Mas, em torno do rei, sempre se juntam aqueles que se dizem profetas e falam só o que o rei quer ouvir – "Nossa, o seu governo é uma maravilha!", "O senhor é abençoado por Deus, as pessoas é que não compreendem o senhor".

 

Mas Deus suscitava os profetas, que enfiavam o dedo nas feridas e, por isso, ninguém queria ouvi-los. E os profetas, nesse tempo, estavam anunciando o fim do reino do Norte, porque estavam deixando a idolatria andar no meio do povo – e, por trás da adoração a outros deuses, estavam sistemas de economia que exploravam o povo. Então Deus chama Amós. E quem era ele? Amós era um cuidador de vacas e de sicômoros (tipo uma melancia), ou seja, era um agricultor. E Deus o chamou: "Vá lá e diga para o rei o que Eu vou te dizer". Ele foi e anunciou, e o negócio era bravo. E o que aconteceu? Esse sacerdote, que era um daqueles que viviam bajulando o rei, chegou para Amós e falou: "Escute aqui, meu amigo, você não é bem-vindo aqui, não. Pegue suas coisas e vá lá para Jerusalém, vá lá para o outro reino. Vá anunciar o que o rei de lá precisa ouvir".

 

A leitura de hoje não continua, mas o que o profeta vai fazer? Ele vai dizer: "Olha, eu não sou filho de profeta nem neto de profeta" – para dizer "Eu não sou profeta por profissão, como você" – "Eu estava bem tranquilo lá com as minhas vacas e meus sicômoros, minhas melancias. Estava tudo muito bem na minha vida. Foi Deus que me chamou. Agora, escute bem o que vai acontecer com você" – e, olha, foi terrível – "Você vai morrer fora desta terra; teus filhos vão morrer a fio de espada; e a tua mulher vai se prostituir". Dito e feito! Poucos dias depois, o reino do Norte foi invadido e aconteceu exatamente o que o profeta Amós tinha dito sobre esse falso profeta.

 

Quando nós não queremos ouvir a verdade da Palavra de Deus, nós caímos na desgraça. E o povo de Israel foi alertado muitas vezes. O reino do Norte e, 200 anos depois, o reino do Sul: os dois reinos caíram nas mãos de outros impérios e nunca mais se livraram. O Norte, desde o ano 730 a.C.; o Sul, desde o ano 530 a.C. Caíram nas mãos da Babilônia, da Pérsia, dos gregos e, depois, dos romanos, e estes destruíram o templo e dispersaram os hebreus.

 

No Evangelho [Mc 6, 7-13], Jesus manda Seus discípulos anunciarem a conversão. Chamar o povo à conversão – João Batista fazia isso, só que ele ficava esperando na margem do rio; Jesus foi até o povo, e Ele manda missionários para o povo. Mas, aqui, Jesus sabe que seus discípulos ainda não têm fé o bastante, e os manda anunciar a conversão com instruções bem precisas, para que eles aprendessem uma coisa: que o povo de Deus é bom! O povo de Deus tem sede de ouvir a Palavra. O povo de Deus responde com generosidade a esta Palavra. Esta era a intenção de Jesus quando envia esses primeiros apóstolos: "Aprendam. Aprendam que o povo é bom".

 

Nós temos que aprender a ver as pessoas como boas. Vai ter gente torta, pecadora, criminosa? Vai. Mas não são a maioria. A maioria é boa! A maioria das pessoas quer caminhar à luz de Deus. Aos outros, também é anunciada a Palavra de Deus, porque muitos se convertem. Mas o povo é bom, e a prova disso é que, quando os discípulos voltam, eles vão contar para Jesus: "Olha, o Senhor mandou a gente anunciar a conversão, mas traziam os doentes e nós os curávamos pelo Teu nome; nós expulsamos os demônios, nós fizemos, no fim das contas, muito mais do que o Senhor pediu. Porque aquele povo tinha fé". Então eles aprenderam a lição que Jesus tinha mandado: "Vão e vejam. Experimentem. O povo de Deus é bom".

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a ter esse olhar positivo sobre as pessoas. Até a lei tem esse olhar positivo quando, diante de uma pessoa acusada, diz: "Ela é inocente até que se prove o contrário". Isso é acreditar na pessoa, isso é acreditar no cidadão. Até a lei faz isso. Aprendamos, nós também, a dar um voto de confiança às pessoas. Desse jeito, nós construímos um mundo melhor, nós não nos armamos contra as pessoas, nós aprendemos a dialogar, nós aprendemos a respeitar, nós aprendemos a procurar o que há de bom em cada pessoa. Jesus fez isso. E é como Ele que nós temos que agir.

homilia 04-07-21.jpg
O Papa confirma a nossa fé em Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de São Pedro e São Paulo Apóstolos, “Dia do Papa” (Ano B) – 04/07/2021 (missa às 10h).

Iniciamos este mês de julho com a Solenidade de São Pedro e São Paulo. Nós sempre falamos abreviadamente como “São Pedro”, mas a solenidade é dos dois. Nós celebramos em 29 de junho o martírio de Pedro e Paulo. São Pedro foi o primeiro chefe da comunidade de Jerusalém. Jesus, ao longo dos 3 anos do seu ministério, ele juntou em torno de si muitos discípulos e discípulas. Doze destes, ele escolheu para que estivessem mais próximos dele. A estes, Jesus comunicou a sua própria autoridade.

No dia de Pentecostes, nós tínhamos umas 120 pessoas ali reunidas naquela sala, todos temerosos porque Jesus tinha morrido, ressuscitado e subido aos céus. E eles se sentiam sozinhos. Mas Jesus disse: “esperem que eu vos mandarei o consolador, o advogado, aquele que está junto do Pai”. E o Espírito Santo desce sobre estas 120 pessoas e, entre elas, está Maria, que já tinha recebido o Espírito Santo no momento da Anunciação. Ela recebe, agora, como membro da comunidade nascente, membro da Igreja. São Pedro logo vai tendo esse pessoal todo em volta dele e vai, com os apóstolos, organizar esta comunidade. Ele vai ser preso várias vezes, ele vai ser confrontado várias vezes, fez vários milagres e, aos poucos, São Pedro também foi percebendo que o anúncio do Evangelho não era só para os judeus, mas para todos os povos.

Quando houve a diáspora, com a perseguição dos cristãos em Jerusalém, poucos ficaram ali. E Pedro ficou sete anos na cidade de Antioquia, na atual Turquia. E de lá, depois, para Roma, onde ficou ainda 25 anos. Sob o império de Nero, foi feita uma grande perseguição aos cristãos, inclusive a Pedro e Paulo. Pedro foi crucificado porque era hebreu, ou seja, não era romano. E Paulo era cidadão romano. Então Paulo foi decapitado, o que era um “privilégio” dos cidadãos romanos. São Paulo, por sua vez, era um fariseu. Os fariseus eram religiosos muito corretos e que, por causa de suas leis, eram capazes de matar as pessoas. E Paulo era deste jeito. Paulo era muito observante – podemos dizer até fanático – e pedia cartas para perseguir cristãos e colocá-los na cadeia. Mas a gente nunca sabe os caminhos de Deus. No meio do caminho, Aquele que escreve a história diz: “é aqui o nosso encontro”. E Jesus aparece para Paulo e a vida deste homem muda completamente. De um pregador rígido da Lei Mosaica, Paulo se torna o anunciador de Jesus, o anunciador do Evangelho da liberdade.

São Paulo foi perseguido nas suas missões. Paulo viveu andando e nós vemos isso nas cartas aos Gálatas. Inclusive nós vamos ler a carta aos Gálatas no mês da bíblia deste ano. Ele naufragou muitas vezes, apanhou muitas outras, passou frio, passou fome. Foi um desespero a vida deste homem, tudo por causa do Evangelho. E ele fundou muitas comunidades no meio dos pagãos. E qual era o grande problema? São Paulo rezou muitas vezes a Deus que o livrasse desta desgraça. Eram os cristãos que vinham do judaísmo. Paulo pregava o Evangelho da liberdade. Estes cristãos, que antes eram judeus, chegavam e bagunçavam o negócio todo dizendo que todo mundo tinha que seguir as leis hebraicas. E, na carta aos Gálatas, São Paulo expressa sua discordância, ficando muito bravo com a ação que esse pessoal fazia nas comunidades. Mas fato é que ele também foi preso e morreu decapitado. Fora dos muros de Roma existe até hoje o lugar onde São Paulo foi decapitado, no Mosteiro de Três Fontes. E existe também o lugar onde São Pedro foi crucificado de cabeça para baixo. E foi enterrado em uma colina que ficava perco do circo de Nero e Calígula. Em volta deste túmulo, logo iniciaram-se peregrinações. Os cristãos iam visitar o túmulo de Pedro. E outros chefes da Igreja de Roma, como nós chamamos os primeiros papas, quiseram ser enterrados perto do túmulo de Pedro. Algum tempo depois construíram lá um altarzinho. A seguir, um muro por trás para as enxurradas não levarem tudo. Depois, o imperador Constantino mandou construir uma basílica em cima do túmulo de Pedro e uma basílica fora dos muros de Roma, onde se acreditava que estava enterrado Paulo, às margens do Rio Tevere. Estas duas basílicas existem até hoje. Ao menos o lugar delas pois a Basílica de São Pedro, em 1500, foi praticamente derrubada e construída a atual basílica que nos conhecemos, que é indescritível, enorme. Mas tudo aquilo para guardar os poucos ossos que sobraram de São Pedro.

Por que nós celebramos São Pedro? Porque Jesus prometeu para ele que sobre essa rocha – uma rocha que talvez não seja uma pedra preciosa, mas talvez seja como as pedras do lago de Cafarnaum, que mostra a situação humana, a fraqueza humana e a força de Deus. São Pedro era um homem orgulhoso e muito cabeça dura, mas extremamente espontâneo e generoso. Tinha uma grande liderança e Jesus confiou a ele a Sua comunidade nascente. Depois de Pedro, na cidade de Roma, nós tivemos 265 sucessores. Contando com Pedro, o Papa Francisco é o número 266. Mais de 80 destes homens são santos. Um outro grande número é de beatos. Nós tivemos também grandes papas

que não chegaram a serem santos. Talvez o maior papa da história tenha sido Inocêncio III, que é o papa do tempo de São Francisco. Ele não é santo, mas foi um grandíssimo papa. E nós temos um outro grande papa, que foi Bonifácio VIII, que foi o papa que convocou o primeiro ano santo, em 1300. Tivemos muitos outros, tivemos homens pecadores que, apesar de toda a sua incoerência e pecados, não causaram dano à Igreja e nem a sua doutrina. Nós tivemos até papas que eram homens bem mundanos e que, quando foram eleitos, mudaram completamente de vida, deixando para trás toda esta vida antiga, tornando-se homens realmente exemplares e que não causaram dano à Igreja.

Porque quem guia a Igreja é o Espírito Santo e Ele garante que a sua Igreja chegue aonde ele quer que ela chegue. Nós temos que imaginar a Igreja com uma enfermeira agonizante, morrendo. Que tem a missão de, em um campo de guerra, curar as doenças do mundo. Agonizante por causa das nossas fraquezas, pecados e incoerências. Mas nunca morta porque ela tem que cumprir a missão que Deus lhe dê. E Deus lhe dá as forças suficientes para cumprir essa missão de curar as feridas do mundo. E quem confirma constantemente a nossa fé nisso é o sucessor de Pedro. Jesus disse a São Pedro uma vez: “Pedro, Satanás pediu para te joeirar igual o trigo, mas eu rezei por você e você, uma vez convertido, confirma os teus irmãos na fé.”

Esta é a grande missão do papa: confirmar a nossa fé em Jesus para que nós possamos vivenciar, em nosso dia a dia, o Evangelho da vida. No dia em que o Papa Francisco foi eleito, eu estava lá na praça – naquele momento, eu não queria ir porque estava chovendo, mas pensei “vai que o Papa é eleito agora” e fui – aí ficamos lá esperando e ele fez uma coisa que nenhum Papa fez antes: ele pediu para o povo rezar por ele em um instante de silêncio. Aquela praça devia ter, no mínimo, umas 120 mil pessoas. Estava entupida de gente. Porque, entre a saída da fumaça e quando o Papa aparece no balcão, passam ao menos uns 40 minutos. E o povo de Roma fica todo atento para que, quando ocorra a fumaça branca, dê para chegar rápido na praça São Pedro. Então a praça com 120 mil pessoas ou mais e o Papa pediu um instante de oração por ele. Aquela praça se tornou como um túmulo. Silêncio total das pessoas rezando pelo Papa. E ele sempre pede. E pede não porque é uma marca registrada, porque ele não tem estes negócios. Ele pede que rezem para ele todas as vezes porque ele realmente sente o peso deste ministério. Ele é um papa muito combatido e não só por forças externas, mas por grupos internos da Igreja. Isso é um dano de hoje da Igreja. Quem está na Igreja, está com o Papa. Muitas vezes nós podemos até discordar de certas coisas. São Paulo uma vez disse que São Pedro era hipócrita, mas ele nunca combateu São Pedro. Não se combate o papa. Um católico não critica o papa porque ele confirma a nossa fé em Jesus.

Vamos pedir a Deus que Ele nos ajude a buscar sempre os passos de Jesus dentro da comunidade que é a Igreja, e nunca sem a comunhão com o Papa.

homilia 27-06-21.jpg
Que Deus nos liberte de todo preconceito

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 13º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 27/06/2021 (missa às 10h).

Este Evangelho [Mc 5, 21-24. 35b-43] não é um tratado de medicina. Como eu disse no início, este texto pode ser chamado "O Evangelho da Libertação da Mulher". Nele, nós temos duas situações ligadas à menstruação feminina. A mulher, uma vez por mês, sangra, a partir, mais ou menos, dos 12 anos. E é interessante que a menina tinha 12 anos. Usa-se esse número duas vezes: a mulher estava há 12 anos com uma hemorragia constante, e a menina tinha 12 anos.

 

No mundo hebraico (e em todo o mundo antigo), a mulher era sempre um ser inferior. Ela não tinha direito de testemunhar em juízo, era considerada incapaz, equiparada às crianças e aos escravos. A mulher era sempre propriedade de alguém – primeiro, do pai; depois, do marido; se ficasse viúva, do filho mais velho. Ela era sempre um ser inferior que tinha que ser protegido. As mulheres viriam a ter uma situação muito diferente em Roma, mas Roma já é outro mundo.

 

E, além dessa situação, existia o problema da menstruação. A mulher menstruada era impura; ela só podia sentar em uma única cadeira, não podia sentar em outra; tudo o que ela tocasse se tornava impuro; nenhum homem podia se aproximar dela e nem ela podia tocar em homem nenhum ou pessoa nenhuma, porque a pessoa se tornava impura. Era um peso absurdo! Quando a mulher tinha um parto, se era um menino, ela ficava 40 dias impura – além da dor do parto, além de ter de carregar por 9 meses um neném na barriga, ainda ficava impura por 40 dias. Porém, se ela tivesse uma menina: 90 dias impura.

 

Então nós podemos dizer que, desde o nascimento, a mulher era marcada pela impureza. A mulher era quem cuidava dos cadáveres. Morreu o pai, a mãe, o tio, o sobrinho, amigo, amiga...? Eram mulheres que cuidavam do cadáver. Por quê? Os homens não podiam tocar em cadáveres, pois ficavam impuros. O impuro, aqui, é impuro para ir à sinagoga, não podia ir. Tinham algumas questões, com homens, ligadas também a sexo, mas eram algo muito menor, uma coisa que chega a ser ridícula comparada à situação da mulher.

 

Então nós temos que ver, neste Evangelho, essa situação. Jairo vem procurar Jesus: "Minha filha está morrendo. Vem [nós diríamos hoje] dar uma bênção". E Ele vai. No caminho, encontra essa multidão. Olha que coisa engraçada, porque os discípulos, quando reclamam, eles entendem as coisas atravessadas, mas é verdadeira também a interpretação deles. Essa mulher perdeu tudo – provavelmente, era uma mulher muito rica – e, durante 12 anos, ela tentava, de todo jeito, curar essa hemorragia. Porque ela não era impura uma vez por mês, ela era impura durante 12 anos! Que inferno era, na vida daquela mulher, essa situação! E os médicos acabaram com o que ela tinha; a única esperança dessa mulher, agora, era esse "profeta", Ele curava as pessoas. Ela não tinha mais nada a perder, mas não perdia a esperança. E ela tentou, sabendo que aquele gesto tornaria Jesus impuro... Uma mulher não podia tocar em um homem durante o período menstrual, e essa mulher tinha hemorragia.

 

A multidão em volta de Jesus era, nós podemos dizer, os "fãs". Mas Ele percebeu um toque diferente, alguma coisa diferente ali, e foi isso o que Ele buscou. Jesus não estava preocupado com fã – que bobagem, fã te abandona. Mas têm as pessoas que acreditam em Jesus, e essa mulher acreditou! Ela não teve medo de arriscar. E Jesus procurou por esse gesto – "Quem me tocou?" –, porque foi diferente: era uma mulher que tinha fé. E ela percebeu, "alguma coisa diferente aconteceu em mim". Ela então se colocou diante de Jesus, tremendo – o que mostra o medo de Deus. Atentos: o medo de Deus. Ela ousou o que Deus tinha proibido; estando impura, tocou em um homem. Por isso ela teve medo quando se colocou diante de Jesus. E contou tudo a Ele. E Jesus disse: "Vai em paz, a tua fé te salvou".

 

Nós, muitas vezes, nos colocamos também em uma situação de medo diante de Deus: o Deus terrível, o Deus que pune, o Deus que está pronto para nos mandar para o quinto dos infernos. Esse não é o Pai de Jesus! Jesus nos revela o Pai. E olhem bem como Jesus tratou essa mulher que ousou ir contra uma lei religiosa: "Vai em paz, a tua fé te salvou. A tua ousadia te abriu a salvação!”. Quanto nós ousamos, diante de Deus, para buscar o bem dos outros? Quanto? Essa fala de Jesus nos manda, necessariamente, para a parábola do bom samaritano. O sacerdote olha lá, pensa que é um defunto e nem chega perto. "Opa! Não posso tocar em defunto, Deus mandou não tocar em defunto". O levita, que era o sacristão: "Opa! Um cadáver? Nem sei se está morto, mas nem vou arriscar". Mas o, vamos chamar assim, meio pagão – porque os samaritanos eram assim, meio pagãos, adoravam o Deus de Israel mas outros deuses também –, aquele lá, foi; aquele lá, ajudou o homem; e aquele lá foi elogiado por Deus.

 

Depois, no Evangelho, chega-se à casa dessa família. O que será que aconteceu? Nós não sabemos. Naquele tempo, não tínhamos tantos meios como temos hoje. Não tínhamos desfibrilador, às vezes a pessoa entrava em estado de coma e achavam que tinha morrido... Era uma situação muito complicada. E deram a menina por morta. "Ah, morreu, pronto, vamos fazer festa" – e esse pessoal da festa, que estava fazendo barulho, choradeira etc. ganhava dinheiro para isso. Quem já ouviu falar das "carpideiras"? Eram mulheres pagas para chorar em enterros. E esse pessoal que estava tocando lá no enterro era essa gente: "Opa! Morreu, vamos lá ganhar um dinheirinho". Jesus colocou esse povo todo para fora e entrou no quarto dessa menina de 12 anos. Ela iria entrar, ou já tinha entrado, nesse calvário das mulheres hebreias, e isso, para aquela menina, seria uma morte. E Jesus, mais uma vez – primeiro foi a mulher que tocou Nele que O tornou impuro para o culto; agora era Jesus que fazia o absurdo: pegar na mão de uma menina que achavam que estava morta, um defunto. E uma menina que, provavelmente, estava tendo a sua primeira menstruação, portanto, impura. Jesus pega na mão dessa menina, ou seja, Ele mesmo se torna impuro.

 

Deus entra na nossa situação de dor. Ele conhece a nossa dor por dentro. Ele não tem medo de se sujar conosco. E, de lá de dentro, Ele nos chama para a vida. Jesus morreu, entrou na morte, foi além dela e, de lá de dentro, nos tirou para a vida eterna! Jesus tira essa menina dessa morte que é a lei da pureza e impureza sobre as mulheres hebreias. E não pense que isso não existe mais, viu? Existe até hoje entre eles. O pessoal que foi à Terra Santa sabe disso. Lá, a mulher não pode pôr a mão em homem nenhum, nem encostar para pedir uma informação, dá rolo, dá briga, porque ele não sabe se aquela mulher está menstruada ou não. Isso nos dias de hoje! É um inferno essa lei que paira sobre as mulheres – não só hebreias, mas também de outras religiões.

 

Vamos aprender isto: Deus nos criou, homem e mulher, com a mesma dignidade. Deus não fez a mulher de um outro punhado de barro; Deus tirou a mulher do costado do homem para mostrar que são iguais em dignidade, um diante do outro, para dialogar. Dois pontos de vista diferentes para, juntos, construírem um mundo novo. Não tem concorrência, tem igualdade na diferença – a mulher fica grávida, o homem não fica; são situações diferentes, mas a dignidade é igual.

 

Vamos pedir ao Senhor que limpe do nosso coração todas as ideias e atitudes que temos de discriminação contra as mulheres. "Nossa, padre, mas eu não faço distinção com as mulheres". Não? Quer ver uma, fácil, que as próprias mulheres fazem? Você vê uma barbeiragem no trânsito e olha logo para ver se é uma mulher. Isso se chama preconceito, aprendam isto! Porque homem também faz barbeiragem, e a gente perdoa. Olha que absurdo! Isso se chama preconceito. Nós estamos atolados nisso.

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele vá limpando isso do nosso coração, que mande o Espírito Santo. Às vezes a gente pede a Deus que mande Seu Espírito Santo para cada bobagem... Nós temos que pedir para Deus mandar o Espírito para limpar o nosso coração dessas coisas.

homilia 20-06-21.jpg
Jesus está conosco, Ele é a esperança!

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 12° Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 20/06/2021 (domingo, missa às 10h)

Jesus fez um milagre no lago de Genesaré, que é tão grande que chamam de Mar da Galileia. Ele produz muito peixe e parece uma bacia porque em volta estão as montanhas. E tem um fenômeno que é muito perigoso, quando o vento, de repente, fica terrível e desce a 90 graus, criando ondas enormes nesse lago a ponto de afundar até barco também... Jesus em uma ocasião dessas ordenou que o mar se calasse e que o vento cessasse. Isso aconteceu e os discípulos ficaram maravilhados. São Marcos, quando escreveu esse milagre, queria também dar uma outra mensagem para os seus ouvintes – e aqui temos que pensar nos símbolos, o mar simboliza tudo que de mal possa existir... Muitas vezes, na Bíblia, o mar é o mar; outras vezes ele simboliza o mal. Nós temos esse outro fato de que a barca dos apóstolos está ali, mas não era só a barca dos apóstolos tinham outras barcas também. E, depois, Jesus que dorme em um travesseio no fundo de um barco que não era um iate, era um barquinho de pescador e o negócio está afundando, enchendo de água, e como que ele está dormindo lá no fundo? É esquisito isso!

 

São Marcos usa aquele fato do milagre para dizer também uma outra mensagem. Jesus morreu e ressuscitou há cerca de 40 anos. São Marcos vai escrever seu Evangelho por volta do ano 70, se passaram mais ou menos 40 anos da morte e ressureição de Jesus. Então Jesus não está mais visivelmente com a comunidade – as várias barcas que estão também no lago representam as outras comunidades cristãs em que o anúncio do Evangelho já foi multiplicado. No ano 70, o próprio São Marcos escreve seu Evangelho em Roma, então a comunidade cristã já chegou até em Roma e está se espalhando no mundo, então são muitas barcas... Porém, começaram também as perseguições. Os apóstolos todos, com exceção de São João, foram mortos, martirizados – não morreram de dor de barriga não, mataram. E muitos outros cristãos estavam sendo perseguidos, basta pensar nas perseguições de Nero na metade dos anos 60 e o pessoal começa a ficar assustado, pensando ‘afinal de contas, como vamos acabar?’. Por isso, tem essa imagem em que eles vão lá acordar Jesus que está dormindo e, quando os apóstolos o chamam desesperados, Jesus dá uma bronca neles. Primeiro, Jesus os salva, e Ele comanda o mar como Deus comanda o mar na hora da criação. Na Primeira Leitura, vimos como Jó desafiou Deus, em um certo momento, e Deus aparece para ele em um turbilhão e começa a falar “você quer conhecer meus desígnios? Por acaso foi você quem criou as aves dos céus? Quem viu o mar brotar da terra? Foi você quem criou as nuvens do céu? Foi você quem disse para as ondas do mar aqui acaba a sua arrogância?”. Deus está falando isso para Jó e os discípulos conhecem esses textos, pois são da Sagrada Escritura, então, quando Jesus levanta do barco e ordena “silêncio, cala-te” e o mar se acalma, Ele está mostrando que tem o mesmo poder do Pai. E aí Ele vai dar uma bronca nos apóstolos “porque vocês ainda têm medo?” – essa é a grande questão: no meio da tempestade, você tem que continuar remandando ou você afunda; no tempo de calmaria, você tem que continuar remando para o barco poder ir para frente. Deus cuida! Vai ter dor, vai ter morte, vai ter sofrimento, isso é a história, isso é a vida humana! Continue remando esse barco, não perca a fé e então os discípulos que ficam de boca aberta e perguntam “quem é esse que comanda o mar e o mar obedece?”, nós chamamos isso de o segredo messiânico.

 

Nós estamos no meio de uma tempestade, estamos no meio de uma guerra cujo inimigo é invisível e pode entrar em nossas casas quando menos esperamos. Nós temos membros da comunidade que morreram, muitos paroquianos foram contaminados e graças a Deus se recuperaram. É um tempo difícil! Usar máscara e álcool gel todo tempo, ficar com medo das pessoas é uma coisa estranha e muita gente está entrando em depressão, porque perdem a esperança e isso não é culpa das pessoas, porém perdem a luz e a situação da depressão é terrível. E tem tantos outros fatos que acontecem, pessoas com crise de pânico que não tinham antes, tudo por causa da pandemia, o que devemos fazer? Jesus está no barco da nossa vida, Ele não nos abandona e nós acreditamos que a morte não é última palavra, por isso vamos continuar a remar o barco da nossa vida, das nossas comunidades, para que a nossa vida possa seguir e, quando superarmos essa tempestade, ela possa prosseguir melhor. O que não podemos é deixar de remar e nos desesperar. Vamos manter todo o cuidado, vacinar-se para que possamos respirar outra vez. Não vamos perder a esperança, mas fazer tudo que podemos para que a situação seja o mais suportável possível. Temos poucos meios, mas temos que usá-los: máscara, higienização e distanciamento são os remos que nós temos. Vamos remar, só vamos sair da tempestade se fizermos isso! Ontem [sábado, 19/06] a CNBB convocou um ato nas igrejas para que às 15h tocassem os sinos em sinal de luto pelo meio milhão de mortos pela COVID e a coisa que mais nos entristece é que mais da metade dessas pessoas poderiam ainda estar entre nós se tivéssemos começado a vacinação quando ofereceram pela primeira vez.

 

Vamos chorar nossos mortos sim, muitas mortes desnecessárias. Vamos pedir a Deus dias melhores e que tudo acabe o quanto antes e se possa vacinar o nosso povo o quanto antes. E, da próxima vez, escolhamos alguém que não seja um louco para nos governar... Por causa de um protesto, nós matamos brasileiros e estamos destruindo o nosso país. A tempestade é grande, mas Jesus nos diz: esperança, força, usemos nossos remos, um dia melhor vai chegar. Nós temos os nossos falecidos que nos deixam por 1001 modos que conhecemos, como Dona Inês, por um câncer, os nossos sofrimentos continuam, mas não percamos a esperança, pois a morte não é a última resposta nem a última palavra da nossa vida, a morte é como um barco que nos manda para os braços de Deus e para a eternidade.

homilia 13-06-21.jpg
Lançar as sementes para que os frutos apareçam

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Santíssima Trindade (Ano B) – 13/06/2021 (domingo, missa às 10h).

Jesus é um mestre e também um sábio. Ele fala para gente muito simples, para gente do povo, e muito do que ele conta é por meio de parábolas. Com o que nós poderíamos comparar as parábolas nos dias de hoje? Parábolas são os “casos”. "Vou te contar um caso" ou "vou te contar uma história". E a pessoa sabe que não é verdade, necessariamente, mas, mesmo assim, ali tem um ensinamento. Jesus usa os exemplos do dia a dia. Muitas vezes quando a gente fala de "casos", geralmente se refere a pessoas do interior. E do que eles vão falar? Os casos podem ser histórias de cavalo, de plantação, de coisas corriqueiras da vida daquele ambiente. Nós também temos nossos casos de cidade. Muitas vezes nós contamos coisas que aconteceram no metrô, no trabalho, na venda, no bar. Todos estes são casos e, muitos deles, trazem ensinamentos. Hoje em dia, há muitos "tik tok" da internet, que também contam casos. Alguns engraçados, outros trágicos, outros vergonhosos. E com cada um destes se tenta transmitir algo.

Jesus fala da vida, do dia a dia. Fala para pessoas que ele sabia que viviam no mundo agrícola, no mundo de pecuária. Ali não existiam indústrias, muito menos aquecimento climático. Então Jesus vai falar de sementes. É interessante porque as duas parábolas têm a mesma ideia: a semente que é jogada na terra. Mas Jesus mesmo vai se comparar a um grão de trigo jogado na terra. Ele diz: "se o grão de trigo não é lançado na terra e morre, ele não dá fruto. Agora se ele cai na terra e morre, dará muito fruto". O próprio Jesus é o reino de Deus entre nós. Porém, nós podemos, graças à força do Espírito Santo, sermos também semeadores. E o reino de Deus tem uma força que é dEle e não depende de nós. O que nós podemos fazer é semear: anunciar o Evangelho, fazer o bem, sermos pessoas justas e honestas, sempre procurando seguir Jesus. Nós nunca sabemos como vai funcionar no coração e na vida de uma pessoa uma boa palavra que nós demos, uma boa ação que fizemos, uma ajuda que nós demonstramos ou, ainda, uma acolhida em um momento de dificuldade. Nós nunca sabemos.

É muito importante espalhar as sementes do bem. Tem um autor, católico, nasceu na África do Sul, mas depois viveu a vida toda na Inglaterra. Eu gosto muito dos livros dele. Ele é o autor do livro "O Senhor dos Anéis", esse livro é uma grande história, que muitos de vocês devem ter lido ou visto os filmes. Em uma passagem deste livro, sobre o espelho de Galadriel, eu tomei uma decisão muito importante. Eu estava em Roma pela segunda vez e, por causa daquela decisão, Deus me enviou para ficar 21 anos no confessionário, dentro da Basílica de São Pedro. E eu agradeço a Deus por este homem ter escrito aquele livro, sem saber que alguém ia se inspirar e mudar a vida por causa daquele livro, por causa de uma frase daquele livro. E, em nossas vidas, muitas vezes escutamos outras pessoas falando, ou então uma ação, um conselho ou, até mesmo, uma mensagem de WhatsApp que pode iluminar a vida de uma pessoa naquele momento. Jesus diz sobre um pequeno grão, o grão de mostarda. E quando Ele diz sobre o grão de mostarda, só para esclarecer um pouco, não é a mostarda que nós conhecemos aqui no Brasil ou aqui no Ocidente. A mostarda que Jesus fala é um tipo de cacto do deserto, cuja semente é realmente igual pó. Se você pega este pó na mão, você provavelmente pensa: "isso aqui não dá em nada, isso aqui é uma poeira". Mas se você joga a semente na terra, você não consegue mais se livrar da planta, ela afunda as raízes, ela cresce, ela estoura vasos, ela estoura o chão. Se ela coloca a raiz no chão, você nunca mais arranca ela dali. E as codornas amam fazer ninhos embaixo desta planta. Por isso Jesus fala "até os pássaros do céu se abrigam debaixo dessa planta".

O Reino de Deus tem essa força. Toda palavra e ação de bem que nós temos e fazemos são sementes do reino. Então, o que Deus pede para nós? Não jogue uma semente, mas sim jogue muitas! Conforme a possibilidade de cada um, pois Deus cuida do resto. Eu gosto de escutar as avós que reclamam dos netos que não vão à missa ou não vão à igreja. Aí eu lembro para elas da história de uma moça que eu encontrei no confessionário. Ela disse: "Padre, eu nunca liguei para igreja. Eu ia no começo, quando eu era criança, mas depois nunca mais fui. E minha avó vivia reclamando que a gente não ia à missa. E ela sempre falava: 'eu rezo para vocês voltarem para a igreja'.” E a idosa morreu e não viu nenhum dos seus netos ir para a igreja. Na missa de sétimo dia, uma das netas, que era uma dessas que a idosa vivia dizendo que rezava para que ela voltasse para a igreja, falou: "vovó gostava tanto de missa. Como é a missa de sétimo dia dela, então eu vou lá, ao menos para lembrar dela". A mulher foi tocada de uma forma tão profunda por aquela missa que ela se tornou uma boa católica. Aí a gente fala: "nossa, mas isso não podia ter acontecido antes?". Na verdade, não interessa. O que Jesus pedia para aquela idosa é que ela rezasse pelos seus netos, não que ela visse os frutos. Porque os frutos não são para nós, os frutos são para os outros. Jogue a semente. Ela não viu a neta dela ir à igreja e se tornar uma boa católica, mas a semente que, durante anos e anos, ela plantou no coração daquela mulher, deu fruto ao seu tempo. Jesus diz no Evangelho também: "Na perseverança, salvarei as vossas vidas". Não nos resultados, mas sim na perseverança. Todo dia, acreditando que Deus vai fazer dar fruto, às vezes onde a gente menos espera.

Hoje é dia de Santo Antônio. Ele era monge agostiniano. Nasceu em Coimbra e vivia na cidade de Lisboa. Era um grande estudioso da bíblia. Em uma bela noite, cinco rapazes batem na porta do convento. Como ele era o porteiro aquela noite, acolheu os rapazes, deu de comer e passou a noite inteira conversando com eles. Contaram desse novo grupo que um tal de Francisco da cidade de Assis tinha começado. E eles estavam indo para a África, para Marrocos, entre os mulçumanos, para anunciar o Evangelho. E Santo Antônio ficou encantado com aquilo. Então os rapazes se foram e Santo Antônio continuou a vida dele. Um mês depois voltam os cinco, dentro de cinco caixões. Eles haviam sido martirizados. Esse fato deixou Santo Antônio tão fulminado pela graça de Deus que disse: "É isso que eu quero para minha vida: morrer mártir". Ele deixou os monges agostinianos, tornou-se franciscano e, junto com os frades, ele

pegou um navio e foi para Marrocos. Chegando lá, pegou malária e ficou quatro meses lá dentro de uma cabana, passando mal, com febre e barriga d'água. Assim, decidiram enviá-lo de volta para um convento em Lisboa. Então colocaram-no em um navio. Houve uma tempestade e ela jogou o navio (que estava indo para o Ocidente) para o Oriente. E ele foi parar na costa da Cecília, na Itália. Chegando ali, souberam que haveria o Capítulo Geral, que era a reunião de todos os frades. Santo Antônio, que já estava um pouco melhor, quis ir à reunião. Provavelmente, foi ali que conheceu São Francisco. E ele foi mandado para o norte da Itália, na cidade de Pádua. E lá aconteceram muitas coisas. Porém, o fato é que ele se tornou provincial dos frades em todo norte da Itália e no sul da França, fazendo um grandíssimo trabalho de pregação, especialmente, em regiões de hereges, onde o povo sobretudo negava a presença de Jesus na eucaristia. Ele nunca sarou totalmente da malária e, nos últimos meses da sua vida, ele começou realmente a passar muito mal. Então ele foi enviado para o campo, fora da cidade, porque lá era mais fresco. Pádua era uma cidade muito seca, de um calor insuportável. Então ele foi para o campo, na casa de um amigo dele. E lá ele pregava para as pessoas, para os camponeses. Ficava horas sentado embaixo de uma arvore confessando as pessoas. Em uma dessas ocasiões, ele teve a visão de Jesus ainda menino, que nós vemos na imagem dele.

Depois a malária piorou, porque ele provavelmente teve uma paralisia renal, ficando inchado. Aí ele percebeu que não ia conseguir viver muito tempo. Então ele pediu: "por favor, me levem para Pádua porque eu quero morrer lá com os frades". No meio do caminho havia uma capelinha e ele pediu: "Parem aqui porque não vou longe, minha hora chegou". E então o colocaram no chão, que era mais frio e mais fresco, e ele morreu cantando o hino em louvor a Nossa Senhora, que começava com essa frase "Ó, Gloriosa Senhora". Em latim, era "Ó, Gloriosa Domina". Depois, houve uma avalanche de milagres tão grande na região de Pádua que, 11 meses depois de sua morte, ele foi proclamado santo. É o santo proclamado em menor tempo da história. São Francisco foi com 2 anos, mas Santo Antônio foi com 11 meses.

Se nós fomos ver, o que esse homem fez? Ele abriu a porta do convento e acolheu, no meio da noite, aqueles cinco rapazes. Foi isso que Antônio fez. Mas, porque ele fez isso, os frutos que foram dados foram enormes. E esses frutos continuam até hoje. A devoção a Santo Antônio vai muito além da Igreja Católica, assim como a São Francisco também. Os muçulmanos têm devoção por São Francisco. Ele foi um grande pregador da Palavra de Deus e sempre amou o povo, querendo que todos se reconciliassem com Deus para viver uma vida nova no Evangelho. Ele jogou muitas sementes e era um homem inteligente. E os frutos estão crescendo até hoje. Mas cada um de nós também pode jogar suas sementes do bem, da boa palavra, do bom exemplo. E nós não sabemos em qual terra pode cair e como Jesus e o Espírito Santo farão isso crescer no coração das pessoas.

Vamos pedir a Deus que nos dê essa coragem, das pessoas que têm fé, de anunciar, de falar de Jesus, de encorajar e ter compaixão pelas pessoas. Vamos ajudar como podemos, acreditando que todo o bem feito um dia vai frutificar, mesmo que não sejamos nós que iremos ver.

homilia 06-06-21.jpg
Todo bem é graça de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 10° Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 06/06/2021 (domingo, missa às 10h).

A Primeira Leitura de hoje [Gn 3,9-15] apresenta o mito de Adão e Eva e o momento em que Deus vem ao jardim conversar com eles e eles se escondem. Deus chama e depois acaba percebendo onde eles estão e Adão diz: “eu vi que estava nu e fiquei com medo”. Deus perguntou: “quem foi que te disse que você estava nu? Por um acaso você comeu da árvore que eu proibi?”. A cultura humana é nossa criação, e o que nós vemos ali é exatamente essa primeira manifestação da cultura: “eu estava nu”. Essa consciência é cultural. Os índios, que não têm essa consciência cultural ocidental, grega, semita, não tinham problema nenhum com isso. Isso é cultura, e já é uma cultura torta. Por isso Deus pergunta “mas você comeu o fruto da árvore por que?”. O fruto da árvore foi apresentado como fruto da ciência: “vocês serão como deuses”. Deus iria mandar o ser humano para o deserto do mundo, Deus iria revelar ao ser humano que tinha que crescer, que tinha que se multiplicar, sim, Deus iria revelar tudo isso. Mas seria um caminho gradual, um crescimento gradual. Só que o ser humano não quis – nós nunca queremos processos, nós queremos o fruto pronto, especialmente no nosso tempo. Nós temos pressa de tudo. Mas a vida humana não é pressa, a vida humana é passo depois de passo, por isso que nós estamos nos atropelando, porque estamos indo depressa demais.

 

O maligno... o povo hebreu acreditava que o demônio era um anjo – e um anjo da corte de Deus, e a sua missão era colocar à prova os seres humanos. Com o passar dos séculos, essa figura vai se clareando e se mostra como o princípio do mal. Jesus vai dizer: “o demônio é assassino e mentiroso desde o início” – isso é revelação, viu, gente? Palavra de Jesus: assassino e mentiroso. Jesus está ali, Ele fez várias curas e expulsou demônios, e tem pessoas muito religiosas, muito observantes que estão de olho no que Jesus está falando, e no que Jesus está fazendo. Hoje, com as suas ideias, nós diríamos que Jesus era quase um subversivo. Ele não obedecia aos padres, não vivia a religião como os outros observantes da lei observavam. Jesus era muito livre e isso incomodava esses homens da religião, porque, através da religião, eles controlavam o povo. Havia centenas de leis! E eles queriam acabar com Jesus. Jesus já tinha ido no templo em Jerusalém e expulsado os vendilhões do templo, e isso aqui causou uma revolta, uma doidice no templo, nos padres, nos sacerdotes do templo: “nós temos que matar esse sujeito!”. Então já tinham decidido matar Jesus, e agora eles têm que desautorizar Jesus, falar para o povo: “esse sujeito não presta”. Eles veem o que Jesus fez e começam a conversa: “ó, estão vendo esse demônio que ele expulsou? Ele faz isso porque tem o poder do príncipe dos demônios”. Aí Jesus vai dizer: “ué, mas se eu faço isso com o espírito do ‘príncipe dos demônios’, então a minha casa está dividida, e casa dividida não fica em pé”. Casa rachada cai! “Agora, se eu faço isso com o poder de Deus” – Jesus vai falar com o dedo de Deus no outro Evangelho – “o reino de Deus chegou a vocês. Porém,” –Jesus vai dizer, – “todos os pecados têm perdão.” Prestem bem atenção nisso: todos os pecados têm perdão, todos. Não existe pecado que não possa ser perdoado. Pensem no que quiserem, só um pecado não tem perdão: é o pecado contra o Espírito.

 

O que é a blasfêmia contra o Espírito Santo? A blasfêmia contra o Espírito Santo é ver o bem que uma pessoa faz, mas, porque essa pessoa não é do teu clubinho, não é do teu grupo, não é da tua religião, não é do teu partido ou não é do teu time de futebol, você diz que aquele bem que a pessoa fez é um mal. Isso aqui, hoje, nós chamamos de ideologia. Quando uma pessoa faz o bem, nós temos que

reconhecer o bem que essa pessoa faz, mesmo que seja nosso inimigo. Se fez o bem, fez o bem. Você não pode dizer que a pessoa fez o bem por força do mal, não, fez o bem! Venha de onde vier, é o bem, porque isso também cria brecha para o perdão, cria brecha para a paz. Reconhecer que o meu inimigo também é capaz de fazer o bem, então ele não é tão ruim assim, é o primeiro passo para a reconciliação. Agora, se eu fecho a porta e falo que o bem que ele faz é coisa dos demônios, é uma mentira, não é verdade, eu estou fechando as portas, mas estou fechando as portas não só para o meu irmão, estou fechando as portas para Deus, porque todo bem é feito com a graça de Deus. Então, estou me fechando para Deus. Esse é o pecado contra o Espírito Santo: acusar o outro e dizer que o bem que ele faz, porque essa pessoa não pensa como eu, o bem que ele faz é o mal. Isso é pecado contra o Espírito. E, de fato, mesmo vendo tantos outros sinais que Jesus fez, tantos outros milagres, eles fecharam o coração, mataram Jesus.

 

Mas esse Evangelho [Mc 3,20-35] também tem uma outra novidade: nós estamos no capítulo 3 do Evangelho de Marcos, estamos bem no início do Evangelho, que mostra o início do ministério de Jesus. Imagine, o ministério já começa com o pessoal querendo matar o homem. Os parentes de Jesus vão atrás dele: “vamos pegar esse homem, endoidou, está fora completamente”. Esse era um outro modo de desautorizar as pessoas: “é um doido”. Dos próprios parentes, dos próprios amigos de convivência de Jesus: “é um doido, tem que prender, tem que tirar daí”. Olha que nós também, no meio das nossas famílias, entre os nossos amigos, podemos também cortar, destruir as possibilidades e talentos das pessoas – isso é horrível! Jesus simplesmente deixa para lá. Primeiro, os parentes, aí depois não só esses primeiros parentes, vêm a mãe e os primos de Jesus, os parentes mais próximos não querem agarrá-lo, mas querem conversar com Ele. Aí Jesus vai dar outra rasteira: “meus irmãos, minha mãe, minhas irmãs são aqueles que fazem a vontade do Pai”. Acabou a proteção de sangue, isso não existe mais, a fraternidade é para todos, e, o sangue que corre nas veias desses irmãos e irmãs é o sangue da vontade de Deus, fazer aquilo que Deus quer.

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a reconhecer o bem onde quer que o bem esteja, e a nos lembrar que o que nos faz irmãos e irmãs de Jesus é amar os outros como irmãos e irmãs.

homilia 03-06-21.jpg
Comungar é participar da vida de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade do Santíssimo Sacramento do Corpo e do Sangue de Cristo (Ano B) – 03/06/2021 (quinta-feira, missa às 19h45).

Naquela noite, Jesus ceiou a última vez com seus discípulos. Não era a ceia dos judeus, a ceia dos judeus, a grande páscoa dos judeus foi na noite da sexta-feira que para eles já era sábado. Então aquela ceia foi alguma coisa diferente. Existiam várias bençãos que se davam nos pães, na bênção mais solene sobre o pão, era um pão particular que recebia a benção. Naquela noite, Jesus mudou alguma coisa, Jesus acrescentou alguma coisa: “isso é o meu corpo”. Eram quatro taças de vinho que se passavam durante a ceia e cada uma delas recebia uma benção. Na taça mais solene, Jesus também fez uma alteração: “este é o sangue meu, o sangue da aliança, que é derramado por vós e por muitos”. Este ‘muitos’ significa todos – todos que queiram se aproximar de Jesus. “Façam isso em minha memória”. Essas palavras ficaram tão marcadas na memória dos discípulos que 20 anos depois quando São Paulo escreve as suas cartas, ele vai dizer eu recebi esta tradição que o Senhor, na última ceia, tomou o pão, deu graças partiu e deu aos discípulos, dizendo “isto é o meu corpo”, depois tomou o cálice deu aos discípulos e disse “este é o sangue novo da aliança, o meu sangue”. A Eucaristia é o mistério da presença de Jesus entre nós, a Eucaristia não é um pedaço de carne e um tubinho de sangue. A Eucaristia é muito mais que isso! A Eucaristia é a vida de Jesus.

 

O pão para o povo e para o simbolizava o trabalho, a fadiga, as dores da vida. O pão se comia com ervas amargas, é o tempo do sofrimento, do trabalho, quando Deus disse lá no Gênesis “o suor do teu rosto arrancará da terra o teu pão” é o trabalho, é a fadiga. Naquele pão, estão os trabalhos, as fadigas, as lutas, as dificuldades, os enfrentamentos que Jesus teve que fazer com seus inimigos, todos os desafios que Ele teve que enfrentar a sua Paixão e a sua Morte, estão todas ali. O sangue para o povo hebreu é o sinal da alegria, da vida, é uma bênção de Deus. O vinho dá alegria a alma e ali está alegria da vida de Jesus: o nascer entre nós, o viver as nossas alegrias, o nosso dia a dia, ver o nascer do sol, o brilho das estrelas, sentir o amor de sua mãe, sentir o amor daquele que cuidou dele como se fosse um pai, a alegria dos seus amigos, dos seus discípulos, das pessoas que o seguiram... pensem lá na mulher ungindo os pés de Jesus, no leproso que volta agradecendo por Ele tê-lo curado, Jesus que se alegra imensamente quando os discípulos voltam dizendo foi uma maravilha – até os demônios saem das pessoas quando se invoca o teu nome! Jesus exulta de alegria, porque Deus ele está acolhendo os pequeninhos. Essas são as alegrias de Jesus. Pão e vinho consagrados, pão e vinho, Eucaristia é a vida inteira de Jesus que entra em comunhão conosco.

 

A vida de cada um de nós não é um montão de carne e quatro litros e meio de sangue. A vida de uma pessoa é uma vida de relações: primeiro com seus pais, irmãos, amigos, até mesmo com seus inimigos, trabalho, fadigas, alegrias, as pessoas que amamos, mulher, marido, filhos. O mundo que nós vemos as belezas do mundo, as suas ter tristezas e até monstruosidades, tudo faz parte da nossa vida. Essa nossa vida é acolhida por Jesus que se entrega a nós até o fim na Eucaristia, se consome sendo alimento para nós. Ele entra na nossa vida e nós entramos neste grande círculo de amigos e comensais de Jesus. Nós passamos a fazer parte da sua vida. Ele passa a fazer parte da nossa e nos convida constantemente à uma vida nova que nós chamamos conversão. Jesus se entrega para nós com toda a sua vida de salvação, nos convidando a fazer com que a nossa vida se mude também em salvação. Que os nossos ódios se tornem serviço, humildade, perdão, acolhida. Capacidade de acolher a diversidade do outro do jeito que o outro é porque Deus assim o quis. Querer que esse mundo seja melhor e trabalhar para isso. sabendo que nós plantamos uma pedra, outros vão colocar outras pedras, e aos poucos a humanidade terá construído uma grandíssima catedral. Essa é a nossa vida: Jesus entra a fazer parte dela e nós entramos a fazer parte da vida dele. Eucaristia é isso: fazer parte do amor de Deus, recebê-lo para poder dar, Jesus se dá até o fim, nos convida a sermos também pessoas capazes de dar a vida pelos outros, ser para o outro, assim é Deus no seu mistério, o Pai é todo para o Filho, o Filho é todo para o Pai. E o Espírito é o grande abraço que faz da Trindade um único Deus.

 

Jesus Eucarístico nos convida a ser comunidade de irmãos, uma só alma, um só coração, um único empenho no amor e no serviço. A Eucaristia, vista desse modo, nos ajuda a tirar dos olhos os enganos do mundo, nos faz olhar só a vida e a verdade. Vamos pedir a Jesus que comungando o seu corpo e sangue, adorando o mistério da Eucaristia, nós possamos realmente nos deixar transformar em Jesus e ser para o mundo doação, entrega, serviço.

homilia 30-05-21.jpg
Trindade é unidade de amor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Santíssima Trindade (Ano B) – 30/05/2021 (domingo, missa às 10h).

O nosso Deus é o Deus dos judeus? Não. É o Deus dos mulçumanos? Não. É Ogum, pai dos orixás, do Candomblé? Não. Ele é uma energia cósmica com a qual nos uniremos depois da morte? Não. Então quem é o nosso Deus? Nosso Deus é a Trindade. Os hebreus não creem na Trindade, e nem os mulçumanos – apesar de nós sermos as chamadas três religiões abraâmicas monoteístas.

 

Jesus Cristo nos revelou que Deus são três pessoas e uma só divindade; não são três deuses, mas uma só divindade, um só poder, como dizemos na liturgia: "um só poder, uma só majestade, uma só onipotência e uma só glória". Três pessoas abraçadas de uma forma tão potente que são uma só divindade.

 

Ao longo dos séculos, os teólogos místicos falaram e discursaram muito sobre a Santíssima Trindade, e nós temos muitas representações Dela. A que mais conhecemos é o triângulo, com o eixo em cima, que representa o Pai, do qual procedem o Filho e o Espírito. Temos também o triângulo invertido, com a ponta em baixo, que representa o Espírito, que procede do Pai e do Filho. Nós temos ainda a representação do círculo: três pessoas que são eternas e, contemplando a Trindade, vemos que uma emana da outra, no ciclo eterno de amor.

 

Quem nos revelou isso foi Jesus, pois não seria possível conhecer Deus naquele que é o Seu mistério sem que Ele descesse do céu e nos dissesse com palavra humana. Porque Deus vive em uma transcendência, Deus vive além, e nós não podemos sequer imaginar o que isso seja... São Paulo dizia: "Não tem palavra humana, não tem ouvido humano que possa entender ou descrever aquilo que é o mistério de Deus". Ou Deus desce do céu, sai da Sua transcendência – vamos assim dizer, do seu mundo – e vem até nós ou não seremos capazes de entender e perscrutar o mistério de Deus.

 

Deus, em Sua bondade, vai revelando a grandeza do mundo, do céu, dos mares, dos ventos... Nós nos damos conta desse algo infinito e maior. Então, de algum modo, percebemos que somos pequenos e que o mundo vai muito além de nós. É aí que nós, por meio da religião, da filosofia, chegamos a elaborar uma ideia dessa grandeza. Nós podemos ainda olhar o ser humano, pois somos uma maravilha – somos também o horror, mas somos também maravilha. Se olharmos o corpo humano, essa máquina maravilhosa que somos... Se olharmos nossas capacidades, pensarmos o que é o mundo nas coisas que criamos... Se pegarmos um simples microfone, quanta tecnologia! Quanta inteligência o ser humano tem para criar coisas desse jeito, mudar o mundo, derreter rochas, fazer fios extremamente sutis, criar antenas, criar um monte de coisas com forças que nós nem vemos. O rádio: a onda de rádio, nós não vemos e, no entanto, ela está transmitindo daqui lá para fora. É uma coisa fabulosa! A mente humana é capaz de muitas maravilhas, e nisso nós também contemplamos essa grandeza de Deus.

Então nós, de algum modo, podemos intuir Deus. Porém, saber como Deus é no seu coração, só Ele descendo até nós. E quando Ele se revela para nós, Ele quebra nossa cara, porque também projetamos, na imagem de Deus, os nossos desejos e as nossas frustações. Nós somos fracos, então nós imaginamos um Deus onipotente; o nosso conhecimento é pequeno, e nós imaginamos um Deus onisciente; a nossa justiça é fraca, então imaginamos um Deus supervingativo, um juiz implacável. E esquecemos que Deus é outro... E quando Ele vem e se revela para nós em Jesus, nós realmente ficamos de boca aberta! A onipotência de Deus se manifesta no amor, na misericórdia; nós esperamos um poder que esmaga, que destrói, que se impõe com força... Quanta gente está falando por aí: "Por que Deus não faz alguma coisa para acabar com a covid?". Deus não faz isso. Onde é que está Deus? Deus está lá nos hospitais, procurando respirar; Deus está, infelizmente, em muitas casas e em muitos lugares do Brasil morrendo, porque não tem mais lugar no hospital.... Deus está ali.

 

Compaixão. Que poder é esse? Deus é assim. Deus cria, Deus não destrói; Deus quer a vida, não a morte. Tanto que, no livro do Deuteronômio, quando Moisés fala com o povo, colocando as palavras de Deus: "Coloco diante de vocês a vida e a morte. Vocês vão escolher a vida". Porque liberdade não é escolher a morte, liberdade é escolher a vida! A morte só vem pela injustiça, pela maldade, pelo crime, pela corrupção; Deus quer a vida, a justiça, paz, fraternidade, respeito... Deus quer vida! São revelações de Deus que quebram a nossa cara.


E Jesus vai nos mostrar que o amor do Pai não é o que nós queremos ou o que os poderosos querem. Jesus vai bater boca com os sumos sacerdotes – imagine só, os sumos sacerdotes, que eram representantes de Deus! E Ele vai falar na cara deles: "Eu sei quem é o pai de vocês. Vocês falam que vosso pai é Abraão, mas não é. Vosso pai é o diabo! Porque, de Deus, vocês não entenderam nada. Vocês transformaram Deus em um monstro, que assusta o povo, que impõe leis terríveis e cobra muito dinheiro". Se vocês forem lá nas "Aventuras Bíblicas" (vai sair ainda), vamos falar sobre Salomão, e iremos ver o que Salomão aprontou com o povo... Ele esfolou o povo em nome de Deus para construir o templo, e Deus não é assim. Deus quer vida, e Jesus revelou isso. Deus é perdão, e Jesus perdoa. Para Ele, não existe pecado que não possa ser perdoado – só há um pecado que não dá para perdoar, que é quando a pessoa não quer; é você ver uma verdade e dizer que é uma mentira, isso não tem jeito, porque você não quer, você não quer largar sua posição falsa para abraçar a verdade que está diante de você ou, então, dizer que o bem que uma pessoa faz é um mal só porque ela pensa diferente de você. Mas todos os outros pecados, Deus perdoa!

 

Eu me lembro quando estava confessando – fui confessor por 21 anos – e vinham muitas mulheres, poucos homens, mas muitas mulheres confessar aborto achando que Deus não pode perdoar. É falso! Deus perdoa aborto também! Para Deus, o perdão não tem limite, e isso é uma coisa que nós não somos capazes de entender. Mas Jesus revelou isto para nós: o perdão de Deus não tem limite! Nós somos vingativos, a nossa justiça é vingativa, punitiva; a gente até inventa o purgatório para as pessoas pagarem pelos seus pecados deste mundo... Nós não conseguimos pensar na radicalidade do perdão de Deus. E a mesma coisa do poder de Deus. Se nós prestarmos atenção nas curas que Jesus faz, são gestos muito simples, sem espetáculo; Ele toca o leproso, Ele pega na mão da menina, Ele diz para a figueira: "Você não vai mais dar fruto nenhum". Não tem todo esse aparato, brilho, grito... Deus não faz isso, não. O poder de Deus é uma força irresistível e extremamente discreta. Não precisa "tocar sinos" para chamar a atenção dos outros, Ele age na discrição. Deus é tão potente e tão discreto que nós estamos mergulhados Nele e não O vemos. Deus está aqui, nós estamos mergulhados Nele e ninguém vê, para que nós possamos existir tranquilos, serenos e livres.

 

Este Deus que é amor, que é comunhão de amor, quer todos os Seus filhos e filhas abraçados no Seu mesmo amor. Tanto que São Paulo vai nos dizer: "No fim, todos os poderes serão colocados debaixo dos pés de Jesus, e o último deles é a morte". Quando tudo estiver sujeitado a Jesus, então Ele vai nos colocar todos no abraço da Trindade. É isto que Deus quer para nós, a perfeita comunhão com Ele. Porque, em Deus, tudo se une – não é "tudo se confunde"; tudo se une. São três pessoas, mas não são confusas. Nós seremos nós, Deus será Deus, mas seremos um só no amor. E isso nós temos que começar a aprender a viver agora, como irmãos, buscando a justiça, buscando a paz, buscando a concórdia entre as pessoas, superando o ódio.

 

Em 2018, nossa sociedade foi vítima do jogo da ideologia da morte. Quantas amizades se perderam, quantas relações familiares foram rompidas por causa da ideologia do ódio... E era só política. Mas nós estamos arriscando cair na mesma coisa daqui a pouco – já está começando. O ódio se mantém acima da mentira, da lavagem cerebral, da monotonia da música. É uma ideia sempre igual, o mal nunca é criativo. E ele separa a ponto de criar, em nós – Jesus vai falar isso no Evangelho: você começa a falar já no teu coração, começa a não gostar mais da pessoa, aí vai chamá-la de "canalha", depois de "herege", e isso dentro de um discurso religioso ou político; depois, você vai chamar a pessoa de "comunista" ou de "vagabundo". E o que você está fazendo? Matando e eliminando. Foi isso que fizeram na Alemanha, na Segunda Guerra Mundial... Esse é um discurso de ódio que não é de Deus. Pode até falar o nome de Deus, mas isso é blasfêmia! Deus une na diferença.

 

É possível ter diferenças políticas, mas não ódio entre as pessoas, não mentira entre as pessoas. Tem que existir a verdade, a busca do bem para todos (nós chamamos de "bem comum"). Isso para ver como adorar o Deus Trino, que é o amor, que é comunhão na diferença – porque as três pessoas são diferentes, mas são um só Deus –, gera consequências na nossa vida. Você não pode falar que adora o Deus da Vida, a Santíssima Trindade; que você é discípulo de Jesus, se você quer a morte do outro, se você acha que o outro vale menos, se você acha que o outro pode ser eliminado porque pensa diferente de você. Isso não é de Deus. Uma pessoa cristã que pensasse assim não poderia nem receber comunhão! Estaria comendo e bebendo a própria condenação. Porque Jesus quer a vida para todos. Se eu quero a morte dos outros e comungo, o que estou fazendo? Eu estou sendo a contradição total!

 

Isso não quer dizer pensar todo mundo igual, mas, nas diferenças, com respeito e a busca da vida para todos, a começar pelos últimos, conseguiremos. E é possível! É difícil? É muito difícil. Precisa conversar? Muito. Conseguiremos mudanças imediatas? Não. Tem que conversar muito, mas a gente consegue! Aos poucos, consegue. Aqui tem outra revelação de Deus: Ele tem muita paciência conosco. Então vamos pedir ao Deus Uno e Trino, que Jesus revelou – Jesus, que é a segunda pessoa da Trindade –, que nos ajude a ser discípulos e discípulas que trabalham pela vida, pelo respeito e pela solidariedade para com todos.

189080818_1628472550683166_7224440256597
Deixar a porta aberta para o Espírito

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha –  Solenidade de Pentecostes (Ano B) – 24/05/2021 (Missa às 10h)

Hoje celebramos o Espírito Santo. É muito interessante que toda vez que falamos do Espírito terminamos falando do Pai e de Jesus, porque o Espírito é a terceira pessoa dividida e Ele é o amor do Pai e do Filho. Ele abraça o Filho com a força tão grande que essas três pessoas são um só Deus. O Espírito Santo nós dizemos que Ele prescruta, Ele olha, Ele penetra as próprias profundezas de Deus. O Espírito Santo é o poder de Deus, é a eternidade, a onipotência de Deus. O Espírito é a onisciência de Deus e, sendo poder de Deus, Ele é suave é discreto como a luz do sol que não faz violência contra uma casa que esteja fechada, ilumina a porta fechada da casa, mas não arrebenta a porta para entrar. Ela espera que você abra a porta e ela se entrega todinha na medida que você abre a porta. Se você abre uma brechinha ela entra toda por aquela brecha e vai ocupar todo aquele espaço. E se você abre a porta inteira, quanta luz não entra nessa casa? E mais ainda se você sair da casa, você se inunda naquela luz. O Espírito de Deus perdoa os pecados, faz de nós seres novos e nos dá as forças para continuar caminhando na nossa vida. Vocês escutaram a Sequência de Pentecostes que fala de trabalho, fadiga, dureza, frio, secura: são as coisas da vida. O Espírito de Deus não nos tira da vida, mas nos dá a força necessária para enfrentar aquele momento, as durezas da vida. No trabalho, ele nos dá descanso. Na secura, nos dá água – vocês já viram um vaso de planta seco, a gente coloca água e parece que a terra até agradece, continua sendo terra, mas se ela está molhada faz a planta viver. Nesse nosso tempo tão difícil de pandemia: na escuridão, iluminai. Às vezes Deus não nos tira da escuridão, temos de levar muito a sério o Evangelho... Jesus, no Horto das Oliveiras, pediu para o Pai tirá-lo desse negócio e o Pai não tirou, porque aquela cruz era dele, por isso o Pai não tirou, mas não o abandonou tanto que Jesus pôde fazer todo o caminho até a morte. Guiai no escuro, nas trevas, do medo, da morte, da depressão...

Nós, muitas vezes, queremos que o Espírito de Deus aja com a gente como um bruxo, um mago com poderes especiais, mas é bobagem! O Espírito de Deus nos dá a força para amar para transformar o nosso coração duro, nos dá força para mudar as nossas práticas injustas, ilumina o nosso coração para que comecemos a tirar do nosso dia a dia os nossos racismos, as nossas birras, os nossos ódios. Ele trabalha em nós, mas é como eu disse no início, como a luz do sol, se você abre a porta Ele muda a sua vida, mas depende de você abrir a porta. Muitas vezes a mudança precisa da nossa boa vontade, mas a força é de Deus. Deus pede a boa vontade de abrir essa porta, olhar pra Jesus e aprender Dele, porque Ele age com a força do Espírito. Ele é Deus e o Espírito Santo está Nele. Ele nos doa o Espírito! Às vezes, no nosso falar, dá a impressão que o Espírito não tinha antes só passa a ter nesse momento, mas a Trindade age junta desde antes da criação do mundo na criação do mundo. O Pai diz: ‘faça-se’, mas o poder que faz é o Espírito. Em todas as ações humanas, em toda a vida, em todo esse universo que nós nem sabemos o que seja e o que tenha, é o Espírito de Deus que age e, em nós também, no nosso coração, na nossa vida, quantas vezes nos dizemos “nossa parece que eu tive uma luz que me guiou pelo caminho certo, eu não tinha nem pensado isso e isso me salvou, ajudou os outros, mudou mina vida”? O Espírito de Deus age constantemente

Jesus o deu para a Igreja e seus apóstolos e, quando falamos Igreja, não estamos falando dos padres somente, a Igreja somos nós e os padres estão na assembleia dos irmãos e irmãs, Ele deu para a sua Igreja o poder que Ele recebeu do Pai: ‘recebei o Espírito Santo, a quem perdoardes serão perdoados os pecados’. O ser humano é egoísta demais. Nós somos criados para sermos bons, imagem do verbo encarnado, mas somos muito egoístas e nós facilmente nos desviamos do caminho. Ao invés de procurarmos o caminho para nós e para os outros, procuramos a morte do outro e, no fim, a nossa e isso é pecado! O Espírito de Deus nos dá a capacidade de reiniciar um caminho de vida e chamamos isso de conversão. Quando a igreja perdoa é esse sinal verdadeiro de Deus para que possamos recomeçar um caminho de vida. Quando Jesus diz ‘a quem não perdoares os pecados serão retidos’ tem muito padre e autoridades altas da igreja que falam que o padre pode decidir se perdoa ou não perdoa, mas isso é uma visão tão fraca. Deus nos dá a plenitude e a totalidade da sua graça para perdoar aqueles que querem retomar o caminho da vida, mas para também denunciar os instrumentos da morte. Temos que entender isso como o poder que os profetas tinham no Antigo Testamento de animar, encorajar, mas também de denunciar tudo aquilo que não é de Deus. Se não seria uma coisa muito ridícula e o Espírito Santo não é ridículo.

O Espírito de Deus é dono de Jesus ressuscitado e Ele faz com que Jesus esteja conosco o tempo todo, é o poder de Jesus estar na Eucaristia, estar conosco na Sua Palavra, está conosco nos pobres, nos doentes, nos presos, em toda pessoa que sofre... É o Espírito Santo que faz com que Jesus esteja nessas várias realidades. É o Espírito Santo que mantém nas várias realidades a igreja viva. Se olharmos a história da Igreja cada doidice que fizemos, e quando falamos não é só os papas, mas também os bispos e movimentos leigos que criaram problemas terríveis para o povo, alguns foram salvação para a igreja em muitos momentos, santos homens e santas mulheres, o Espírito Santo é que mantém todo esse negócio funcionando. Sem o Espírito de Deus – e a igreja professa isso, já teria acabado a muito tempo. São muitos os problemas, muitas as insídias, muitos os enganos que nós caímos e o Espírito de Deus limpa, purifica, abre um novo caminho, ilumina de novo, chama as pessoas certas. Em momentos difíceis é a força do Espírito que nos ajuda para que essa comunidade possa sempre louvar a Deus amando os que sofrem, ser autêntica no serviço.

Vamos pedir com força a Espírito Santo que Ele ilumine o nosso coração. Recebemos o dom do Espírito no Batismo, na Crisma, na Ordenação... Vamos implorar que o Espírito de Deus encontre em nós a porta aberta.

187210851_1623502314513523_1685169681617
A fraternidade é o caminho que nos leva à comunhão com o Pai

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha –  7º Domingo da Páscoa – Ascensão do Senhor (Ano B ) – 16/05/2021

Hoje celebramos a Ascensão do Senhor. Mas o que quer dizer ascensão? Significa elevação por poder próprio. Assunção, que é o que ocorreu no caso de Nossa Senhora, é também uma elevação, mas por poder de outro.

Jesus termina a sua presença visível entre nós. E que coisa maravilhosa saber que todos os atos de Jesus são atos de revelação de Deus. Jesus possuía um corpo ressuscitado, porém reconhecível, que trazia em si as marcas do modo como ele foi morto, da barbárie que fizeram com Ele. E este corpo não é só carne, mas sim a vida da pessoa: é a rede de relações que a pessoa tem – são as suas amizades, seus parentes, sua cultura, o seu mundo. Uma pessoa não é um boneco que está parado na parede. O ser humano é um ser de relações. E tudo isso entra na glória de Deus. Jesus carrega a sua vida humana. Ele, eterno como o Pai, se esvazia e se torna um de nós. Assume essa vida humana, carne e osso, relações humanas, dores, alegrias, tristezas, fadigas. Ele assume tudo isso. A morte não destrói essa história, esta vida. E esta é a primeira grande revelação de Jesus: a ressurreição. Depois, a ascensão. Esta história não é desprezada, mas sim assumida por Deus.

Jesus carrega, na sua volta à Glória, junto do Pai, a nossa humanidade, a nossa história. Não só a história que ele fez conosco 2000 anos atrás, mas também a história que ele faz conosco todos os dias. História esta que se amplia todas as vezes que nós comungamos, que nós ouvimos a sua Palavra, que nós o acudimos no irmão que sofre. Em todos estes momentos, nós entramos em comunhão com Jesus. Nós fazemos parte da vida dEle. Até o dia que, depois de nossa morte, nós estaremos com Ele. E seremos pessoas, com a nossa individualidade, mas também seremos comunidade de irmãos e irmãs. Porque Deus quer que sejamos isto: irmãos e irmãs. Este é o caminho para seguir o Evangelho durante toda nossa vida: aprender a viver como irmãos e irmãs.

Às vezes, nós estamos lá longe, dando os primeiros passos. E conseguimos ver que há outras pessoas que estão bem adiante. Tem outras pessoas, então, que já chegaram quase na meta. Então a comunidade vai se animando para que cada um aprenda e procure, cada vez mais, amar os outros como irmãos e irmãs. Pois esta é a vida de fraternidade que nos coloca em comunhão com Jesus porque Ele se fez irmão nosso. Isso é um dom de Deus. Nós somos chamados a sermos irmãos e irmãs entre nós para entrarmos nesta vida de Jesus.

Irmão e irmã quer a vida e o respeito para o outro, quer que o outro tenha o mínimo de dignidade. Isso é ser irmão. Um irmão de verdade não quer nem a morte, nem o sofrimento, nem a destruição do outro. “Ah, mas na minha família tem problema”. Esta não é a fraternidade que Deus quer. “Ah, mas meus irmãos não prestam”. Este é outro problema. O modelo de irmão não são os seus irmãos. Modelo de irmão é Jesus. Igual o profeta Isaías nos fala “qual mãe abandonaria seu filho pequeno?”. O fato é que tem mãe que faz isso. Mas Deus fala “mesmo que existisse tal mulher, eu não farei isso, pois eu te amo Israel, meu povo”. Aqui se aplica a mesma coisa: mesmo que alguns irmãos e irmãs não sejam as pessoas mais bondosas deste mundo, eu devo continuar acreditando na fraternidade. E quantas vezes nós experimentamos a fraternidade até fora da nossa família! É muito comum viver este tipo de fraternidade, esperando ter paciência, suporte, perdão, acolhida. E é esta vida, construída na busca da fraternidade, que nós levamos para junto de Deus. Jesus nos mostrou isso em sua vida terrena.

Isso tudo é levado para junto de Deus a fim de entrarmos na comunhão da Trindade. Inclusive com o Espírito Santo, que nós vamos celebrar no próximo domingo. Ele é este poder de Deus, que abraça o Pai e o Filho e, com eles, torna-se a unidade. Mas, neste abraço, ele vai colocar todos nós. Como Jesus diz: que eles sejam um, como nós somos um. A nossa vida foi criada para entrar na glória de Deus. E Jesus, sentado do lado do Pai, nos revela isso: nossa vida tem um lugar junto do Pai.

Um pequeno comentário sobre este trecho do Evangelho que nós ouvimos [Mc 16,15-20]. O Evangelho de São Marcos é o mais antigo e o mais curto que nós temos. Ele foi escrito por uma única pessoa, que a tradição da Igreja atribuiu a João Marcos, que era companheiro de Pedro e também de Paulo, ao menos em algumas viagens. É o Evangelho do anúncio. Foi escrito para missionários, pregadores do Evangelho que não tinham conhecido Jesus, que não eram hebreus. Tanto que, durante o Evangelho, você vai encontrar muitas explicações. E o que aconteceu com este Evangelho? Nós não sabemos se ele termina de propósito, imediatamente depois da aparição dos anjos às mulheres, dizendo para elas irem anunciar aos discípulos. Ali acaba. É como se tivessem arrancado a última página.

Já no comecinho do segundo século, escreveram três pequenos trechos para terminar o Evangelho de Marcos e um deles é este que nós ouvimos. Os três trechos são praticamente iguais. E eles se apoiam nos Evangelhos já escritos de João, Lucas e Mateus. A Igreja sempre considerou estes três textos como inspirados, mesmo que não tenham sido escritos pelo mesmo evangelista. Este fato é para nós conhecermos um pouco dos meandros do Evangelho. E é muito interessante ver que Marcos diz “aqueles que crerem e forem batizados serão salvos; aqueles que não crerem (e não diz nada sobre o batismo) serão condenados”. O que quer dizer “só os que crerem no nome de Jesus”? Se fôssemos entender ao pé da letra, então Deus seria o ser mais injusto porque, no mundo, hoje, temos 7 bilhões de pessoas e, provavelmente, 3 bilhões delas nunca devem ter ouvido falar do nome de Jesus. Portanto, “os que crerem e forem batizados” não quer dizer isso.

“Os que creem em Jesus” pode ser entendido como os que agem como Jesus disse. Aqueles que fazem o bem e aqueles que agem de boa consciência em favor dos outros, mesmo sem conhecer Jesus. Isso quer dizer crer. Batizados são todos aqueles que creem em Jesus, que têm a missão, a vocação de viver e aprender a viver como irmãos e irmãs. Ser cristão é também uma vocação, um empenho, um chamado. Se ainda não vivemos como irmãos, então é chegada a hora de aprendermos, porque este é o caminho de comunhão com Deus.

homilia 09-05-21.jpg
O amor é hoje. O amor é todo dia.

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 6º Domingo da Páscoa (Ano B) – 09/05/2021 (Missa às 10h, Dia das Mães).

Tem uma lenda de que São João, já velhinho, toda vez que tinha a reunião – que seria o que nós hoje chamaríamos Missa –, sempre pediam para ele: "Diga algo", e ele sempre dizia isto: "Jesus nos disse: 'Amai-vos uns aos outros'". Sempre, sempre, sempre. Anos e anos e anos. Uma celebração após a outra. Toda vez que pediam para ele falar, ele dizia exatamente essa frase. Com o passar do tempo, os líderes da comunidade foram se renovando, e uma vez tinha um grupinho bem mais novo de cristãos que iam organizar a celebração. Um deles falou para os outros, e todos concordaram: "Ah, que chatice! Toda vez que a gente fala com o apóstolo, ele sempre repete essa frase, sempre a mesma". Só que eles não viram que São João estava ali atrás e escutou tudo. Aí esses mesmos jovens pediram: "Irmão, nos diga alguma coisa". E ele disse: "Este é o mandamento do Senhor: amai-vos uns aos outros".

 

O amor, gente, é de todo dia, e ele é todo dia de novo. Você não ama para sempre; você promete amar para sempre, mas você vai renovar o seu amor todos os dias, porque não tem um dia que é igual ao outro. Nós poderíamos dizer que não tem uma hora igual à outra. Nós amamos e aprendemos a amar. Nós temos que aceitar o limite do outro, aceitar o nosso limite, aceitar que as coisas mudam, se transformam. A gente que tem cabelo branco, a gente não vive falando: "No meu tempo..."? Gente, é um saudosismo bobo. O amor é hoje! O amor é este dia! "No meu tempo" eu fiz uma experiência de amor que me ajuda a amar hoje. Mas hoje é outro tempo, é mais um passo. Por isso que não faz sentido os tradicionalistas. Essas são pessoas que ficam repetindo formas de amar antes, que não respondem mais ao amor de hoje. Não tem o menor sentido.

 

Hoje! E aí há um grande desafio que foi dado a esta geração: amar durante a pandemia. Nenhum de nós aqui viveu, conscientemente, os dramas da gripe espanhola, dos anos 1930. Acho que não tem ninguém aqui com 95 anos, não é? Teria que ser adulto para ter consciência do que estava acontecendo. Hoje, neste tempo, nos é pedido para amar como Jesus amou. Olha só! Deus nos pede, hoje, para amar como Jesus amou. Percebe? Amar hoje é ser responsável pelo outro, cuidar do outro. Não "meter o bedelho" na vida do outro, isso não. Cuidar da outra pessoa, cuidar de nós mesmos; neste tempo extremamente difícil, estender as mãos, naquilo que podemos, àqueles que sofrem. Hoje, mais do que há muitos anos. Nós não tínhamos uma situação de pobreza e miséria como estamos tendo no Brasil já há muitas décadas. Então nós somos chamados à solidariedade – a solidariedade é uma forma de amor. À honestidade. Não falar mal do outro. Buscar a verdade. Nós temos que aprender a não falar por ouvir dizer. "Alguém me falou", isso não existe! Você está mandando para frente um negócio, lavando as mãos de responsabilidade; só que, fazendo isso, você está sendo responsável por mandar esse negócio para a frente.

 

Hoje nós temos essas histórias de fake news, notícias que não se pode provar. Tem uma historinha – foi de verdade isso –, lá em 1500, em Roma. Infelizmente, era uma mulher, fazer o que? Homem também é fofoqueiro, mas era uma mulher fofoqueira. Ela foi falar com São Filipe Néri, que era um grande confessor, um grande padre daquele tempo. E ela falou: "Ai, padre, eu fiz uma fofoca contra uma amiga... Qual a minha penitência?". Aí ele respondeu: "Você vai subir na torre da igreja, vai pegar um travesseiro de penas e, às 5h da tarde, quando tem bastante vento, você vai rasgar esse travesseiro e jogar. Depois, você volta aqui". Aí a mulher foi, subiu na torre toda contente: "Vou pagar minha penitência!". Foi e jogou as penas no ar. Desceu a torre correndo – perigo danado de quebrar o pescoço... "Pronto, padre Filipe, está pronto!". "Pois é, minha filha. Agora, para terminar sua penitência, você vai recolher todas as penas".

 

Fake News é que nem rasgar um travesseiro de penas em cima de uma torre num dia de vento: por mais que você queira, você não consegue pegar tudo de volta. Se você fala mal de uma pessoa – às vezes só ali, entre vizinhos, entre colegas de trabalho (homem faz muito isso no mundo do trabalho, do jogo): "Oh, cuidado com fulano por causa disso", "Você viu o que a fulana fez?". E, às vezes, não é verdade. Como é que você vai limpar o nome dessa pessoa? Como é que você vai mostrar para cada pessoa que ficou sabendo daquilo que aquilo não é verdade? Você espalhou o que era falso. E aí, como você faz? Você não corrige mais. Mas isso nós estamos já pensando em pessoas que tentam corrigir; a coisa mais triste é que tem gente que faz isso para que as penas se esparramem mesmo, e isso é diabólico. Então, neste nosso tempo, uma forma de amar muito séria é não falar por ouvir dizer. "Ah, mas eu recebi esta mensagenzinha aqui". Faz morrer em você. Desce da torre sem abrir o travesseiro. Devolve o travesseiro sem rasgar para São Filipe. "Oh, São Filipe, eu recebi esta notícia aqui, mas como eu amo as pessoas, e eu quero amá-las, eu não vou rasgar esse travesseiro lá em cima coisa nenhuma". Eu não sei onde uma coisa dessa pode chegar... Eu não sei como está o coração do outro que recebe esta má notícia ou esta notícia falsa...

 

Então a busca da verdade é uma forma de amar. A honestidade, o diálogo. Vamos conversar, vamos buscar o bem dos outros. Isso a gente aprende em casa, viu? "Ah, eu quero, eu quero, eu quero!". Não. O que nós queremos? O que nós precisamos? O que nós podemos? Isso é educar, inclusive as crianças. "Eu quero, eu quero, eu quero!". Falar "não" é educativo. "Nós não podemos isso". Formas de amar até chegar ao limite máximo da expressão de amor, que é arriscar e dar a vida pelo outro. Isto pode nos pôr na cruz, isto pode nos levar à morte. A busca da verdade, a busca de ajudar o outro, a busca de esclarecer o outro, a busca de mostrar para o outro a verdade, a busca de denunciar o erro. Pode nos levar à morte, e muitas pessoas morrem. Não pense que isso é conversinha, balela de padre. Tem muita gente que morre por causa disso. Amar.

 

Então essa fala de São João, vamos nos colocar lá, nessa comunidade do primeiro século, com esses rapazes jovens que estavam animando a liturgia e já estavam cansados de ouvir essa frase de São João – o que mostra que eles não tinham entendido nada, né? Apesar de já terem ouvido isso muitas vezes. Vamos ouvir de novo, e sempre de novo: "Amai-vos uns aos outros assim como eu vos amei. Não existe maior amor que dar a vida pelos irmãos" [ref. João 15, 12s].

 

Às nossas mães. Toda mulher, de algum modo, é mãe, porque a mulher tem útero, e só mulher pode sentir isto: na hora do medo, na hora da aflição por outra pessoa, o útero se contrai. E Deus diz que ama o seu povo deste jeito: "As minhas vísceras tremem por você, Israel" (Israel é o povo de Deus). Esse é o amor que o Pai tem por nós, e o amor do Pai, em Jesus, se expressa, de forma máxima, na cruz: "Dou a vida para que todos tenham vida". Jesus, entregando a vida, deu vida nova. Vamos pedir ao Senhor pelas nossas mães, para que elas, realmente, possam ser luz, alegria e aconchego. Feliz Dia das Mães!

homilia 5.png
Deus é bom, tenha confiança!

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo da Páscoa (Ano B) – 02/05/2021 (missa às 10h)

A Segunda Leitura de hoje [1Jo 3,18-24] nos fala do amor de Deus. Nós estamos lendo o Evangelho de João e as cartas de São João, então um texto chama o outro, não é? São João fala do imenso amor que Deus tem por nós. E esse amor se manifesta no perdão. Ele vai dizer: "Deus nos perdoou", mas às vezes alguém tem algum peso na consciência, e ele vai animar essas pessoas. Deus é maior que a tua consciência. Isso nos ajuda a nos aproximar de Deus com imensa confiança, nós não temos que ter medo de Deus em nenhum momento, porque Deus não é o deus terrível. Muitas vezes nós trocamos o Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, trocamos Jesus, trocamos o Espírito Santo que é o amor do Pai e do Filho, por imagens de outros deuses que não são nem cristãos. O deus que criava terror só de se aproximar dele era Plutão, o deus dos infernos, dos romanos, ou Ades, também deus dos infernos dos gregos, mas esse não é o Pai de Jesus. O Pai de Jesus é o Deus da fidelidade, Deus da vida, não o deus cujo poder nos esmaga e nos destrói, por isso temos de ter confiança em se aproximar de Deus e nunca desconfiar de Deus, mesmo que nós tenhamos que caminhar no vale da morte.

Jesus nos mostrou que a morte não é o fim e essa é nossa fé: a morte não é o fim. Então nem ela nos assusta. Dói, mas não assusta. Jesus no Evangelho [Jo 15,1-8] vai nos dizer "Permaneçam em mim". O que significa "permanecer em Jesus"? Seguir Jesus. Se nós permanecemos Nele, se nós colocamos em prática o Seu mandamento, que é o mandamento do amor – não existe amor maior do que dar a vida pelos outros, por aqueles que nós amamos. Se nós permanecermos nisso, nós somos como um ramo de uma grande videira que ligada ao tronco dá frutos, muitos frutos. E Deus Pai vai cuidar para que nós possamos dar sempre mais fruto. Não significa nós darmos nossa vida fácil, viu gente?

Eu já falei muitas vezes, sempre que leio esse Evangelho eu lembro desse fato: o Evangelho diz que aqueles que dão fruto, Deus limpa. Deus não poda, Deus limpa para que dê ainda mais fruto. Uma vez em um parreiral, lá em Rio Grande do Sul, onde eu fui visitar um padre, nós estávamos vendo vários tipos de uvas, e uma dessas uvas estava toda mofada, e aí perguntei "Vocês não vão limpar isso aqui não? Isso aqui não vai estragar tudo?", aí me responderam "Não, nós não podemos mexer nessas uvas, elas têm que ficar com esse mofo, porque se tirar esse mofo, o vinho não é bom". O vinho precisa desse mofo, olha que coisa esquisita, a gente que vive com a ideia de esterilizar tudo – especialmente nesse tempo de pandemia, passamos álcool até no que não precisa. Mas então nós precisamos, entre aspas, da sujeira? Precisa! Olha que engraçado. Então nós muitas vezes olhamos para nossa vida e nós falamos "Meu Deus, olha quantos defeitos eu tenho, quantos limites", e a gente pede, pede, faz sacrifícios, faz penitências e Deus não tira aquilo da gente. Por quê? Porque pode ser o mofo que Deus quer em cima da gente para que esse mofo dê vinho bom. E aí de novo a confiança em Deus, que nos conhece e nos ama. Ele sabe que não somos perfeitos, mas Ele sabe que mesmo com todos nossos defeitos e limites é possível seguir Jesus, é possível amar aos outros. É muito difícil, a pessoa teria que ser um monstro total para que fosse totalmente incapaz de amor e afeto por alguém. Aquela pessoa é capaz de amar alguém, ao menos uma pessoa. E esse amor, nas mãos de Deus, pode ser exatamente aquele anzol para tirar a pessoa da destruição total.

Vamos pedir então ao Senhor, que o Espírito Santo nos dê a confiança em Deus, no Pai, em Jesus. E que o Espírito Santo nos ajude a amar, com os nossos limites, mas amar, porque esse é o caminho de Jesus.

homilia 04.jpg
O Bom Pastor olha, incessantemente, por todo seu povo 

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo da Páscoa (Ano B ) – 25/04/2021(missa às 10h).

Como assusta a atualidade desta imagem do Bom Pastor. O Bom Pastor é aquele que se preocupa com a vida das suas ovelhas. O mercenário, aquele que não ama as ovelhas porque elas não são dele, não se importa. Ele vê o lobo chegar e abandona as ovelhas a si mesmas. Façam os lobos o que quiserem.

Já no Antigo Testamento, o profeta Ezequiel faz tremendas ameaças, em nome de Deus, contra os chefes do povo, que são os sacerdotes, o rei e os vários governantes do povo. Ele fala “se vocês não cuidam do meu povo, ele se dispersa. Eu mesmo vou cuidar do meu povo, mas vou pedir conta a vocês do que vocês fizeram a ele”. É assustador.

É interessante perceber que o Antigo Testamento é todo pautado nisso: ser fiel a Deus e governar com justiça ou ser adorador dos deuses da morte e explorar, fazendo o povo sofrer. Deus quer, porém, que todos tenham vida. Deus libertou o povo de Egito não para o povo viver de novo como escravo, não para ele morrer esfolado pelos poderosos do lugar, sem ter plenitude de vida. Deus quer que as pessoas vivam como irmãos, que cada um tenha dignidade, vida, casa e comida. Deus quer vida e Jesus nos mostra isso com a entrega de sua própria vida. E é muito interessante ver que a entrega da vida de Jesus o recoloca na eternidade, na glória com o Pai e a nós, ele comunica vida eterna. E isto nós já temos. São João nos fala: “nós já somos filhos de Deus, mas nós vivemos ainda na sombra deste mundo”. Ele também fala: “o que nós seremos ainda não chegou na plenitude, mas nós sabemos que quem ama o outro está com Deus”. Então vivendo no amor e na vida fraterna – que começa na comunidade e em casa –, nós já experimentamos os frutos da filiação divina, que nos foi dada, mas não é propriedade privada nossa.

São João vai dizer: “Jesus perdoou os nossos pecados e os do mundo inteiro”. Jesus diz: “eu chamei as minhas ovelhas. Tenho outras ovelhas que vão ouvir a minha voz”. E isto é para dizer o quê? Nós, batizados, não somos o clube dos salvos. Deus salva quem ele quer e Ele deseja a Salvação de todos. E quando nós dizemos “todos”, isto é muito abrangente. Significa até de quem faz o mal. Viu, gente? Deus quer que realmente todos se salvem. Deus quer os pecadores salvos? Sim. Deus quer a Salvação dos marginalizados, que nós vemos abandonados em nosso país, em um número cada vez maior? Claro que Deus quer.

O Bom Pastor, o bom chefe, o bom governante é aquele que cuida da vida do seu povo e não de si mesmo, apenas dos seus pontos de vista. Jesus é o modelo. Jesus morre pelo povo para que nós tenhamos vida eterna, para que nós aprendamos com Ele a nos doar pelos outros. Este é o caminho. Toda vez que eu deixo o outro sofrer ou deixo o outro morrer para encher meu bolso, eu estou sendo mercenário, que significa “soldado comprado”. Os mercenários são todos traidores porque eles servem a quem paga mais. Soldado mercenário é o maior tiro no pé que se pode dar pois ele sempre pode encontrar quem pague mais. Jesus não. Jesus entrega tudo, entrega a própria vida. Nós temos dificuldade para entender o que é isso porque nós até damos, mas a conta-gotas, com limite. Jesus quer que nós amemos de verdade e não tenhamos medo de ser pessoas que preguem a verdade. Este é o caminho da Salvação. Este é o caminho que Jesus abriu para nós.

homilia 18-04-21.jpg
Converter-se e anunciar a Boa Nova de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo da Páscoa (Ano B) – 18/04/2021

(missa às 10h).

Nós temos, nos Evangelhos, as narrações da ressurreição de Jesus. Cada evangelista escrevia o seu Evangelho para a sua comunidade, respondendo a situações concretas da sua comunidade. São João tinha uma comunidade que estava se dividindo, sendo devorada por algo que nós, depois, chamamos de "heresia": o gnosticismo, que faz desgraça até hoje no mundo – Nova Era, Espiritismo... É tudo gnosticismo revestido. E esse pessoal negava a corporeidade de Jesus e, também, que é preciso viver os mandamentos Dele; bastava conhecer, ser "iluminado". E São João vai ser duro. Já no Evangelho e, depois, nas suas cartas, vai ser muito incisivo: "Quem diz que conhece Deus" – ou seja, iluminado – "mas não ama o próximo, é mentiroso, a verdade não está nele. A verdade está naquele que ama o próximo, este conheceu Deus, porque Deus é amor, não é uma ideia" [cf. 1Jo 4, 20]. E São João vai insistir sempre: "Nós, que comemos e bebemos com Ele. Nós que O tocamos" – e tocaram também depois da ressurreição, como nós vimos domingo passado, com São Tomé: "Toca aqui, no buraco dos cravos. Põe a mão no furo que a lança fez. Creia, não seja infiel" [cf. Jo 20, 27].

 

São Lucas também vai ter esta preocupação de mostrar para sua comunidade que a ressurreição de Jesus não é uma ideia. Jesus não é uma alma penada, não é um fantasma que aparece; Jesus é aquele que morreu, foi além da morte, abriu-nos o caminho e voltou Senhor da vida, vida eterna! Jesus não é como Lázaro, que foi "reanimado"; não é como a filha de Jairo, que foi reanimada. Eles morreram depois, Jesus não. Jesus morreu, atravessou o vale da morte e, nesse caminho, se faz caminho, retoma a Sua glória de Filho de Deus, na eternidade, e volta Senhor da vida, vida eterna, a vida que está na Trindade – porque Jesus é a segunda pessoa da Santíssima Trindade encarnada. Então São Lucas vai insistir também: "Olha aqui as feridas dos cravos: sou Eu mesmo." – um fantasma não tem carne e osso – "Dai-Me alguma coisa para comer" [cf. Lc 24, 39-41]. Nós temos que lembrar que este fato – comer com os discípulos – não é um "lanchinho" de qualquer dia no meio da estrada; ele lembra, imediatamente, a última ceia. E aqui, no caso, dois verbos: "tomou" e "comeu". Na última ceia, Jesus toma o pão, parte, dá graças, entrega; com os discípulos de Emaús, toma o pão, dá graças e reparte; aqui, toma o peixe, come na frente deles – sinal de comunhão com eles, que estavam, provavelmente, jantando ou tinham acabado de jantar, estão nesse contexto de refeição.

 

Mas tem uma coisa interessante neste Evangelho [Lc 24, 35-48]. Jesus é a Palavra de Deus, Ele é a Palavra. E Ele vai dizer: "Cumpriu-se tudo o que estava escrito na Lei, nos Profetas e nos Salmos sobre o Cristo". Ou seja, o Antigo Testamento como espera do Messias acabou. Só que Jesus, podemos dizer, completa, escreve a última frase do Antigo Testamento e relança a Igreja, essa primeira comunidade, para o futuro: "Era preciso que o Cristo sofresse, morresse e ressuscitasse". Essa frase não existe no Antigo Testamento; Jesus completa e põe um ponto final na espera antiga. E continua: "E em Seu nome" – em nome do Cristo – "será anunciado o perdão dos pecados e a conversão a todas as nações, começando por Jerusalém". Ou seja, a nova missão da Igreja, que vai começar no dia de Pentecostes, alguns dias depois; mas, agora, com a Nova Palavra, Palavra que dura até o fim dos tempos – "Anunciarão a Sua Boa Notícia para todas as nações". Essa é a Nova Palavra até o fim dos tempos.

 

Depois, esta frase: "Vós sereis testemunhas de tudo isso". Testemunha, aqui, não significa só alguém que viu e fala. O testemunho, antes de tudo, é colocar em prática aquilo que a pessoa anuncia. No dia em que o padre é ordenado, ele recebe o Evangelho e o bispo diz: "Vive o que pregas", ou seja, "Seja você, sacerdote, aquele que testemunha com a vida, com seus atos. Você tem que anunciar o Evangelho, antes de tudo, sendo discípulo de Jesus". E se, no meio desse caminho, nós nos encontramos com fraqueza, com pecado, com infidelidades, o próprio São João vai nos ajudar: "Se você cometeu algum erro, você tem Jesus como intercessor" [cf. 1Jo 2, 1-5a]. Confesse teus pecados e comece de novo o caminho de conversão – caminho de conversão que vai até o fim da vida. Então nós, discípulos de Jesus, todos nós batizados, antes de tudo, temos que buscar viver, pôr em nossos dias, em nossa vida, o Evangelho. E não é só conhecer, precisa ir além, transformar nossa vida segundo o Evangelho. Mas, para isso, nós temos que reconhecer que, muitas vezes, nossa vida não está de acordo com o Evangelho. Às vezes, no meu dia a dia, eu percebo, por exemplo, que, não obstante a gente critique tanto e condene, justamente, o racismo – aqui no Brasil, particularmente contra os negros –, às vezes me escapa um comentário, uma atitude, e eu percebo o quanto eu ainda tenho que caminhar. "Meu Deus, esta atitude demonstra uma atitude racista. O Evangelho diz: 'Vós sois todos irmãos'. Eu tenho que arrancar isso do meu coração, porque isso não é de Deus". Confesso, diante de Deus, que estou no erro, e começo um caminho novo, ajudado pela graça de Deus. E isso até o fim da nossa vida. A purificação do nosso coração e a mudança das nossas atitudes são um longo caminho, mas que começa já! Conversão não é para amanhã, conversão é para agora.

 

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a entrar nesta enorme confiança: Deus nos amou primeiro. O Papa Francisco diz que nós nos cansamos de pedir perdão, mas Deus nunca se cansa de perdoar. Que nós sejamos capazes de olhar para nossa vida, confrontá-la com o Evangelho e começar um caminho novo, para sermos verdadeiras testemunhas de Jesus.

173663296_1599809276882827_6099317721295
A ressurreição é a luz da eternidade

Padre João Aroldo Campanha – 2° Domingo da Páscoa, Festa da Divina Misericórdia (Ano B) - 11/04/2021 (Domingo, missa às 10h)

Estamos no segundo domingo da Páscoa. Durante oito dias a contar da Páscoa, nós contamos como se fosse um único dia, tanto que durante as missas que celebramos durante a semana – infelizmente não estamos celebrando aqui na igreja, o padre está celebrando as missas sozinho em casa. Todos os dias desta semana nós rezávamos não neste tempo da Páscoa, mas neste dia – oito dias como se fossem um único dia, por isso nós dizemos Oitava da Páscoa. E neste tempo, vamos dizer assim, esta alegria vai se estender por mais quarenta dias até Pentecostes. A alegria da Páscoa está viva na Igreja e, essa alegria depois com Pentecostes se esparrama para o mundo para anunciar o Evangelho.

Nós temos este Evangelho, que nós já conhecemos, João bem ali mostra os onze apóstolos, onze não, dez, reunidos e Jesus que aparece várias vezes no dia. Naquele domingo, Jesus já tinha se manifestado: se manifestou no primeiro momento para as mulheres, se manifestou para Maria Madalena, se manifestou a Pedro, se manifestou para os doze, se manifestou para aqueles dois discípulos que estavam indo a Emaús, Jesus se mostra para as pessoas que conviveram com Ele. Por quê? Jesus não é um milagreiro barato, a fé ela nasce do testemunho de vida. A vida que Jesus levou com aquelas pessoas, os anúncios que fez, os milagres que realizou, todo o drama daquele processo, dos sumos sacerdotes, saduceus, fariseus, doutores da lei, que foram apertando o cerco, o próprio Herodes que disse que ia matar Jesus... Esses apóstolos, essas pessoas que estavam próximas, elas viram tudo isso, elas conheceram os fatos desde dentro e é para essas pessoas que Jesus se manifesta. Para que? Para que elas possam olhar a vida de Jesus e o caminho que eles fizeram à Luz da ressurreição. Tudo na vida de Jesus passa ter um sentido novo, um sentido pleno a partir da ressurreição. E Jesus no caminho de Emaús vai ensinar os apóstolos a lerem a Sagrada Escritura, ou seja, o Antigo Testamento, as leis, os salmos, os profetas, não mais como os hebreus liam, mas sempre à Luz da ressurreição. A ressurreição fará a Escritura todinha ter uma nova luz, por isso o Concílio Vaticano II vai dizer que o Antigo e o Novo Testamento formam uma única Escritura, aí algumas pessoas podem dizer: mas lá no Antigo Testamento está dizendo que estão esperando o Messias, se Ele já veio, então não serve para nada. Não, é à Luz da ressurreição que nós lemos isso. Eles estão anunciando, eles são preparação a ressurreição, então serve de baliza, é uma baliza nova, é um novo modo de ver toda a Escritura e toda a revelação de Deus que foi feita antes da ressurreição de Jesus.

Uma coisa muito interessante, nós podemos perguntar, mas para que essa história desse homem com tantas dúvidas? Isso não é para eles, isso é para nós. A dúvida de Tomé é algo para nós. Os outros relatos falam de Jesus, São Lucas vai inclusive dizer que eles estavam tão incrédulos naquilo que Jesus se senta e como um pedaço de peixe assado com eles, para que eles se dessem conta de que aquilo não era um fantasma, aquilo é o novo de Deus. E São João se lembra desse fato, esse discípulo que diz “pera aí, isso pode ser tudo conversa mole de vocês, vocês podem ter bebido um pouco demais e começaram a ver coisas. Ninguém botou a mão nele. Não, eu quero botar a mão”. E ele faz esse gesto quando Jesus aparece novamente e diz ‘Põe aqui na minha mão – era no pulso na verdade. Põe na minha mão, o dedo no buraco, no furo, no rasgo que a lança fez no meu peito. Põe a mão aqui, não duvide’. Tomé fez um gesto para nós, Jesus não é um fantasma, Jesus não é uma alma voando por aí. Jesus ressuscitado é Ele inteirinho. O mesmo Jesus que caminhou com eles, agora está vivo de um outro modo. Ele mantém, carrega consigo as marcas da sua vida, das consequências, das opções da sua vida. Os sinais da Cruz são os sinais da fidelidade de Jesus à vontade do Pai, é a fidelidade que está ali marcada naqueles pregos, nos buracos daqueles pregos, no buraco daquela lança que abriu o peito de Jesus depois que ele já tinha morrido, está lá, mas Ele é o novo, Ele é diferente. Os discípulos de Emaús não O reconheceram num primeiro momento, ou por um longo caminho. Maria Madalena num primeiro momento não O reconheceu, os próprios apóstolos nos outros Evangelhos aparecem como assustados, pensando que fosse um fantasma. Tem algo novo, por quê? Porque é o mundo de Deus, é o mundo de Deus que aparece nesse nosso mundo frágil e finito, nesse nosso mundo condenado à morte. Em Jesus ressuscitado, aparece a eternidade. Quando Santa Bernadete falava de Nossa Senhora, ela dizia: nunca vi nada mais lindo, e depois daquelas visões a luz do sol deste mundo não era mais tão brilhante. Ela viu a Luz da eternidade, isso os apóstolos viram, o mundo de Deus. Por isso que a pregação do Evangelho, é pregação de um mundo humano possível. Jesus, enquanto estava conosco, pregou o amor fraterno entre nós, valores novos e Ele morreu por isso, porque essa era a vontade do Pai, que nós nos amemos como irmãos. Então é possível construir um mundo mais parecido com aquilo que Jesus anuncia, mais parecido que aquilo que Jesus viveu, nós podemos fazer, porque Ele se fez um de nós. Ele não é um fantasma e se Ele amou com amor humano, nós também podemos, com a graça Dele podemos imitá-lo, podemos segui-lo. E São João vai dizer que o verdadeiro amor a Deus aparece no amor ao próximo. Se você ama o próximo, é porque você ama a Deus. Você não pode dizer que ama a Deus se despreza o teu irmão, nisso o amor de Deus se manifestou. Deus nos amou primeiro não só em questão de tempo. Ah, Jesus nos amou há dois mil anos atrás. E o pessoal que tinha morrido antes de Jesus, Deus não amou? Não. Deus ama sempre. O amor de Deus é presente, ele é eterno. Nós que temos passado e futuro. Nós vivemos um presente que goteja, nós não saímos disso, nossa vida é sempre este tempo que goteja. Mas Deus é presença eterna, então o amor Dele é imutável desde antes a criação do mundo, e será imutável também depois da consumação dos séculos. Deus nos ama, Deus nos amou primeiro neste sentido, é amor eterno. É amor antes do tempo, e vai ser amor além do tempo. Nós podemos imitar este amor, Jesus nos mostrou como, Deus que é amor eterno se tornou humano, e nos amou com a capacidade humana, nos ensinou a ser fiéis, até a morte se for preciso. Esse é o caminho de Deus, esse é o caminho do amor eterno e nós podemos fazer, porque Deus nos ajuda, Deus nos dá a sua graça, nós sozinhos não podemos, mas a graça de Deus pode fazer isso em nós. Ele sustenta a fraqueza humana, Ele vai além, até mesmos das nossas infidelidades, dos nossos pecados, das nossas fraquezas. Todos os santos tinham as suas fraquezas, todos os santos talvez tivessem seus pecados, mas a graça de Deus suporta, carrega, dá força para aqueles que buscam viver na fidelidade.

Depois nós temos essa primeira imagem, uma imagem pitoresca da igreja primitiva, os discípulos, os irmãos tinham tudo em comum, vendiam tudo o que tinham e colocavam aos pés dos apóstolos, isso é tudo muito bonito, se o mundo acabasse em um ano. O problema é que o mundo não acabou em um ano e, com esse modelo, eles foram muito ingênuos e algum tempo depois o dinheiro acabou, venderam tudo, acabou. E as outras comunidades tiveram que ajudar a comunidade de Jerusalém. São Paulo fez uma grande coleta entre as comunidades para ajudar a comunidade de Jerusalém, e ali nos descobrimos que o nosso modelo deve ser o da solidariedade, dar de coração, sem constrangimento e sem má consciência. Dar o que te diz o coração, esse é o ensinamento de São Paulo, que depois vai guiar as práticas das comunidades cristãs. Vamos pedir ao Senhor que nos ajude a amar, que Ele nos ajude a ser mais irmãos e irmãs dos outros, participar mais dos sofrimentos dos outros. É tempo de pandemia, mas nós podemos ser solidários. Solidários na ajuda aos mais necessitados, que agora no Brasil são mais de 19 milhões, isso dos famintos, porque se fala em 100 milhões de pobres, nós estamos no desgoverno mais absurdo das últimas décadas, e a solidariedade é possível. É possível nos tornar próximos dos que sofrem. Quantas pessoas perderam seus familiares. Ah, mas eu não posso visitar. Você pode mandar uma mensagem, você pode fazer um telefonema, tem muitos jeitos. E jeitos que não custam, você não tem que ir ao correio para mandar uma mensagem de WhatsApp. Vamos colocar-nos à disposição das pessoas. Às vezes eu não posso ir visitar, mas eu posso fazer uma compra e ir levar até a pessoa, tem tantos modos de ajudar. Vamos fazer o melhor que podemos.

Hoje também é o Domingo da Misericórdia, o que que nos lembra isso? Deus é misericordioso. Nós pensamos – porque nós somos vingativos, extremamente vingativos – que a misericórdia e a justiça não andam de mãos dadas. A misericórdia é a irmã, eu diria sinônimo, da justiça divina. A misericórdia de Deus vai muito além, infinitamente além da nossa justiça, que é extremamente vingativa, muitas vezes não é curativa, não reintegra as pessoas, na maioria das vezes não as ajudam a ser cidadãos melhores. Não é essa justiça que Deus tem. A nossa concepção de justiça é vingativa, que é mandar um monte de gente para o inferno. Deus não é assim não. A alegria de Deus é ver o inferno vazio. Aliás, o inferno é a solidão esquizofrênica de tudo. Deus é misericórdia e bondade. Quando nós celebramos o Domingo da Misericórdia, as portas da misericórdia de Deus estão escancaradas. Isso não quer dizer que estão escancaradas hoje, agora. A misericórdia de Deus está escancarada desde a criação do mundo e se mostrou a nós na cruz de Jesus. Jesus carrega em si estes sinais. É a misericórdia de Deus que se derrama sobre nós e nos chama continuamente a ser melhores. Caminhe os passos de Jesus, busque o bem das pessoas, não procure só o seu interesse, pense nos outros, não se coloque como melhores que os outros, mas como servo dos outros, quem mais tem, mais tem que dar. Quantos talentos nós temos, vamos pôr à disposição. Este é o chamado que o Senhor nos faz, nós, cristãos católicos, devemos ser as pessoas mais alegres, a gente tem que andar na rua rindo sozinhos, porque nós sabemos que Deus é bom. Deus quer que todos sejam felizes e nós devemos fazer o possível para que todos sejam felizes já neste mundo com a prática da justiça e a paz entre as pessoas. Vamos louvar a Deus pela sua bondade, pela sua Misericórdia, por nos ter dado seu Filho Jesus, como revelador do Pai.

171013430_1597003967163358_7734940460088
Que a alegria da ressureição transforme o mundo

Padre João Aroldo Campanha – Domingo de Páscoa (Ano B) – 04/04/2021(Missa às 10h).

Nós não podemos, de modo nenhum, reprovar, nem Maria Madalena, nem as outras mulheres, nem Pedro porque foram ao túmulo procurando um cadáver. É o drama humano: a morte.

Nós prestamos culto aos mortos. Quando nós estudamos o passado do ser humano, nós podemos dizer que, a partir do momento em que foi feito o primeiro enterro, ali existe ser humano, não apenas um corpo. Mas dali para frente, tem-se consciência da existência da alma humana.

Alguns animais têm certa reverência pelos mortos. Os elefantes fazem guarda para o morto por horas e, depois, simplesmente o abandonam. Alguns primatas, chimpanzés e macacos também se aproximam do morto, tocam-no, mas, após certo momento, viram as costas e vão embora, entregando-o à putrefação. O ser humano não. O ser humano reverencia este mistério, que é a morte. Por isso, para nós, neste tempo de pandemia é tão difícil olhar os que morrem com COVID. Nós, praticamente, não podemos prestar, no momento, culto ao cadáver.

Maria Madalena levanta-se, ainda de madrugada, prepara aqueles aromas para cuidar, demonstrar toda sua devoção, carinho e gratidão a um cadáver. E não é possível que faça diferente. Quando Maria chega ao túmulo, nós podemos dizer que sentiu ainda a “rocha quente” da ressurreição. Ela não acredita e na sua cabeça se passa o que passaria a qualquer um de nós: roubaram o cadáver. Isso a transtorna. Ela corre até os apóstolos: “roubaram, roubaram o cadáver! Roubaram o corpo. Não está mais lá”. Como um defunto não sai andando, concluiu que o roubaram. E os dois discípulos correm. O discípulo amado corre mais rápido. E aqui nós temos uma figura teológica: o amor nos atrai. Tem algo estranho ali, e ele é atraído por isto.

Pedro está imerso em suas desilusões. Ele esperava um Messias político, um Messias que fosse restaurar Israel. O Rei Messias que iria fazer de Israel a nação mais gloriosa do mundo. O descendente de Davi prometido por Deus. Ele caminha – talvez até corra –, mas sob o peso dessa enorme desilusão. João chega na porta do túmulo, na beirada do túmulo, abaixa-se – porque a entrada do túmulo era uma descida –, olha dentro daquela sala e vê as faixas. É como se o corpo tivesse “evaporado”. É isso que João viu e crê.

O amor vai além. O amor supera as coisas comuns do dia a dia porque ele consegue ter entendimentos que a razão comum não consegue ter. Depois chega Pedro, que olha e permanece perplexo ao ver que o cadáver não está aqui. Em seguida, voltam para casa. A Sagrada Escritura nos diz que, depois deste fato, em algum momento do dia, Jesus apareceu a Pedro. Tanto que, à noite, quando os discípulos de Emaús voltam, eles mesmos vão dizer: o Senhor ressuscitou e apareceu a Simão. É a revelação de Deus, que é algo que vai além da nossa possibilidade.

Jesus nos revela o que está no coração de Deus. E só quem está no coração de Deus pode revelar isso. Jesus nos revela filhos de Adão, filhas de Eva, criados do barro. Mas nos diz que não é este barro, este pó, a última palavra da vossa vida. A vossa vida é para a eternidade. É vida para luz. E o caminho é Jesus. Caminho este que começa aqui, neste mundo. Porque se a nossa vida tem sua plenitude, o seu cumprimento, é porque esta vida é um caminho que pode ser gasto para amar, para fazer o bem, para transformar o mundo em um mundo de irmãos. Esta é a grande novidade do Evangelho. Esta é a Palavra de Deus que nos é revelada pelo próprio Deus, que é Jesus. Não com simples palavras, mas com sua vida, com a sua ressurreição.

O Pai coloca o selo da sua aprovação na vida humana de seu Filho, que estava com Ele na Glória antes da criação do mundo, na eternidade. Este Filho, que se esvaziou da sua glória e se tornou um de nós, caminhou nas nossas estradas. Ele faz o caminho do Pai. Ele mostra a fidelidade do Pai e nos chama a ser fiéis como Ele. Assim como Ele se fez humano como nós, isto mostra que somos capazes, cada um a seu modo, cada um na sua medida de seguir os passos de Cristo. E isto não por nossas forças, com nossa boa vontade, mas abrindo-nos à graça do Espírito Santo de Deus.

Vamos pedir ao Senhor que a alegria da ressurreição, que nos mostra que nossa vida é um além, nos ajude a transformar este mundo, para que ele seja sempre mais parecido com aquilo que é a Glória do Pai. Que nós possamos, apesar das nossas fraquezas – e também com elas –, apesar dos nossos pecados – que Deus perdoa –, trilhar o caminho humano de Jesus, porque este é o caminho da vida eterna.

170511355_1596278030569285_1340657286791
A ressureição nos ensina a amar

Padre João Aroldo Campanha – Vigília Pascal (Ano B) - 03/04/2021 (Sábado Santo, missa às 18h)

Meus irmãos e minhas irmãs, a fé em Jesus ressuscitado é a nossa força. A fé em Jesus ressuscitado é a garantia da nossa ação. Jesus nos mostrou, no Evangelho, que o Pai trabalha, a criação não foi terminada. Jesus é o ser humano, o ser humano desejado por Deus na eternidade. Ele gerou o seu Verbo Eterno, seu Filho e o desejo que Ele fosse o Homem perfeito. Não existem outros super-homens. O super-homem é o Homem da Cruz, é o Homem que é fiel até a morte, o Homem que anuncia a paz, a paz que Deus nos dá e a paz que nós podemos construir.

Com a ressurreição de Jesus, inicia-se o oitavo dia da criação. Deus repousa, e Deus quer que toda a criação – o ser humano e toda a criação – entre nesse oitavo dia. O número sete é número de completamento, o número oito é a eternidade, a volta sobre si mesmo. Eternidade. Deus nos criou para a eternidade, em Jesus, o Cristo. Ele nos criou, olhando para o seu Filho. O seu Filho, a seu tempo, desceu do céu, se tornou um de nós, nos ensinou a ser humanos – humanos novos, não mais nos fazendo de barro, mas nos ensinando a amar, nos ensinando a fidelidade ao Pai, nos ensinando que nós somos irmãos e irmãs. Nós nos lamentamos do mundo, mas por que o mundo é como é? Porque o mundo não vive o anúncio de Jesus. O mundo não vive considerando o outro como irmão, por isso promove guerras, por isso promove a fome, num tempo onde nós temos mais que o dobro do necessário de comida para a humanidade, nós ainda temos milhões de pessoas que morrem de fome, invejas, a busca do lucro desenfreado à custa de milhões de desempregados. As situações mais mesquinhas desde o roubo da merenda até gastos astronômicos numa nave espacial, ou pior, uma bomba atômica! Por quê? Porque não aprendemos a ser irmãos. Desrespeitamos as pessoas, consideramos as pessoas descartáveis, segunda, terceira, quinta categoria. Não consideramos o outro como um irmão. Irmão é igual, igual em dignidade. Quanto mais um irmão sofre, mais os outros tem que ajudar, porque o que vale não é o lucro, mas a vida do outro.

Esse é o novo que Jesus nos trouxe, essa é a verdade que transformará a face da terra em um mundo novo. Essa é a parte nova da criação que Deus confiou a nós, Ele nos mandou seu Filho, desejado desde a eternidade, para que fosse para nós modelo, para que fosse para nós caminho, para que fosse para nós ponte, força, para que possamos também nós com sua ajuda e com sua graça ser verdadeiramente filhos e filhas de Deus, homens e mulheres que promovem e vivem a paz. A paz entendida da forma hebraica, a paz que é vida, saúde, casa, educação, respeito, acolhida das várias diversidades da humanidade. Paz que é prosperidade, mas prosperidade que é fruto do trabalho comum, onde todos têm a oportunidade de dar seus frutos para o bem de todos – de todos, não de 2% da humanidade, não para 10%, para todos os irmãos que diante do Pai são iguais. E como é difícil para nós aceitar e entender isso, nós queremos sempre ser diferentes, os melhores, aqueles que apontam os dedos para os outros, aqueles que dizem inclusive: você é um pecador, não te posso abençoar... Como somos arrogantes! Deus morre pelos pecadores e faz um absurdo, leva consigo para a eternidade um assassino. Os malfeitores que estavam na cruz com Jesus estavam envolvidos com homicídio, por isso foram condenados do jeito que foram condenados, e Barrabás também iria acabar com eles lá, no mesmo lugar, só que Jesus pegou o lugar dele. Jesus leva esses homens para junto Dele, como para dizer pra todos nós: ninguém é melhor que ninguém. Ninguém é melhor que ninguém, todos são chamados a ser irmãos, todos! E a salvação é para todos, inclusive para os absurdos e cínicos assassinos de Jesus. Ninguém é excluído da salvação. Isto também nos deixa perdidos, como é possível? Isto é incompreensível sim, porque o amor de Deus é maior do que nós, a misericórdia de Deus é mais justa do que a nossa justiça, e o Pai quando ressuscita Jesus e o recoloca no trono da sua glória – glória que Ele tinha antes da criação do mundo, porque é Filho, igual ao Pai, mesma dignidade, mesma divindade. Ele diz: é exatamente isso o homem novo. A fidelidade, que se torna doação e chega ao extremo de dar a vida, se necessário, nos faz homens e mulheres novos. Vida nova. Às vezes, nós pensamos em coisas do outro mundo, mas é na vida do dia a dia que nós vivemos a fidelidade a Deus, que nós vamos aos poucos nos assemelhando mais a Cristo: um pai de família que se dedica aos filhos e a esposa, a mãe de família que se dedica aos filhos e ao esposo, a família que se dedica ao bem da comunidade, do bairro, da cidade, as pessoas que se ajudam entre si, que praticam a justiça e promovem a paz, resolvendo os conflitos com diálogo, as nações que se ajudam e não se roubam.

Nestes dias, ouvimos falar da situação terrível que estão sofrendo a população que está sofrendo lá no Norte de Moçambique, milhões de pessoas levadas à beira do desespero e da morte. E se você vai escavar nisso, não são guerra entre etnias, não são grupos de fanáticos. Sim, tem tudo isso, mas isso tudo é pago, insuflado e promovido pelos grandes produtores e recolhedores de gás natural. Não estão preocupados com a população, com o bem do povo de Moçambique que seria extremamente rico, se este gás extraído para o bem também dos outros povos, rendesse benefício para eles. Não, deve-se esmagar esta pobre gente, levá-los à morte e à fome, com tanto que nenhum metro de gás seja tirado a menos que as nações que estão explorando continuem se enriquecendo. No Iêmen, ao lado da Arábia Saudita, estamos tendo uma situação muito parecida. Sem falar do Brasil, que há anos e anos não tinha nível de corrupção tão alto como agora. As organizações mundiais começam a nos colocar outra vez entre as nações de governos corruptos, se nós nos preocuparmos com o outro como irmão, nós, nesta hora, já teríamos vacina para todos, nós não teríamos catorze milhões de desempregados. Catorze milhões de desempregados multiplicados por quatro ao menos nos dão mais de cinquenta milhões de pessoas sem renda em casa. Isto é um absurdo, um desastre! E grandes empresários se enriquecendo, durante a pandemia. Enquanto os pequenos quebram, os grandes se enriquecem. Venda tudo, jogue tudo no lixo, venda a preço de banana, metade da banana vem para o meu bolso, o resto, jogue para o povo, deixe o povo morrer. Estas são as consequências de não ver o outro como irmão. Jesus nos ensina que só na fraternidade nós poderemos ser realmente humanos, verdadeiros filhos e filhas de Deus. E o Pai deu a sua aprovação a Jesus, ao seu modo de fazer, ao seu modo de pensar, aos seus sentimentos, à sua fidelidade. A ressurreição é o selo do Pai que proclama “Este é o meu Filho amado”. Nele e à imagem Dele, Eu criei o universo, o ser humano e o ser humano deve aprender a ser como Ele.

Vamos pedir ao Senhor que ele nos ajude a nos convencer que só quando nos damos a vida e promovemos a vida, vendo os outros como irmãos e irmãs é que nós estaremos no caminho da verdadeira paz, do verdadeiro respeito pelo outro.

169699252_1595615557302199_6391820393766
Ser fiel ao Pai, como Jesus

Padre João Aroldo Campanha – Paixão e Morte do Senhor (Ano B) - 02/04/2021 (Sexta-feira Santa, celebração às 15h)

A cruz de Jesus e o seu processo mostram o que é ser do Pai e ser dos poderes do mundo, ser do deus mamona. Jesus era indiferente ao templo. Jesus muitas vezes foi ao templo, mas para fazer pregações, não aparece em nenhuma página da Escritura que Jesus, durante seu ministério, participasse de algum ritual do templo. Dessa forma, Jesus desautoriza o templo. Jesus já tinha expulsado os vendilhões do templo e isso causou um escândalo.

No momento em que Jesus é preso, Ele desmascara também a mentalidade até mesmo de seus discípulos. Pedroainda espera o messianismo de força e de poder. De fato, ele tinha uma espada e corta a orelha direita do servo do sumo sacerdote. O sumo sacerdote, quando era consagrado, não podia ter defeito físico nenhum e ele era "ungido" – não se diz ungido porque era sangue. O sangue do sacrifício se passava exatamente no lobo da orelha direita. Pedro, cortando essa orelha, em um ímpeto de raiva, São João vê nisso a de sagração do sumo sacerdote. O sumo sacerdote, que na verdade é Anás, Caifás era só uma figura de momento. Caifás foi sumo sacerdote de 6 d.C. até 15 d.C. Depois disso, ele colocou cinco filhos dele, um atrás do outro, como sumo sacerdotes, e finalmente colocou o próprio genro, mas quem manipulava tudo, quem governava tudo era Anás. De fato, é para a casa dele que levam Jesus e vão dizer "a casa do sumo sacerdote". Ele era o grande manipulador, homem rico, avarento, que vai julgar por trás, que manipula as cartas, que faz as mentiras parecerem verdades. Ele chantageia, manipula as massas e se aproveita de uma mentalidade do povo que tinha desacreditado nos reis. Herodes, Magno, aquele que fez a perseguição aos inocentes quando Jesus era pequeno, aquele homem era um usurpador, ele e seus filhos Arquelau, Herodes Antípa, e outros filhos que teve eram todos usurpadores, então o povo não acreditava mais nesses reis. O povo começou a acreditar nos sumos sacerdotes, e reconheciam neles a grande autoridade. É um perigo, quando a autoridade religiosa se torna autoridade civil e política, quando se torna autoridade econômica. Foi exatamente isso que aconteceu com os sumos sacerdotes e Anás jogava esse jogo muito bem, perverso. Jesus vai dizer que o inimigo é o pai da mentira, assassino desde o início, o grande servo do inimigo aqui é Anás. Jesus já tinha desautorizado o templo, Pedro cortando a orelha direita do servo do sumo sacerdote que por acaso se chama Malco – Malco significa "rei". Jesus desautoriza o sumo sacerdote e aqueles que se dizem reis. Destitui, não reconhece a autoridade religiosa nem aquela civil. Estes homens são todos servos do deus mamona, do deus dinheiro, do deus lucro, e o deus mamona só pode dar uma coisa: morte, exploração, humilhação. Não se interessa com nada, a única coisa que interessa é que os cofres estejam cheios, mesmo que os pobres tenham que jogar dentro deste cofre, tudo o que tem para viver. É assustador.

O que os hebreus esperam no Messias? Que reforme o culto, que reforme as instituições, que faça de Israel uma grande nação, aliás, a maior nação do mundo e que posso dominar sobre o mundo, impondo a Lei de forma implacável. Jesus não aceita nada disso. Deus é amore o amor dá a vida. O amor não mata, o amor morre para que o outro viva. Isso é o absurdo que eles não aceitam. Nem Pedro entendia isso, se não ele não tinha levado a espada. Nem os outros apóstolos entendiam isso, porque senão não iam brigar entre si, dizendo que ia ficar a direita e a esquerda de Jesus. Todos fugiram. Pedro segue Jesus com o discípulo amado de longe, ou seja, "eu não tenho que aparecer, vamos ver no que vai dar". E, quando Pedro é confrontado, ele cede, "eu não aceito esse Deus aí não, eu não aceito esse Messias, esse Messias me pede pra acabar que nem Ele e eu não quero". Isso nos ajuda a ver que o caminho do Evangelho é desafiador, mas Pedro se arrependeu, retomando várias vezes o caminho... Quantas vezes Pedro voltou atrás? Muitas, até São Paulo desmascarou Pedro pela sua hipocrisia uma vez. Como esse homem fez um vai-e-vem, que é muitas vezes o nosso caminho, mas por fim, foi fiel.

É um caminho difícil e, Jesus não aceitando o poder deste mundo, Ele vai ser difamado, visto como um endemoniado, um herege, e depois eles o condenam como um malfeitor. Ele foi detonado, humilhado, com uma morte terrível, porém o Evangelho é muito sutil quando diz "Jesus tomou sobre si a cruz". Jesus vai livremente para a morte como a dizer "eu morro para ser fiel, eu morro para amar, o ódio não pode ser respondido com ódio". O que vence o ódio, o que vence os poderes do mundo é o amor radical até o fim, por isso Jesus coloca a cruz sobre os ombros, Ele pega a cruz, Ele carrega a cruz. Claro que a cruz seria imposta, mas tem esse detalhe, Ele pega a cruz, Ele faz da cruz algo seu, esse sinal, essa opção de ser de Deus, de ser do Pai, de ser fiel ao Pai, de ser a revelação do Pai, de mostrar "Eu sou Deus, e Deus ama até o fim". Deus não destrói, Deus não mente, Deus não manipula, Deus se entrega e Jesus faz isso.

O Evangelho de João é muito seco nas palavras de Jesus quando está na cruz, mostra a mãe e o discípulo amado, Jesus que tem sede, Jesus que entrega o espírito. "Eu atrairei todos a mim". Maria e João se aproximam de Jesus, é um gesto para escutar as palavras deste homem torturado e agonizante e, nesse movimento, Jesus reconhece o caminho que vai ser feito, aqui começa a atração do mundo, o mundo inteiro virá atrás de Jesus, o mundo terá vida se seguir o caminho de Jesus. Amor, liberdade, paz, solidariedade, justiça, fraternidade são essas as palavras que devem ser acompanhadas sempre dentro daquilo que chamamos de caminho cristão. Durante a Campanha da Fraternidade, vimos a palavra "acolhida do diferente", esse é o caminho de Deus, não o caminho dos preconceitos, dos ódios, dos muros, mas o caminho da acolhida e do respeito, do reconhecer na outra pessoa, seja quem for, um irmão e uma irmã minha, com a mesma dignidade, de filho e filha de Deus. Jesus paga com a vida por isso.

Nós podemos pensar "Nossa, mas é tão pouco", não é tão pouco. Pautar a vida por esses valores, pode nos levar a morte, reconhecer que os sofredores e os explorados são dignos de atenção, cuidado, pode nos levar a morte. Ameaças de morte têm tantas. Nós temos exemplos, e muito recentes, pessoas que cuidam dos pobres e que são ameaçadas de morte. Tivemos muitas pessoas, especialmente no campo, entre operários, entre camponeses que foram mortos, por quê? Porque não aceitam, em nome de Jesus, o mundo da morte e da exploração do outro. O caminho de Jesus é muito forte, o amor de Deus vai muito além do que o que os poderes deste mundo podem fazer. Os poderes deste mundo podem te matar e, além disso, o que sobra para eles? Todos nós vamos morrer, todos nós vamos encontrar com nada, todos nós teremos este momento terrível do estar sem nada, de ser nada. E nisso nós vemos Jesus também solidário com todos nós, Jesus desce ao frio do túmulo, talvez com tantas figuras românticas, Maria Madalena que chora, Nossa Senhora que O segura, tem muito romanticismo aqui, mas Ele está no frio do túmulo. Quando se coloca a tampa, quando se gira as costas, Jesus assume esse lugar. Se faz solidário com toda a humanidade, da morte nenhum de nós escapa. Há os que são santos, há os que são extremamente pecadores, há os monstros da história, mas, na morte, todos nós somos solidários, e Jesus abraça a nossa morte. Jesus morre a nossa morte, carregando sobre si o que nós somos capazes de produzir, morte, destruição, pecado. Jesus carrega tudo isso consigo. Nenhum de nós pode se dizer inocente diante de Jesus crucificado, e os inocentes aparecem crucificados. Procuremos especialmente neste tempo aprender de Jesus, aprender de Jesus que nos dá a vida, aprender de Jesus que não mata, aprender de Jesus que não condena as pessoas, aprender de Jesus que se coloca do lado e junto dos que sofrem daqueles que são tidos como amaldiçoados pela religião. Lá nos tornamos discípulos de Jesus, esses valores nós temos que aprender a colocar na nossa vida, porque só assim seremos discípulos, luz para o mundo. É um caminho difícil sim, cruz não é de chocolate, é um caminho duro, mas é o caminho da vida, da liberdade.

Lembra um fato, não sei se vocês se lembram... Há alguns anos, teve uma grande revolta e manifestações na China, e tinha até tanque de guerra. Uma pessoa se colocou na frente dele, e o tanque de guerra passou por cima do sujeito. É um absurdo, fizeram protestos internacionais, a China teve que mudar uma série de coisas rápido, porque as repercussões tinham sido terríveis, porém, aquele homem não se deixou intimidar pela violência e pela escravidão. Ele preferiu morrer livre, ele se colocou na frente do tanque de guerra, ninguém o obrigou a fazer aquilo, ele o fez livremente. Isso nos ajuda a entender o que Jesus fez. "Eu não vou responder ao ódio do mundo com ódio, o mundo com seus poderes não destrói a minha liberdade, o mundo com seus poderes não me impede de amar até o fim". Isso é redentor, isso salva, e a resposta do Pai virá na madrugada do domingo, mas vamos permanecer diante da cruz. Facilmente nós queremos sair dela, especialmente nesses dias, tantos problemas, isolamento, depressão... São momentos difíceis? São, até eu fico chateado de vez em quando, mas é a cruz! Vamos aprender, vamos caminhar mais uma vez, vamos fortalecer nossa esperança, Jesus não se abate, vamos abraçar a cruz, porque depois da noite longa, por mais longa que seja, sempre vem a aurora. Nós vamos permanecer diante da cruz porque a aurora vai chegar.

169144641_1594654077398347_3193263162223
Fidelidade ao caminho de Cristo

Pe. João Aroldo Campanha – Ceia do Senhor (Ano B) – 01/04/2021(missa às 18h30).

Última Ceia. Um momento cheio de tensão e, pela dinâmica daquele momento, nós percebemos que os discípulos não estavam entendendo nada. As pessoas que sabem que estão enfrentando de cara o inimigo, sabem que o inimigo vai se aproximando e que o cerco vai se apertando, e chega a hora que a pessoa sabe que vão matá-la.

Jesus já tinha percebido isso. Dias antes, ele já tinha dito isso, em várias ocasiões. Antes, ainda, Jesus já tinha dito “o Filho do Homem vai ser traído, vai ser morto”. Os seus discípulos não entendiam porque a ideia que eles têm é a ideia dos poderes deste mundo, que usam tudo o que podem para se manter por cima, para encher-se de privilégios, para encher os bolsos.

Era assim há dois mil anos e é assim hoje. Usam de tudo, e um dos instrumentos é o medo, a ameaça. Já tinham tentado matar Jesus. Já o tinham avisado: “olha, Herodes está querendo te matar”. No templo, mais de uma vez, pegaram pedras para apedrejar Jesus até a morte, mas Ele consegue escapar. É a ameaça. E, para isso, usa-se de tudo: a mentira, a manipulação. Para quê? Para que o outro ceda, para que o outro mude o seu discurso, para que o outro, de algum modo, entre no jogo. E é essa a grande tentação de Jesus.

E este é o cenário diante da morte iminente de Jesus, homem de meia idade, pleno das suas energias, onde é massacrado e morto. Só que Jesus faz uma coisa que muitas vezes nós não conseguimos nem imaginar: Jesus quer a fidelidade do Pai porque Jesus é a revelação do Pai, e o Pai é fiel até o fim. Jesus é fiel até o fim, e o fim humano é a morte.

Jesus não aceita a tentação de dar uma desviada, de deixar de enfrentar. “Adoce as palavras, mude um pouco, entre no nosso jogo”. Jesus desmonta um mundo de autoridades judaicas daquele tempo, que era todo apoiado no templo, na sua administração, dinheiro, poder e solidificado com a lei. A lei, que deveria ser o sinal da fidelidade de Deus, se tornou o lugar da morte. A aplicação implacável de normas e regras infalíveis - porque os doutores da lei interpretam de forma infalível - não tem espaço para Deus.

Deus foi posto fora do jogo e Jesus, que é Deus, a revelação do Pai, será posto fora do jogo. Jesus sabe e está angustiado. É a angústia humana. Todos nós trememos diante da morte. Todos nós trememos quando nós vemos os abismos se abrirem diante de nós ou quando nós vemos as trevas que nos envolvem. É difícil. Jesus vive este drama de permanecer fiel, sabendo que isso vai pedir a sua morte, vai pedir a sua vida.

Mas Jesus, para se manter fiel ao Pai, para permanecer no amor do Pai - e não na morte da lei -, abraça livremente a morte, não cede. Morre para ser fiel e para mostrar o rosto de Deus, que é amor. Nessa tensão, Jesus se reúne com seus apóstolos. No dia seguinte, eles teriam celebrado a Páscoa hebraica. Mas aquela celebração não foi uma Páscoa hebraica. E, um dia antes, foi uma celebração muito especial, onde aconteceram alguns gestos que são muito diferentes dentro do contexto de aliança, de celebração sagrada. Mas tem algo tão forte, tão estranho, tão novo, que aquelas palavras ficaram marcadas como fogo na memória daqueles homens.

Dois dias depois, quando dois deles estão fugindo para outra cidade, chegam a Emaús, encontram este forasteiro. E quando este forasteiro abençoa o pão, aquelas palavras de fogo se acendem de novo no coração deles. E eles reconhecem, naquele gesto, a plenitude da vida de Jesus. Ele que estava ali caminhando e falando com eles. E, sem seguida, desaparece. Permanece o pão dividido, o amor entregue até o fim e a vida doada. Essa é a mensagem do Evangelho, essa é a mensagem da Eucaristia.

A Eucaristia é uma escola de Cristianismo, é uma escola do Evangelho, como o Pai-Nosso. A Eucaristia é o próprio Jesus que, todas as vezes, se dá para nós. O Deus vivo nos convida a sermos pão dividido para os outros e fidelidade ao amor até o fim, com todas as consequências que isso possa pedir de nós. Fidelidade é a palavra de Jesus em relação ao Pai.

Nisso nós nos tornamos irmãos e irmãs, e é um caminho. Nós, na eternidade, fomos desejados por Deus, à imagem do verbo encarnado, à imagem de Jesus. Mas esta semelhança a Jesus nós construímos no nosso dia a dia, quando nós buscamos sempre, e de novo, ser fiéis ao evangelho. Sempre, e de novo, ser pão repartido para os outros, para que os outros tenham vida, vida doada.

Então a morte de Jesus toma todo um outro sentido: fidelidade, amor pelo Pai e por aqueles que abraçam o caminho do Pai, que também é o amor. E, atentos, o contrário de amor é poder. O ódio é um substrato do poder. O poder desse mundo esmaga, mata. Por isso Jesus, na última Ceia, faz esse sinal estranho, absurdo: lavar os pés. Este era um trabalho de um escravo que não valia mais nada. Mas eu, que sou Mestre, faço assim. Vocês, discípulos, aprendam a fazer isso, todos os dias, durante toda a vossa vida: ser servos dos outros. E, se as circunstâncias nos colocam em situação de comando, lembrem-se: um cristão serve. Para nós, tudo é serviço, não é privilégio. Não é ocasião de se enriquecer, não é ocasião de favorecer grupos especiais, não é ocasião para mentiras.

Jesus e o seu amor desmascaram as mentiras, desarmam o medo. Há duas situações que podem nos dar um pouco esta ideia. E estas situações são tiradas dos muçulmanos. Duas coisas que os muçulmanos têm de muito interessante, que escandalizam a nós, homens e mulheres do Ocidente. O soldado muçulmano não vai para a guerra pensando em voltar para casa. O soldado muçulmano vai para a guerra para morrer por uma causa. E esta é a coisa que mais coloca os soldados ocidentais, de nosso povo, em desespero: eles jogam tudo, mas nós jogamos até certo ponto.

Outro ponto que os muçulmanos nos sacodem é ficar escandalizados com o crucificado. Eles acham horripilante um cadáver pendurado em uma cruz. Infelizmente nós, cristãos, perdemos isso. A cruz, para nós, virou obra de arte. Nós, diante de um crucifixo, achamos bonito – dizemos “que bonito, que coisa linda”. A cruz é um horror. A cruz é a pior tortura à qual podia ser submetida uma pessoa dois mil anos atrás pelo Império Romano. É uma monstruosidade.

Nós deveríamos realmente ter terror diante da cruz. Mas aquilo é amor de quem não teme ser esmagado para ser fiel. E a Eucaristia é isso: serviço na fidelidade, amor radical, que não faz conchavos, que não se vende, que não mente, que não faz narrativas para esconder a verdade, que não vive inventando ameaças para que as pessoas se distraiam dos seus crimes. A cruz é amor radical. A cruz é o lugar onde Jesus mostra até que ponto vai a fidelidade de Deus: até o fim.

Jesus assume a nossa humanidade, e o fim para nós, neste caso, é a morte injusta, massacrada, sob tortura. A Eucaristia nos lembra tudo isso. A Eucaristia nos chama sempre à fidelidade. Por isso, São Paulo [1Cor 11,23-26] – quando vê que os irmãos, antes de celebrar a Eucaristia, fazem banquetes sem que todos da comunidade participem e fazem distinção entre os pobres e os mais ricos – diz que a Eucaristia desse jeito é condenação. Por quê? Ele desmascara essa incoerência. Como você pode ser pão dividido para todos se você faz distinção de pessoas?


E, aqui, nós podemos pegar o tema da Campanha da Fraternidade: como é possível ser cristão se vivemos divididos? Se somos intolerantes, racistas, homofóbicos? Pessoas que aplaudem alusão à tortura, pessoas que aplaudem a limitação da liberdade das pessoas são incoerentes com a Eucaristia! Não pode um cristão viver na incoerência com essa palavra que se faz pão.

Muitas vezes nós nos descobrimos incoerentes e Jesus nos convida, na infinita paciência divina: “acerte o seu passo, acerte o caminho, venha comigo, tente de novo, melhore, converta-se, confesse os seus pecados, peça ajuda aos seus irmãos e irmãs na fé”. A fidelidade, para nós, é uma construção. Mas o importante é ter a coragem de, todos os dias, outra vez, retomar esse caminho de se seguir a Jesus. Aprender da Eucaristia, que é amor coerente até o fim, que Deus se dá, sem distinção. Jesus não faz distinção entre as pessoas e vai chegar ao absurdo de pedir perdão ao Pai pelos seus cínicos assassinos. Tal é o absurdo do amor de Deus que perdoa até quem não pediu perdão. É difícil, mas é esse o caminho de Jesus. E o Espírito Santo nos dá as forças para seguir esse caminho.

Nós estamos aqui hoje, mas não podemos fazer o Lava-pés. Mas nós temos aqui a cânfora, as sandálias – que lembram exatamente o descalçar-se para ser servidores –, temos as uvas e o trigo, que é moído – o grão, se ele quer ser pão, ele tem que aceitar ser triturado. Quem aceita seguir Jesus, aceita este caminho de triturar os seus egoísmos, os seus interesses mesquinhos, para ser, para os outros, pão. Pão novo, pão que dá a vida. Esse é o nosso caminho, ser pão e vinho. A uva também é esmagada. E a uva esmagada, nos dá o vinho. Mas o vinho é alegria, a alegria desse mundo novo. Este mundo novo, que é o amor.

Vamos pedir ao Senhor que nos dê a graça de aceitar ser grão de trigo, que aceita moer os seus egoísmos para ser farinha boa, para ser pão para todos.

homilia 28-03-21.jpg
A morte de Jesus nos dá vida eterna

Pe. João Aroldo Campanha – Domingo de Ramos e Paixão do Senhor (Ano B) – 28/03/2021

(Missa às 10h).

Parte I

 

Jesus, antes da Páscoa, vem e entra em Jerusalém. Era uma festa popular, e Jesus simplesmente entra no meio dessa festa. Todos esperavam que a entrada do Messias em Jerusalém fosse alguma coisa parecida com a apoteose do imperador de Roma; no entanto, Jesus entra em Jerusalém na humildade, porque esta é a característica de Deus: a humildade. Deus não precisa parecer grande; Deus não precisa se mostrar gigantesco: Ele é. Por isso, pode ser humilde, pequeno, e fazer uma entrada triunfal no meio de uma festa popular.

 

Vamos pedir ao Senhor a graça de poder reconhecer Seus gestos de humildade, que são bem mais fortes que os nossos grandes gestos de poder.

 

Parte II

 

O Evangelho de Marcos [Mc 15, 1-39] nos coloca a crueldade deste momento que é a morte de Jesus. Essa é a parte mais antiga dos Evangelhos, e o Evangelho de Marcos é o mais antigo de todos eles. Jesus é destruído, e a coisa mais absurda é ver que Deus aceita ser aniquilado. Foi um complô dos sumos sacerdotes, com uma ajuda inesperada de um dos discípulos de Jesus – que o Evangelho de Marcos nos deixa com este amargo na boca. Judas foi, de livre vontade, até os sumos sacerdotes. Livre vontade, não queria nada. Traiu o seu mestre, depois prometeram dinheiro para ele. Mas ele não estava preocupado com dinheiro, ele tinha se desiludido com Jesus.

 

No Getsêmani, o Jesus de Marcos é um homem que está lutando contra o terror do sofrimento. Jesus está estendido por terra, implorando ao Pai que afaste Dele o cálice do sofrimento. Essa mesma cena era usada por muitos pagãos para debochar do Jesus que os cristãos chamavam de Deus: "Como é possível que um Deus se jogue no chão, como uma criança, pedindo que o Pai afaste Dele o sofrimento?". Deus não tem medo de tremer diante da maldade humana. A grandeza de Deus, a grandeza de Jesus, está em abraçar, até o fim, esta situação terrível: morte injusta (verdadeiro assassinato), provas falsas, chantagem contra o governador e deboche. Jesus aceita tudo. Isso não é fácil. A pessoa pode ter até consciência de que está na lista dos que deverão ser mortos, pode ter até profunda serenidade; mas a morte sempre assusta, o modo da morte assusta.

 

Jesus é levado, interrogado em um processo que já estava praticamente pronto; sumariamente, decretam que Ele é culpado; e, agora, não basta dizer que Ele é um blasfemador. Um blasfemador seria apedrejado em praça pública até a morte. Não basta isso, eles não se contentam com esse pouco, querem mais. Jesus tem que ser colocado como escória. E isso não é uma coisa só dos judeus, não é uma "coisinha nossa"; Roma, com todo seu poder, vai demonstrar que esse sujeito não vale nada, que é um criminoso da pior espécie – é isso que eles querem, e por isso vão pressionar o procurador. Eles sabem que o procurador está em uma situação de muita fragilidade, e o chantageiam, forçam a mão. E o procurador recua, lava as mãos dizendo: "Este crime é vosso. Vocês me chantagearam, porque sabem que eu estou em uma situação fraca". Porém, só o nome de Pilatos entrou para o "Creio"...

 

Jesus carrega a cruz, que era o símbolo da infâmia. Existe uma maldição, no Antigo Testamento: "Maldito o que morre no madeiro". Jesus é crucificado fora da cidade santa, fora das muralhas. Jesus faz um caminho de, aproximadamente, 600 metros, que é o caminho do Calvário. Crucificado entre inimigos do Estado. Por que não crucificaram discípulos de Jesus? Para não dar nenhuma importância a Ele. Por que colocaram Jesus entre malfeitores comprovados? Eles eram assassinos, tinham assassinado um soldado ou um cidadão romano – era o único modo que levava as pessoas à crucificação. Barrabás seria um deles. Inimigos do Estado, pessoas que complotaram contra o Estado, não só contra os judeus. Pior ainda: contra o Império!

 

E, já na cruz, Jesus abraça nosso abismo da morte. Lá, em outro lugar, em um "tempo sem tempo". No mito de Adão e Eva, a árvore da vida foi lugar do "Não"; a árvore do bem e do mal foi lugar do "Não". Agora, uma outra árvore, um outro madeiro, se torna lugar da fidelidade: fiel à vontade do Pai até o fim, fiel à vontade do Pai mesmo vendo tudo que se destrói, fiel à vontade do Pai mesmo sendo engolido pelo abismo da morte. Jesus grita: "Pai, por que me abandonaste?". É uma frase do Salmo 21, que nós ouvimos durante as leituras. Esse é o salmo que canta essa situação dramática do servo de Deus, mas é um salmo que termina convidando todos a louvarem a Deus, porque a mão de Deus é maior que o abismo da morte, é maior que a maldade humana, é maior que a associação dos nossos pecados contra o Ungido do Pai.

 

E Jesus entrega o espírito. Deus entrega vida. Deus só pode dar a vida. E Jesus entrega a vida. Expira. Sopra o Espírito. A vida de Deus se mantém na eternidade. Deus é vida. O Espírito Santo é a vida em Deus. Jesus, ao mergulhar no abismo da morte, abre para nós o caminho da vida: Ele se torna caminho, Ele se torna ponte entre nós e a vida eterna do Pai.

 

Ter a coragem de olhar Jesus na cruz. Jesus tem como companheiros dois assassinos. Deus se solidariza com os sofrimentos, com as dores, com os horrores da condição humana. Jesus quer salvar a todos, não exclui ninguém. O momento mais alto da nossa salvação, Deus o viveu entre dois assassinos. Deus ama realmente o ser humano! E não adianta querer quase dissuadir Deus do Seu eterno desejo de amor. Até da morte Ele faz ressurgir vida! A paixão na cruz é o lugar da solidariedade, onde todos e cada um de nós pode, realmente, se identificar com Jesus. Ele assumiu toda nossa dor, a nossa miséria, as nossas contradições. Sofreu com todas elas e por todas elas. Ali, naquele homem, nós estampamos tudo que nós podemos: toda a nossa maldade, todo o nosso pecado.

 

Teve um santo, São Jerônimo, aquele que traduziu a Bíblia do grego e do hebraico para o latim. No fim da vida, Jesus apareceu para ele e disse: "Jerônimo, me oferece alguma coisa tua". Jerônimo falou: "Ah, eu te ofereço a Bíblia que eu traduzi". "Não, isso eu não quero. Fui eu que te dei a capacidade para fazer isso". "Eu te ofereço as minhas penitências tremendas, de anos e anos e anos". "Isso não me interessa. Fui eu que te dei a força para fazer isso". E ele foi oferecendo outras coisas e outras coisas, e Jesus falava: "Não, isso eu não quero, isso aí fui eu que permiti que você fizesse". "E o que eu posso te oferecer então, meu Senhor?". E Jesus falou para ele: "Me ofereça os teus pecados". Esta é a única coisa realmente nossa que nós podemos oferecer a Deus: os nossos pecados. E reconhecer, no Crucificado, os pecados que nós estampamos Nele. Ele não pegou os nossos pecados, nós estampamos esses pecados Nele, por isso Ele carrega os nossos pecados. E só quem é capaz de se reconhecer pecador pode mergulhar com Jesus, como nas águas do batismo, mergulhar na morte para ressurgir na vida eterna.

 

Vamos pedir ao Senhor que nos dê esta consciência do amor incondicional que Ele tem por nós; nos aproximar do Crucificado sem medo, reconhecendo que somos necessitados da Sua graça para podermos viver já a vida nova do amor e da solidariedade. É esse o caminho que Jesus tem para nós.

homilia 21-03-21.jpg
Ser fiel aos planos do Pai

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo da Quaresma (Ano B) – 21/03/2021

(missa às 10h).

Jesus entende a Sua missão destinada primeiro ao povo hebreu. Jesus não tem dúvida que a sua missão, que o seu evangelho, tem que ser anunciado para o mundo. Porém, primeiro a Israel porque este é o povo da aliança, um povo escolhido por Deus. Não porque era melhor que os outros, não. Mas Deus escolheu este povo porque quis! Outros povos fizeram êxodos; outros povos acreditaram em deuses; outros povos experimentaram a própria providência de Deus pensando que eram outros deuses. Contudo, Deus escolheu Israel por pura misericórdia, assim como poderia ter escolhido qualquer outro povo. Elegeu Israel e, com isso, Ele quer demonstrar a Sua fidelidade a este povo, para mostrar a sua fidelidade a todos os povos.

Nesta passagem do Evangelho [Jo 12,20-33], nós percebemos que as coisas estão ficando muito difíceis para Jesus. Quando você assume certas atitudes, certos modos de pensar, você sabe que, em algum momento, o cerco pode fechar em volta de você. E Jesus sabe que as coisas estão se complicando para o lado Dele. E em toda essa máquina que vai se apertando, falta ainda uma peça da engrenagem, que é Judas.

Jesus sabe que é questão de dias, talvez de horas. E estando no templo, vêm estes dois discípulos e falam para ele: "tem um pessoal aí de língua grega". São hebreus da diáspora, hebreus que moravam fora, na Grécia. Talvez, na sua viagem para Jerusalém para comemorar ali a Páscoa, ouviram falar neste profeta, neste pregador, neste homem que fazia sinais, milagres, e querem ver Jesus.

Quando Filipe e André vêm falar com Jesus, Ele diz: "agora é a hora marcada; chegou o tempo; de agora em diante, o anúncio vai ser o anúncio da fidelidade". A fidelidade do Pai vai ser revelada por Jesus na cruz. Naquele período – e o último de todos esses momentos vai ser o Horto das Oliveiras –, Jesus ainda poderia mudar a história: escapar, fugir, mudar as cartas. Mas Ele sabe que, se fizer isto, Ele sabe que estará faltando com a fidelidade ao Pai.

Jesus, que é a revelação do Pai, permanece fiel. E, diante daquilo que Ele sabe que pode e que vai acontecer, Ele sente angústia. Repare que não se diz medo, mas sim angústia. Ninguém quer sofrer torturado. Ninguém quer morrer sob tortura, mas este é o momento da prova. Ou Jesus é fiel até o fim, ou Ele falhou na missão e não revela o Pai. E, como Jesus é a revelação do Pai, Ele se mantém fiel.

Outros povos já foram atraídos pois o nome de Jesus já chegou no ouvido deles. E esses outros povos vão ver o quê? Vão encontrar Jesus onde? No testemunho dos apóstolos que conheceram Jesus na sua entrega absoluta, para revelar a fidelidade do Pai até na crucificação. O amor do Pai vale a vida, e Jesus entrega tudo. E, nessa entrega, Ele se mostra doador de vida. Deus faz isso, doa a vida. Jesus revela o Pai, a força do Espírito, dá a vida para doar vida eterna para nós. Isso é o amor de Deus.

Peçamos ao Senhor a graça de, também nós, sermos fiéis, sabendo que muitas das nossas atitudes e afirmações podem ter consequências dolorosas para nós. Porém, o que conta é sermos fiéis ao Pai.

homilia 14-03-21.jpg
A luz de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo da Quaresma (Ano B) – 14/03/2021

(missa às 10h).

Nós estamos, praticamente, no meio da Quaresma; um pouquinho mais da metade. O domingo de hoje é chamado Domingo Laetare: "Domingo da Alegria" – é por isso que o padre usa essa cor mais fraca de roxo, quase rosa, para lembrar que é um domingo mais suave no caminho da Quaresma. Por quê? Para nos prepararmos para as três semanas que ainda faltam. Temos duas semanas para chegar ao Domingo de Ramos; depois, a grande semana, que é a Semana Santa, em que nós celebramos o mistério da morte, sepultura e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.

 

Na primeira leitura [2Cr 36, 14-16. 19-23], nós ouvimos a história da infidelidade do povo, e como essa infidelidade acabou colocando o povo numa situação de desgraça. Veio o rei da Babilônia e tomou tudo! Esse rei era um louco, era perverso, era horrível – Nabucodonosor. Ele levou os grandes de Jerusalém e da Judeia presos para a Babilônia e deixou para trás o povo mais pobre, de modo que a Judeia ficou praticamente largada, abandonada a si mesma. Depois de 70 anos, o Império Babilônico desabou e foi conquistado pelo rei Ciro, da Pérsia. Ele tinha uma política bem diferente daquela do rei da Babilônia. E o que ele fez? Queria que todos os vários povos adorassem os seus deuses; bastava que pagassem os impostos para o rei e podiam adorar o deus que quisessem. Então ele manda que construam de novo, em Jerusalém, o templo que o rei Nabucodonosor tinha mandado destruir.

 

E aí nós temos a ação de duas grandes figuras: Esdras e Neemias (um era governador e o outro, o sumo sacerdote), que praticamente fundaram o que nós chamamos de judaísmo primitivo. Foi Esdras que estabeleceu os cinco livros da lei, a Torá – Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio –, porque ele fixou esses textos, que eram trechos muito antigos, de muitas tradições; ele, com ajuda de sacerdotes e anciãos, juntou tudo para que se falasse "uma língua só". Desse modo, ele conseguiu dar uma identidade para o povo judeu, e esses livros passam a ser luz para o povo. Por quê? Com a volta dos filhos dos deportados, colocou-se uma grande questão: "Afinal de contas, nossa religião, nossa identidade como nação, vai continuar ou vai desaparecer?". Então Neemias e Esdras têm essa preocupação: "Nós vamos marcar bem a identidade do nosso povo, deixando escrito, claro; pegando todas as nossas tradições e deixando aqui, juntas, para que o nosso povo não se disperse, não erre". E eles conseguiram. Sua obra foi grandiosa!

 

Depois, nós temos essa imagem de Jesus no Evangelho [Jo 3, 14-21]. Nicodemos é um membro do sinédrio – e ele vai, inclusive, chamar a atenção dos membros do sinédrio quando começam a acusar Jesus, lá no capítulo 2 do Evangelho de João; ele fala: "Calma. A nossa lei não permite condenar uma pessoa sem, antes, ter provas". E eles ainda xingam Nicodemos... Esse homem, à noite – para que os outros não saibam –, vêm conversar com Jesus, e Jesus vai falar das coisas do Reino para ele. Uma das questões é esta: o Pai mandou seu Filho para que todas as pessoas que crerem em Jesus tenham a vida eterna. E todos aqueles que se aproximam de Jesus têm suas obras iluminadas, porque essas pessoas não têm medo da luz. As nossas obras boas aparecem, mas os nossos pecados também aparecem... E a misericórdia de Deus nos perdoa e nos ajuda a nos convertermos. Nós não temos que ter medo da luz de Jesus, porque se Jesus mostra os nossos erros é para que nós possamos caminhar com Ele, melhorar, acertar o passo, continuar na vida da luz. Têm pessoas que não querem Jesus, porque suas ações são das trevas – uma pessoa egoísta, uma pessoa que só pensa em passar a perna nos outros, uma pessoa que é capaz até de corromper juízes, políticos... Essa pessoa não quer se aproximar de

Jesus. Você se aproxima de Jesus, seu pecado aparece, e muitas dessas pessoas não querem mudar de atitude, elas se afastam, não querem a luz. Porque se elas se aproximam da luz, elas são convidadas a se converter, e para essas pessoas a conversão é dolorosa, porque é exigente.

 

O Reino de Deus tem uma força que é dele. Não depende de nós, é dele. E Jesus vai dizer: "Vocês se lembram quando o povo reclamou de Deus e de Moisés no deserto? Deus mandou umas cobras para pegarem o povo, daí o povo foi, arrependido, pedir perdão. E Deus falou: 'Constrói uma haste e, nela, põe uma cobra de bronze. Todos aqueles que olharem para ela serão curados'. É exatamente a mesma ideia: quando Jesus for elevado na cruz, todos aqueles que se aproximarem Dele terão vida eterna". Essa é a Palavra de Jesus.

 

Quando Jesus, na cruz, está agonizando (no Evangelho de São João), tem ali a mãe e o discípulo amado – Jesus não chama Maria pelo nome, chama de "mulher". E Ele diz: "Mulher, eis aí teu filho; filho, eis aí tua mãe". Jesus está agonizando, e as palavras desse agonizante são ditas com dificuldade. Então São João quer mostrar Maria e o discípulo que se aproximam, fazem um movimento para ouvir Jesus que está na cruz, um movimento de atração. Quando Jesus vê esse movimento, Ele diz: "Está consumado, agora eu expiro". Esse movimento de se aproximar da cruz nunca mais vai acabar, a humanidade inteira vai chegar e será chamada pela cruz.

 

Essas semanas atrás, nós vimos o Papa Francisco que foi ao Oriente Médio se encontrar com líderes muçulmanos e com antigas comunidades, antigas tradições católicas, cristãs, lá no Iraque e outros países dali. Para mostrar o que? Jesus une as pessoas. Jesus é capaz de colocar na mesma mesa, como irmãos, cristãos católicos, ortodoxos, muçulmanos, hebreus. Deus é capaz de unir as pessoas. Vamos sentar e conversar, vamos aprender. Não vamos deixar que nossas religiões – especialmente, as três grandes religiões que chamamos abraâmicas (que reconhecemos nosso pai comum em Abraão): Hebraismo, Cristianismo e Islamismo – serem manipuladas por interesses e facções políticas, mas possam, realmente, anunciar a fidelidade e o amor de Deus. Foi um ato corajoso o do Papa Francisco, muito corajoso; ele foi em regiões realmente tensas. Mas quando nós queremos a luz do Evangelho, nós conseguimos fazer isso.

 

A partir de amanhã, nós do Estado de São Paulo vamos entrar em um período severo de lockdown, isolamento social. Os doentes chegaram a números absurdos. E, hoje, um ato de amor pelos irmãos e irmãs, pelos nossos próprios parentes, para com nossos amigos, filhos, pais, é ficarmos em casa! Quinze dias. Para tentar fazer com que o número dos doentes diminua, para que nossos hospitais possam dar conta da demanda. Aqui, em SP, já tem gente que está morrendo em filas, esperando a ventilação, esperando a UTI – e não só o pessoal com Covid, porque se você enche as UTIs, as pessoas que estão precisando de atendimento por causa de um infarto, de uma situação grave, não têm como ser atendidas. A doença só vai ser controlada com a vacina! Fazendo lockdown, não vai acabar a contaminação, não, essa só acaba com a vacina. E, infelizmente, nós temos, de um lado, os governadores, que lutam pelo fechamento, para poupar vidas, e nós temos, do outro, o doido que só pensa na economia – "Põe todo mundo para trabalhar! Morre! Não tem problema, a gente enterra...". Daqui a pouco, não vamos ter lugar nem para enterrar esse povo! Se nós contivermos a transmissão, poderemos cuidar das pessoas. Sua mãe, se tiver Covid, vai poder ser atendida. Seu irmão, sua esposa, seu filho... Vão poder ser atendidos. Se nós não respeitarmos isso, nós vamos morrer na fila.

 

Teve um governador, esses dias, que fez um discurso falando: "Gente, não interessa em quem você votou. Deixa isso para lá! Nós temos que cuidar de vidas". E ele falou assim: "Por amor de Jesus Cristo, fiquem em casa!". Vamos cuidar, pessoal. Nenhum de nós quer participar de enterros de paroquianos, nenhum. E eu muito menos! Eu não quero que a minha gente, que o meu povo morra por descuido. Nós somos rigorosos, agora, no agendamento, em medir a temperatura... Nós somos a única igreja aqui na região que faz o povo passar o pé no tapete higienizador. Por quê? Porque nós amamos vocês! Nós queremos o bem de vocês! Nós não queremos mortos. Vamos oferecer a Deus como penitência – não estamos na Quaresma? Penitência. Ficar em casa, essa é uma ótima penitência para este tempo! "Ah, mas eu queria tanto...". Fique em casa! "Meu Senhor, eu Te ofereço este tempo como penitência: vou ficar em casa o mais que eu puder". Sair, só para as coisas essenciais. E, assim mesmo, com todo o cuidado. Vamos tentar, vamos dar o melhor de nós mesmos. Nós não estamos pedindo para subir a Serra do Mar a pé; estamos pedindo para ficar em casa, só isso, gente. Vamos fazer esse esforço para o nosso bem e para o bem daqueles que nós amamos.

homilia 07-03-21.jpg
Viver em unidade como irmãos

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo da Quaresma (Ano B) – 07/03/2021

(missa às 10h).

A Primeira Leitura de hoje nos traz o livro do Êxodo e fala sobre o decálogo: os dez mandamentos. Ouvindo esta leitura nós vemos que os três primeiros mandamentos são muito compridos. E os três primeiros mandamentos, nós chamamos de "primeira tábua". A "segunda tábua" começa com o amor aos pais: "Amarás os pais", "Não Matarás", "Não cometerás adultério"... enfim, esta é a segunda tábua. A primeira tábua são as que se referem a Deus: "Amar a Deus sobre todas as coisas", "Não tomar Seu santo nome em vão" e "Guardar o dia do Senhor". O que nós percebemos nesta primeira tábua? Que Deus exige de nós reverência, na linguagem teológica nós dizemos "temor de Deus", mas temor de Deus não é medo, é um dom do Espírito Santo. A reverência a Deus é reconhecer a grandeza de Deus, o Seu amor, a Sua sabedoria e a Sua bondade. Nós diante de Deus somos nada, somos pó, pó que o vento leva embora, só Deus é desde a eternidade e será por toda a eternidade. Nós somos por graça e misericórdia de Deus. Nós temos que cuidar muito de não mentir em nome de Deus. "Não tomarás Teu santo nome em vão" não é só não dizer "Ai meu Deus", não... É mentir em nome de Deus ou então querer ser deuses. Existem muitos deuses falsos: o deus da ganância, o deus do ódio, o deus que quer que o outro valha menos do que nós, esses são os deuses falsos, não é o Deus da vida.

 

Deus não precisa mostrar que é grande e poderoso, porque Ele é. Quem é uma coisa não precisa ficar gritando para todo lado o que é, tanto que nós estamos sustentados pela misericórdia de Deus e nós não vemos Deus, Ele não aparece, e Ele nos sustenta e dá a vida. Deus pode ser humilde e absolutamente invisível. E essa é a grandeza do Pai, Ele não tem que mostrar o que Ele é, mostrar no sentido de ser reconhecido pelos outros, Deus não precisa disso. Por isso que Ele pede o santo temor, a reverência, porque a reverência faz reconhecer que nós dependemos Dele completamente. E se nós dependemos de Deus, nós vamos seguir os Teus preceitos. E os preceitos de Deus são vida. É muito interessante nós vermos lá no final do livro do Deuteronômio, quando Deus fala para Moisés: "Eis que coloco diante de ti e do teu povo, a vida e a morte. Se você observar meus preceitos vai ter a vida, se você não observar meus preceitos, você vai caminhar para a morte". Escolhe então a vida! Engraçado, às vezes a gente pensa que ser livre é poder escolher entre a vida e a destruição, entre a vida e a morte. A ordem de Deus é outra. Liberdade verdadeira é escolher a vida! E olha só que coisa engraçada: escolher a vida, porque o caminho que Deus nos mostra é um caminho de vida. E Jesus vai dizer "Eu sou o caminho verdadeiro para a vida!". Jesus, Ele mesmo, o seu modo de fazer, as suas opções, Jesus conhece os corações das pessoas, Ele sabia que aqueles chefes dos judeus que estavam ali conversando com Ele, eram todos falsos. Se nós seguirmos a leitura do Evangelho, logo para frente eles vão se reunir e vão preparar o processo de morte de Jesus. O processo de Jesus estava pronto há mais de um ano, talvez até dois, quando eles finalmente O condenam, pegam Jesus por traição e O condenam a morte. Um processo rapidinho que não acontecia naquele tempo, eram longos os processos. Mas foi bem rápido, do dia para a noite, aliás, da noite para o dia, porque foi no meio da noite, por quê? Provavelmente o processo já estava pronto. Aquela gente era gente falsa. Mas Jesus não se engana com o coração das pessoas falsas, Ele conhece e sabe. Ele sabe que Herodes é uma raposa e fala isso: "Vá dizer para aquela raposa que eu fico aqui ainda, três dias pois eu tenho que cumprir minha missão". A terrível prova que colocam Jesus: "Mas afinal, temos que pagar os impostos para César ou não?", e Ele responde: "Dai a César o que é dele, e para Deus o que é de Deus, mas saibam que vocês ficam mostrando esta moeda, vocês não estão seguindo Deus". É interessante. Jesus conhece muito bem o coração dessa gente.

 

E o que nós vemos aqui no Evangelho de hoje? Essa imagem que às vezes choca, porque nós nos acostumamos com uma imagem muito "frufru" de Jesus, um Jesus bonzinho, delicado, de fala mole... esse Jesus nunca existiu! Jesus anuncia o reino, a salvação, chama as pessoas para mudar de vida e não é com discurso "frufru" que você chama as pessoas para mudanças fortes na vida delas. E uma dessas imagens que mais chocam em Jesus é a da expulsão dos vendedores do templo. Nós quando pensamos no templo de Jerusalém, o máximo que a gente consegue é pensar é em uma igreja grande como a Basílica de Aparecida, do Vaticano, ou a Igreja da Penha no Rio de Janeiro. O templo de Jerusalém era muito mais do que somente uma igreja para o povo rezar, nós temos que pensar que o templo de Jerusalém era tudo, ele era como se fosse: o congresso nacional, o supremo tribunal federal, o banco central e a casa da moeda tudo juntos e a igreja, tudo a mesma coisa. Os sacerdotes comandavam tudo, tanto que eles fazem um tribunal e condenam Jesus a morte. Eles não podem condenar a morte de cruz, que era o que eles queriam, só o governador podia fazer isso, por isso que eles chantagearam o governador. É esse o mundo do templo que Jesus condena, o templo que deixou de ser o que deveria ser, o sinal da unidade do povo de Israel, o lugar que se celebra a aliança com Deus, o lugar onde o povo é realmente irmão um dos outros, onde se vive a fraternidade, onde se acolhe o outro. Por isso Jesus vai dizer para a samaritana "Nem aqui e nem em Jerusalém, os adoradores do Pai o adoram em espírito e verdade".

 

E aí nós perguntamos: quem é o templo do Pai? É Jesus. "Destrua este templo e eu reconstruirei em três dias". Jesus está dando um sinal para os hebreus pois eles viviam pedindo sinais. "Mostra um sinal do céu para nós acreditarmos". Jesus vai condená-los por causa disso, Ele vai dizer "Desfrutem três dias deste templo aqui". Jesus é o templo, Jesus é o novo lugar da adoração do Pai, e como nós adoramos o Pai? Fazendo as coisas que Jesus fazia, assim nós adoramos o Pai. "Nossa, então nós não temos que ir à igreja?" Tem sim. Na igreja, nós nos sentimos comunidade. Na igreja, nós somos comunidade, comunidade de fé, comunidade que reza para poder imitar Jesus lá fora, levar o anúncio de Jesus lá fora. Aqui nós encontramos a Eucaristia, a vida de Jesus toda entregue para nós, para que nós possamos ser eucaristia para o mundo. Aqui nós encontramos a Palavra de Deus, a palavra que ilumina o nosso caminho. São Francisco dizia que a Palavra de Deus é tão poderosa que quando o sacerdote pronuncia as palavras escritas no Evangelho "Isto é o meu corpo, Isto é o meu sangue", essas palavras são tão poderosas, que o próprio pão e vinho se tornam corpo e sangue de Jesus, é o poder da palavra. Aqui nós nos encontramos como irmãos e irmãs para aprender, e como é difícil aprender isso, todos somos iguais. Não pode ter distinção entre nós, não podemos excluir as pessoas, porque é mais pobre, porque é preto, porque é gay, porque pensa desse jeito ou porque pensa daquele. Somos irmãos! E entre irmãos podemos até ter opiniões diferentes, mas o que conta é a nossa união. Somos capazes até de deixar de lado opiniões diferentes para podermos juntos viver como irmãos e irmãs, e Jesus é o lugar da nossa adoração ao Pai. Qual Jesus? Lá na cruz. Jesus sabia muito bem as consequências daquele gesto absurdo que Ele fez no templo, Ele sabia muito bem, mas a verdade tem que aparecer, mesmo que seja o custo da própria vida. Esse é Jesus, é isso que nós temos que aprender.

 

Vamos pedir ao Senhor nessa Quaresma que Ele nos ajude, e eu proponho, o que já foi proposto há algum tempo na Campanha da Fraternidade dos Negros, eu proponho como modo de aprender a acolher o diferente, deixar de fazer piada com três tipos de pessoas: com os pretos, com os gays e com os nossos irmãos e irmãs protestantes, cuidado! Piada que envolve pretos a gente identifica fácil, contra os gays então nem se fala, mas nós somos muito sutis e maldosos com os nossos comentários contra nossos irmãos protestantes, os crentes. Vamos nos propor, nessa Quaresma, a aprender a respeitar as pessoas, a morder a própria língua e não falar piadas destes três tipos de pessoas, e nós vamos estar dando um passo a mais no caminho da fraternidade. Nós vamos ser mais adoradores de Jesus.

homilia28.02.jpg
Esperança em tempos difíceis

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo da Quaresma (Ano B) – 28/02/2021

(missa às 10h).

Na primeira leitura, nós encontramos esta situação tremenda: Abraão, que tem o seu único filho legítimo – ele tinha outros filhos; naquela época, era poligamia, então ele tinha outros filhos com outras mulheres, mas a esposa que ia dar o herdeiro a ele era Sara, e ela não tinha filhos. Deus prometeu a ele: “Sara vai ter um filho, e esse filho, dessa mulher, será o herdeiro. É ele o herdeiro, não o filho das outras, mas o dela”. Sara teve a criança, e quando o menino já tinha mais ou menos 10, 12 anos, Deus diz: “Agora você vai sacrificar o teu filho para mim”. Lógico que Deus não falou uma coisa dessa; essa era uma tradição pagã, Abraão vinha de uma terra pagã, ele era um pagão. Deus o chamou de Ur, da Caldeia; antes, ele era um pagão – um homem reto, justo, mas um pagão. Não existia o povo hebreu ainda. E Abraão vai, com todas essas tradições religiosas, seguindo o chamado de Deus: “Sai da tua terra e vai para onde Eu vou te mostrar”. E Abraão acreditou em Deus, e ele se torna um adorador de Deus. Abandona os deuses pagãos e se torna adorador de Deus – por isso nós chamamos Abraão de “o pai da nossa fé”, dos hebreus, dos cristãos e dos muçulmanos.

 

Então ele vai, com essa tradição: “Eu vou oferecer para Deus o meu filho”. E Ele põe isso na boca de Deus. Mas Deus não é um monstro, e o que Ele fala? “Está bom, meu filho, pode parar com esse negócio. Eu vi a tua fidelidade, a fidelidade até de oferecer um filho para a divindade! Eu vi, já está bom, pode parar. Oferece um carneiro em vez do teu filho. Mas por causa dessa tua disposição, dessa fé enorme, você vai ter uma descendência maior do que as estrelas do céu, mais do que as areias do mar”.

 

Fidelidade. O nosso Deus é fiel. O nosso Deus nos ama. E Ele não quer a morte de ninguém. Ele salva os Seus filhos! E Ele vai mostrar isso também para o povo no deserto. O povo estava com o exército do faraó atrás dele, com armas, com cavalos... E eles a pé, com mulheres, crianças, velhos, rebanhos. E, de repente, o mar à frente! O que você faz? Estavam perdidos, acabou. E, na última hora, Deus abre um caminho no meio do mar. O povo está no deserto, à beira de morrer de fome; Deus os faz encontrar o maná. O povo está com sede; Deus faz jorrar água da rocha. O povo está cansado dessa comida leve – o maná é uma resina, muito leve, dá para fazer umas broinhas, mas é muito leve; Deus manda os pássaros, que estão fazendo a migração anual e param bem naquela região. Mandou alimento para o povo, salvou o povo da guerra – um grupo muito pequeno que conseguiu destruir um inimigo muito mais forte por causa das orações de Moisés. Isso é para que? Para o povo aprender: Deus nos ama! Deus não quer a morte de ninguém. Esse é o Pai de Jesus: Ele não quer a morte de ninguém.

 

Jesus, no Evangelho de Marcos, nós vemos que Ele faz pregações e o povo fica admirado: “De onde vem essa autoridade?”. Depois, Jesus faz milagres. “Mas como é que ele comanda até os espíritos impuros?”. As pessoas ficam se perguntando: “Mas quem é esse fulano que cuida da gente, que se compadece das nossas dores, das nossas doenças? Quem é esse fulano?”. E um belo dia, Jesus pega três dos Seus discípulos e sobe nessa montanha, o Monte Tabor, e ali se transfigura. Deus mostra um pedacinho do céu. E é muito interessante que nós temos um outro momento, em um outro Evangelho, que fala disso também. Quando Maria Madalena estava lá, à beira do sepulcro, Jesus não estava lá e ela estava desesperada: “Cadê esse corpo?”. Pergunta a uma pessoa que ela vê chegando perto: “Mas o que você fez com o corpo? Diz onde está que eu vou buscar”. A mulher nem sabe o que está falando... Aí o sujeito a chama pelo nome: “Maria”, e os olhos dela se abrem, e ela vê Jesus ressuscitado. Ela também vê um pedaço do céu! E a reação dela é muito parecida com a reação de Pedro: “É muito bom estar aqui”. Ela quer abraçar Jesus, ela viu o céu, ela viu a luz eterna, ela viu a vida de Deus – Jesus ressuscitado é a vida de Deus! E ela quer isso para ela. Jesus vai dizer: “Calma. Ainda não é o tempo, não me toques. Vai anunciar aos meus irmãos que Eu os espero”. E, de fato, naquela noite ainda, Jesus vai aparecer para os doze.

 

Jesus, no Monte Tabor, se transfigura. Esses três apóstolos veem um momento da glória de Deus. E quem está perto de Jesus? Moisés e Elias. Moisés é o grande legislador do povo de Israel, foi aquele que deu uma configuração para esse povo por meio da lei. E Elias é o primeiro dos profetas. Interessante: os dois morreram séculos antes de Jesus. Moisés, mais de 1200 anos antes de Jesus; Elias, muitos séculos antes. E os dois estão vivos, falando com Jesus. Jesus vai dizer: “Para Deus, todos vivem”. A morte nos coloca imediatamente diante de Deus, e nós aparecemos exatamente o que somos diante Dele.

 

Pedro e os outros dois, João e Tiago, escutam esta voz. Veem a nuvem e a sombra, e ouvem a voz do Pai em cima de uma montanha. O que isso lembra? O Monte Horeb: Moisés no deserto, a nuvem que pairou sobre a montanha onde Deus deu a lei para Moisés. Jesus é a nova lei! Aquele que vai escrever nos nossos corações a lei divina, para que nós aprendamos de dentro a vontade de Deus. Jesus é também o cumprimento de todas as profecias, representadas por Elias. Os dois estão voltados para Jesus, porque Ele é Senhor, Ele é Deus. E o Pai diz aos apóstolos: “Este é Meu Filho amado. Escutai-O”. Ele não é um profeta, não é um legislador; Ele é o filho amado do Pai, aquele que olha o rosto do Pai – o que nenhum ser humano pode fazer. Só quem é igual ao Pai pode olhá-Lo face a face.

 

Nós temos essa ideia absurda, que nasce do veneno do maligno em nosso coração, que pensa que os grandes, os “salvadores da pátria”, são pessoas que comandam, são despóticos, decidem a vida e a morte das pessoas. Jesus vai mostrar algo bem diferente. Ele não vai deixar os apóstolos lá, olhando as maravilhas do céu, não. A missão continua! Nós vamos descer esta montanha, e vocês não vão falar nada do que vocês viram até que se cumpra todo o caminho de Jesus.

 

Dali para frente, Jesus vai direto para Jerusalém, e lá Ele vai ser hostilizado, condenado, traído, assassinado. Assassinado como o pior dos criminosos – só crucificavam os piores criminosos contra o Estado Romano. A transfiguração é um sinal antecipado de esperança num tempo difícil, no tempo das trevas, no tempo da morte, para que os apóstolos não se desesperassem com a crucificação de Jesus. E, ainda assim, fugiram...

 

Este nosso tempo é um tempo de trevas, e a coisa mais assustadoras é que as pessoas não estão nem aí. Nós temos gente sentada no Planalto que está dizendo que não tem que usar máscara – bastou aquela meia besteira essa semana para muita gente deixar de usar máscara. Nós estamos em um tempo terrível! Cadê as vacinas? Os hospitais estão todos a 90%, 100% em alguns lugares. Já tinham avisado: o Brasil inteiro vai virar Manaus. Isso é tempo de trevas, isso é tempo de guerra. Uma vez eu falei um negócio e uma pessoa falou: “Padre, pelo amor de Deus, que isso não aconteça!” – eu falei isso no começo da pandemia: nós vamos ver os caixões passando em frente à igreja... Nós estamos às vésperas de ver isso. Isso é tempo de trevas, muitas trevas. E, para ajudar, nós temos um louco, desvairado, que não faz nem uma conta de mais de 270 mil mortos neste país. Tempo de trevas. Mas como disse nosso bispo, Dom Pedro: “Não existe noite que não chegue ao fim”.

 

A nossa esperança é Jesus. Nós vimos dias melhores, e a nossa esperança, hoje, é Jesus. “Ah, tá bom, padre, e na prática?”. Máscara! Higienização. Obedecer às normas de isolamento e lockdown: 21h, todo mundo em casa! “Ah, padre, mas eu gostaria tanto de dar um passeiozinho...”. Aguente, nós estamos em tempos de guerra. Mas a impressão que dá é que as pessoas gostariam que fosse uma guerra de verdade, com bombas derrubando casas, prédios, escolas. Muitos de nós estamos podendo ficar em casa. É um tempo difícil, mas com muita paciência, observando esses poucos meios de prevenção que nós temos – que não é remédio para tratar piolho –, nós vamos conseguir ver dias melhores. A nossa fé em Jesus nos ensina isso.

 

“Padre, o que tem a ver a transfiguração com esta situação que nós temos?”. Tudo. Porque a Palavra de Deus é luz para nossa vida. Para este tempo de trevas: paciência e perseverança. Amar aos outros. Como? Ficando longe por algum tempo. Não existe estrada mais longa que aquela que não começa nunca. Quanto mais desrespeitamos essas regras de segurança, tanto mais longe vai ficar o dia da luz. Quanto mais a gente insiste em nos reunir – 10, 12, 15, 20 pessoas – mais a gente vai ter mortes... Eu não estou falando isso por ouvir falar, não, eu tenho parentes que morreram por causa da Covid. Eu tenho famílias inteiras, da minha grande família, contaminadas. Gente que foi parar em UTI e, graças a Deus, não morreu. Por quê? Por causa da insanidade de se reunir 30 pessoas no Natal – tinha uma pessoa contaminada, que contaminou todos.

 

Vamos descer da montanha! Há um caminho a se fazer. O caminho pode ser difícil, pode ser demorado; mas vamos insistir nesse caminho, que nós vamos ter dias melhores. E vamos rezar. Eu não sei... Deus ajuda os loucos, ajuda também. Mas tem gente que não quer a ajuda de Deus, tem gente que é perversa. Então vamos pedir a Deus que encontre meios – Deus tem Seus meios, Seus modos – de nos salvar desse louco. Que Deus escute o grito do nosso povo neste tempo de trevas. Nos livre desses desvairados. E que, uma próxima vez, nós aprendamos que você só protesta de forma inteligente, e não chutando o pau da barraca, que nem fizemos em 2018. Tinha muita gente para ser eleita; nós elegemos o pior que podíamos. Olha no que é que deu... Estava descontente com o que estava? Todo o direito para mudar! Com inteligência, não com esta loucura. Olha o que nós colocamos lá! Eu, graças a Deus, não votei nele. Um louco, desvairado, que está matando o nosso povo.

 

Vamos rezar. Que Deus dê luz para nossa vida no Brasil, para nossa vida em São Paulo, em Santo André, na nossa paróquia de Santa Teresinha. Vamos pedir à Virgem Maria, Nossa Senhora Aparecida, que olhe por nós.

homilia22.02.jpg
Ser cristão é ser um missionário de Jesus

Homilia: Dom Pedro Carlos Cipollini – 1º Domingo do Tempo da Quaresma (Ano B) – 21/02/2021 (missa das 10h, Crisma de adultos).

Meus queridos irmãos e irmãs, reunidos nessa celebração eucarística, sei que cada um traz no seu coração sua fé, mas também suas preocupações e incertezas, coloquemos tudo isso no coração de Jesus e digamos: “Jesus nós confiamos em vós”. Ele se preocupa e cuida de nós. A fé é o nosso tesouro: muitas vezes caminhamos no deserto e no escuro, mas a luz da fé deve arder em nosso coração e brilhar iluminar a partir de dentro. Por isso, é tão importante estarmos aqui na igreja mesmo com todas essas limitações e observâncias, muito justas, legítimas desse distanciamento como o uso de máscara, álcool em gel, cuidado pela sua saúde e dos seus irmãos. Lógico que estamos cansados de um ano de pandemia, mas não existe noite tão comprida que não acabe – essa também vai acabar! Vamos continuar rezando e celebrando a nossa fé, vivendo a nossa esperança, é isso que no início dessa homilia quero dizer a todos vocês presentes e vocês que nos seguem pela internet na transmissão ao vivo.

 

A palavra de Deus que foi proclamada nos fala do nosso batismo. Nesse Primeiro Domingo da Quaresma, a Palavra de Deus vem dizer para você: você foi batizado, como você está vivendo o seu batismo? O que você faz da graça do sacramento do batismo que lhe é dada? A Primeira Leitura fala de Noé no dilúvio, onde as pessoas que foram salvas entraram na arca com os animais e o dilúvio devastou tudo, mas, depois do dilúvio, a arca pousou e essas pessoas que estavam lá dentro e os animais começaram de novo a vida na terra devastada por aquele dilúvio. Símbolo desse dilúvio purificador das águas do batismo limpou a terra dos pecadores etc., mas a água do batismo limpa você dos seus pecados para ter uma vida nova em Cristo Jesus e o Evangelho nos fala de Jesus que é tentado, mas falando ainda do batismo digo a vocês que vão ser crismados que hoje encerra um ciclo da vida de vocês. Como cristãos, vocês recebem hoje o último dos três sacramentos da iniciação cristã, que são o Batismo, a Primeira Eucaristia e o Crisma. Com esses três sacramentos, o cristão é declarado maior de idade na igreja. Ele já conhece Jesus, sabe quem é Jesus, tomou conhecimento da proposta de Jesus, como disse Jesus no Evangelho “convertei-vos e crede no evangelho”, tomou conhecimento de que o Reino de Deus que está próximo. O cristão adulto é aquele que conhece a pregação de Jesus que nos ensinou a nos esforçarmos, fazermos a nossa parte porque a graça Dele faz a maior parte para entrar no dinamismo do reino de Deus, que não é um lugar, não é só a eternidade, é um modo de viver. O cristão tem que ser diferente desta onda do mundo que aos poucos vai desconhecendo Jesus e ao lado de um desenvolvimento, um progresso, uma tecnologia maravilhosa humanamente falando, se empobrece no egoísmo, na ganância, na sede do lucro e em atos tremendos de falta de amor e caridade que vemos até nessa pandemia pessoas levando lucro, roubando, corrupção, falsificando vacina, tudo isso faz parte do mundo sem Deus, o cristão vive em um mundo com Deus e um Deus que tem um rosto, Jesus, Seu filho que se encarnou. Então, vocês que serão crismados, assim como todos que estão dentro dessa igreja que já foram crismados, são aqueles que optaram por seguir Jesus e nesse caminho somos tentados. Jesus foi tentado no deserto. Após seu batismo no Jordão, o Espírito Santo leva Jesus ao deserto e lá Ele é tentado por Satanás, mas vence as tentações. Jesus é tentado a se desviar do caminho, da vontade de Deus, a não acreditar na Palavra de Deus, a desconfiar do amor de Deus. Então o diabo diz pra Jesus “transforma pedra em pão, você está com fome e tem um poder enorme, se der pão pra todo mundo as pessoas vão te seguir”, mas Jesus disse “nem só de pão vive o homem, mas da Palavra de Deus”, porque o ser humano não tem sede só de pão material, mas tem fome do sentido da vida e Jesus não era um trambiqueiro que dava pão para a pessoa ir atrás Dele, não por Ele, mas pelo pão e assim por diante...

 

As tentações na nossa vida são muitas e onde é o deserto no qual somos tentados? No coração de cada um, é aí que você tem que decidir se segue Jesus ou não, se vai atrás de outros que te prometem felicidade ou de Jesus que promete a felicidade plena e a realização total da pessoa, mas passa pela cruz porque todo reino de Cristo é baseado no amor, e não existe amor sem a cruz. Não há prova maior do que dar a vida. Toda pessoa que ama, sofre e o sofrer ensina a amar. Jesus só teve um modo de mostrar seu amor, todos os outros foram negados ou desacreditados, a cruz, o sofrimento. E às vezes na nossa vida, quem é pai e mãe sabe que as vezes o único modo de amar o filho é sofrer por ele, porque ama e Jesus fez isso por nós e o cristão tem que segui-lo também.

 

Meus queridos irmãos e irmãs, nesse Primeiro Domingo da Quaresma, o Senhor nos convida à conversão e pergunta o que você fez do seu batismo e a Segunda Leitura fala da vida de comunhão: nós seguimos Jesus não isoladamente, mas em uma comunidade, porque acreditamos que Jesus morreu por todos não por um só. E quem nos ajuda nesse itinerário de conversão é o Espírito Santo. Vocês invocam o Espírito Santo todo dia? Precisa, é Ele que nos ilumina para não cairmos nos enganos, é Ele que nos dá força para vencer o desânimo, Ele que nos ajuda a perseverar, Ele que nos recorda que é Jesus. Vocês que serão crismados recebem o Espírito Santo que vamos invocar e ungir com óleo, símbolo da escolha de Deus para que vocês vivam a vida nova do cristão sem medo e covardia. O Espírito Santo é simbolizado pelo fogo e vento, o fogo simboliza o amor de Deus derramado no coração de vocês, o dom do amor para amar como Jesus amou, esse é o caminho da libertação: o amor, que liberta, acolhe para amar, assim como Deus te acolhe e te ama. E o vento sinaliza o movimento, o cristão não pode ficar parado. Aquele que encontrou Jesus tem que ser missionário levar Jesus ao outro, ir anunciar para que a alegria do Evangelho chegue a todos de forma que ao ser crismado você se torna um missionário, uma missionária de Jesus. E isso você pode fazer de vários modos “ah eu não sei nada como vou ensinar?”. Ser missionário não é ensinar com palavras somente, mas com a tua vida. Madre Teresa de Calcutá dizia: “a minha pregação é a minha vida, olhando o que eu vivo as pessoas entendem o que é ser cristão: fazer o bem, vencer o mal fazendo o bem”.

homilia14.01.png
Quaresma: tempo de orar, jejuar e fazer penitência

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Quarta-feira de Cinzas (Ano B) – 17/02/2021 (missa das 15h).

Com o evangelho de hoje [Mt 6,1-6.16-18], iniciamos esse caminho de quaresma, de penitência, de revisão de vida. É um tempo para acertarmos nossos passos de acordo com os passos de Jesus. Este ano, a Campanha da Fraternidade nos propõe fraternidade e diálogo. E para você ser fraterno e dialogar com o outro, primeiro de tudo tem que reconhecer a dignidade do outro. Jesus disse que nós temos um único Pai, aquele que está no céu, e que todos somos irmãos e irmãs. Não só os católicos, não só os cristãos, não só os que acreditam em Deus, mas todos, porque Deus ama todos nós, individualmente, como se fossemos únicos. Não existe, diante dos olhos de Deus, quem seja excluído do chamado da salvação. E nenhum de nós tem o direito ou arrogância de dizer: “você está fora da salvação de Deus”. Ninguém tem esse poder. Todas as vezes que até a Igreja tentou fazer isso, errou gravemente. Não podemos excluir, pois a Salvação é para todos. Nós, cristãos católicos, somos chamados, em primeiro lugar, a sermos testemunhas de respeito e diálogo, por isso a Campanha da Fraternidade 2021 nos propõe isso: reconhecer que todas as pessoas são iguais a mim e que não existem pessoas de segunda classe, que estão previamente condenadas ao inferno.

Todos somos chamados à salvação, mesmo porque o juízo não se dará sobre o pertencimento a determinado grupo, clube ou seita. O juízo se dará sobre o amor ao próximo. Jesus não vai perguntar para ninguém se veio na missa, mas vai perguntar: “você amou e serviu os seus irmãos?”; “Você respeitou as pessoas?”; “Você reconheceu a dignidade delas mesmo que pensassem diferente de você? Mesmo que elas fossem de outra cor, tivessem outra orientação sexual, outra religião ou até não acreditassem em Deus? Você reconheceu na outra pessoa a dignidade de filho e filha de Deus?”. Essas são as perguntas que Jesus vai nos fazer. E, dentre essas pessoas, você se dobrou sobre aqueles cuja dignidade era mais destruída – os pobres, os doentes, as pessoas marginalizadas que, às vezes, até a Igreja bota de lado –, você cuidou dessas pessoas?

Nós corremos o risco, muitas vezes, de cuidar apenas do altar e esquecermos que cada pobre, cada sofredor deste mundo, é imagem de Jesus Cristo. A eucaristia que celebramos neste altar tem sentido no serviço que eu presto aos outros porque nesta eucaristia está presente Jesus, vivo, morto e ressuscitado. Os crucificados do mundo estão aqui, na cruz de Jesus, também na hora da eucaristia e, com Jesus, pedem ressurreição. Como Jesus ressuscitou, nós temos que primeiro ajudar a erguer a dignidade dessas pessoas para que todos nós possamos, juntos, estar na ressurreição diante de Jesus no dia do juízo.

O evangelho de hoje nos fala destes três exercícios de piedade religiosa que, praticamente, encontramos em todas as religiões: jejum, oração e penitência (ou esmola) porque todas as religiões – e isso nos ajuda a entender as questões de ecumenismo –, pregam o respeito pelo outro. Todas, de um jeito ou de outro. Pode ser muito limitado “respeito o irmão da sua religião”, mas já é um passo. “Respeite aquele da sua nacionalidade” já é um passo. “Respeite aqueles da sua cor” já é um passo. Se você respeita e os demais respeitam, podem dar o outro passo, de respeitar a todos.

O nosso nome “católico” significa “de todos os povos, de todas as raças, de todas as culturas”. Todos são irmãos e irmãs e nosso amor e respeito devem ser vividos e não falados. O mundo está cansado de conversa mole desde o tempo de Jesus. Tanto que Jesus pregava e as pessoas diziam: “nossa, ele prega com autoridade e não como os doutores da lei (os quais dá a impressão que é conversa mole)”. O povo tem faro para essas coisas.

E, então, Jesus esclarece estes três exercícios de piedade. Pede que façam na sinceridade e não para aparecer para os outros e dizer “eu sou o bom e vocês que não sabem o que estão perdendo”. Era uma atitude que Jesus condenava muito nos fariseus do seu tempo pois eles tinham uma mania de quererem ser os bons judeus de modo que, se todos fossem como eles, o Reino de Deus viria mais rápido, como se tivessem o poder de obrigar Deus a mandar o seu reino. Porém, o reino é de Deus e vem quando Ele quiser. E essa atitude dessas pessoas cria morte: “você não pensa e não faz como eu, então eu te mato”. O que Jesus busca é a sinceridade e o coração aberto para Deus.

A oração é gratuita, um ato de gratidão para o Pai, para Jesus, para o Espírito, para a Santíssima Trindade. Um ato de louvor sem segundas intenções. Santa Ângela de Foligno falou que só fazemos orações interessadas, não somos gratuitos na oração. Até quando louvamos a Deus estamos querendo alguma coisa. Como é difícil ser gratuito com Deus, nos abrir com Ele, nos entregar no mistério dEle. Pois Ele cuida de nós. Devemos ter confiança em Deus, pois Ele vai nos ajudar a viver do melhor modo possível, vai estar ao nosso lado na hora da dor e vai sofrer conosco as nossas dores.

Temos muitos vícios e limitações. Portanto o jejum serve para irmos aparando as arestas. Eu como demais e isto está me fazendo mal. Uma boa penitência de quaresma é comer menos. Vivo grudado no celular. Então uma boa penitência de quaresma é limitar seu tempo no celular. Eu falo demais da vida dos outros. Então na quaresma vou morder a língua e não vou falar. Eu não me importo com as pessoas de jeito nenhum. Então todos os dias na quaresma eu vou mandar mensagem para alguém. Que seja um “bom dia”, para começar a dar atenção para as pessoas.

Já as grandes perguntas que a esmola nos faz são as seguintes: “eu tenho compaixão pelos que sofrem? Quando vejo uma pessoa caída na rua, dormindo, bêbado, embaixo do caixote, aquilo me diz alguma coisa? Ou simplesmente é mais um lixo que eu nem me preocupo? Eu me compadeço com um parente ou amigo doente? Que atenção eu dou para essa pessoa? Eu sou capaz de me compadecer da dor do outro?”. Deus se compadece, tem compaixão, sofre com a gente. Tirar algo de mim para ir em ajuda do outro que sofre: esse é o nosso caminho de quaresma.

Lembrando que só sou gratuito com Deus se eu começo a combater o meu egoísmo, nas situações onde quero tudo para mim e uso Deus para isso. Ser mais gratuito na oração sabendo que Deus já ouviu minha necessidade. Aprender a ser uma pessoa que trabalha sobre os meus defeitos e a não ser egoísta comigo mesmo. Por exemplo, se eu fumo igual a um condenado e neste período vou tentar fumar menos. Quem consegue fazer uma coisa desta na quaresma, rapidinho consegue largar o vício depois. E ainda é possível ver o quanto eu queimo e destruo a minha saúde.

Amar os outros, amar a quem sofre. Vamos pedir a Deus que nos ajude neste caminho.

homilia14.01.png
O amor de Deus não exclui ninguém

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 6º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 14/02/2021

(missa das 10h).

No Antigo Testamento, a lepra não era como conhecemos hoje como hanseníase, mas outra doença de pele. Havia feridas e coisas desse tipo, podia-se pegar em uma grande parte do corpo ou no corpo inteiro. As pessoas leprosas, diagnosticadas tais pelos sacerdotes, eram afastadas do convívio com os outros. Fosse da dignidade que fosse, eram afastadas. Elas viviam em lugarejos fora das cidades, longe das cidades. Quando você estava andando pelo caminho e tinha um leproso a vários metros de distância, o doente começava a gritar "leproso, leproso", para as pessoas não se aproximarem. Isso no tempo de Jesus. Já na Idade Média, eles tocavam um sino para avisar as pessoas para ficarem longe. E, para piorar a situação – que já era terrível –, existiam ainda maldições religiosas: quem se aproximasse de um leproso, quem tocasse em um leproso ficava impuro para os rituais, tornava-se amaldiçoado como os leprosos. Não é à toa que o profeta Eliseu não quis nem ver Naamã. Ele era um homem rico, um ministro da economia da rainha Candace, e o profeta nem quis chegar perto, só deu uma ordem: "Vá lá no rio"; depois que se purificou, ele voltou.

 

O que nós temos aqui na primeira leitura [2Rs 5, 6-14]? Esse homem riquíssimo, ministro da economia de uma rainha, que ouve dizer por uma serva que existe um profeta em Israel que seria capaz de curar a lepra do seu senhor. E o que ele faz? Vai lá procurar. Ele é o ministro da economia do país, então vai procurar quem? O rei. Mas o rei achou que era uma provocação de guerra, e falou: "Mande-o a Eliseu, o profeta. Ele vai resolver isso". Esse homem achava que o rei poderia resolver o problema, mas o rei o manda para um profeta. Depois, o profeta nem vai ver o homem, só fala para ele ir se lavar no Rio Jordão. O ministro ficou muito bravo – ir naquele barreiro? E, então, foi embora. Por quê? Porque as pessoas sempre acham que a graça de Deus tem que ser comprada com sacrifícios enormes – ir de joelhos da Basílica nova de Aparecida até a velha, queimar muitas velas, fazer vários sacrifícios e gastos... Isso é comprar Deus. A graça de Deus, como já diz o nome, é de graça! O que Deus pede é confiança, fé e perseverança no bem. É isso que Deus pede, não se desesperar. Mesmo na cruz, mesmo na escuridão da vida.

 

Então Naamã vai embora com muita raiva, e um dos servos fala: "Meu amigo, se ele tivesse lhe pedido algo difícil, você teria feito. Se ele tivesse te pedido para subir uma grande montanha, você ia. Entrar no rio barrento, o que importa? Entra!". E o homem vai, faz os sete mergulhos – que é um gesto ritual – e sai curado. Ele volta, vai querer agradecer o profeta, oferecer dons a ele, mas Eliseu não aceita, só pede um saco de terra de Israel para levar consigo essa terra santa, essa terra bendita.

 

Vamos para Jesus. Existia, naquele tempo, a ideia de que a lepra era incurável, só Deus podia curar a lepra, e pedia-se uma série de rituais para demonstrar aos sacerdotes que a pessoa tinha sido curada da lepra, além de exames físicos que o sacerdote fazia na pessoa. Sacerdote era quase um médico naquele tempo. Então esse homem do Evangelho (Mc 1, 40-45) ele ousa muito. Primeiro de tudo: ele não grita de longe para Jesus não chegar perto dele. Não, ele se joga aos pés de Jesus, ele é ousado. O que esse homem espera de Jesus? O que esperava de qualquer outro hebreu, que a pessoa imediatamente o afastasse e o chamasse de amaldiçoado. Mas Jesus não faz isso. O homem pede: "Se queres, tens o poder de curar-me". Deus quer a salvação de todos. De todos! Não só dos católicos batizados, não só dos católicos que vão à missa, não só de católico casado direitinho... De todos! Do pessoal que não vai à igreja também? Também. Dos protestantes também? Também. Dos mulçumanos? Também. Das prostitutas? Também. Dos gays? Também. E das pessoas más? Também. Porque Deus não pensa como nós. Ele quer que se convertam, mas quer que todos sejam salvos. "Eu quero". E, na cruz, Jesus pediu ao Pai: "Perdoai-lhes, eles não sabem o que fazem". Jesus não falava isso só para as pessoas boazinhas, não, Jesus estava pedindo por seus assassinos, pelos maldosos e perversos do mundo. Misericórdia para essa humanidade louca, misericórdia. E a misericórdia de Deus nos é dada de graça. Olha que coisa! Nós não somos convictos disso.

 

Tinha um filósofo – meio doido, morreu louco, mas disse uma coisa muito verdadeira; ele era de um mundo protestante, de um mundo luterano, e dizia: "Como vou acreditar nesse Deus cristão? Os cristãos são tão tristes... Se eles acreditassem mesmo na salvação do Deus deles, eles seriam pessoas alegres". Olha que critica séria, muito séria. Nós vivemos querendo comprar a salvação, uma salvação que já nos foi dada, na cruz. Jesus já nos salvou, o sangue dele intercede por nós junto do Pai – está escrito lá na carta aos Hebreus, não é invenção minha não, está lá. Ele entrou com sangue no santuário, e este santuário está colocado diante do Pai. Deus quer a nossa salvação, quer a salvação de todos, por isso que é perfeitamente compreensível um teólogo, Hans Urs von Balthasar, que foi muito criticado por uma frase que ele disse: "Existe o inferno, mas a fé cristã quer que ele esteja vazio". Porque Deus quer a salvação de todos.

 

Aquele homem se ajoelha diante de Jesus, extremamente ousado, e Jesus faz um gesto perigosíssimo – nós não temos ideia hoje do risco que Jesus correu, e pagou as consequências. Jesus estende a mão e toca aquele homem. Quando você se sente um amaldiçoado pela religião, o que é que você pensa que Deus vai fazer com você? Que Deus vai te fulminar, vai te mandar para o quinto, sexto, sétimo dos infernos! Não é assim? E não pense que não existem pessoas que não se sentem amaldiçoadas pela Igreja, porque tem. Pergunte aos gays como eles se sentem...

 

E, de repente, o homem reconhece que, ali, tem a mão de Deus! Jesus estende a mão e toca nele – o Evangelho diz que Jesus teve compaixão. Deus sofre nossas dores, Ele não está só ao nosso lado passando a mão na cabeça, mas sofre as nossas dores. O fulano está lá doente, morrendo; cadê Deus nesse momento? Está lá, sofrendo as mesmas dores. Onde está Deus neste tempo de Covid? Está morrendo sem respirar em certos hospitais, mal acomodado em corredor de hospital, lutando pela vida no respirador – ou sem o respirador. Deus está lá! Deus tem compaixão! E mais uma coisa assustadora: Jesus sabia muito bem que não podia tocar o leproso; as maldições que caiam sobre o leproso caiam em quem o tocasse; Jesus então se torna um amaldiçoado pelo fato de ter tocado aquela pessoa leprosa.

 

Que coisa estranha, tocar um leproso. Nós temos que pensar que o leproso é a primeira pessoa que se sente amaldiçoada por causa da sua doença, então ela é uma maldição para as pessoas da sua família, do seu bairro e da sua cidade. E ele se afasta. A aproximação do outro se torna algo impossível, ninguém pode tocar nele. Às vezes, é muito interessante ver que alguns sofredores de rua, mais do que comida ou ajuda que você dá, alguns te pedem um abraço. Apenas um abraço. Está lá, passando fome... Mas por quê? O abraço indica amizade, acolhida, respeito; dar e receber afeto. Eles são considerados lixo pela sociedade, colocam até pedra embaixo de viaduto para eles não irem dormir. Sabe como se chama esse tipo de arquitetura? Arquitetura do ódio. Nos pontos de ônibus, ao invés de colocarem o banco reto, colocam o banco inclinado, que é para pessoas não deitarem; ou então colocam divisões no meio do banco para que, de novo, a pessoa não consiga deitar. Isso se chama arquitetura do ódio. Então essas pessoas se sentem excluídas, e um abraço é um sinal de inclusão – você é um ser humano, não é lixo.

 

Jesus tocar aquele homem cria, antes de tudo, uma cura interna nele – você é uma pessoa digna, você não é lixo, você não é maldição, você é um ser humano. E Jesus paga as consequências disso. Tocar aquele homem significa que Jesus também se torna maldito, por isso o Evangelho termina dizendo: "Jesus não entrava mais nas cidades". Os leprosos e as pessoas que tocaram em leprosos não podiam entrar nas cidades, porque eram amaldiçoados como os leprosos. Deus, ao nos curar, assume para Si também as dores das nossas maldições. Já pensaram nisso? A compaixão de Deus chega a esse nível! Assumir aquilo que, para nós, é maldição, para nos curar. Nós dizemos e, de fato: "Pelas suas chagas, fomos curados". Quem morria no madeiro era amaldiçoado. Por isso que muitos protestantes, principalmente Testemunhas de Jeová, representam Jesus pendurado e não crucificado, e dizem: "Ele não pode ser Filho de Deus, porque Filho de Deus não pode ser amaldiçoado". Jesus assume as nossas maldições – religiosas, antes de tudo. Por isso a Igreja sempre tem que repensar suas atitudes, suas doutrinas, porque as próprias doutrinas da Igreja podem criar amaldiçoados, e isso vai gerar condenação para a Igreja. Cuidado!

 

Vamos pedir a Deus que Ele nos ajude a aprender a fazer este gesto, tocar no outro. Que nós não consideremos ninguém como amaldiçoado ou excluído. No mundo civil, tem outro jeito de dizer a palavra amaldiçoado – foi até utilizado em campanhas políticas: "vagabundo". Esse é um modo de amaldiçoar as pessoas hoje. Eles são seres humanos, aprendamos isso. Quem está na tua frente é um ser humano como os outros, um cidadão como você, um ser humano amado e querido por Deus. Inclusive as pessoas que os chamam de "vagabundos" são queridas e amadas por Deus, porque Deus não exclui ninguém.

homilia 07.02.png
Ouvir a voz de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 5º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 07/02/2021

(missa às 10h).

Se nós prestamos atenção nas falas de Jó na Primeira Leitura [Jó 7,1-4.6-7], nós ficamos realmente assustados. “Não é acaso uma luta a vida do homem sobre a terra? Seus dias não são como dias de um mercenário? Como um escravo que suspira pela sombra, como um assalariado aguarda sua paga. (...) Se me deito, penso: Quando poderei levantar-me? E, ao amanhecer, espero novamente a tarde e me encho de sofrimentos até ao anoitecer".

 

São terríveis as falas de Jó. O livro de Jó é uma das maiores obras literárias da humanidade, comentado por grandes pensadores, filósofos, psicólogos, cristãos, hebreus, pagãos (que seriam os ateus hoje), e outras pessoas de outras religiões, porque o livro de Jó toca o problema do sofrimento humano – mas pior, o sofrimento do inocente. É terrível porque o drama do sofrimento nós podemos dizer que é o drama humano. A nossa vida é uma fadiga, e certas situações de sofrimento são uma tortura de dia e um pesadelo de noite. Essa fala dele assusta: eu passo o dia sofrendo, esperando a noite, e a noite eu passo aterrorizado com os meus sofrimentos, tremendo.

 

Quatro amigos de Jó vêm conversar com ele. Vocês sabem como Jó acabou? Era um homem riquíssimo, honestíssimo, perdeu a família inteira, perdeu todos os seus bens, ficou pobre miserável, sobrou a mulher que o amaldiçoava, e a única coisa que sobrou foi um caco de telha com a qual ele raspava as suas feridas. É terrível a situação, tremenda. E é muito interessante ver o que a mulher de Jó fala para ele: “amaldiçoa Deus e morre!”. Mas Jó em nenhum momento do seu sofrimento, do seu desespero, amaldiçoou Deus, em nenhum momento! Ele se lamenta do seu sofrimento, ele não aceita as explicações falsas e religiosas que os seus amigos traziam, mas ele quer se afundar no drama do sofrimento, e grita a Deus: “o que que é isso?”.

 

Os amigos de Jó virão com muita conversa mole que nós facilmente usamos, nós continuamos tentando explicar o sofrimento do mesmo jeito até hoje. Primeiro, vê a prosperidade como sinal da graça e da salvação de Deus. Esse pensamento existia no tempo de Jesus, ele era mandado para frente pelos saduceus, que eram sumo-sacerdotes, e, no mundo cristão, ele se tornou emblema do Calvinismo e impera no pensamento norte-americano. Pensamento norte-americano que alguns querem trazer para nós, mas é falso! O outro é “você cometeu algum pecado, então você está pagando por algum pecado”, e Jó responde: “isso não é possível, eu sou um homem justo, eu sempre paguei os meus assalariados, eu sempre pratiquei a religião, eu sou um homem honesto, eu não tenho crime” – então ele descarta essa possibilidade. “Por que é que eu sofro?”. Aí vem um outro: “ah, é porque você está pagando o pecado de alguém!” e ele descarta isso também – “isso é mentira, cada um paga as consequências dos próprios atos, isso é conversa mole” e o outro vai dizer: “porque você não pratica a religião” e ele fala “isso é mentira, porque eu sempre prestei culto a Deus”. Ele manda os amigos todos embora e ele continua a debater com Deus, uma coisa muito interessante.

 

Finalmente ele chama Deus para o tribunal, aí Deus fala com ele: “escuta aqui, foi você que criou os fundamentos da terra? Foi você que me aconselhou a fazer alguma coisa? Você chama as estrelas do céu todos os dias pelo nome delas? É você que comanda as ondas do mar? Que mantém o mundo – hoje nós diríamos, girando no espaço? É você que cuida disso? Foi você que criou os peixes do mar? Foi você que botou a vida na terra? É você que decide a vida e a morte das pessoas? É você que acolhe elas na boca do Sheol?” Sheol é o mundo dos mortos, os hebreus pensavam assim. Jó fica sem palavras, mas ele ousa procurar as profundezas do sofrimento humano, e grita contra essa condição terrível que é a nossa. Mas tem uma luz em tudo isso: Jó nunca amaldiçoa Deus. Ele amaldiçoa até o próprio dia que ele nasceu, mas não amaldiçoa Deus. É como se ele tivesse sempre no ouvido a voz da mulher dele: “se você amaldiçoar Deus, você vai morrer”, e é estranho porque Deus leva Jó para o limite do sofrimento, o máximo, mas não lhe dá a morte. O livro termina com Deus que desaprova os amigos de Jó e as desculpas que eles davam para o sofrimento, e ele recompensa Jó voltando à vida que ele tinha antes.

 

Jó desmonta as nossas falsas explicações sobre o sofrimento humano e se debruça sobre a misericórdia de Deus, a grandeza de Deus. Nós somos pó, nós somos sombra, nós somos como reflexo num espelho – você passa e o seu reflexo não existe mais. Só Deus permanece – essa é a situação que Jó percebe: nós não somos nada.

 

Quem somos nós para analisar os dramas do sofrimento humano? E, cuidado, eu digo o sofrimento humano, porque muito sofrimento tem explicação... O sofrimento por causa da injustiça, esse tem explicação. O sofrimento por causa da guerra, esse tem explicação. A injustiça é sempre manobra dos grandes. A guerra é sempre o orgulho dos grandes, e os pobres pagam a conta. Mas existem sofrimentos que se impõem para a nossa vida, e nós nos perguntamos “por quê?”. Jesus não vai nos explicar o porquê do sofrimento em nenhum momento, nenhum. Jesus cura algumas pessoas, Jesus não cura todo mundo. Ele cura algumas pessoas e isso serve como sinal – sinal de que Deus está perto de nós, que Deus se compadece. Mas, ao longo do Evangelho, esses são sinais, até o grande momento da cruz. Na cruz, Jesus sofre a nossa morte e a morte de todos os injustiçados da história, porque Jesus, sendo inocente, foi vítima de um complô, de chantagem entre os poderosos e morre assassinado e inocente. A morte de Jesus na cruz é um assassinato, é o sofrimento do inocente.

 

Jesus vive o nosso drama, Ele vive o nosso desespero: “Pai, por que me abandonaste?” – é o mesmo grito de Jó, o mesmo. E Deus permanece em silêncio, olha que coisa terrível, Deus permanece em silêncio, o Pai permanece em silêncio. O silêncio de Deus fala, o que é que Deus está falando para Jesus, o Pai está falando para Jesus? Essa cruz é tua, o que você pode fazer é carregá-la na fidelidade a Deus. Jesus não amaldiçoa o Pai, do mesmo jeito que Jó, ele nunca amaldiçoa o Pai. E Jesus se torna morto como nós, morre na cruz, vê todos os seus desejos, seus sonhos, os seus projetos completamente aniquilados – acabou. Ele é depositado no frio de um sepulcro, Ele se solidariza com todos nós, com nosso sofrimento e com a nossa morte, e Ele nos dá como grande resposta a ressurreição. A ressurreição é a resposta de Deus para o sofrimento e para a morte humana. Mas não nega, não explica e não nos tira da morte e do sofrimento, porque todos nós, desde o mais velho até o neném, todos nós veremos a morte, todos, é a nossa condição humana.

 

Jesus não explica a morte, não explica o sofrimento, Ele cura algumas pessoas como sinal de esperança para os que sofrem. Ele sofre na cruz, se solidarizando conosco. Ele morre a nossa morte e abraça o frio do sepulcro, e nos dá a vida eterna. Essa é a nossa esperança, essa é a luz que é capaz de nos guiar nas trevas do sofrimento e da dor – por isso a luz que nós celebramos hoje. Às vezes, no meio das trevas, nós não temos a luz do sol. Às vezes nós temos uma luzinha, uma chama pequena no meio das trevas. Essa chama, que, no batizado, nós entregamos para os pais é a chama da fé, que nos ajuda a caminhar no vale da dor, do sofrimento e da morte.

 

Esse é o caminho cristão, esse é o sentido da nossa vida. Cristão não fica perguntando o porquê dos sofrimentos, cristão se solidariza com os que sofrem porque sabe que Deus, Jesus abraça o nosso sofrimento. E nós vemos que, apesar do Pai ter ficado em silêncio durante toda a Paixão de Jesus, pela sua morte, na ressurreição, nós descobrimos que o Pai nunca tinha abandonado Jesus, mas estava em silêncio. “Essa cruz é tua. Carregue na fé.”. Isso não é a defesa do sofrimento, mas é dar o sentido cristão do sofrimento humano.

 

Vamos pedir à Virgem Maria que nos ajude – nós cremos, numa antiga devoção cristã, que nos três dias da morte de Jesus, só no coração de Maria a fé da Igreja se manteve viva como uma pequena vela abatida pelo vento, mas se manteve viva até que aparece a manhã da ressurreição. Por isso Jesus não precisou aparecer para Nossa Senhora, não precisa. A fé dela se manteve acesa. Vamos pedir a ela que nos ajude.

homilia31.01.png
Reconhecer Jesus como o Messias

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 31/01/2021

(missa às 10h).

Nos anos 600, os grandes da cidade de Israel foram deportados para o império da Babilônia. Só sobrou o povo mais simples. E o que aconteceu? Na Babilônia, eles atribuíam as doenças, físicas e mentais, a espíritos. Naquele tempo, eles não sabiam o que era vírus, o que era bactéria, o que eram infecções... Não tinham normas de higiene muito sérias. O povo de Israel ainda era um povo bem limpo, mas, em outros povos, o negócio era feio – e isso foi até muito pouco tempo atrás... Então doenças não faltavam, e todas as doenças físicas e mentais eram atribuídas a espíritos. Com o tempo, começaram a atribuir as doenças mentais a demônios – esses espíritos eram chamados "demônios".

 

Nós temos que pensar que temos situações psiquiátricas e neurológicas terríveis. Pensem na epilepsia. Naquele tempo, não existia Gardenal; a pessoa podia ter 20, 30 convulsões por dia! Uma pessoa esquizofrênica, louca completamente, não tinha nenhum tratamento, não existia cura para essa gente, o máximo que faziam era amarrar o pobre coitado e largá-lo, meio doido, vagando... Pensem nas pessoas com histeria – os fanáticos, geralmente, são pessoas histéricas. Fanáticos que saem gritando no meio da rua são pessoas histéricas, muito parecidas com esse homem do Evangelho [Mc 1, 21-28]. E Jesus curava essas pessoas, curava o demônio que essa pessoa tinha – eles achavam que era um espírito que causava isso. E Jesus também achava, viu? Porque, senão, Ele não era Filho de Deus. Porque Jesus se encarnou em um tempo, em uma cultura, em uma compreensão de mundo; Jesus não sabia que ia ter astronauta nem internet, porque, se soubesse, Ele não era Deus. Olha que engraçado, né? A gente pensa, às vezes, exatamente o contrário. E é errado. Jesus assumiu a visão e a mentalidade do Seu tempo. E Jesus curava essas pessoas.

 

Em Marcos (nós estamos vendo, este ano, o Evangelho de São Marcos), nós temos este chamado "segredo messiânico". Quem são as pessoas que confessam que Jesus é o Filho de Deus? Os demônios, que Jesus manda calarem a boca; pessoas que recebem curas de Jesus, que Ele também manda que se calem; e os próprios discípulos, quando, lá em Cesareia de Filipe, Jesus pergunta: "Vocês, quem dizem que Eu sou?", e São Pedro fala: "Tu és o Filho de Deus", mas Jesus proíbe os discípulos de falarem isso. Por quê? Só no fim do caminho de Jesus – que vai ser a cruz – é que o centurião, um pagão, vai dizer: "Este homem era o Filho de Deus". Então toda a vida de Jesus é revelação da messianidade. Jesus que é Messias, ungido do Pai, igual ao Pai. Mas toda a vida Dele é vida do Messias, e a vida do Messias é diferente do que se esperava. O Messias termina Sua missão neste mundo na cruz – isso é um escândalo, isso é um absurdo! Todo mudo esperava que Ele fosse reformar o templo de Jerusalém, que fosse modificar todas as estruturas civis, políticas de Israel... E Ele não fez nada disso. Ele pregou a conversão, que as pessoas começassem, realmente, a viver como irmãos e irmãs – isso muda o mundo! Isso purifica a religião. Isso faz com que as pessoas possam viver na paz e na justiça.

 

A fama de Jesus é também por causa do modo como Ele fala. Jesus não fala como alguém que leu em livros, Ele fala com autoridade própria. Jesus entende a Si mesmo como aquele que mostra e revela o coração do Pai. A autoridade Dele está no Pai, e isso vai incomodar tanto os sacerdotes, os doutores da lei, os fariseus – que eram bons religiosos – que eles vão começar a perguntar: "Mas com que autoridade você fala isso? Como você fala desse jeito?". Porque a autoridade de Jesus é Dele, e não recebida de outros. Deus não precisa pedir autorização para ninguém. E Jesus é igual ao Pai: Filho, gerado na eternidade do coração do Pai. Então Ele revela o Pai, e a autoridade Dele é essa.

 

Vamos pedir ao Senhor que nós também possamos reconhecê-Lo como Messias, como Aquele que nos indica o caminho do Pai – caminho que é Ele mesmo, a vida Dele, o jeito de Ele fazer. E que nós possamos reconhece-Lo também, especialmente, nas pessoas que sofrem, porque lá está o Senhor.

Homilia 24-01-2021.jpg
Deus quer a salvação de todos

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 24/01/2021 (Domingo, missa às 10h)

Na Primeira Leitura, nós temos um trecho de uma novela do Antigo Testamento, que tem muitas novelas – o livro de Jonas e Tobias, Rute, Ester são todas novelas, não é só a TV que faz novelas, elas já existem a muitos milênios. A história de Jonas nós conhecemos, é um profeta que Deus manda ir anunciar na cidade de Nínive, porque dentro de pouco tempo se eles não se converterem serão destruídos. Jonas tenta fugir da vontade de Deus, entra num navio e vai pra outro canto do mundo, Deus faz vir a tempestade, jogam ele no mar e depois o peixe o salva – o peixe aqui simboliza a graça de Deus – e o coloca lá na praia perto de Nínive, ou seja, a palavra de Deus pode girar o mundo, mas ela vai cumprir a vontade de Deus que é que todos sejam salvos, todos! Nínive era uma cidade de três dias de caminho e Jonas é um homem de cabeça dura, faz quase uma pirraça pra Deus, só anda na cidade um dia, não percorre toda a cidade, anunciando que se a cidade não se converte, destruição. Mas esse anúncio já é suficiente pra chegar aos ouvidos do Rei, e ele proclama jejum e penitência, todo o povo faz, e Deus perdoa a cidade. Nínive é a capital de um grande império, a Assíria, são pagãos, não acreditam no Deus de Israel e esse povo escuta o chamado de Deus à conversão e muda de vida. Como profeta, Jonas é um bom Israelita, ele não acredita que esse povo vai se converter, então ele sobe na montanha e fica esperando Deus mandar fogo do céu, mas isso não acontece, Deus perdoa o povo e é muito interessante ver o final do livro de Jonas que é quase um bate boca entre Deus e Jonas: “pra que eu vim aqui se você perdoa tudo, não adianta nada”, é um cabeça dura até o fim, para provar que Deus também usa os cabeças dura.

 

Depois encontramos no Evangelho, Jesus que faz um anúncio. Ele foi batizado, foi tentado no deserto, João Batista foi preso e Jesus começa a sua missão “convertei-vos, o Reino de Deus está próximo, crede no Evangelho”. Existe uma diferença muito grande entre este anúncio é o anúncio de Jonas, que é de castigo e destruição, que é uma mudança fruto de medo. O Evangelho é diferente, Jesus anuncia a Boa Nova, a palavra Evangelho quer dizer “boa notícia”. A plenitude do tempo chegou, a promessa de Deus se cumpriu, Jesus, o salvador, está ali no meio do povo, creiam na boa notícia, se convertam segundo essa boa notícia, misericórdia, amor, comunidade de irmãos. Tanto que logo depois Jesus chama os primeiros discípulos à boa nova de Deus é um mundo de irmãos e irmãs que busquem sobretudo o Reino. E tem uma coisa meio estranha nessas duas histórias: Jonas vai anunciar a uma grande cidade, capital de um império, mas Jesus começa o seu anúncio em um fim de mundo, a Galiléia, era meia desprezada pelos judeus, eles pareciam meio misturados, um povinho que acreditava em muita coisa, Deus vai falar e mandar seu Verbo Encarnado lá nesse fim de mundo e Ele começa o anúncio para esse povo. Deus quer a salvação de todos, mas quer a salvação começando por baixo, pelas periferias do mundo, é curando as dores das periferias do mundo que nós vamos mudar a ação da toda a sociedade, não o contrário, começando de cima... Esse foi um projeto que durou mais de mil anos na igreja: “vamos converter os chefes, os reis, os nobres e eles vão converter o povo”, isso é falso, demos com os burros n’água. Se as pessoas recebem o anúncio de cima elas começam a segurar as coisas pra si, não chega nunca lá embaixo, é de baixo que mudamos o mundo e não de cima. É da consciência do povo que nasce um mundo novo e não da cabeça de um líder político, nós estamos vendo a desgraça que está ai, não é esperar o salvador da pátria, é a união do povo que cria um mundo diferente. Jesus quer que esse mundo diferente nasça entre nós, saber olhar onde Deus olha, Deus olha para o pobre, para a viúva, para o órfão, para aqueles que chamamos de marginalizados. Por isso que tudo que fazemos a um desses, estamos fazendo para Deus, para Jesus, pois Deus está lá.

 

Hoje também é o chamado Domingo da Palavra de Deus, pode ser estranho para nós, porque temos o mês da Bíblia aqui no Brasil, mas isso é coisa da CNBB, não é do mundo inteiro. Então, para dar destaque a importância da Palavra de Deus para a vida do mundo, dos católicos, o Papa Francisco instituiu um dia pra isso, a Sagrada Escritura é uma palavra para o povo, mas muitas vezes ela virou palavra controlada pelos padres e, no mundo católico, foi bem assim, se formos para a Antiguidade é pior porque ninguém sabia ler e nem escrever. Com a igreja católica foi igual, e com a reforma protestante piorou... Os protestantes pegaram a Palavra, a traduziram nas várias línguas dos países dele, os católicos se fecharam no latim que o povo não tinha acesso, supervalorizamos os sacramentos e a Palavra de Deus ficou em segundo plano. Em 1800, começa um grande movimento bíblico entre os protestantes, um estudo muito sério da palavra que deu origem depois as grandes descobertas bíblicas, várias formas de ler, aprofundar, a arqueologia bíblica, descobrimos documentos novos, tudo começou com esse grupo de protestantes, os católicos aos poucos foram entrando também nisso, estudiosos católicos, e muitos deles foram perseguidos, foram proibidos de escrever e de falar, o negócio não foi fácil. Depois, na metade de 1900, começa a entrar na igreja essa voz, a Bíblia como guia, com necessidade de estudo. Com o Concílio Vaticano II, tivemos a revalorização da Palavra. Existe um texto inteiro, uma constituição inteira do Concílio, colocando nas mãos do povo a Palavra de Deus para que os católicos leiam a Bíblia. Depois de quase 50 anos do Concílio, percebemos que os católicos não leem a Bíblia. Fazemos no Brasil o mês da Bíblia e o povo não lê, o Papa institui um dia para a leitura da Bíblia e o povo não lê. A Bíblia é Palavra de Deus, onde encontramos as raízes da nossa fé, alimento para a nossa vida, onde conhecemos Jesus Cristo e a fidelidade de Deus ao longo da história do seu povo. Na Palavra de Deus, nós ouvimos a grande palavra de esperança de Deus sobre a história humana e será dita uma última palavra e ela está no Cordeiro, Jesus, Ele vai dar sentido para história, Ele vai dar a última palavra para tudo. Eu espero que depois de toda essa falação vocês cheguem em casa e procurem onde esqueceram a Bíblia e quem sabe tenham a coragem de começar a ler. Começa na primeira página, pela Gênesis, mesmo que tiver que pular a parte que não entendeu, continua a leitura e vai lendo como um romance, página por página, para ao menos uma vez na vida poder dizer que leu a Palavra de Deus inteira. Leia os Evangelhos se você não entende o Antigo Testamento, não tem desculpa! Vamos ter a Palavra de Deus como leitura de todo dia, um trechinho por dia, lá encontramos força para nossa vida, luz para o nosso caminho, lá conhecemos Jesus.

Homilia 17-01-2021.jpg
Estar mergulhado em Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo do Tempo Comum (Ano B) – 17/01/2021 (Domingo, missa às 10h)

Onde Deus está? Qual a ideia que nós temos da presença de Deus? Será que Deus está acima daquele azul que a gente vê lá no céu? Será que Deus está em Marte? Em algum buraco negro pelos confins do universo? Será que Deus está fora do universo? Onde Deus está?

A pergunta deve ser ao contrário: onde nós estamos? Nós e o universo inteiro estamos mergulhados em Deus. Nós e toda a criação somos como um pequeno peixe, no mais profundo oceano infinito. Nós estamos mergulhados em Deus. E Deus se faz encontrar. Todos os povos adoram alguma divindade. E por quê? Porque Deus se faz sentir pelos povos, se faz sentir pelo coração humano, pelos nossos desejos, pelas nossas grandes perguntas: qual o sentido da vida? Para onde vamos? Por que morremos? E nossa revolta contra a morte.

Não sei se vocês já ouviram falar da 9ª sinfonia de Bethoven. Talvez nestes termos não ouviram, mas seus principais acordes todo mundo já ouviu. Esta sinfonia é sobre o grito da alma contra a morte. E olha que engraçado: grito contra morte, contra essa "coisa" que nos devora, mas que nos obriga a perguntar o sentido da vida. Nos obriga a perguntar sobre Deus. E aí, nos questionamos novamente: onde Deus está? Estamos mergulhados nEle e Ele nos faz achar cada um de nós de modo diferente.

Nós temos, na Primeira Leitura [1 Sm 3,3b-10.19], o modo como Deus se aproximou de Samuel. Ele era filho de Ana, que era uma mulher estéril. Naquele tempo, as mulheres hebreias que eram estéreis eram consideradas amaldiçoadas. O povo de Israel tinha que ter filhos e, portanto, uma mulher estéril era uma maldição. Então Ana pede a Deus que lhe dê um filho: "se eu tiver um filho, vou dar ele para o templo, para ser um servidor". E Deus concedeu. E o menino chamava-se Samuel. E quando ele tinha idade, ela foi e colocou o menino no templo, a serviço de Deus. E esse menino talvez não tinha ouvido falar muito de Deus. Trabalhava e servia os sacerdotes e talvez os sumo-sacerdotes, mas não tinha ainda ouvido a voz de Deus.

Nós podemos passar anos das nossas vidas falando de Deus, rezando e ainda não ter encontrado Deus. Algo estranho, não é? Samuel estava lá dormindo e ouve essa voz. E várias vezes vai até Eli e fala: "olha, o Senhor me chamou, estou aqui!". Em um certo ponto, Eli se dá conta: "espere, isso pode ser a voz de Deus. Se você ouvir de novo, você vai dizer: “Fala Senhor que o teu servo te escuta”. Deus estava procurando Samuel, mas ele não tinha entendido. Muitas vezes Deus nos procura de muitos modos e nós não queremos ouvir ou não entendemos a sua voz. E, às vezes, é necessário que alguém nos ajude a ouvir a Palavra. Nós não vivemos pedindo conselhos para os outros? Conselhos também para o padre. E por quê? Porque a gente precisa entender a voz de Deus. O que é essa voz, essa ideia, esse desejo. Isso é de Deus? Isso, muitas vezes, acontece. Todos nós teremos nosso encontro definitivo com Ele, na hora da morte. E aparecemos, diante Dele, exatamente como somos. E essa será a nossa felicidade: finalmente podermos ser nós mesmos, sem enganos, sem mentiras, sem máscaras.

E nós temos este outro jeito: nós temos esses discípulos e João Batista. João Batista, que apareceu como profeta, sendo que Israel não tinha profetas há mais de 700 anos. Assim, o povo ficou todo entusiasmado. Mas João avisou logo: "fiquem atentos, pois eu não sou o Messias. Eu batizo com água, Ele vai batizar com o Espírito". João tinha muitos discípulos e a comunidade dele existiu até mais ou menos o ano 150 d.C. E a maioria das pessoas da comunidade viraram cristãos. João Batista vê Jesus como o único dos profetas: "Eis o cordeiro de Deus, Eis aquele que nós esperamos". André e um outro discípulo, imediatamente, vão atrás de Jesus, querem conhecer Jesus. E Jesus logo se volta e pergunta: "o que vocês querem?". Deus não se faz esperar, Ele vem a nosso encontro.

Nós temos um outro lugar na escritura, onde outros dois discípulos caminham e Jesus os acompanha. Eles são os discípulos de Emaús. Deus nos procura e se volta para nós, se preocupa conosco. Então aqueles discípulos perguntam a Jesus: "onde você mora?". Onde é a casa de Jesus? A casa de Jesus é o Pai. A vida de Jesus é fazer a vontade do Pai. Então, quem procura Jesus, quem chega até Jesus, encontra o Pai.

Jesus não é uma história fictícia. Jesus é uma pessoa de carne e osso que mora, que anda e que vive conosco. Jesus não é um mito ou uma história que inventaram, não. Ele é ser humano. Deus se fez ser humano, falou conosco e nós podemos seguir seus passos. Ninguém conhece Jesus só lendo um livro. Nós conhecemos Jesus quando colocamos em prática aquilo que Ele fez. Muitas pessoas viram Jesus: Herodes viu, Pilatos viu, os sumo-sacerdotes viram. Mas não tinha olhado a fé. O máximo que conseguiram ver foi um revolucionário, fanático e sabe lá mais o quê. Agora, para aqueles que creram, eles viram. E quando você descobre que Jesus é, realmente, o Messias, você não segura isso para você. Não dá, não cabe dentro de si. E, por isso, logo depois Santo André vai lá e chama Pedro. Vai lá e fala para o irmão. E, depois, o outro discípulo vai falar para outros ainda. O anúncio do encontro com Deus é contagiante e chamamos de testemunho.

Encontrar Jesus muda nossa estrada. A partir daquele encontro, aqueles 12 homens tiveram a vida deles completamente transformadas. Pedro era pescador. E o que um pescador pode esperar da vida? Uma boa pesca, peixes em abundância, ter operários bons ou, quem sabe, ter uma casa melhor. Mas Ele chamou Pedro para outra coisa, algo que ele nem podia imaginar, assim como todos os outros. Deus nos chama a procurar Jesus. E onde nós estamos o anunciando? Talvez anunciá-lo com nossas palavras e nossas obras, como André fez: "Encontramos o Messias, encontramos o sentido para a vida, encontramos algo novo, encontramos alguém que não mente para nós, encontramos o sentido da vida".

Vamos pedir a Jesus a graça de poder nos convencer pela fé que nós estamos mergulhados em Deus. E se nós estamos mergulhados nEle, Ele não nos esquece. Na cruz, o Pai estava silencioso, mas não abandonou Jesus. Ele pode ficar silencioso, mas não nos abandona. Vamos pedir a Ele a graça de procurá-lo. E temos que nos perguntar isso: "Eu estou realmente procurando Jesus na minha vida? Eu quero conhecer Jesus ou é só uma conversa de domingo, quando o padre não faz sermão comprido?”. Porque se faz sermão comprido, pior ainda. Eu estou procurando Jesus?

E peçamos mais uma graça: ver Jesus com os olhos da fé, reconhecendo nEle os Seus sinais de vida eterna. Reconhecer Jesus na Escritura, reconhecer Jesus na Eucaristia, reconhecer Jesus em cada irmão e irmã, especialmente, naqueles que sofrem. Porque Jesus está lá, mas somente os olhos da fé conseguem ver isso.

Homilia 10-01-2021.jpg
O Espírito do Senhor está sobre nós

Homilia: diácono Renan Silva – Batismo do Senhor (Ano B) – 10/01/2021 (domingo, missa

às 10h).

Estar aqui, celebrando esta Solenidade do Batismo do Senhor, é um momento propício para renovarmos nossa graça batismal. Infelizmente, hoje, na cultura em que vivemos, o batismo vai perdendo a sua característica, a sua finalidade como sacramento de Deus. Às vezes, no curso de batismo, eu pergunto para os pais e padrinhos: "Por que você quer batizar o seu filho, o seu afilhado?". As respostas são as mais diversas: "Para espantar mau-olhado"; outro diz: "O menino está muito danado, vamos ver se, com a água, ele para de bagunçar" – isso quando já é maiorzinho; outros dizem: "É porque é um ritual da família, minha bisavó fazia isso". "Mas quem é Jesus? Vocês acreditam?". "Ah, não sei. Mas é importante batizar".

 

Hoje nós encerramos o ciclo do Natal, que começou lá na celebração do Natal do Senhor, Festa da Sagrada Família, Epifania e, hoje, Batismo do Senhor. Celebrar esta data é renovar as nossas promessas batismais. O batismo, sim, serve para tudo isso que eu falei, mas o batismo é a graça maior de sermos cristãos. Hoje, o nosso curso de batismo dura 1h30, 2h... Mas, no início da Igreja, eram anos de formação para uma pessoa ser batizada. Tinha que saber rezar o Pai Nosso, tinha que ter maturidade na fé. Era uma decisão se tornar um cristão e ser batizado. Nós precisamos renovar isso.

 

O Papa Francisco tem dito para celebrarmos a nossa data de batismo. Eu convido você, depois, a procurar no seu batistério (se é que você vai encontrar), ou com alguém da família, o dia em que você foi batizado, e celebrar esse dia como um aniversário. É o dia em que nós nos tornamos filhos e filhas de Deus! E, na primeira leitura [Is 42, 1-4. 6-7], mesmo no antigo testamento, em que existiam vários ritos de purificação, a gente já vê ali a missão de um batizado, que é exatamente saber que o Espírito do Senhor está sobre nós. E todo batizado tem uma missão. Às vezes, nós achamos que a figura mais importante na Igreja é um padre, um diácono, um bispo... São os batizados, que professam a fé em Jesus – homens e mulheres, crianças, jovens, idosos. Esses dias, eu acompanhei um batismo de uma senhora de 75 anos de idade, que nunca pediu o batismo. Ela veio da roça e tinha vergonha, era analfabeta; até que, um dia, alguém da comunidade chegou e disse: "A senhora é batizada?". "Nunca tive a oportunidade" – olha o que ela disse! E ela foi batizada, recebeu a primeira comunhão e foi crismada. Ela chorava de alegria! É a graça de ser batizado. O Espírito do Senhor está sobre nós!

 

Todo batizado tem um pacto com a verdade, anunciar a verdade. 80% dos nossos parlamentares, sem citar nomes, são pessoas batizadas – a maioria na Igreja Católica e, alguns, nas igrejas evangélicas. E eu pergunto: por que, se mais de 80% dos nossos representantes são batizados e professam a fé em Jesus, nós estamos vivendo deste jeito no meio desta pandemia, no meio do nosso país? É algo para a gente pensar. E não só apontar para eles, mas para nós: quantas pessoas nos nossos bairros são batizadas? A Igreja criou um termo: "batizados, mas não evangelizados", e é verdade. Aí a nossa missão de levar esse amor de Deus a essas pessoas, ser luz para as nações, abrir os olhos das pessoas que estão cegas.

 

A CNBB lançou uma nota essa semana, muito importante, que valeria a pena todos nós lermos. Nós, batizados, devemos ser contra este negacionismo que estamos vivendo nos nossos tempos, de que tudo o que está acontecendo é normal, que é vontade de Deus... Não! Isso tem uma finalidade. Nós lutamos e, juntos, vamos sair, se Deus quiser, chegando essa vacina. A glória de Deus é ver o ser humano vivo, não é ver o ser humano sofrendo. Não é um Deus que gosta do masoquismo, de ver os seus filhos sofrerem. Não!

 

Por isso que, na segunda leitura [At 10, 34-38], o Ato dos Apóstolos dá uma característica da Igreja primitiva aos batizados: todo batizado não deve excluir as pessoas. Nós não podemos fazer distinção de pessoas. Fazer distinção, excluir, é pecado! Deus acolhe a todos, e nós, como Seus filhos – graça batismal – devemos acolher. Não significa também passar a mão na cabeça, mas acolher, incluí-los, integrá-los na comunidade. Essa é a nossa missão. Eu vejo o trabalho, acompanho de perto, do monsenhor Júlio Lancelotti, um padre fantástico que faz um trabalho na Arquidiocese. As pessoas dizem: "Mas, padre, você acolhe pessoas que são pecadoras", e ele diz: "Aqui nós não julgamos, nós acolhemos, porque Deus acolhe, e essas pessoas são filhas e filhos de Deus". Essa é a nossa missão, quebrar um pouco o nosso preconceito. Não é fácil! Por isso que uma das graças do batismo é a conversão, metanoia, mudança de vida constantemente.

 

O Ato dos Apóstolos diz, ainda, que Jesus passava pelo mundo fazendo o bem. Essa é a nossa missão de batizados. Se fizeram o mal com a gente, vamos pagar o mal com o bem, não com vingança, com maledicência, mas com o bem. Nós desarmamos uma pessoa quando ela quer brigar com você e você diz: "Irmão, não, pare com isso, somos irmãos". A pessoa fica até sem saber o que fazer – às vezes, fica até com mais raiva ainda por você ser pacífico, pacífica. Essa é a nossa missão.

 

E entramos no Evangelho [Mc 1, 7-11], Evangelho de São Marcos, que é o resumo do Batismo do Senhor. A nossa vocação é sermos como João Batista: prepararmos o caminho do Senhor. Catequistas não são só os da comunidade; você que é pai, mãe, você que tem afilhado, afilhada: essa é a nossa missão, dar testemunho para essas pessoas. Eu sou professor, dou aula em um colégio católico e, às vezes, a gente tem o hábito de fazer a oração no início da aula, rezar a Ave Maria. 83% dos meus alunos são católicos. Quando eu peço: "Vamos rezar a Ave Maria?", "Não sei, professor". Como não sabe a Ave Maria? 10, 12, 13, 15 anos. "Meu pai e minha mãe não rezam". Aí está a nossa missão de ensinarmos as crianças, os jovens, o prazer pela oração, rezando juntos, não só mandando rezar. É o Santo Terço, é meditando a Palavra, é acompanhando a missa neste tempo de pandemia... Porque, senão, as pessoas vêm procurar o batismo apenas como um ritual de passagem, e não é.

 

Nós recebemos três graças no Batismo, a tríplice missão. Primeiro, sermos sacerdotes e sacerdotisas – sacerdócio comum, de doar a vida ao próximo. Essa é a missão do batizado. Segunda graça batismal: sermos profetas e profetisas – não de adivinhar o futuro, mas de anunciar a verdade. E lembre-se: todo batizado que anuncia a verdade vai parar na cruz. Não podemos ter medo da cruz. No início do cristianismo, muitos eram martirizados por serem batizados e professarem a fé em Jesus publicamente. Então nós temos um pacto com a verdade. E a última graça: participamos da família de Deus, o reinado de Deus, somos reis e rainhas. Você, eu, nós, somos da família real – não da família do Reino Unido, da Inglaterra, não. Da família de Deus. Todos. Daqui a pouco, a gente vai rezar o Pai Nosso; se Deus é "Pai nosso", somos todos irmãos.

 

Hoje é um momento de renovarmos a nossa graça batismal. Que o Senhor possa nos ajudar a vivenciar e não ter medo da cruz. Ser batizado é se comprometer com as causas de Jesus. Nós estamos dispostos a assumir as causas de Jesus? Os pobres, os últimos, os doentes, os fragilizados pela pandemia, as pessoas que estão passando necessidades... Estamos dispostos? Não só o pobre que passa pedindo comida – também esse, principalmente – mas os pobres que também "têm tudo e não tem nada", como um jovem me dizia na escola: "Professor, eu tenho tudo: apartamento, vou para os Estados Unidos a hora que eu quero, casa na praia... Mas me sinto vazio. Sinto que ninguém se preocupa comigo". Os batizados têm que levar o amor de Deus para essas pessoas também.

 

Que nós possamos ter essa missão. E, diante desta pandemia, que nós possamos não infectar com o vírus da covid-19, mas "infectar" as pessoas com o amor de Deus que nós recebemos na pia batismal. A pia batismal é o útero de novos cristãos. O útero. Não é uma pia normal, é o útero que gera novos cristãos para adorar Jesus de corpo e alma. Nós, agora, encerrando esta homilia, vamos fazer algo que é próprio, que faz parte do ritual do Batismo, que é a Profissão de Fé. Que nós possamos, ao professar a nossa fé, renovar a nossa graça e o nosso compromisso de levar Jesus ao mundo, de ser luz para as nações e anunciar Jesus às pessoas hoje, amanhã e sempre. Amém.

136424874_1524771917719897_1315558158816
Jesus vem para salvar a todos

Homilia: Padre João Aroldo Campanha - Epifania do Senhor (Ano B) - 03/01/2021 (missa às 10h)

O fim desse anúncio [“A Cristo, que era, que é e que há de vir, Senhor do tempo e da História, louvor e glória pelos séculos dos séculos”] lembra a Vigília da Páscoa, quando o padre marca o Círio Pascal e usa essas mesmas palavras “Jesus Cristo ontem e hoje, princípio e fim a Ele a Glória, o poder por todos os séculos e séculos”, bem parecido com a oração e termina com o anúncio.

Hoje celebramos a Epifania do Senhor, que significa “manifestação”, uma palavra de origem grega. Deus colocou no coração humano grandes interrogações, a mais grave de todas é a morte. Nós nos tornamos humanos quando pela primeira vez enterramos nosso semelhante. No dia que fizemos isso, na sombra da história, lá trás, nós nos tornamos humanos, significa que não éramos animais, éramos humanos de alma racional, imagem de Deus. Essas grandes perguntas moveram os corações das pessoas e das nações a procurar respostas e essas respostas terminam sempre na divindade. Todos os povos adoravam e adoram divindades. Deus de algum modo se mostra, se faz encontrar, porém essa inquietude que está no coração procura algo, mas Deus está além, está naquilo que chamo de transcendência. São Paulo diz: ‘o que o ouvido humano não ouviu, o que os olhos humanos não viram, isso que Deus tem preparado para aqueles que O amam’. Ou Deus vem até nós e se revela ou nós vamos viver nessa inquietude, arranhando, procurando, procurando... e, olha que engraçado, esses magos astrólogos estudavam as estrelas e também procuravam Deus, também tinham suas divindades. Eles viram no céu essa conjunção de Júpiter, Saturno e Vênus, parecia uma fubeca no céu, aconteceu mais ou menos 8 a.C., e eles foram atrás pois interpretavam esses sinais no céu. ‘Nasceu o Messias’. A profecia de Balaão falava: “eu vejo uma estrela surgir sobre Israel” e atraídos por esse fenômeno eles vão procurar um menino. É muito interessante que eles procuram e a estrela os guia, é uma luz! Até mesmo os povos pagãos, mesmo sem conhecer o Deus verdadeiro, também são guiados por Deus e chegam em Jerusalém que era a cidade das luzes, com um grande candelabro de 9 braços. Quando entraram na cidade a conjunção se desfez e não viram mais nada, a cidade das luzes tinha se tornado cidade das trevas. Mas ainda assim foram procurar um Rei, por isso foram ao palácio e, quando chegaram, o rei ficou desesperado, já tinha mandado matar uma mulher e dois filhos com medo deles lhe tomarem o trono, aí casou com outra, teve outros filhos, mas estes não tinham sangue real, então ele ficou desesperado com a chegada dos magos. Então o rei chamou os sacerdotes da época para perguntar onde ia nascer esse rei e eles responderam que na escritura diz que “tu, Belém de Judá, não é a menor entre os povoados de Judá, de ti nascerá o condutor do meu povo” que na época era o rei Davi, então eles lembraram dessa profecia e falaram para os magos. Herodes, na sua astúcia, pede que lhe deem informações exatas para que ele também fosse adorar o menino, mas era para matar o menino Jesus.

Os magos então saem de Jerusalém e veem as estrelas novamente. Que interessante o anseio de Deus, agora iluminado pela palavra de Deus, guia esses homens! Podemos dizer que esses homens pagãos tinham mais fé que aqueles sacerdotes e que o próprio Herodes. Então chegam na casa, não é mais no presépio, o que significa que essa situação já se resolveu, e eles encontram uma normal família pobre daquele tempo. O pai não está porque estava na praça trabalhando, nos campos, o homem saia cedo de casa e voltada no cair da tarde. A mulher ficava o dia inteiro dentro de casa e as crianças ficavam com as mulheres até os 12 anos. Jesus está em casa com a mãe e chegam esses homens, que se surpreendem ao encontrar Deus, o Messias, desse jeito, em uma casa do povo, pobre, com pessoas pobres, um pai que está trabalhando. Mas, nessa situação, eles reconhecem o Messias e lhe concedem três dons: ouro, incenso e mirra. Ouro para realeza; incenso, porque Jesus é Deus; e a mirra, para o homem que deve morrer, já que essa era uma essência que se usava na preparação do cadáver antes de ser sepultado. Eles louvam a Deus e receberam em sonho o pedido de Deus para não voltar a Herodes, mas pegarem outro caminho.

Deus tem jeitos muito estranhos para falar conosco e a coisa interessante aqui é perceber esse fato: essas pessoas que procuram a divindade foram capazes de reconhecer Deus, Jesus Deus. Não que eles tenham a verdade, não dá pra falar “ah eu sou católico, mas os orixás da umbanda também estão certos” ou que “a reencarnação também está certo”. Devemos, porém, reconhecer a dignidade e respeitar a busca que esses povos fazem, isso temos que fazer, isso é um empenho interessante. Católico quer dizer “universal”, “de todos os povos”, não é igual o povo de Israel “só” o povo de Israel, não, todos os povos podem abraçar o caminho de Jesus, todos os povos. Então para esse respeito, especialmente, o Concílio Vaticano II nos abriu os olhos. Ele é um movimento católico, nosso, a busca e ir ao encontro dos outros para poder buscar o que nos une e, quando começamos a olhar profundamente as várias religiões, vamos encontrar uma coisa em comum: o amor ao próximo. Algumas religiões vão dizer “ama o teu povo”, outros vão falar “ame os mesmos da sua religião”, muitos dos nossos evangélicos vão dizer “ame os da sua igreja, os outros estão todos perdidos”, mas esse elemento do amor ao outro nós encontramos em todas as religiões, e isso aqui é o que pode levar todos os povos à salvação, pois no dia do juízo Jesus vai perguntar sobre o amor ao próximo.

Vamos pedir ao Senhor que Ele nos dê essa capacidade de ter o coração aberto para descobrir a boa vontade das pessoas, o bem que está nas pessoas, para acreditar realmente que o ser humano é bom, pode estar mascarado, com o coração cheio de entulho do mal, mas a marca de Deus, Jesus Cristo está no coração das pessoas. Nós temos que acreditar nisso, pois isso move a nossa esperança de que o mundo será melhor. Vamos pedir ao Senhor que nos dê essa fé: o ser humano é bom e busca e quer o bem, alguns se desviam, muitos erram, fazem o mal, porém é o bem que vai guiar e fazer crescer a humanidade.

Homilia 31-12-20.jpg
Como Maria, seguir os passos de Jesus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Santa Mãe de Deus, Maria (Ano B) – 31/12/2020 (Quinta-Feira, missa às 19h).

Um ano. Um ano não é pouco na vida das pessoas. E, no hino que nós fizemos, nós dissemos: "Todos os dias vos louvamos", "Por todos os dias vos louvamos". O Evangelho [Lc 2, 16-21] diz, duas vezes: "E Maria meditava esses fatos no seu coração". Este foi um ano diferente. 2020 vai ser lembrado na história como "o ano da pandemia" – como alguns outros anos: 1936, o ano da gripe espanhola, que matou também muita gente no mundo inteiro; os anos da peste negra, que dizimou quase dois terços da Europa... Coisas terríveis. Nós perdemos amigos, perdemos parentes, perdemos paroquianos, perdemos um padre do nosso clero com Covid... Vários tiveram Covid. É uma situação única. Ficamos muito tempo – e devemos estar ainda muito tempo – no isolamento. O isolamento nos chateia, nos deprime; mas o isolamento nos faz pensar. É um modo de reagir contra o isolamento, contra o medo e a depressão do isolamento: pensar, meditar, ler. Ler a Palavra de Deus. Para olhar os nossos dias difíceis como dias de prova. Não prova mandada por Deus, porque Deus não quer a morte nem o sofrimento de ninguém; mas tempo de sofrimento e suportação, porque o sofrimento e a suportação geram em nós a paciência, e a paciência gera em nós a perseverança. "Aos que perseverarem até o fim, a estes será dada a salvação" [ref. Mt 24,13]. Paciência e perseverança.

 

É um ano de guerra. Sem bombas, porém com um inimigo invisível que, às vezes, entra nas nossas casas sem nós percebermos e faz desgraças. Eu tive um tio e um primo que morreram de Covid. Quantos paroquianos nossos... Uma paroquiana nossa teve dezesseis pessoas da família com Covid, dois mortos. Logo no começo, entre os meses de fevereiro e março, dois médicos aqui da nossa paróquia morreram com Covid. Nós nos assustamos, e a única coisa que podemos fazer é nos defender com isolamento, máscara, álcool em gel... Essas coisas parecem ridículas, mas podem nos dar muitas chances! Muitas chances de continuarmos vivos, de continuarmos sãos.

 

Nós aprendemos muito! Em abril, não sabíamos nada sobre essa doença. Hoje sabemos tanto! Nós temos que perseverar neste caminho, nesta guerra, enquanto nós não estivermos seguros. Estarmos seguros significa vacinados. Pela cabeça de um cristão, não pode nem passar a ideia de não se vacinar! Por quê? Porque não é um bem só para mim, é um bem para a minha comunidade, para a minha família, para as pessoas que trabalham comigo, para as pessoas que vão no ônibus comigo... Não é só para mim. Nós temos que pensar no bem do outro, no bem do povo. E começar a ver: têm pessoas que não se importam com isso, pessoas que não se importam com a morte, que fazem blefa da morte, blefa dos outros. E poderiam fazer tanto... Sejamos nós responsáveis!

 

Maria olha os fatos da vida e os medita no coração. Mas medita como? Procurando e vendo a fidelidade de Deus. A fidelidade de Deus que passa por gestos muito pequenos, mas que salva o mundo! Naquele menininho, naquele curral, dentro de um cocho; quem poderia dizer que, ali, estava o Salvador da humanidade? Deus eterno feito carne. Quem? Só um menininho, entre tantos menininhos daquele tempo... Herodes mandou matar um montão para ver se matava Ele junto. Um menininho... Como Deus é discreto. Como, com gestos pequenos, Deus salva o mundo! E Ele pede a nós, hoje, gestos pequenos: máscara, álcool em gel, distanciamento. Amor ao próximo, amor ao nosso povo.

 

Hoje nós celebramos a Virgem Maria, Mãe de Deus. O que quer dizer isso? Ela não gerou a Trindade, não. Ela gerou, no tempo, o Filho do Deus Eterno, o Verbo: eterno como o Pai, Deus como o Pai, que se esvaziou de si mesmo, tornou-se uma célula, um código no ventre daquela mulher. Foi gerado, como um de nós, porque se fez um de nós. Nasceu, como nós. Como Maria continuou virgem, isso é problema de Deus. A fé diz: virgem antes, durante e depois do parto. Problema de Deus. E o menino que ela deu à luz é Deus, Deus feito homem. Deus, esvaziado de si mesmo, feito homem. Deus pode fazer isso: Deus pode diminuir, e Ele se torna salvação. O contrário não é possível: nós querermos ser deuses. Isso cria idolatria e morte, perdição. O caminho da salvação está no abaixamento. É por isso que Maria diz: "O Senhor fez em mim maravilhas, porque olhou para a pequenez de Sua serva" [ref. Lc 1, 48s]. Não para a grandeza, mas para a pequenez de sua serva.

 

Quando nós damos títulos, cada nome enorme para Nossa Senhora, nós temos que pensar muito. O que significa "Imaculada Conceição"? Significa ser, como Deus, última. Humildade. Onde está a humildade, o inimigo não chega; o poder do inimigo é anulado. "Rainha do Céu e da Terra". Onde Maria reina? Lá na cruz, ao lado de Jesus. Belo reino! E tem gente que se faz escravo de Maria... Para que? Se for para seguir Nosso Senhor Jesus Cristo, ótimo! Maria não precisa de escravos, Maria quer seguidores de Jesus, gente que seja capaz de ir atrás dos últimos. Isso ela quer! Mas gente para viver na arrogância e dizer: "Eu sou consagrado, não sei o que...", isso não leva a nada! Nada. Ser consagrado é ser como Maria foi: última, servidora dos últimos, como Deus, como Jesus. "Maria assunta ao céu". Terminada a vida terrena, experimentando a morte, Deus cumpre, em Sua mãe, a promessa que fez a todos nós: "Eu vos tirarei dos vossos túmulos, porque Eu Sou o Deus Fiel, digo e faço" [ref. Ez 37, 12s]. Nela aparece a fidelidade de Deus como, digamos assim, um "sinal" para nós: o que Ele fez nela, fará conosco.

 

Nos anos 430, estavam reunidos vários bispos na cidade de Éfeso, na atual Turquia. E discutiam: "Afinal de contas, Maria é mãe de Deus ou Maria é mãe do homem Jesus?". Era uma briga danada... O povo discutia na rua, nos bares, nas praças; as pessoas se dividiam, discutiam. Aí os bispos, lá reunidos, conversa daqui, conversa dali, e briga daqui, e briga de lá, excomunhão para cá, excomunhão para lá... Até que chegaram a uma conclusão: Maria é mãe de Deus porque Jesus é Deus, e não se pode separar o homem do Deus. O menino que nasceu dela é Deus! O povo estava na porta, esperando os bispos, com um monte de pedaços de pau na mão. E a fé do povo é mais rápida que a fé dos padres, viu? Nós padres somos complicados... A gente discute, a gente começa a achar pelo em ovo, é um problema. O povo de Deus não tem isso, o povo de Deus é espontâneo na fé. E, muitas vezes, chegam às verdades, à iluminação da fé muito antes dos padres. Então o povo estava lá, na porta, esperando. "Se vocês disserem que Maria não é mãe de Deus, nós acabamos com vocês quando saírem daí!". Olha só esse povo como era bravo! Aí proclamaram que Maria era Mãe de Deus, e o povo todo levou os bispos em procissão, com tochas e coisas, a maior festa. Isso para ver: a fé do povo reconhece as verdades de Deus. A fé do povo simples, a nossa fé, reconhece as verdades de Deus. Como Maria via as verdades de Deus? No seu dia a dia.

 

Maria é, também, nossa mãe. Nossa mãe na fé. Por quê? Primeira discípula de Jesus: desde o momento em que o anjo anunciou a Maria, ela se colocou totalmente à disposição daquilo que fosse a vontade de Deus. Ela ainda não via o futuro, como ia ser – não era bruxa. Ela não sabia que aquilo tudo ia acabar na cruz... Mas ela se colocou nas mãos de Deus, todinha: "Faz". E foi caminhando, todos os dias da sua vida, buscando a vontade de Deus. E, no seu caminhar, ela nos ensina a seguir Jesus. Por isso ela é nossa mãe na fé, porque ela, antes de nós, fez esse caminho. E, ao longo da história, nos convida a fazer este caminho: siga os passos de Jesus.

 

Vamos pedir à Virgem Maria que, neste novo ano que se inicia, nós possamos seguir Jesus, num tempo que não parece que será melhor do que 2020, infelizmente... Que nós possamos ter paciência, perseverança e amor ao próximo. Bom Ano Novo!

homilia 27.12.jpg
Reconhecer a presença de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade da Sagrada Família (Ano B) – 27/12/2020 (missa às 10h)

Vocês já foram em Aparecida quando tem os batizados? É uma muvuca em todo o santuário, tem sempre algum devoto ou beato, aqueles que estão sempre lá, nunca saem da igreja, conversam com um e com outro, explica alguma coisa, fica lá horas e horas conversando, são os beatos do santuário que a gente chama. Pois é, nós temos que imaginar José e Maria no meio dessa muvuca, eram muitas as crianças que levavam para fazer a apresentação ao templo, alguns eram ricos e levavam novilhos, carneiros para oferecer em troca do filho. Como que é essa história de “em troca do filho”? Todo primogênito de animais ou de mulheres, macho, sempre homens, eram oferecidos ao Senhor, aí você pagava o resgate. Imagina se você pegasse todos aqueles primogênitos dos homens de Israel, não ia caber de tanta gente dentro do templo, então se fazia o resgate. Você apresentava a criança para Deus e, no lugar da criança ficar no templo, você oferecia um bezerro ou um carneiro – as pessoas pobres ofereciam um par de rolinhas ou um par de pombas. O que nós vemos aqui? Nós não vemos uma família rica, nós vemos um casal pobre que oferece duas pombinhas. E, no meio desse povão que estava ali, se aproxima este velho devoto do santuário e começa a falar: “eu te louvo, Senhor, porque os meus olhos viram a salvação do teu povo, Israel”. As pessoas nem prestam atenção no que aquele homem está falando, um doido começou a falar, pensavam. E para ajudar, ainda veio uma devota que começa a falar também. “Um bando de doido” é o que quem olha pensa. Pois é, o Evangelho diz que aquele homem era movido pelo Espírito Santo e que aquela velhinha era uma profetiza. Só quem tem os olhos da fé é capaz de identificar isso. No meio de tudo aquilo, de toda aquela gente, quem reconheceu naquele casal pobre que carregava esse menino o Messias só essas duas pessoas, nem os sacerdotes, nem os levitas, nem os bons religiosos e nem o povo que estava lá, apenas esses dois velhos.

Quando Jesus entra em Jerusalém, no Domingo de Ramos, sete dias antes de ser crucificado, ele provavelmente entra no meio de uma festa, uma espécie de carnaval que tinha naquele período ali, então ele entra num jumentinho, os apóstolos jogam os mantos no chão, pegam os ramos e vamos fazer festa! O Messias estava entrando em Jerusalém, como os profetas haviam predito. Quem reconheceu Nele o Messias? Aqueles 12 homens ali e mais algumas pessoas que O seguiam. E o resto? Para o resto, era Carnaval. Deus tem um caminho que não é o nosso, só as pessoas de fé conseguem ver na simplicidade, na humildade, a presença de Deus.

Hoje nós celebramos a Sagrada Família, nós celebramos a nossa família. Jesus é salvação. Todos os gestos de Jesus são salvíficos. Jesus ficou 30 anos no anonimato, no dia a dia, numa vida familiar. Ele santificou a vida do dia a dia das nossas famílias, porque é na família que nós aprendemos a amar, respeitar, cuidar uns dos outros, nos suportar – essa palavra “suportar” dá uma impressão de peso, mas não é esse o sentido, “suportar” é ser apoio um para o outro, é ajudar o outro a carregar o próprio peso que nem o Cirineu ajudou Jesus a carregar a cruz. Na família, também é lugar de perdoar e de aprender uma vida nova. Tem um filme que se chama Colombo, que é a história de Cristóvão Colombo quando ele chegou a América e tem uma cena que ele estava falando com um grande professor de uma grande universidade e o homem não entendia a doidice de Colombo de querer chegar às Índias rodando o mundo. Esse homem diz para o Colombo: “nós, homens do pensamento, nós criamos a civilização”. Aí o Colombo vai para a sacada, olha para a cidade e diz: “não, quem constrói o mundo e as civilizações são os pedreiros anônimos, são os marceneiros que ninguém sabe quem é, são as mulheres que cozinham, são os artesãos, os carregadores dos portos, esses constroem o mundo”. Olha que visão interessante, isso é uma visão profundamente cristã! A nossa vida, o nosso dia a dia, nas nossas casas, aí nós construímos o mundo.

Nas nossas casas, nós vivemos e ensinamos a vida ou a morte, o respeito ou o desrespeito, o perdão ou a vingança, o falar mal ou o aceitar as pessoas, compreender os limites, carregar pesos... Qual a grande desgraça de hoje, principalmente na educação dos nossos filhos? Nós não dizemos mais a palavra “não”. Não colocamos limites. Aí quando chega o mundo, os limites são impostos e a pessoa desaba – depressão, suicídio, desorientação, culpa de quem? Dos pais que não disseram “não”, deram tudo de graça, tudo fácil. Na vida, bata o pé como quiser, a vida diz: vai ser como eu quero. Na família, nós educamos, fazemos crescer e aprendemos a amar. Um dos maiores sinais de amor é o perdão.

Vamos pedir ao Senhor que nos abençoe, que nos guie e faça perceber que é no nosso dia a dia que nós vivemos como cristãos, nas coisas simples, igual aquele casal de pobres e aqueles dois velhinhos do templo de Jerusalém. As nossas famílias ensinam a ver o mundo e as coisas com a fé em Jesus ou negam isso? Aqueles dois velhinhos viram no meio daquela muvuca o Messias presente, porque eles viviam com os olhos da fé. Que as nossas famílias sejam lugar de crescimento na fé para que nós possamos reconhecer a presença de Deus em todas as pessoas, especialmente nas que mais sofrem.

homilia 25.12.png
Não tenha medo, confie no Senhor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Missa de Natal (Ano B) – 25/12/2020 (missa às 17h)

Na noite de Natal, nós narramos o Evangelho de Lucas ou de Mateus, o nascimento de Jesus, mas na missa do dia, ouvimos a primeira página do Evangelho de São João. Se ouvirmos a primeira página do Evangelho de São Marcos, lemos “filho de Deus”, enquanto aqui, no Evangelho de João, ele escreve essa página maravilhosa que chamamos de prólogo, podemos dizer que ele vai desenvolver essa fala de São Marcos “filho de Deus”. É muito interessante pois ele vai explicar como é a relação do Pai com a Palavra. A Palavra do Pai só pode ser Ele mesmo e ela é exatamente idêntica ao Pai, está diante do Deus Pai e vê e contempla o rosto de Deus. E o Espírito Santo é o abraço, essa pessoa divina que mantém os três tão unidos que são uma única divindade.

Tudo que o Pai faz, o Filho faz; tudo que o Pai é, o Filho é. O Pai é luz, e São João vai dizer: “Deus é luz e Nele não há sinal de trevas”. Se o Pai é luz, o Filho é luz e o Espírito é luz. Quando a Palavra de Deus desce, se esvazia da divindade e se torna um de nós, mas tudo que Ele faz é revelação do Pai. Jesus vai dizer no Evangelho “eu faço tudo que vejo o Pai fazer”, pois são idênticos. Toda a ação de Jesus, todas as palavras de Jesus, os sentimentos Dele são revelação de Deus. Nós não estamos diante de um grande revolucionário ou de um mestre, estamos diante de Deus mesmo que se revela a nós na sua glória. Quando nos perguntamos: “como é Deus?”, olha para Jesus e tudo que não é Jesus, não é Deus e tudo que Jesus faz ou diz revela Deus. Quando dizemos Jesus é Deus colocamos as nossas ideias em cima de Jesus e isso cria um monte de problemas na teologia pois são pensamentos humanos e tentamos fazer Deus entrar dentro deles. Mas quando dizemos “Deus é Jesus” aí temos que olhar pra Jesus para entender quem é Deus, pois Jesus desmonta a nossa compreensão de Deus, uma delas é esse aqui: o menino Jesus.

“Nasceu hoje o Cristo Salvador” essa é a mensagem dos anjos, luz no céu, coral de anjos, imagina o espetáculo que esses pastores viram no céu. “Eis o sinal”, o que você espera? Algo grandioso, mas é um menino envolto em faixas, dentro de um estábulo, Deus é o contrário de nós, pensa do avesso, onde está a salvação? Nas periferias. De onde Deus começa a salvar o mundo inteiro? Das periferias. Onde dizemos que Deus está entronizado? A Glória de Deus, o juízo de Deus onde está? Na cruz. Deus é muito esquisito, Ele nos dá o alimento, pão divino, o cálice da Salvação, pão e vinho, o corpo e o sangue Dele entregues por nós. Se o mundo aprender a ser pão dividido para a vida e o bem dos outros, o mundo será um lugar de irmãos e irmãs. Nos reconhecer como irmãos, ser para o outro, esse é o caminho de Deus e a revelação de Jesus. A primeira mensagem dos anjos aos pastores foi “não tenham medo” de um Deus que é uma criança que precisa dos nossos cuidados, um Deus que está crucificado de braços abertos agonizando. Deus que se torna silencioso e se entrega para todos nós na Eucaristia. De um Deus assim não tem que ter medo, só nos causa alegria, só nos faz crescer como seres humanos.

Vamos pedir ao Senhor poder realmente ler a Escritura, olhar os vários momentos e frases de Jesus e dizer “Deus está falando, está agindo” e nos deixar transformar por essa palavra que é palavra de vida.

Outro dia uma pessoa reclamou porque eu falei sobre racismo, mas enquanto eu não deixar meu racismo eu não posso tratar o outro como irmão. Se eu não aceito o outro na sua diferença, eu nunca vou ser irmão do outro ou da outra. Nós temos que descobrir em nós, essas raízes do mal, porque elas só criam desconfiança para com o outro. E depois, desconfiança de Deus. Deus é um juiz implacável, vai nos esmagar, vai destruir tudo, vai ser fogo para todo lado, vai mandar todo mundo pro inferno por "uma coisinha de nada". Esse é o veneno que o inimigo colocou em nosso coração lá no mito de Adão e Eva, e Abel e Caim. Todos nós somos Adão, todos nós somos Eva, Caim e Abel. Vivemos desse drama e medo terrível, nós olhamos o nosso tempo, esse tempo. Se nós temos um pouco de responsabilidade, um pouco de amor próprio e ao outro, o outro vira uma ameaça, porque eu não sei se ele está contaminado, eu também me torno uma ameaça aos outros, porque os outros também não sabem se eu estou contaminado, eu vivo no medo, mas se eu pegar o vírus, e eu for um dos 2% que morre? E desses 2% nós já temos 188 mil mortes. Medo, medo de tudo.

Aqueles pastores eram o que nós hoje chamaríamos de "delinquentes". Eram homens rudes, mal conseguiam falar, pior pessoas que poderiam existir, muitos eram ladrões, ou assassinos, e a única coisa que podiam confiar a eles eram os rebanhos e que eles vivessem em montanhas, indo atrás de ervas para estes rebanhos. Todo mundo tremia quando essas pessoas se aproximavam, e a religião de Israel dizia que no dia da manifestação de Deus, esses homens ou pessoas como eles seriam fulminadas pela glória de Deus, destruídas, derreteriam como cera diante do esplendor e da justiça de Deus. Esses homens viviam com medo, e eles acreditavam nisso que a religião falava, nós chamamos isso de medo projetado. É como uma pessoa preta que acredita que é inferior porque a sociedade falou isso. Não acreditem, isso é falso. É como a pessoa homoafetivas, que acreditam que é um pecador absurdo, desviado, desordenado intensivamente, são palavras da religião. E as pessoas acreditam nisso, até própria pessoa acredita nisso. É tudo mentira, viu gente? Até as palavras ditas pela religião. Por quê? Isso descrimina as pessoas. Mas Deus não descrimina ninguém. E para que eu estou falando tudo isso? Para a gente se dar conta do que significou para aqueles homens que estavam lá, no meio do campo a noite, cuidando de ovelhas, para que lobos ou outros bichos não viessem atacar aquelas ovelhas. Para eles que eram considerados lixo do mundo, malditos, amaldiçoados por Deus, para eles, apareceu o anjo de Deus, apareceu a luz divina, e aqueles homens só podiam sentir uma coisa: terror. Tudo aquilo que tinham falado para eles, todas aquelas asneiras que tinham enfiado na cabeça deles, de que eles eram malditos, perdidos, assassinos, ladrões, e que seriam fulminados no momento da glória de Deus. E o que acontece? Olha que absurdo, eles morrendo de medo e o anjo diz: "Não tenhais medo". E fez daqueles homens, lixo do mundo, anunciadores e testemunhas da fidelidade de Deus, eles vão anunciar: "Nasceu para vocês um salvador, glória a Deus nas alturas, paz para os seres humanos, Deus ama vocês, Deus ama vocês com vossos pecados, até com vossos crimes. Deus ama e quer salvação para todos. Nasceu o Salvador, na cidade de Davi". E o que vem na nossa cabeça? Vem na nossa cabeça o esplendor e a grandeza, o salvador que esperávamos, descendente de Davi. E qual é o sinal? Os sinais absurdos de Deus: "Vocês vão encontrar um menino envolvido em faixas, lá no estábulo, deitado numa manjedoura, cocho”. Não tinha lugar para eles, então botaram eles lá. A lenda diz que foi uma mulher chamada Abigail que falou pra São José: "Olha, vai por ali, tem um lugar fora da cidade, onde tem animais, vacas, é um lugar tranquilo, tem palha e daqui a pouco vou lá para ver como é que está a situação da moça".

E então essa gente que o mundo diz que não vale nada, que a religião diz que vão ser condenados, estes homens vão até lá e encontram o Salvador, um menino em um cocho do estábulo, que salvador esquisito. E o que o anjo disse no inicio? "Não tenhais medo". Quem tem medo de uma criança pobre num cocho de estábulo? Uma criança recém-nascida? Até aqueles homens rudes, ladrões, assassinos foram ver ele. Não podiam se aproximar das pessoas, mas foram anunciar "Os anjos vieram e nos falaram isso". E falaram para pessoas que talvez tinham encontrado no caminho, às vezes até falou para a tal da Abigail também. Quem de nós teme uma criança recém-nascida? Quem? Se fosse um filho de rei, teria muito poder, mas uma criança pobre num estábulo, quem tem medo? Ninguém. Do mesmo jeito, que ninguém tem medo de um homem pendurado na cruz, agonizando. Quem tem medo de se aproximar desse pobre? Quem tem medo de se aproximar do Pão Eucarístico, que se entrega sem perguntar se você é santo ou pecador? Os padres que inventaram essa história de "aquele pode", "aquele não pode". Jesus não faz essas coisas, os padres que fazem. Tem medo de um pedaço de pão, que se reparte para ser comida pro mundo, para que as pessoas possam viver, pessoas como nós, pessoas piores que nós, pessoas que nós mesmos apontamos o dedo e dizemos: "condenado". Jesus se entrega a todos, para todos, não tenham medo.

E o que quer dizer "não tenha medo" nesses dias de pandemia? Nesse tempo de uma alegria bem "borocoxo". Quando é que vocês viram uma missa de véspera de Natal com a igreja vazia deste jeito? "Ah, padre, é pandemia", mas cabem 150 pessoas aqui e não tem. "Ah padre, mas tinha que agendar" Isso é conversa mole. Jesus nos diz "Não tenhais medo". Jesus não disse: “Sejam irresponsáveis", Ele disse: "Não tenhais medo". A situação é difícil, é, vai ficar pior, vai. Não tenham medo, as dificuldades na história existem, as dificuldades na vida existem e são muitas, mas a gente consegue ir para frente, as pessoas conseguem melhorar, as sociedades melhoram, faça o que pode hoje, o que eu posso fazer? Máscara, álcool e isolamento, isso você pode, faça. Não faça festinha, não faça esse ano para poder fazer ano que vem. Porque muitos que irão fazer festa este ano, não vão fazer ano que vem porque foram irresponsáveis, porque tiveram medo, medo de ter que se isolar, de ter que ficar sozinhos, medo de ter que aguentar a chatice do dia-a-dia. Não é fácil aguentarmos a chatice do dia-a-dia trancado dentro de casa, mas para quem persevera, tem saúde depois. Não persevera e não quer? Tem doença, e o risco de morte ou sequelas. Não ter medo hoje é responsável, é manter o contato virtual com as pessoas, hoje é tão fácil, tem muito jeitos, mandar mensagem, falar por WhatsApp, tem jeito de manter contato com as pessoas, e assim você vai estar enfrentando o medo. Quem foge do isolamento, ou nega os sistemas de proteção que são mínimos, máscara e álcool, se essa pessoa tem medo, essa pessoa é fraca. Cuidem-se, empenhem-se. Quem se empenha, dará frutos, Deus ama a todos, inclusive aos que tem medo, mas nos chama a ser responsáveis. Deus deu uma missão àqueles pastores, que eram amaldiçoados pela religião e temidos pelo povo, porque Deus confia em nós, essa é a mensagem de Natal. Não tenham medo, vamos em frente, mesmo que seja chato, cansativo estar em isolamento. Esse é nosso caminho, essa é nossa confiança, nossa esperança, e vamos nos alegrar um pouquinho mais, porque Jesus nasceu para cada um de nós e nos acolhe como somos. Toda a outra imagem de Deus é falsa, Deus é o menino na manjedoura, Deus é o pão da Eucaristia, Deus é o homem da cruz. São três momentos, e é o mesmo e único Deus que acolhe a todos. Bom Natal!

homilia 24.12.png
Não tenha medo, confie no Senhor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha - Missa do Galo (Ano B) - 24/12/2020 (missa às 20h)

A frase deste natal e do começo do novo ano são as que o anjo disse para os pastores: "Não tenhais medo!". Medo, aqui no caso, é o medo de Deus, mas também é o medo de si mesmos e o medo dos outros. Quando nós aprofundamos as nossas raízes lá no mito de Adão e Eva, nós vamos encontrar o momento exato quando o ser humano mostra a sua infidelidade a Deus. Deus caminha no jardim, como fazia todos os dias, procura Adão não encontra, procura Eva e não encontra, e diz: "Onde vocês estão?" e os vê atrás do matinho. "Opa, vocês estão aí" e Adão logo fala: "Eu vi os teus passos no jardim e tive medo, eu estava nu". Mas Deus falou: "Quem te disse que você estava nu? Você por acaso comeu o fruto da árvore que eu proibi?". Quando o ser humano não quer crescer, quando o ser humano não quer fazer este longo caminho que é arar a terra, colocar a semente, cuidar da terra, esperar a planta crescer, esperar vir os frutos, esperar que os frutos amadureçam, recolher o fruto, moer a semente, preparar o fermento para fazer o pão. Todo este caminho... Quando o ser humano não quer esse caminho e quer o fruto final, quer o pão em sua mão, ele começa a não se aceitar. "Eu quero ser como Deus, eu quero o fruto final de tudo, não quero fadiga, não quero crescer porque sofrer dói". E a mesma imagem pode ser dada para a mulher, carregar uma criança na barriga por 9 meses, parto, dores únicas, depois tem que amamentar a criança, educar, fazer crescer, quando chega na adolescência vira um desastre, depois esperar ser adulto... Quanta fadiga, quanto tempo... "Não, quero tudo pronto, tudo maravilhoso". Isso não existe. Mas quando Adão e Eva rompem esse caminho de crescimento, esse caminho às vezes se torna uma maldição, punição de Deus. Nós temos medo. Medo foi o veneno que o inimigo colocou no nosso coração. Medo de Deus e de nós mesmos, porque nós somos miséria, nós sabemos que vamos morrer, nós temos medo do sofrimento e nós vemos muito sofrimento também, temos medo da pobreza, miséria, e muitas vezes nós mesmos produzimos miséria. Muitas vezes nós produzimos sofrimento, nós temos medo do outro que pode nos agredir, que pode nos atacar ou nos matar. E enfiamos de novo nossas raízes lá no mito de Abel e Caim, quando se pergunta a Caim "Onde está seu irmão", e ele responde "O que eu tenho a ver com meu irmão? Não interessa nada do meu irmão". Medo. Medo de Deus, medo de si mesmos e medo do outro. E quantas mentiras nós engolimos durante a história? Durante a vida? Quantas mentiras?

Outro dia uma pessoa reclamou porque eu falei sobre racismo, mas enquanto eu não deixar meu racismo eu não posso tratar o outro como irmão. Se eu não aceito o outro na sua diferença, eu nunca vou ser irmão do outro ou da outra. Nós temos que descobrir em nós, essas raízes do mal, porque elas só criam desconfiança para com o outro. E depois, desconfiança de Deus. Deus é um juiz implacável, vai nos esmagar, vai destruir tudo, vai ser fogo para todo lado, vai mandar todo mundo pro inferno por "uma coisinha de nada". Esse é o veneno que o inimigo colocou em nosso coração lá no mito de Adão e Eva, e Abel e Caim. Todos nós somos Adão, todos nós somos Eva, Caim e Abel. Vivemos desse drama e medo terrível, nós olhamos o nosso tempo, esse tempo. Se nós temos um pouco de responsabilidade, um pouco de amor próprio e ao outro, o outro vira uma ameaça, porque eu não sei se ele está contaminado, eu também me torno uma ameaça aos outros, porque os outros também não sabem se eu estou contaminado, eu vivo no medo, mas se eu pegar o vírus, e eu for um dos 2% que morre? E desses 2% nós já temos 188 mil mortes. Medo, medo de tudo.

Aqueles pastores eram o que nós hoje chamaríamos de "delinquentes". Eram homens rudes, mal conseguiam falar, pior pessoas que poderiam existir, muitos eram ladrões, ou assassinos, e a única coisa que podiam confiar a eles eram os rebanhos e que eles vivessem em montanhas, indo atrás de ervas para estes rebanhos. Todo mundo tremia quando essas pessoas se aproximavam, e a religião de Israel dizia que no dia da manifestação de Deus, esses homens ou pessoas como eles seriam fulminadas pela glória de Deus, destruídas, derreteriam como cera diante do esplendor e da justiça de Deus. Esses homens viviam com medo, e eles acreditavam nisso que a religião falava, nós chamamos isso de medo projetado. É como uma pessoa preta que acredita que é inferior porque a sociedade falou isso. Não acreditem, isso é falso. É como a pessoa homoafetivas, que acreditam que é um pecador absurdo, desviado, desordenado intensivamente, são palavras da religião. E as pessoas acreditam nisso, até própria pessoa acredita nisso. É tudo mentira, viu gente? Até as palavras ditas pela religião. Por quê? Isso descrimina as pessoas. Mas Deus não descrimina ninguém. E para que eu estou falando tudo isso? Para a gente se dar conta do que significou para aqueles homens que estavam lá, no meio do campo a noite, cuidando de ovelhas, para que lobos ou outros bichos não viessem atacar aquelas ovelhas. Para eles que eram considerados lixo do mundo, malditos, amaldiçoados por Deus, para eles, apareceu o anjo de Deus, apareceu a luz divina, e aqueles homens só podiam sentir uma coisa: terror. Tudo aquilo que tinham falado para eles, todas aquelas asneiras que tinham enfiado na cabeça deles, de que eles eram malditos, perdidos, assassinos, ladrões, e que seriam fulminados no momento da glória de Deus. E o que acontece? Olha que absurdo, eles morrendo de medo e o anjo diz: "Não tenhais medo". E fez daqueles homens, lixo do mundo, anunciadores e testemunhas da fidelidade de Deus, eles vão anunciar: "Nasceu para vocês um salvador, glória a Deus nas alturas, paz para os seres humanos, Deus ama vocês, Deus ama vocês com vossos pecados, até com vossos crimes. Deus ama e quer salvação para todos. Nasceu o Salvador, na cidade de Davi". E o que vem na nossa cabeça? Vem na nossa cabeça o esplendor e a grandeza, o salvador que esperávamos, descendente de Davi. E qual é o sinal? Os sinais absurdos de Deus: "Vocês vão encontrar um menino envolvido em faixas, lá no estábulo, deitado numa manjedoura, cocho”. Não tinha lugar para eles, então botaram eles lá. A lenda diz que foi uma mulher chamada Abigail que falou pra São José: "Olha, vai por ali, tem um lugar fora da cidade, onde tem animais, vacas, é um lugar tranquilo, tem palha e daqui a pouco vou lá para ver como é que está a situação da moça".

E então essa gente que o mundo diz que não vale nada, que a religião diz que vão ser condenados, estes homens vão até lá e encontram o Salvador, um menino em um cocho do estábulo, que salvador esquisito. E o que o anjo disse no inicio? "Não tenhais medo". Quem tem medo de uma criança pobre num cocho de estábulo? Uma criança recém-nascida? Até aqueles homens rudes, ladrões, assassinos foram ver ele. Não podiam se aproximar das pessoas, mas foram anunciar "Os anjos vieram e nos falaram isso". E falaram para pessoas que talvez tinham encontrado no caminho, às vezes até falou para a tal da Abigail também. Quem de nós teme uma criança recém-nascida? Quem? Se fosse um filho de rei, teria muito poder, mas uma criança pobre num estábulo, quem tem medo? Ninguém. Do mesmo jeito, que ninguém tem medo de um homem pendurado na cruz, agonizando. Quem tem medo de se aproximar desse pobre? Quem tem medo de se aproximar do Pão Eucarístico, que se entrega sem perguntar se você é santo ou pecador? Os padres que inventaram essa história de "aquele pode", "aquele não pode". Jesus não faz essas coisas, os padres que fazem. Tem medo de um pedaço de pão, que se reparte para ser comida pro mundo, para que as pessoas possam viver, pessoas como nós, pessoas piores que nós, pessoas que nós mesmos apontamos o dedo e dizemos: "condenado". Jesus se entrega a todos, para todos, não tenham medo.

E o que quer dizer "não tenha medo" nesses dias de pandemia? Nesse tempo de uma alegria bem "borocoxo". Quando é que vocês viram uma missa de véspera de Natal com a igreja vazia deste jeito? "Ah, padre, é pandemia", mas cabem 150 pessoas aqui e não tem. "Ah padre, mas tinha que agendar" Isso é conversa mole. Jesus nos diz "Não tenhais medo". Jesus não disse: “Sejam irresponsáveis", Ele disse: "Não tenhais medo". A situação é difícil, é, vai ficar pior, vai. Não tenham medo, as dificuldades na história existem, as dificuldades na vida existem e são muitas, mas a gente consegue ir para frente, as pessoas conseguem melhorar, as sociedades melhoram, faça o que pode hoje, o que eu posso fazer? Máscara, álcool e isolamento, isso você pode, faça. Não faça festinha, não faça esse ano para poder fazer ano que vem. Porque muitos que irão fazer festa este ano, não vão fazer ano que vem porque foram irresponsáveis, porque tiveram medo, medo de ter que se isolar, de ter que ficar sozinhos, medo de ter que aguentar a chatice do dia-a-dia. Não é fácil aguentarmos a chatice do dia-a-dia trancado dentro de casa, mas para quem persevera, tem saúde depois. Não persevera e não quer? Tem doença, e o risco de morte ou sequelas. Não ter medo hoje é responsável, é manter o contato virtual com as pessoas, hoje é tão fácil, tem muito jeitos, mandar mensagem, falar por WhatsApp, tem jeito de manter contato com as pessoas, e assim você vai estar enfrentando o medo. Quem foge do isolamento, ou nega os sistemas de proteção que são mínimos, máscara e álcool, se essa pessoa tem medo, essa pessoa é fraca. Cuidem-se, empenhem-se. Quem se empenha, dará frutos, Deus ama a todos, inclusive aos que tem medo, mas nos chama a ser responsáveis. Deus deu uma missão àqueles pastores, que eram amaldiçoados pela religião e temidos pelo povo, porque Deus confia em nós, essa é a mensagem de Natal. Não tenham medo, vamos em frente, mesmo que seja chato, cansativo estar em isolamento. Esse é nosso caminho, essa é nossa confiança, nossa esperança, e vamos nos alegrar um pouquinho mais, porque Jesus nasceu para cada um de nós e nos acolhe como somos. Toda a outra imagem de Deus é falsa, Deus é o menino na manjedoura, Deus é o pão da Eucaristia, Deus é o homem da cruz. São três momentos, e é o mesmo e único Deus que acolhe a todos. Bom Natal!

20.12.jpg
Em Maria, cumpre-se a vontade de Deus

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 4º Domingo do Advento (Ano B) – 20/12/2020 (missa às 10h).

Vamos começar com uma curiosidade sobre o Evangelho: nós não sabemos qual é a linhagem de Maria. Nós só sabemos a de José, ele era descendente de Davi. Filho que nasce de mãe hebreia é hebreu. Quem dá a descendência para o filho é o pai, mesmo que seja pai adotivo. Maria garante que Jesus é hebreu, mas é José que, assumindo a paternidade de Jesus, aceitando esse mistério que Deus operou na vida dela, diante da Lei, José aparece como pai de Jesus. Então Jesus se torna descendente de Davi por causa de José, que, diante da Lei é pai de Jesus, apesar de nós sabermos que Ele é filho de Deus.

Muito bem, já falei aqui outras vezes sobre a anunciação. Essa menina de fim de mundo, que Deus tinha desejado na eternidade que fosse a mãe do Seu filho. E, quando chegou o tempo, Ele cria Maria inundada, ou imersa, na graça de Deus, de modo que, nela, só existe luz. Os nossos irmãos protestantes muitas vezes traduzem “cheia de graça” por “agraciada”, para mostrar esse fato que Maria recebe de Deus a graça, e é justa a afirmação. Maria é nossa. Ela está deste lado do abismo, ela está conosco. Do outro lado, está Deus. Entre nós e Deus, existe um abismo intransponível. Deus habita numa luz inacessível, não tem como chegar lá. Ou Ele vem até nós, ou nós não temos acesso. E o que nós vemos é exatamente a misericórdia de Deus que vem ao nosso encontro, vem através da criação, vem através da criação do homem e da mulher, vem através do Seu filho, Jesus, verbo eterno do Pai, que se esvazia de si mesmo e se torna uma célula no seio da Virgem Maria. Maria, estando desse lado do abismo, se torna o ponto de apoio da ponte, entre Deus e nós e a Jesus. Essa ponte encontra o seu fundamento aqui do nosso lado em Maria, no seio dessa mulher. Deus operou um milagre. O filho que dela nasceu é um homem perfeito e ao mesmo tempo é o Deus eterno. Só nessa mulher, em toda criação, se encerra o mistério que Deus operou na encarnação.

Quando o anjo diz “alegra-te”, ele está dizendo “Maria, finalmente a espera do povo vai se concretizar, a promessa que Deus fez para Abraão há mil e oitocentos anos, as promessas que Ele fez a Davi há mil anos atrás, as profecias de setecentos, quinhentos, quatrocentos anos atrás se cumprem agora”. E se cumprem do jeito de Deus, não do nosso jeito. Um descendente para Davi, cujo trono vai ficar eternamente diante do Pai. O que você pensa? Um super rei, imagina! E qual é o trono que Jesus tem? A cruz. Que jeito esquisito de Deus. E, na eternidade, Jesus reina com os sinais da cruz, e Ele nos julga a partir da cruz. O julgamento de Deus é um julgamento de misericórdia, lembrando que a misericórdia de Deus é mais justa que a nossa justiça vingativa. Deus quer a salvação de todos.

Nós aprendemos ainda com Maria, no momento da anunciação, muitas coisas. Hoje nós vamos frisar uma. Já falei isso muitas vezes porque é importante! Maria não pergunta “por quê?” para Deus, não pergunta. Maria pergunta para o anjo “como fazer, o que eu tenho que fazer? Eu não conheço o homem”, ou seja, “eu sou virgem”, “o que eu tenho que fazer? Tenho que casar logo com José? Tenho que procurar outro homem? O que eu tenho que fazer?” – é uma pergunta operativa. Não é uma pergunta que quer saber “por que é que Deus permite isso? Por que eu? Por que para mim isso?”. Não. Isso é pergunta arrogante, pergunta de quem não tem fé. A pergunta é: ‘o que fazer nesta situação?’. O que fazer numa situação de câncer terminal, o que fazer nessa situação de doença grave, desnecessária que é o COVID. O que fazer com um parente que morre, o que fazer com o meu vazio, o que fazer com a minha dor. O que fazer? Essa é a grande pergunta. A essa pergunta Deus dá respostas. Uma pessoa com câncer terminal, às vezes eu não posso fazer nada, está morrendo. Mas eu posso, às vezes, segurar a mão da pessoa. Posso, às vezes, estar ao seu lado, às vezes rezar por ela, especialmente agora, o pessoal com COVID, que a gente não pode nem rezar uma Ave-Maria antes de enterrar, e a maior parte dessas pessoas não teria que ter morrido, o que eu posso fazer? É rezar, isso eu posso. Ajudar as pessoas que estão sofrendo, isso eu posso. “Por que Deus permitiu que o meu marido morresse assim?”. Isso é problema de Deus, a vida não vai te responder. O que fazer agora? Às vezes a resposta é: chora. Quando a dor é grande, Deus entende. Não podemos ser arrogantes diante de Deus, Maria nos ensina isso. O que fazer? Isso é uma atitude espiritual. Essa é uma atitude que deve nascer da fé cristã. Não ser arrogante e perguntar o porquê para Deus, arregaçar as mangas e fazer o que é possível, e, às vezes, tem bem pouco para fazer. Mas, às vezes, tem muito. Isso faz a diferença.

Depois, tem uma frase que a gente às vezes precisa explicar também. O anjo diz: “o Espírito do Senhor virá sobre ti, e o poder do Altíssimo te cobrirá com a Sua sombra”. Dá impressão de que são dois atos, ou duas pessoas. Não é, é o mesmo. O Espírito Santo é o poder do Pai, a força do Pai. É o Espírito Santo que cria em Maria a possibilidade de gerar um filho que seja homem e Deus. É o Espírito Santo que faz isso. O filho é do Pai, Ele envia o seu verbo do céu. Mas o poder que permite isso é o Espírito Santo. A sombra do poder de Deus é o mesmo Espírito Santo, as duas expressões falam de um único ato, e lembram a presença de Deus. Onde que nós encontramos a figura da nuvem no Antigo Testamento? Quando o povo de Deus, aquele grupinho de pessoas que fugia do Egito, perseguidos por soldados egípcios – homens, mulheres, crianças, animais, pessoas anciãs, que situação difícil. E o pessoal atrás com as bigas, que eram que nem carros de guerra, conduzidos a cavalo, terríveis. O que essa pobre gente conseguia contra aquilo? A nuvem se coloca entre o exército e o povo. Para o povo, ela é luz. Para o exército, ela é trevas. É a presença de Deus. Um outro momento em que nós encontramos a nuvem é quando Deus fala com Moisés no monte Horebe, para dar para ele os dez mandamentos, as tábuas da lei. Horebe estava cheio de tempestades. Aquilo, a nuvem, indica a presença de Deus. Quando rei Salomão consagrou o templo de Jerusalém e pede que Deus esteja presente naquele lugar, desce sobre o templo a nuvem, sinal da presença de Deus. Quando o povo é exilado para a Babilônia, o profeta Jeremias vê a nuvem se levantar do templo e ir atrás do povo, para onde o povo vai. No Novo Testamento, nós temos a transfiguração. Jesus, que no monte Tabor se transfigura e, próximo dele aparecem Moisés e Elias vivos, não mortos. Vivos, e falam com eles. Deus é Deus dos vivos, não de mortos. Quando nós morremos, nós ressurgimos para a vida eterna, viu gente? Não acaba no túmulo não. Ali a gente enterra carne, e vai apodrecer. Nós ressurgimos para a vida na hora da morte. Pedro, João e Tiago viram a sombra, a nuvem que encobriu o topo do morro, encobriu Jesus, Moisés e Elias. É a presença de Deus, e eles ouvem “este é meu filho amado, ouvi-o”. É a presença de Deus, a presença de Deus desce sobre Maria, o poder de Deus desce sobre ela, e permite que ela, sem ajuda de homem, conceba um filho que é homem e Deus eterno.

Nós nunca vamos contemplar o bastante o mistério da encarnação do verbo, nunca. Porque cada vez que nós debruçamos sobre esta passagem, toda vez que nós nos debruçamos sobre qualquer passagem da Escritura, do Novo Testamento, dos quatro evangelhos, nós encontramos sempre, sempre, sempre, novas luzes. Os hebreus falam que a leitura constante da palavra é como pegar duas pedras, dessas que fazem fogo, e bater uma contra a outra. Sempre saem faíscas novas. Essa é a Escritura, esse é o mistério de Deus. Por isso, a Sagrada Escritura é sagrada, é Palavra de Deus, mesmo tendo sendo escrita há dois mil, três mil, três mil e quinhentos anos atrás, ela continua nos falando hoje. E, com essa leitura de hoje, nós aprendemos uma atitude cristã fundamental: não devemos nunca perguntar os porquês para Deus, mas aprender a perguntar o que fazer.

Homilia 14-12-20.jpg
Ser luz em um mundo de trevas

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 3º Domingo do Advento (Ano B) – 13/12/2020 (missa às 10h).

Os quatro evangelhos nos falam de João Batista, essa figura que foi complicada para a primeira comunidade cristã. Porque os discípulos de João Batista acreditavam que era ele o Messias, então se formaram comunidades de discípulos. Enquanto os evangelhos foram escritos, ainda existiam essas comunidades – por volta da metade do segundo século, ano 120, 130 –, os chamados "Batistas". Eles se tornaram cristãos, reconheceram que Jesus era o Messias, mas, enquanto os evangelhos eram escritos, ainda tinha polêmica. Quatro comunidades diferentes escreveram os evangelhos – comunidades diferentes, pessoas diferentes, problemas diferentes. Os evangelhos não são biografias de Jesus, são o anúncio da boa notícia que Jesus trouxe. Jesus é nosso Salvador; morreu e foi ressuscitado, está na glória do Pai e há de vir. Esse é o grande anúncio dos evangelhos.

 

O primeiro evangelho a ser escrito foi o de São Marcos. Nele, São João Batista é apresentado assim, com cores bem vivas. Depois, São Lucas e São Mateus copiaram praticamente 90% do evangelho de São Marcos, e eles tentaram englobar João Batista dentro da vida de Jesus – São Lucas vai apresentar João Batista como primo de Jesus. São João, ou a comunidade de São João, vai apresentar João Batista como uma testemunha. Se vocês lerem lá no primeiro capítulo de São João, não tem e não aparece o batismo de Jesus.  Engraçado, não é? Pois é, São João esvazia essa figura de João Batista. Para ele, João Batista é uma testemunha – uma testemunha qualificada, porque ele cumpre uma profecia de Isaías: "Uma voz grita no deserto: preparai os caminhos do Senhor" [ref. Is 40, 3].

 

São João Batista chama o povo para a conversão, e ele usa as roupas, os trajes que eram próprios dos profetas. Elias usava aquele tipo de roupa (pele de camelo), comia mel silvestre e outras coisas que conseguiam obter no deserto – até gafanhotos comiam! Quando teve aquela nuvem de gafanhotos aqui na América Latina – isso é uma piadinha, tá? –, aqui no Brasil, o pessoal começou a fazer fritada de gafanhoto; tem gente que come casquinha de siri, outros começaram a fazer fritada de gafanhotos. Os gafanhotos chegaram na fronteira e pensaram: "O que? Vamos acabar na panela? Nada disso...", aí foram embora. Então significa que gafanhoto dá para comer, viu, gente? Naquele tempo, comiam.

 

O que João Batista faz? Ele anuncia: "Eu não sou digno de desatar as suas sandálias". O que isso quer dizer? Quem desatava as sandálias era o escravo velho, que não servia para mais nada, ele só dava gastos para o dono da casa. Então era ele, que não valia mais nada, que desamarrava as sandálias do dono. João Batista está dizendo: "Nem isso, eu sou muito menos que isso. Podem me chamar de profeta, podem me chamar de novo Elias, isso não é nada comparado ao que Ele é. Eu batizo com água" – o que é agua? Não é nada – "Ele dá o Espírito dá vida, que só Deus pode dar".

 

São João deixa muito claro em seu evangelho: Jesus olha o rosto do Pai. Só quem pode olhar o rosto do Pai é quem é igual ao Pai, Deus como Pai. Então Ele nos revela o Pai. Todo gesto de Jesus é gesto divino, é o humano que revela Deus. E qual o problema? São João diz: "Ele está no meio de vocês, mas vocês não O conhecem". Olha que coisa estranha. Quem eram esses homens que vieram perguntar para João Batista o que ele era? Sacerdotes e levitas. Levitas seriam os nossos sacristãos de hoje, ou seja, gente de dentro da igreja. E o que esperamos dessas pessoas? Que sejam capazes de reconhecer o Messias, é isso o que a gente espera. São João vai dizer o que? "Vocês não O conhecem". Por quê? Porque não são capazes de ouvir "a voz que grita no deserto" chamando à conversão. Convertei-vos! Este era o grande anúncio de João Batista: convertei-vos. E essa gente não se converteu; e essa gente, depois, vai matar João Batista e Jesus. Para nós, fica também esta pergunta: "Você é capaz de reconhecer Jesus?". Onde Jesus está? Jesus está na Eucaristia. Jesus está em Sua Palavra. Jesus se manifesta em Sua comunidade quando ela reza em nome Dele. Mas Jesus também está em todas as pessoas que se aproximam de nós ou de quem nos aproximamos – aí está Jesus. São João, em sua primeira carta, vai dizer: "Quem diz que ama a Deus e não O vê, mas não ama seu irmão, que vê, é mentiroso" [ref. 1 Jo 4, 20]. Você só pode amar a Deus se você ama o teu irmão, a tua irmã; senão, você não conhece Deus, você está como aqueles sacerdotes e levitas – Jesus estava ali, no meio da multidão, mas eles não O reconheceram e O mataram. Então nós reconhecemos Jesus nos nossos irmãos e irmãs, especialmente nos que mais sofrem. Jesus está desfigurado nos pobres, nos doentes, nas pessoas desesperadas, nas pessoas marginalizadas, nas pessoas excluídas das nossas comunidades: Jesus está lá, pedindo a nós que os reconheçamos, para que essas pessoas vivam os valores do Reino. E uma coisa interessante: São João, em seu evangelho, não fala de Deus nenhuma vez. Porque, para São João, o Reino de Deus não era uma realidade visível; para ele, o Reino de Deus era Jesus. Tudo, para São João, era Jesus.

 

Quem vê Jesus, vê o Pai. O Espírito Santo é o espírito de Jesus ressuscitado. O Reino de Deus é Jesus. Tudo, para São João, era Jesus. Jesus é o Reino, e Jesus faz o que? O bem. Anuncia o que? A verdade – não fake news. Ele não engana o povo, Ele diz a verdade. Inclusive, diz: "Quem segue meus passos, pode acabar na cruz". Jesus não engana, não; Jesus não faz fake news nem conta histórias pela metade. Se nós formos ver os milagres que Jesus faz, não são shows, não têm "estrelinhas" e holofotes. Por quê? Porque o Reino de Deus é discreto. Nós vamos construindo o Reino aos poucos. Onde aparece o Reino de Deus? O Reino de Deus aparece nos nossos pequenos gestos, no pedaço de pão que você dá a quem te pediu. Para quem está com fome, você vai, entrega, não tem brilho, não tem estrelinha, não aparece anjo, ninguém bate palma, não tem nada disso. Ali, naquele momento, aconteceu uma faísca do Reino de Deus, como estrelas no céu, como se ficassem apagando e ascendendo o tempo inteiro sinais do Reino. Toda vez que você faz o bem, que você defende a verdade, a honestidade, a justiça, você está fazendo brilhar, num instante, o Reino de Deus. E é este o Reino que nós temos aqui neste mundo; este mundo aqui poderia ser um mar de luzes... Mas, muitas vezes, é um mar de trevas. Ainda assim, quanto maiores as trevas, mais a luz brilha! Vocês já andaram... Bom, para moradores de cidades, como aqui, é mais difícil, mas pega a rodovia Castelo Branco – eu falo dessa rodovia porque é a única que eu conheço mais –, pega a rodovia e vai embora. Depois da entrada para São Manoel, entre numa estradinha de lado qualquer em uma noite sem lua, com céu encoberto... É um breu total. No meio deste breu, se você acende um palito de fosforo, você pode ser visto a quilômetros! Em um mundo onde reinam as trevas, Jesus nos ensina a ser luz. E Ele quer que nós transformemos essa maré de trevas em um mar de luzes! Esse é o Reino neste mundo. Porque, no Reino de Deus, é só luz, lá não tem trevas.

 

Vamos pedir ao Senhor que nós possamos reconhece-Lo e, desse modo, estar sempre preparados para Sua nova vinda. Hoje, um modo de dar testemunho da luz é ficar em casa, esquecer de fazer festinha de Natal e Ano Novo. Quer comemorar Natal de 2021 e Ano Novo de 2022? Fique em casa! Sem festinhas, para não comemorar o ano que vem no cemitério. Entendeu? Está muito preocupante, não se iluda! Se feche em casa neste fim de ano, melhor renunciar às festinhas de 2020 para comemorarmos em 2021. Isso também é cuidar e amar os outros.

130245907_1485931581603931_8706220159618
Três passos para a conversão

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 2º Domingo do Advento (Ano B) – 06/12/2020 (Missa às 10h).

O livro do profeta Isaías foi escrito em três etapas: a primeira parte é do tempo do profeta (700 a.C.), a segunda parte é do tempo da volta do exilio da Babilônia por volta dos anos 535 a.C. e uns 50 ou 60 anos depois, o que nós chamamos de terceiro Isaías. O segundo Isaías anuncia o retorno do povo exilado. Os chefes do povo, os nobres, a corte foram exilados na Babilônia. Só ficaram na Palestina as pessoas mais pobres do lugar, esse pessoal ficou passando miséria por 70 anos. Aí veio o rei Círio da Pérsia e fez todo mundo voltar para a Palestina, então os discípulos do profeta contemplam um Deus que volta com o seu povo. Essa é a diferença do Deus de Israel para os deuses dos outros povos. Os deuses dos outros povos eram fixos em templos e o templo não se move. São as pessoas que vão até o templo. O Deus de Israel é um deus que está com o seu povo. Por isso que nós, neste período de pandemia, que estamos em isolamento e rezamos em casa, Deus está conosco. Porque Ele não depende dessas quatro paredes aqui. Ele está onde estão os seus filhos, onde estão as suas filhas. Esse é o nosso Deus.

E Jesus é a revelação do Pai: Deus que desce do céu, se esvazia de si mesmo e se torna um de nós, mas é sempre Deus. Humano como nós, porque Deus pode fazer isso. Nós não podemos ser deuses. Se nós queremos ser deuses, nós caímos na autoidolatria que é o pecado das origens: ‘Vocês serão como deuses’. Mas Deus pode ser um de nós, Ele pode se tornar um de nós e, em Jesus, Ele se tornou um de nós. Por isso que as palavras, os gestos, as opções de Jesus, para nós, são normativos. Por quê? Porque Ele é Deus, Ele é o Filho de Deus, que amou com coração humano, andou com pés humanos, se compadeceu de nós e das nossas misérias, veio ao nosso encontro e Ele nos convida – e João Batista também – a um caminho de conversão. Porque se Jesus é o homem novo, o homem que Deus pensou desde toda a eternidade, para que eu seja uma pessoa nova, uma pessoa do Reino de Deus, eu tenho que olhar para como age Jesus.

São João diz ‘conversão’. E conversão é o que? Se eu estou andando para um lado, eu olho Jesus e Ele diz que o caminho é para o outro lado, então eu começo a seguir o caminho de Jesus. Eu mudo o caminho. Eu sigo as vias novas de Jesus. Muitas vezes, não são as minhas. Se eu sou uma pessoa injusta, começar a praticar a justiça. Se eu minto, começar a falar a verdade. Se eu não me preocupo com os outros, começar a me solidarizar com o sofrimento dos nossos irmãos. Olha que frase bonita aqui no Salmo 84: ‘A verdade e o amor se encontrarão, a justiça e a paz se abraçarão, da terra brotará a fidelidade e a justiça olhará dos altos céus’. O nosso Deus é um Deus fiel. Ele nos ama na verdade, no amor e na justiça. Ele nos dá a paz. E busca em nós correspondência para a sua fidelidade, que na nossa vida é a perseverança no bem, mesmo que isso possa custar perseguição, mesmo que isso possa custar a morte.

É a isso que esse Tempo do Advento nos convida: viver de um jeito novo, na espera do dia em que Jesus volta. Olhando os passos de Jesus, acertar os nossos passos hoje, esperando a sua volta. Desse modo nós conseguimos construir um mundo novo, com relações novas entre nós. O que quer dizer fidelidade? As pessoas saberem que podem contar conosco, que não vamos deixá-las na mão nem trai-las ou virar as costas. Isso é fidelidade. No nosso tempo, não dar ouvidos às mentiras que se contam para todo o lado. Fidelidade é querer o bem do povo, é querer construir uma sociedade boa e justa e não destruir tudo o que a sociedade tem. Agora nós estamos num tempo da demolição, os senhores que estão sentados lá em cima estão demolindo tudo, isso não é fidelidade ao povo. Temos que construir um mundo novo, tempos novos. Seguir Jesus é construir isso, o bem entre nós, começando pela solidariedade, nos importarmos uns com os outros.

 

Vamos pedir ao Senhor que nos dê coragem: primeiro, de ver onde nós estamos andando, depois a coragem de olhar como Jesus fazia e o terceiro passo da coragem, mudar as nossas atitudes e os nossos caminhos para seguir Jesus. Vamos lá, são três passos: 1. Ver onde eu estou. 2. Olhar Jesus. 3. Seguir os passos Dele. O Espírito Santo pode fazer isso em nós. Vamos pedir que Ele nos ajude!

Homilia 29-11-20.jpg
Espera no Senhor

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 1º Domingo do Advento (Ano B) – 29/11/2020 (Missa às 10h).

Nós estamos lendo, neste novo Ano Litúrgico, o Evangelho de São Marcos – pois, hoje, para a Igreja, começa o Ano Novo, o novo ciclo da liturgia, e quem vai nos acompanhar este ano é São Marcos. Como ele é muito curto, nós vamos ter vários trechos de São João e de São Lucas também durante o ano, mas digamos que a "espinha dorsal" das leituras do Evangelho será São Marcos. O ano passado foi São Mateus; neste ano litúrgico será São Marcos; e, no ano que vem, o Advento vai começar com São Lucas.

 

Vigilância. Nós, muitas vezes, queremos que Deus intervenha na história. "Por que Deus não acaba com esse coronavírus?" – tantas vezes ouvi isso da boca das pessoas... "Por que Deus não acaba com as guerras no mundo?", "Por que Deus não acaba com a fome?". Nós estamos dizendo a mesma coisa que o povo de Israel dizia, quase desafiando Deus: "Por que você não rasga o céu e faz alguma coisa?". A história humana, Deus deu para nós criarmos. É a nossa parte da criação, e Ele não vai "descaroçar o angu" que nós encaroçamos, nós é que vamos ter que descaroçar esse negócio... De que jeito? Voltando para o caminho de Deus. E qual é o caminho de Deus? Justiça, paz, verdade, honestidade, solidariedade. Olha que coisa: solidariedade. Isso, para a comunidade cristã inteira. Para que? Para que nós sejamos, no mundo cheio de trevas, luz. Porque um cristão desonesto, vale nada; um cristão injusto é das trevas do mesmo jeito. Quem pratica a verdade, a justiça, a honestidade, esse sim é luz! É um cristão que é luz no mundo. E é luz o que somos chamados a ser, como comunidade. Então o que Deus espera da sua comunidade é que, em cada tempo, ela seja uma luz. Luz de amor ao próximo, de serviço, de justiça, de honestidade, de solidariedade... De verdade!

 

Qual o grande problema que nós estamos atravessando agora na sociedade? Fake news, ou seja, mentiras, notícias falsas. Fake, em inglês, quer dizer falso; news, notícias – notícias falsas. Para quê? Para enganar as pessoas, para enganar o povo; para que, desse jeito, eu possa dominar o povo; para que eu seja a única fonte da verdade e, quando falar que o branco é preto, todo mundo diga que é preto. Mas continua sendo branco. Então o cristão, hoje e sempre, tem que ser uma pessoa da verdade, como comunidade, esperando o dia do Pai. Não adianta fazer contas com os números da Bíblia, não adianta ficar fazendo conta com astrologia, achar que o asteroide número não sei qual vai vir, bater na Terra e acabar com tudo. Não adianta ficar tendo esse tipo de conversa. O tempo de Deus é Dele, é do agrado Dele, e não tem ninguém, nem no céu nem na terra, que abaixe aqui e venha dizer quando é – nem a Virgem Maria faz isso, porque ela também não sabe. Jesus falou que só o Pai sabe, ponto final, palavra de Jesus.

 

Depois, para cada um dos discípulos, para cada um de nós, discípulos e discípulas, quando é o dia do Senhor, o dia do encontro com o Senhor? Primeiro, todo momento é momento de encontro com Deus. Todo momento, porque Deus é mais presente a nós do que nós mesmos. Todo tempo é tempo de encontro com Deus, mas o grande momento é o momento da morte, quando nós nos encontraremos face a face com o Pai – ou, alguns místicos dizem, face a face com a única imagem do Pai, Jesus crucificado. E, ali, se dá o julgamento do mundo. A morte não é algo determinado, não está escrito num livro: "Você vai viver tantos dias". Isso não existe, isso é bruxaria. Deus conhece? Claro que conhece, na onipotência, na onisciência Dele. Porém, em Deus, as coisas são eternas. Nós vemos o tempo; Deus vê a eternidade.

 

Nós temos que estar prontos para a morte, e este tempo nosso aqui está nos alertando muito. Quantas pessoas nós conhecemos que estavam bem e, por causa desse vírus, não estão mais conosco? Por responsabilidade – ou irresponsabilidade – do governo, isso é outro problema, mas quantos não estão mais conosco? Quantas pessoas morrem de infarto todos os dias? Que estava bem, era novo, nova... Eu me lembro de uma paróquia onde tinha um casal com dois filhos e a esposa tinha problema de coração; eles estavam tomando café, de manhã, e ela simplesmente caiu morta em cima da xícara, mortinha da Silva, na frente do marido e dos filhos. Quantos jovens estão andando na rua e caem mortos por aneurisma? Quantas pessoas de idade foram internadas, entubadas, passaram quarenta dias em UTI, em hospital, com Covid e, no fim, saíram boas? Quantos jovens foram e não voltaram?

 

A morte é incerta, então Jesus nos convida a estar sempre prontos. Prontos em quê? Na prática das boas obras, na prática do Evangelho, do amor, perdão... E, naquilo que não conseguimos perdoar, pedir a Deus que nos ajude – e Deus ajuda. Além disso, ajudando os outros que sofrem, não sendo indiferentes. "Ah, mas eu tenho que ficar em casa o dia inteiro, porque eu sou do grupo de risco", mas fica lá vendo bestagem no WhatsApp o dia inteiro... Em vez disso, mande uma mensagem para as pessoas que você conhece e sabe que não estão bem. Telefone para alguém, para consolar as pessoas. Esses são modos de estar presente, mesmo estando longe. Você reza pelos outros? Com mais tempo, você lê a Palavra de Deus? Para aprender mais sobre Jesus, para aprender mais a como viver o Evangelho... São questões. Vigiai, preparai-vos, porque o dia do Senhor chega para todos nós. Ninguém vai ficar para semente não, viu, gente? Todos nós, daqui a 100 anos, nenhum que está aqui, nenhum, nem o que estiver na barriga da mãe vai estar mais neste mundo.

 

Este tempo é tempo de fazer o bem; este tempo é tempo de ser luz para o mundo; este tempo é tempo de ser testemunhas de Jesus e do Seu santo modo de agir. Advento é isso, Advento é a espera. Espera do Natal? "Mas o Natal já foi há dois mil anos...". É a espera da vinda do Senhor. Ele quer que a nossa comunidade seja luz para o mundo, para este mundo. Ele quer que cada um de nós sejamos discípulos e discípulas, pratiquemos as palavras do Evangelho. Nós lembramos o Natal para esperar a segunda vinda de Jesus. E, como diz São Paulo, na segunda leitura [1Cor 1, 3-9], Deus é fiel – o que Ele promete, Ele faz, e Ele vai cuidar da gente.

 

Muito bem. Por que é que o Padre veste roxo? Morreu alguém? Não. O roxo, as cores da liturgia, não são para moda – "Ah, hoje eu quero usar verde, amanhã eu quero usar vermelho". Não tem isso, não. Cada tempo tem uma cor, e a cor agora é o roxo, o tempo do Advento é roxo. O roxo significa três coisas: penitência (durante a Quaresma, nós também usamos roxo), espera (Advento, que é o que nós temos agora) ou celebração dos mortos. São essas três coisas que significa o roxo na liturgia. O verde é o Tempo Comum, é a maior parte do tempo, quando nós seguimos Jesus passo a passo pelo Evangelho. Depois nós temos o Tempo da Páscoa e o Tempo do Natal, que são brancos. Pentecoste é vermelho, e quando celebramos os mártires, pessoas que derramaram o sangue por causa do Evangelho, também usamos vermelho.

Homilia 22-11-20.jpg
Jesus traz os oprimidos ao banquete do Reino

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – Solenidade de Cristo Rei (Ano A) – 22/11/2020 (Domingo, missa às 10h).

Este evangelho[Mt 25, 31-46] traz um ponto de reflexão constante para nossa vida cristã. Foi baseado neste evangelho que Frederico Ozanan fundou os Vicentinos. São Vicente de Paulo, duzentos anos antes, vivia dessa espiritualidade: do serviço ao pobre, ao que sofre. Hoje em dia, continuamos, infelizmente, tendo tantas situações de sofrimento e de injustiça no mundo. Nós vimos, dois dias atrás, um homem espancado em um mercado, depois de agredir um vigia. Ele cometeu um erro, mas isso não justifica que a pessoa seja espancada até a morte. E este homem que foi morto era negro. Então nos vem a pergunta: “se fosse um homem branco, teriam feito aquilo?”. Temos que nos fazer estas perguntas.

Um dia, uma pessoa me perguntou: “por que que fala tanto de negro? Para de falar tanto, fala de branco também”. Mas o que não se percebe é que de branco se fala o tempo inteiro. Quando você assiste novela, a maioria é branco. Agora que começaram a mudar, mas antes você podia contar dois ou três artistas negros. Tudo é baseado na cultura branca. Nós não temos o racismo segregacionista da África do Sul, no qual os negros ficavam em lugares separados dos brancos durante o período do Apartheid. Isso não existe no Brasil. Nós também não temos o mesmo segregacionismo americano, mas não podemos dizer que não temos racismo no Brasil.

Vocês já ouviram falar das conversas que os pais negros têm com os filhos quando tem 10, 11 ou 12 anos? A conversa do pai é – prestem atenção nas palavras –: “filho, quando você for parado pela polícia (não é “se”, é “quando”; ele sabe que vai ser parado porque ele é negro), olhe para o chão, entregue os documentos, seja educado, responda às perguntas, se estiver com tênis novo, leve a nota fiscal na carteira”. Se isso não se chama racismo, eu não sei o que vai chamar. Qual pai branco teve essa conversa com o filho quando tinha 11 ou 12 anos? Nenhum. Isso nem passa na nossa cabeça. E os negros são pouco mais da metade da população brasileira.

Não adianta alguns senhores que se sentam em certas cadeiras dizerem que, no Brasil, não há racismo. Não tem como aparece nos EUA e na África do Sul, mas tem. Pergunte a um negro. Tem a história da moça que foi com a amiga negra fazer comprar no shopping. Ela queria comprar sutiã. Chegaram no shopping e a vendedora se dirigiu somente à branca, nem considerou a negra que estava com ela. Só quando foi informada que a moça negra era a cliente é que se dirigiu a ela. A moça negra disse que queria um sutiã cor da pele. A vendedora pegou todas as variações de bege. Por quê? Porque pensamos que cor de pele é só branca. Isso se chama racismo introjetado e nós fazemos isso todos os dias. A vendedora, que não é mais culpada do que nós, deveria ter perguntado: “é para você? Qual a cor de pele da pessoa?”. Racismo introjetado é isso: se você vai comprar uma tinta e quer tinta cor de pele, ela vai ser bege.

Isso está na nossa cabeça e se chama racismo estrutural. E nós somos culpados? Não! Mas temos que ligar o sinal vermelho e saber que não está certo. Que cor você quer pintar a pessoa? Se for São Benedito, a pele é escura; se for Santa Clara de Assis, então a pele é clara. Do mesmo modo, se é uma mulher negra, as cores de sutiã cor de pele serão dentro do cinza, do negro, do marrom. Nós temos que ligar o sinalzinho vermelho.

Padre, e o que isso tem a ver com o evangelho? Tudo! Porque se o Evangelho não nos incomoda, não nos cutuca, é porque estamos lendo errado. Hoje, no Brasil, amar o próximo é respeitá-lo na sua diferença, é considerar o outro, um cidadão como eu. A lei leiga, ou seja, que não é confessional, reconhece isso: “todos os cidadãos são iguais diante da lei”. Mas, algumas semanas atrás, uma juíza escreveu em uma sentença: “pela raça desta pessoa, a gente já vê que tende ao crime”. Isto é falso e absurdo. Ser cristão, hoje, no Brasil, é ter uma mentalidade antirracista. “Eu era negro e você me respeitou” é o que o evangelho nos fala hoje. Eu era negro e você não fez piada. Eu era gay e você não ficou fazendo chacota da minha cara. Eu era loira e você não me chamou de burra. Inclusive, atualmente, estas coisas dão até cadeia. O Evangelho se atualiza nas várias realidades, por isso é Palavra de Deus. E hoje, no Brasil, ele pede respeito, justiça e honestidade. Olha que coisa horrorosa! A que nível nós caímos! Alguns anos atrás, isso eram coisas quase descontadas pois assumia-se que as pessoas eram honestas. Hoje em dia, ser justo e respeitar o outro virou valor cristão. O evangelho incomoda e nos obriga a tomar atitudes. O que podemos fazer? Parar de fazer piadas sobre negros, sobre gays, loiras. E você vai ver como é difícil parar. Você vai ver como isso entrou dentro da sua cabeça. E para mudar, precisa de esforço.

Vamos aprender: quando estou chegando perto do farol e eu vejo um rapaz negro, eu fecho o vidro? Eu faria a mesma coisa se fosse um branco? Ou a gente faz com os dois ou não faz com nenhum! São coisas para pensar. É o evangelho do julgamento. E isso não é política. Esse é o evangelho que incomoda em uma situação que nós vemos todos os dias. Vamos pedir ao Senhor que Ele nos ajude a nos limpar destas ideias e conceitos podres que colocaram dentro da gente. E que nós não temos culpa. Cuidado. Foi colocado dentro da gente. Anos e anos pensando assim. Mas temos que ter consciência e começar a limpar, olhando para Jesus que, na cruz, que foi o Seu trono, perdoou e levou para junto de si nada menos que um assassino.

Homilia 15-11-20.jpg
Fazei o bem com os dons que Deus nos dá

Homilia: Pe. João Aroldo Campanha – 33° Domingo do Tempo Comum (Ano A) – 15/11/2020 (Domingo, missa às 10h).

Tanto o Evangelho da semana passada das virgens, como este de hoje, nos fala da vinda do Senhor e fala aos discípulos de Jesus. Jesus monta esta parábola em volta de um fato histórico: o rei Herodes, o grande, que matou os inocentes, ele foi para Roma e comprou o título de rei. E um grupo de inimigos dele foi logo atrás, só que chegaram atrasados e o rei já tinha comprado o título. Quando eles voltaram para trás, o rei mandou cortar a cabeça de tudo mundo. Jesus usa este fato e conta essa parábola. O rei foi para um país estrangeiro e confiou os seus bens aos seus servos. Ele chamou os servos – este “chamou” é a mesma palavra que se usa quando Jesus escolhe os apóstolos, Jesus passou a noite rezando e, ao amanheceu, chamou os seus discípulos e escolheu 12 entre eles. Esse “chamou” então é uma escolha do Senhor.

 

Deus nos chama e Deus nos dá talentos: a vida, as nossas aptidões, os nossos sentimentos, nos dá a vida e isso tudo é graça. Se nós nos convencermos de que nós não somos donos nem de nós mesmos, tudo o que temos e somos é graça de Deus, nós vamos começar a cuidar muito melhor disso. E o que somos não é para nós é para a vida do mundo, para que o mundo seja melhor, mas o que é o mundo? Minha família, minha vizinhança, minha comunidade, minha cidade, meu estado, meu país, este é o mundo. Dar frutos: paz, justiça, solidariedade, honestidade, estes são os frutos que Deus quer para nós, além do fato de também testemunhar o Evangelho, testemunhar o nome de Jesus e as opções de Jesus – isso é ser cristão, isso é ser discípulo de Jesus.

 

Este Evangelho não está falando de problemas bancários de inflação, a preocupação desse Evangelho é outra. Um talento, naquela época era muito dinheiro, eram 6 mil diárias de dinheiro, imagine mil dias são três anos, seis mil é o trabalho com o salário de 18 anos. Um talento é muito dinheiro, então ele entregou esse dinheiro na mão desses servos, para cada um segundo a sua capacidade, pois nós não somos iguais: tem gente que sabe falar bem, tem gente que sabe consertar as coisas, tem gente que sabe ajudar os outros, tem gente que sabe curar feridas, tem gente que sabe fazer comida e tem gente que sabe construir paredes. Cada um segundo a sua capacidade e foi embora e o rei confiou neles, veja só confiança! Quem é este rei? Nesta parábola, é Jesus que confiou aos seus discípulos a Palavra do Evangelho, confiou a nós os mandamentos do Evangelho amai o próximo a ponto de dar a vida por ele e amai a Deus sobre todas as coisas, Deus que é pai de todas as coisas, Deus que é pai de todos, Deus quer que todos tenham vida. E Jesus volta, Ele vai voltar, essa é a nossa fé: Ele prometeu que volta. “Na casa do Pai tem muitas moradas, eu vou e vou preparar para vós uma morada para que onde eu esteja vocês também estejam”, essa é promessa de Jesus e Jesus é fiel. Aqui tem fidelidade: Ele volta! E, quando Ele voltar, Ele vai pedir o que é Dele. “Eu confiei a vocês essa missão, eu dei para vocês os dons necessários para cumpri-la, como que vocês fizeram isso?”, essa é a pergunta. Qual que é o coração dessa parábola? Fidelidade! Ser fiel ao Senhor e ser fiel significa produzir, colocar em prática aquilo que o Senhor nos ensinou, lutar para que os valores de Jesus sejam implantados no mundo, que nós aprendamos que a pessoa que está do meu lado, que todas as pessoas do mundo, começando sempre pelas periferias, pelos últimos, todas são meus irmãos e irmãs! Este é o caminho.

 

E hoje é dia de eleição e a gente tem que se perguntar: este candidato realmente se preocupa com o povo? Esse candidato realmente se preocupa com as periferias da cidade? Esse candidato está cuidando das coisas básicas para o nosso povo, especialmente, para o povo pobre: escola, educação, saúde? E durante os próximos quatro anos, você tem a obrigação de ir procurando para ver o que está fazendo, se está fazendo esse mundo melhor. É isso que a gente tem que fazer: procurar que este mundo seja melhor, em todos os campos. Tem gente que tem a vocação da vida pública, da vida política, isso é graça de Deus também. Nem todos nós podemos ser políticos, mas todos nós podemos nos preocupar com a vida do povo, isso é política também.

 

Precisamos ser fiéis. E o que aquele terceiro homem fez? Gente, tem uma situação muito estranha se prestar a atenção no que o rei falou: “você deveria ter pego o dinheiro e colocado no banco”, é o mínimo de interesse por aquilo que era do rei. Você pega o negócio e entrega para o banco, você não faz nada, o banco pensa por você. Se você aplica o dinheiro na poupança, você não precisa ir lá todo mês colocar mais dinheiro, a poupança vai sozinha. Você nem precisa se preocupar, a única preocupação é você dizer: vamos guardar esse dinheiro num lugar seguro, o banco é um lugar seguro. Mas o que este homem fez? Abriu um buraco no chão e enterrou ali aquele talento. Existia um costume hebraico, naquele tempo, que se você caminhasse e por um acaso de repente batesse lá num saco de dinheiro, você podia pegar aquele dinheiro para você, ou seja, isso demonstra que o servo não teve cuidado nenhum com o dinheiro. Ele enterrou lá e se qualquer outra pessoa descobre, leva embora. Ele não mostrou nenhuma preocupação, chega ao desprezo. Ele podia ter chego no fim e falado para o patrão: “eu enterrei, mas acho que alguém levou embora, eu não achei mais”, isso é total desprezo.

 

Não podemos desprezar o Evangelho de Jesus. Ou nós somos discípulos e discípulas fiéis ou nós estamos na infidelidade. Isso não significa as nossas fraquezas, debilidades, porque Deus sabe tudo isso. Quando Ele nos chama, ele dá segundo a capacidade de cada um. Tem quem tem o ombro fraco, Ele não vai dar peso muito grande. Tem quem tem a mão torta, Ele não vai mandar essa pessoa fazer um bordado. Ele dá segundo a capacidade de cada um.

 

Vamos fazer o bem, querer bem as pessoas, nos importar com elas, nos preocupar com os pobres, nos preocupar com a nossa esposa, com o nosso esposo, com os nossos filhos. Nos preocupar, nos ocupar deles, conversar com as pessoas, ser honestos. Que coisa horrorosa, gente, temos que chamar as pessoas a honestidade. Que coisa triste. Honestidade tem que ser de todo dia. Temos que aprender a ser pessoas honestas: esse é caminho de Jesus e aprender que o outro e a outra é meu irmão e minha irmã, eu não sou melhor do que eles, estamos todos no mesmo barco e vamos chegar todos na casa do Pai. E o Pai vai perguntar para nós: “que bem que você fez com os dons que Eu te dei?”. É isso que Ele vai perguntar. Ele não vai perguntar dos seus pecados: “que bem você fez?”

Paróquia Santa Teresinha

Praça Rui Barbosa, s/n - Santa Terezinha, Santo André/SP

Informações: Tel. (11) 4996-3506 | WhatsApp. (11) 99971-5580 | teresinha.sa@diocesesa.org.br | Redes sociais: @santateresinhasa

bottom of page